A humanidade assistiu a dois movimentos que romperam com verdades dogmáticas e iniciaram novas eras históricas na transição da Idade Média para a Modernidade e desta para a Idade Contemporânea.

            O movimento que serviu de intermédio do mundo medieval para o mundo moderno foi o Renascimento, quando os olhos humanistas buscaram um resgate clássico nas civilizações greco-romanas da Antiguidade para iniciarem a libertação das correntes da predestinação divina. Foi sem dúvida um movimento de forte apelo transformador, mas com os olhos voltados para o passado, ou seja, entendia-se que havíamos deixado de caminhar, ficamos paralisados, estagnados, e naquele momento, era preciso retomar de onde paramos.

            O Renascimento teve essa tônica libertadora, mas uma liberdade com apelo de resgate. Contudo, na ruptura seguinte, da Antiguidade para a Contemporaneidade, surgiu um olhar para o futuro, as referências de como as coisas um dia foram não era mais o que movia o universo intelectual, mas sim as ideias de como as coisas deveriam ser. Assim, as luzes foram acesas e surgiu o Iluminismo.

            O mundo que vivemos hoje é resultado da aplicação do Iluminismo, revoluções, processos de independências coloniais, fundação de Estados Republicanos, constituição de direitos humanos, enfim, foi o Iluminismo que pensou tudo que vem ocorrendo pelo menos nos últimos duzentos e cinqüenta anos.

            Em torno disso tudo, uma promessa ficou no ar. Certo lema que serviu de grito em diversos processos históricos da maior relevância: “liberdade, igualdade e fraternidade”. Falar de fraternidade como resultado do Iluminismo olhando para os dias atuais, soa como desinformação no mínimo, uma vez que ainda temos questões sérias que se apresentam como empecilhos evidentes para um convívio fraterno, mas as questões da liberdade e da igualdade sofreram avanços e/ou retrocessos que merecem reflexão.

             O Iluminismo teve dois filhos, provavelmente de mães diferentes e é difícil dizer qual dos dois foi o filho bastardo, são eles o Liberalismo e o Socialismo. Cada um desses filhos do Iluminismo abraçou uma parte do lema de seu pai, o Liberalismo abraçou a liberdade, enquanto que o Socialismo abraçou a igualdade, ambos entendendo que tinham encontrado o caminho mais curto para a fraternidade.

            Dessa forma se iniciou o século XX, o Liberalismo fez nascer modo de produção capitalista e o Socialismo trouxe as revoluções comunistas. É fato que entre as duas guerras mundiais, os dois irmãos se aproximaram para unir forças contra um inimigo comum, o Fascismo, mas assim que esse foi vencido, passaram pelo seu pior desentendimento e o mundo se transformou no palco de seus impasses em uma Guerra Fria que não foi tão fria assim.

            Hoje vivemos a prevalência mundial do Liberalismo, mesmo que esse esteja em uma versão mutante, o Neoliberalismo, mas os desentendimentos entre Liberalismo e Socialismo ainda estão na boca das pessoas. Talvez a questão seja mais gritante quando os defensores de um tentem jogar nas costas do outro o comportamento fascista, destacando as ditaduras que o outro construiu, o que é em essência um erro por duas razões objetivas. Primeiro, ditadura é ditadura em qualquer orientação, seja de direita ou de esquerda. Segundo, o Fascismo, aquele mesmo que uniu o Liberalismo e o Socialismo há não muitas décadas, ataca a ambos.

            A questão que talvez mereça maior detalhamento, então, deva ser a da democracia, um fator intermediário que tem assumido muito minimamente o papel da “fraternidade”. Afinal, qual projeto favorece mais à democracia? Pensando que o Liberalismo priorize a liberdade em detrimento da priorização da igualdade por parte do Socialismo, faz sentido que a democracia seja mais forte no Liberalismo. Entenda que isso não é uma fatalidade, afinal, são incontáveis a ditaduras que o século XX produziu em defesa da manutenção de regimes capitalistas, além do fato de que a democracia seja uma prerrogativa do socialismo científico mais ortodoxo. Entretanto, o Liberalismo nasceu de uma paixão pela liberdade, e isso favorece à defesa da democracia via Estado, o que é menos simples em um Estado Socialista que exalta a igualdade, algo que de modo imediato fatalmente esbarrará na democracia.

            O Liberalismo venceu o Socialismo? Mesmo que ainda estejamos em um mundo que alimenta os últimos focos socialistas, a resposta é sim. Mas isso significa que o Liberalismo seja o filho legítimo do Iluminismo? Essa resposta ainda não temos, mas uma coisa é certa, nem o Liberalismo nem o Socialismo conduzirão a humanidade à “fraternidade”, e não é o fato do Liberalismo ter se mostrado menos nocivo à democracia que o Socialismo que dá a ele o status de ponto final. Podemos aprender muito com os regimes socialistas, sobretudo, no que se refere a identificar as contradições capitalistas.

            Talvez o caminho agora seja o da paixão pela democracia, um caminho de “liberdade” que favorece à construção da “igualdade”. Apenas chegaremos à “fraternidade” quando unirmos o sonho liberal e o sonho socialista, é por isso que a promessa iluminista ainda não foi cumprida. Desapegue-se do caminho da direita ou da esquerda, a democracia agora é o caminho, pois o Iluminismo não pode ser apagado.