A Professora


Autor: Eduardo Silveira



Rossini entrou na sala, acompanhado de uma mulher. Todos os vendedores que ali estavam, pararam o que estavam fazendo, para olhar para aquela mulher alta e de uma beleza exótica.
Boa tarde, gente! - Saudou Rossini e continuou:
Essa é Michelle. Ela vai ministrar as aulas de inglês para as equipes de venda, ok?
Olá! - Cumprimentou ela, num português com sotaque diferente.
Um "coro" de vários "Oi", "Olá", "Tudo bem", se fez ouvir dentro da sala. Alguns olhares inconvenientes também se fizeram notar, além de algumas "gracinhas" sussurradas aqui e ali.
Feita as apresentações do grupo formalmente, foi a vez de Michelle se apresentar. Ela, logo demonstrou ser muito simpática e muito segura, porque "tirou de letra" algumas insinuações mais maliciosas, e levou na "esportiva", como dizem, alguns olhares, intencionalmente, mais libidinosos, e que convergiam, indiscreta e diretamente, para o decote do seu vestido.
Michelle era de origem francesa, estava há poucos meses no Brasil, e para ganhar a vida, enquanto não conseguia uma colocação formal, ministrava aulas de francês e inglês em algumas empresas.

O curso, quando foi implantado na empresa, teve pouca adesão de "alunos", pois, segundo eles, o professor era uma pessoa austera e de difícil convivência. No entanto, com a chegada da nova professora, "misteriosamente", o numero de alunos aumentou consideravelmente.
Foram definidos os grupos e os dias de aula. Aulas essas, que aconteceriam três vezes por semana, e sempre ao final do expediente. E assim, a figura de Michelle, passou a fazer parte, quase que diariamente, do cenário da empresa. Passada a "euforia" dos primeiros dias, e com a maior integração dos alunos e da professora, as aulas foram transcorrendo sem maiores novidades.

Rodrigues e Hermes eram amigos, e faziam parte da mesma equipe de vendas. Hermes era casado e Rodrigues, solteiro. Rodrigues, era um garanhão. Era um conquistador nato. Não podia ver uma mulher na rua, no ônibus, no metrô, em fila de banco, em qualquer lugar que fosse, lá ia ele se insinuar para ela. E nem precisava ser bonita . Os colegas o apelidaram de " Limpa trilhos".
Então, quando Michelle apareceu para dar aula, ele ficou alucinado. E fez uma aposta com Hermes, que em menos de um mês, ele a convidaria para sair e ela "estaria no papo".
A verdade, é que a maioria dos "alunos", queriam mesmo, era sair com Michelle. Não faltavam "convites" para um chopinho, uma esticada em alguma casa de shows ou até mesmo um cineminha, depois do expediente. Rodrigues era, sempre, o mais entusiasmado. Tinha sempre um programa "maravilhoso", e sempre fazia questão de convidá-la. Fizeram, inclusive, várias apostas, para ver quem seria o primeiro a sair com ela. Mas, ela recusava todos os convites.

Michelle vivia sozinha, e não dispunha de tempo para fazer amizades. Dessa forma, dar aulas para ela, era uma forma de conhecer pessoas, se distrair e ainda ganhar algum dinheiro. E, dentre os alunos, quem mais ela se identificara, fora Hermes. Uma grande empatia entre eles foi-se estabelecendo com o passar dos meses. Ela via nele um rapaz, educado, simpático, generoso e muito responsável. E, diferentemente dos outros, não ficava "bombardeando-a" com olhares insidiosos, comentários maliciosos e convites fúteis.
As suas conversas giravam sempre sobre assuntos corriqueiros, cotidianos. E um dia, Hermes ao chegar no ponto onde pegava o ônibus, todos os dias, para sua casa, teve uma surpresa. Parada ali,
também esperando um ônibus, estava...Michelle.
A partir daquele dia, os dois passaram a ir juntos para a parada de ônibus e ficavam ali, conversando, sobre os mais variados assuntos. E, com o passar dos dias, os assuntos eram tantos que, às vezes, "perdiam" alguns ônibus.
Hermes, a princípio, achava engraçado o modo como ela se comportava, quando estavam a sós, no ponto de ônibus. Ela era tão diferente de quando estava na empresa. Ali, no ponto, ela era mais extrovertida, mais divertida, mais alegre e isso a tornava muito mais...bonita. Assim como, achava igualmente bonita, as roupas que ela usava, talvez, um pouco sóbrias demais, mas realçavam muito
a sua figura e , consequentemente, a sua beleza.
Em uma noite bastante fria, na parada do ônibus, enquanto conversavam, Michelle, de repente, calou-se, aproximou-se bem dele e o abraçou. Hermes, ficou sem jeito, sem saber exatamente o que fazer, e terminou por acolhê-la. Ficaram ali, abraçados, sem dizer palavra.
E, esses encontros foram acontecendo outras vezes, já entremeados por alguns beijos, abraços, carícias e carinhos, que foram se tornando cada vez mais intensos.

Michelle, em suas viagens, conhecera muitos lugares, muitos costumes e também, muitas pessoas. O seu conceito sobre a questão de relacionamentos, era bastante abrangente. Sabia sair de uma investida amorosa com charme e sutileza, sem magoar ninguém. Já havia feito isso lá mesmo, na sala de aula. Conseguia perceber, nitidamente, a diferença entre homens como Rodrigues, e outros que a cortejavam tão intensamente, de uma pessoa como Hermes.
Hermes era diferente. Ele era tão atencioso, sensível, amoroso, tinha um beijo delicioso e, além disso, possuía uma característica rara em homens... ele a ouvia. E ela precisava tanto daquilo. Alguém que a ouvisse, que a entendesse, que a respeitasse e com o qual ela se sentisse protegida.
Então, mesmo sabendo que ele era casado, reconheceu que estava apaixonada. Não queria, mas estava.

