A profissão docente numa perspectiva marxista

TEODORO, Cristiane Aparecida Zambolin

LARA, Natália Bianca Bruni de 

Resumo

Este artigo propõe-se a investigar a profissão docente a partir da perspectiva marxista, analisando o papel do professor na atual configuração social em que vivemos. Almejamos destacar a importância de uma educação emancipadora que vise à formação integral do aluno e proporcione meios para que o mesmo saiba posicionar-se diante das diversas situações sociais exercendo um papel de cidadão crítico. Para tanto, torna-se fundamental investigar o modo pelo qual o professor desempenha sua função, tendo em vista que é este o principal agente educador em uma instituição escolar.  Para tanto, foi realizada um revisão bibliográfica sobre o tema, procurando estabelecer relações entre a teoria de Karl Mar e a profissão docente, destacando pontos que consideramos relevantes para a formação de uma educação autônoma.

Palavras-chave: Marxismo; Profissão Docente; Educação.

Introdução

As recentes pesquisas e debates na área da educação tendem a defender o paradigma de que é preciso desenvolver um ensino emancipador, que vise à formação de alunos críticos e reflexivos, capazes de questionarem e modificarem a realidade em que estão inseridos.

A partir dessa afirmação, entendemos que só será possível alterar a sociedade a que pertencemos após compreendermos as relações sociais e de poder que configuram nossa organização e, para tanto, faz-se necessário que investiguemos nossa trajetória histórica para que de fato haja a compreensão desse modelo social atual.

Isto posto, cabe destacar que a educação é uma das principais ferramentas de transformação existentes em nossa sociedade, a partir do incentivo a pesquisa e ao diálogo, podemos enquanto professores, contribuir para a formação de sujeitos que serão os responsáveis pela efetiva mudança a que tanto nos referimos nos debates políticos que estão em vigor nesse momento atual.

Entretanto, sabemos que a educação emancipadora, é resultado de processo lento e gradual, por isso torna-se fundamental que o profissional da educação tenha plena consciência de seu papel social, de modo que possa realmente propor aos seus alunos uma educação transformadora.

Diante desse pressuposto, consideramos relevante debater sobre a profissão docente e seu papel social, de modo a contribuir para a formação ideológica desses profissionais, para que isso ocorra utilizaremos como referencial teórico as contribuições de Karl Marx para a sociologia bem como de outros estudiosos que estudam a educação.

A discussão se dará em dois momentos distintos: 1) O marxismo e a atual conjuntura social; 2) A profissão docente e seu papel emancipador. A partir da discussão desses dois tópicos, acreditamos ser possível estabelecer um entendimento acerca da realidade educacional atual.

 

1 O marxismo e a atual conjuntura social

 

Karl Marx (1818 – 1883) foi um intelectual e revolucionário Alemão que desenvolveu sua teoria baseando-se nos conflitos sociais existentes em sua época, entre eles destacamos os fatores políticos e econômicos ocasionados pela ascensão do capitalismo, o que o levou a desenvolver sua teoria baseado na divisão social e na luta de classes.

O marxismo procurou romper laços com as explicações filosóficas e religiosas que se desenvolviam no decorrer do século XIX, em outras palavras, buscava explicar a realidade social a partir do que se passou a chamar de materialismo histórico, o qual consiste no “concreto, o real e a relação social entre os homens, para resolver suas necessidades.” (RODRIGUES, FAVARO, s/d, p. 7) Aliando suas ideias as de Engels, Marx acreditava que “a resposta verdadeira para o homem compreender seu tempo, estava no seu modo de produção, não na religião, na moral ou em qualquer outra filosofia” (Idem, s/d, p. 7)

                        Apesar de o capitalismo ter sido o “fio condutor” para o desenvolvimento de sua teoria, Marx não procurava dar explicações para as políticas sociais do capitalismo, mas sua preocupação consistia em propiciar meios que possibilitassem uma maior condição de igualdade entre os homens.  Para que isso fosse possível, o autor defendia que era preciso conhecer as origens que ocasionavam a desigualdade social, para tanto declarava ser necessário uma análise histórica da realidade para que houvesse de fato a promoção de mudanças sociais.