Os sentimentos de Hermes também estavam completamente embaralhados. Ele era casado, amava a esposa, que estava grávida, e não havia procurado aquela situação. Tudo acontecera como um turbilhão de acasos. Quando deu por si, já estava totalmente envolvido. Pensou em mudar o seu caminho e ir pegar o ônibus em outra parada. Pensou em deixar de assistir as aulas. Pensou em nunca mais falar com ela...pensou em tanta coisa, mas não teve forças. Aqueles momentos, em que os dois ficavam ali, a sós, na parada de ônibus, eram momentos mágicos. E ele sabia, exatamente, onde todo aquele envolvimento iria acabar.
Ela, sutilmente, já o convidara para conhecer o apartamento dela. Mas ele recusara, pois um sentimento de culpa sempre o invadia quando pensava na esposa.
Mas, ultimamente, principalmente , depois que as carícias e os beijos se tornaram mais ardentes, ele começara a reavaliar a situação. Negar ou conter o seu desejo, por aquela mulher, estava esmiuçando todas as tramas do seu coração.

Michelle o convidou mais uma vez para ir ao seu apartamento. Ele aceitou. Marcaram para uma quinta feira.
Em casa, ele, com o coração apertado, inventou uma desculpa para a esposa, dizendo que iria na casa de um amigo, após o expediente, para testar um aparelho novo. Ela, inocentemente, acreditou.

Quinta feira.

Hermes chegou na empresa, dirigiu-se à sua seção e ficou lá fazendo uns apontamentos, junto aos outros vendedores. Mais tarde, já ia saindo para visitar alguns clientes, quando Rodrigues o chamou e disse que tinha um telefonema para ele. Ele atendeu, falou rapidamente e pálido, saiu correndo. Rodrigues o alcançou no elevador, e quis saber o motivo daquela pressa.
Meu filho vai nascer. - Disse ele, visivelmente nervoso.
Como assim? - Perguntou o amigo. - Mas não era pro final do mês?
Era, cara! Mas minha mulher teve um problema, e foi levada pro hospital.
Então vai lá! - Falou Rodrigues e emendou: - Quer que eu vá junto?
O elevador chegou.
Não, não. Tudo bem. - respondeu ele, entrando no elevador. - Se precisar eu te ligo, ok?
Ok. Ok. Boa sorte.

Amigo! - Falou o motorista do táxi. - Chegamos. O hospital é aqui.
Hermes estava tão absorto em seus pensamentos, que nem percebeu que já haviam chegado ao hospital. Pagou, desceu rápido e entrou no hospital.
Pediu informações na recepção e nem esperou o elevador. Subiu as escadas correndo. Quando chegou no andar informado, viu a sogra, sogro, cunhados, todos vindo ao seu encontro para abraçá-lo. Todos estavam nervosos e com os olhos marejados. Depois de conversarem um pouco, colocaram-no a par do que tinha , realmente, acontecido. Hermes andava de um lado para o outro, parecia um bicho acuado.
Uma hora e meia depois, o médico responsável apareceu e deu a boa notícia. Era um lindo menino. Todos começaram a rir e a chorar ao mesmo tempo, se abraçaram, parabenizando-se. Hermes, chamou o médico num canto, e perguntou-lhe sobre o estado geral da esposa e do bebê. Queria vê-los, mas o médico disse que não seria possível, pois o bebê havia sido levado para a incubadora, e que iria ficar lá por um período de vinte quatro horas. Hermes foi ver a esposa e depois foi para casa.
Naquela noite, sozinho em seu apartamento, Hermes fez uma avaliação de todas as coisas que estavam acontecendo em sua vida. Pensou na mulher, no filho e em Michelle. Passou a noite inteira acordado, imerso naquele labirinto de pensamentos.
Quando o dia amanheceu, ele tomou um banho, se vestiu e foi para o trabalho. Todos estranharam quando ele apareceu na empresa. Mas ele ficou lá. Não foi visitar nenhum cliente.
Antes do expediente terminar, ele dirigiu-se até a sala onde aconteciam as aulas e lá estava ela. Ele fez-lhe um sinal, através do vidro chamando-a para ir para uma outra sala. Ele entrou, e logo em seguida ela chegou sorrindo e dando-lhe os parabéns, pois já havia sabido da notícia. Mas não pode deixar de notar que ele estava diferente.
Ficaram ali, conversando durante um bom tempo. Depois, ele foi embora. E ela foi para a outra sala, dar aula. Os alunos notaram que ela havia chorado.

Já viu o seu filho? - Perguntou ela sorrindo.
Vi através do vidro do berçário, mas estava longe, e não vi direito. - respondeu ele.
Não se preocupe. Você vai vê-lo já, já.
Hermes, suavemente, passou seus dedos pelos cabelos de sua esposa e sorriu.
A enfermeira entrou no quarto, sorrindo e disse:
De quem é esse menininho lindo? - e entregou-o à mãe.
Hermes quando olhou aquele bebê todo enroladinho, só com o rostinho de fora, um nó apertou-lhe o peito e a garganta. As lágrimas começaram a rolar pelas suas faces.
Mas olha só que bobo! - Disse a esposa sorrindo, com os olhos marejados.. - Papai é um chorão, viu, neném!
Vamos, seu bobo! Segure o seu filho, vai! - disse ela.
Hermes pegou-o no colo, apertou-o contra o seu peito e, olhando profunda e ternamente, para aquele rosto angelical, disse baixinho:
Não se preocupe, meu filho, papai está aqui...papai voltou!

O bebê sorriu.