Essa desigualdade social gerada pelo sistema capitalista acarretou no surgimento de duas classes sociais distintas, a burguesia e o proletariado. A burguesia consiste na classe social mais favorecida, proprietária dos bens de produção e que controla o proletariado, que por sua vez, vende sua força de trabalho em troca de um salário, essa relação desenvolve para Marx um conflito de classes, que seria o motor para as mudanças sociais.

Nesse conflito de classes existente na sociedade capitalista há ainda a figura do Estado, que deveria ser uma instituição mantenedora da ordem social e do desenvolvimento, mas que em contrapartida, acaba por ceder aos interesses da classe burguesa favorecendo o desenvolvimento desta em detrimento do proletariado, isso porque a maior parte dos agentes que compõem o “Estado” e que possuem poder de decisão, fazem parte da elite burguesa.

Apesar desse domínio que a burguesia possui sobre o proletariado, o autor esclarece que a mudança social seria iniciada pelo grupo mais desfavorecido. Tendo em vista que o proletariado é a classe com maior número de integrantes, para Marx deveriam ser eles os responsáveis pela mudança social, pois estes são os prejudicados pela desigualdade social existente nas sociedades capitalistas.

Podemos observar que contraditoriamente, ao mesmo tempo em que o capitalismo gera uma desigualdade, social, proporciona também o sentimento de superação das mesmas e, para que isso ocorra de fato, a educação torna-se instrumento de apoio na organização e na luta dos desfavorecidos contra a burguesia. Nesse sentido, essa busca por mudanças envolve aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais, gerando o que Souza Junior (2010) chama de práxis revolucionária. À vista disso, esclarecemos que:

A práxis revolucionária é o processo educativo que surge como elemento contraditório das mediações de segunda ordem, ou seja, surge no interior das velhas relações burguesas tensionada pelos processos de internalização das “perspectivas gerais da sociedade de mercadorias”. A práxis revolucionária, por tanto, é em si mesma um processo educativo que, todavia, por sua vez, requer certo tipo de educação teórica e prática para que possa desenvolver-se, isto é, depende da ação político-pedagógica autônoma desenvolvida pelos trabalhadores autoeducando-se para compreender suas condições e suas tarefas históricas. (Souza Junior, 2010, p. 34)

Marx define que a escola é uma criação da classe burguesa, pois com a ascensão do capitalismo tornava-se primordial instruir as crianças para herdarem o patrimônio acumulado pelos pais. No entanto, concomitantemente, a escola é uma instituição essencial para que haja a emancipação do proletariado, isso porque a somatória entre as atividades intelectuais e manuais desempenhadas pelo proletariado colocá-los-iam numa situação de vantagem, desenvolvendo o que chamamos de “práxis do proletariado”. Dando ênfase à afirmação, Souza Junior (2010, p.176) esclarece que:

A despeito desse caráter de microestrutura indissociável das estruturas da sociedade do capital a importância da escola para a caminhada emancipatória do proletariado não se desfaz. [...] Muito claramente que a escola deve encarregar-se de um determinado tipo de conteúdos, de um determinado tipo de formação, ao passo que aqueles mais diretamente associados ao processo sócio-histórico de emancipação proletária, os mais decisivos para a formação política do sujeito revolucionário, estariam a cargo do processo autoeducativo do proletariado.

          

                        Entretanto, essa visão referente à relação escola/trabalhador originou duas correntes distintas: 1) visa à escola como instituição reprodutora da dominação burguesa; 2) visa à escola como instituição capaz de redimir as desigualdades da sociedade capitalista.  Analisando ambas as correntes, compreendemos que o papel emancipador da escola possui uma linha tênue entre o conservadorismo e o liberalismo, por isso atribuímos como fundamental o papel que está nas mãos dos profissionais docentes, visto que são estes que desempenham a função de ensinar, orientar, educar e dialogar com as gerações mais novas (em sua maioria) e com seus pares, sendo diretamente responsáveis pelas ideologias disseminadas nas instituições em que atuam.

2 A profissão docente e seu papel emancipador

                        No decorrer deste texto, percebemos que a educação pode desempenhar o papel de conservadora da ordem social ou pode ser um dos principais recursos para o processo revolucionário que visa à mudança social, para tanto se faz de fundamental importância que o professor tenha plena consciência de seu papel social e político nessa dualidade.

                        Para suprir os debates ocasionados por essa dualidade, Marx desenvolveu a dialética marxista. A dialética consiste no estudo de duas posições distintas (tese e antítese), e essa argumentação levará o estudioso para o entendimento de uma terceira hipótese (síntese) que será essa a essência do conhecimento ou a chamada evolução do conhecimento. Nesse sentido, o homem precisa ser capaz de compreender os problemas que compõem seu cotidiano, investigar suas origens e raízes, para posteriormente chegar a propor as possíveis soluções reais. Nas palavras de Rodrigues e Favaro (s/d, p.7):

A dialética apresentada por Karl Marx seria quando entendemos as contradições, que parte do senso comum (tese), que seria o conhecimento aparente, para buscarmos no modo de produção de um determinado período histórico a compreensão (antítese), e só assim chegar ao entendimento, que seria a essência, a totalidade (síntese), ou seja, seria a passagem da tese para antítese e em seguida para a síntese, a dialética seria o movimento que busca as contradições. Karl Marx defendia a tese, que só é por meio da dialética que pode ocorrer à evolução do conhecimento, sendo necessário estudar as relações sociais, políticas e econômicas de um determinado período histórico, para compreender as contradições históricas existentes.

                        Nesse sentido, o professor deve ser capaz de alcançar esse conhecimento pleno apontado por Marx, livrando-se das crenças e costumes que permeiam seu cotidiano, sendo capaz de analisar criticamente sua realidade e, em seguida, proporcionando aos seus alunos o conhecimento necessário para que estes alcancem a sua própria compreensão social.

A educação é vista como ponto categórico para a manutenção social, seja para manter a estabilidade ou para proporcionar mudanças, deste modo à referida não se mantem neutra dentro do sistema capitalista. Como já foi citado anteriormente (dentro de uma perspectiva marxista), o governo tende a ceder as exigências da classe burguesa e consequentemente os projetos educacionais também são influenciados por essa categoria . Desse modo, seria ingenuidade pensar que a educação sozinha poderá mudar a sociedade tendo em vista que a mesma é controlada pelos agentes que lutam pela permanência e estabilidade desse modelo de divisão social capitalista. Dando ênfase a afirmação, os autores Rosa, Delgado e Martins (2012, p. 2) alegam que:

Por estar sobre controle do Estado e das classes capitalistas, o sistema escolar por si só não tem força suficiente para provocar transformações no sistema social de poder, nem mesmo para alterar radicalmente sua estrutura interna. Mudanças no sistema escolar só podem ser realizar de modo articulado com as transformações na estrutura econômica – política. Estas mudanças ocorrem a medida que as classes populares conseguem construir seu poder no sentido de irem vencendo o poder da classe capitalista. Para Marx, a educação é condicionada pelos valores e interesses das classes dominantes e contribui para preservação de seu poder. A educação por si só não pode ser considerada como alavanca de transformação radical da estrutura de poder, porque o poder que controla a educação não permitirá que ela se volte contra ele.

 Esse fator acaba por gerar um ensino alienador, voltado a atender as necessidades impostas pela sociedade capitalista. Nessa perspectiva, vemos que essas exigências estão direcionadas a atender o mercado de trabalho, disseminando funções que são atribuídas por uma elite que detém o controle da economia e da política. Deste modo, sugerimos que, muitas vezes, a educação básica pública destina-se a formação de mão-de-obra necessária para dar prosseguimento ao “desenvolvimento da sociedade”, aparentando um crescimento econômico das classes mais baixas. Um exemplo desse fator pode ser visto no incentivo dado pelas instituições governamentais a determinadas áreas em momentos de precisão, como quando ocorre a falta de professores e há a facilitação para a formação universitária destes, e o mesmo acontece com engenheiros, pedreiros, eletricistas, mecânicos ou profissionais de qualquer outra área.

                        A educação emancipadora deve visar à formação critica dos sujeitos, de modo que estes possam compreender a estrutura social, politica, econômica e cultural da sociedade e consequentemente possam lutar para que as melhorias ocorram. O professor nesse emaranhado torna-se o responsável por conduzir seus alunos a um esclarecimento contestador de sua situação social, o mesmo não deve fornecer verdades prontas e estabelecidas, mas instigar os educandos a desenvolverem suas concepções e compreensões sociais. Para tanto, não basta apenas criar um discurso contrário às ideologias burguesas existentes em nosso cotidiano, mas deve promover uma reorganização no currículo e na realidade educacional.  Corroborando com a ideia, Souza Junior (2010, p.183) afirma que:

...a nova realidade da luta por escola indica que não faz sentido apenas lutar cegamente contra o “neoliberalismo”, ou contra as “ideologias de mercado”, e manter intactos todos os outros fatores e dimensões estruturais com os quais a crise atual da escola se relaciona.

Isto posto, voltamos a defesa marxista de que é necessário haver uma análise histórica da sociedade para se compreender as atuais conjunturas. Para compreender a educação que temos em nosso país, precisamos analisar o modo pelo qual a mesma foi estruturada e reformular os pontos que impedem o desenvolvimento de uma educação emancipadora.

Para tanto, muitas dessas mudanças na educação estão envoltas na figura do professor, haja vista que o mesmo é o principal responsável pelo ato de ensinar. Entretanto, se no decorrer da nossa história a educação foi manipulada pelos interesses da burguesia, a formação desses profissionais também esteve atrelada a esse fato, pois como aponta Tardif (2008), o professor possui sua formação pautada em múltiplos saberes (profissionais, de formação, experienciais e sociais) que mesmo que indiretamente foi influenciada pelos aspectos sociais dominantes. O autor esclarece ainda que:

Nesse sentido, o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc. [...] pode-se dizer que uma parte importante da competência dos professores tem raízes em sua história de vida, pois em cada ator a competência se confunde enormemente com a sedimentação temporal e progressiva, ao longo da história de vida, de crenças, de representações, mas também de hábitos práticos e de rotinas de ação. (TARDIF, 2008, p. 69)

Com isso, entendemos que, para que haja a mudança, é necessário priorizar por uma formação de profissionais que tenham autonomia intelectual desprendida das imposições burguesas. Para tanto, o Estado, instituições governamentais, instituições escolares e agentes sociais deveriam amparar-se em uma situação contra hegemônica para que de fato se torne possível enfrentar minimamente a posição imposta pela elite dominante.

Pensar em uma escola que aspire atender aos interesses do proletariado visando à emancipação politica e social exige refletirmos e analisarmos situações mais densas acerca da hegemonia social. Mais do que exigirmos soluções, cabe-nos compreendermos como essas soluções são ofertadas. Ao buscarmos uma mudança social, não procuramos apenas inverter as posições, mas idealiza-se que haja uma reorganização social, politica, econômica e cultural da realidade em que vivemos.

Considerações Finais

Diante de todo exposto, buscou-se evidenciar a necessidade de promover um ensino emancipador nas instituições escolares, que vise à formação crítica de nossos alunos. Entretanto para que isso ocorra, é necessário que o profissional docente tenha clareza de suas ideologias.

As contribuições de Karl Marx favorecem esse ensino emancipador na medida em que busca compreender as raízes da estrutura social, pois acreditamos que para ocorrer à efetiva mudança é preciso conhecer profundamente as origens dos problemas sociais, promovendo medidas que visam soluções eficazes e não apenas emergenciais.

Ao exercer a profissão docente estamos carregados de crenças e costumes que são impostos culturalmente desde o nosso nascimento, a sociedade capitalista em que vivemos procura manter o “status social” de cada classe com divisões arbitrárias e com medidas que afirmam a suposta superioridade de uns sobre os outros. Ao almejarmos mudarmos essa realidade, precisamos primeiro questionar sobre nosso papel enquanto professores e sobre o tipo de educação que estamos oferecendo a nossos alunos.

Referências Bibliográficas

RODRIGUES, Adriana Aparecida; FAVARO, Neide de Almeida Lança Galvão. A contribuição do pensamento de Karl Marx para a compreensão da estruturação do sistema educacional. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais-vii-7-seminario-trabalho-ret2010/Adriana_Rodrigues_do_pensamento_Marx_sistema_educacional.pdf. Acesso em: 15 dez. 2014.

ROSA, Aline Azevedo; DELGADO, Valéria; MARTINS. A Sociologia da Educação na Visão de Karl Marx. Pitágoras. v. 3, n. 3, 2012. Disponível em: http://www.finan.com.br/pitagoras/downloads/numero3/a-sociologia-da-educacao.pdf. Acesso em: 15 dez. 2014.

SOUZA JUNIOR, Justino de. Marx: e a crítica da educação. Aparecida/ SP: Ideias e Letras, 2010.

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 9. ed. RJ, Petrópolis: Vozes, 2008.