A PROFESSORA DO BUZU

Era mais uma segunda como tantas outras em quase quatro anos e a professora Dora, quase uma aventureira, preparava-se para mais uma viagem a trabalho. Toda semana ela viaja uns 500 km de Salvador para lecionar na Universidade do Estado da Bahia em Seabra. Realizar um ofício é também caminhar em missão, tudo pelo desejo de cumprir com suas obrigações e realizações como docente.

Arrumando a mala, sempre ficava em dúvidas do que levar? A cidade de Seabra está quente ou fria? Porém, as roupas são sempre combinadas; calça, porque dão para pegar moto tx, sapatilhas para não cansar os pés, blusas com manga, sem manga que combinem com a peça de baixo para não pesar muito, produtos de higiene pessoal e uma maquilagem leve para disfarçar aquela cara de “Dora cansada de guerra ou Dora que não é nem cravo nem canela”. Levava também muitos livros para ler, de diferentes temáticas, pendrive, netbook, ela ainda não tem um tablete e diz que não consegue ler as letrinhas pequenas, mas ficou com a pulguinha atrás da orelha porque outro dia uma colega disse em reunião de colegiado “quanto maior o lattes menor deve ser o computador” quando ouviu isso Dora riu, mas... pelo sim pelo não muitos aderiram ao tablete, iphone...

 Arrumou também o kit sobrevivência: água, um suquinho de maracujá, biscoito integral, umas frutinhas para o organismo não “desandar” na estrada, e algumas coisinhas que tenha em casa, um bolinho, um docinho, com a desculpa que doce dá energia e melhora o humor caso a viagem seja desgastante.

Depois da correria para deixar tudo arrumadinho é agora de descer e ir para a rodô aproximadamente 22h porque o buzú sai às 23h. Na rodô o início é de uma viagem dantesca, e olha que se Dante tivesse conhecido essa rotina de viagem a Divina Comédia teria sido sucesso também. O buzú chega, a fila quase do “sus” se forma e todos querem entrar primeiro pela porta, Dora fica pensando: como teria sido essa Porta retratada por Rodin em escultura caso tivesse descrita antes por Dante?

Quando o buzú começou a sair Dora se lembrou de seu “sossega leão” remedinho homeopático para dormir, e para seu desesperado percebeu que havia esquecido em casa. Ó PAI Ó, gritou Dora para si mesma em silêncio: e se o buzú quebrar, atropelar uma cava, derrapar na pista, se crianças chorarem, se músicas tocarem, pois são vários estilos ao mesmo tempo, se pessoas vomitarem, escarrarem e aquilo não vale o “escarrar nesta boca que te beija”, ela estaria sóbria para tudo isso, um pesadelo!!

Naquela segunda-feira Dora estava cansada e conseguiu dormir, acordou com o dia amanhecendo aproximadamente 6h da manhã aos pés do Morro do Pai Inácio, imaginando, que estaria chegando a Seabra, no entanto uma tensão estava no ar... um homem gritou: uma carreta virou e só sairemos daqui por volta de uma e meia, da tarde. MISERICÓRDIAAAA, dessa vez a voz de Dora saiu e olhos curiosos a seguiram, sem graça ela disse: é que eu tenho que ir trabalhar!! E nesse momento começou a trocar ideias com outros passageiros.

A agonia começou no buzú, uma criança não parava de falar, chorar, e pedir um monte de coisas. Um casal em lua de mel não parava de se beijar, cada “estralo de línguas” de dar inveja a qualquer mortal. Do lado um jovem sério e compenetrado ligou seu notebook e começa a assistir ao filme Argo, e quem sabe ele não descobriria uma maneira fantástica de tirar todos dali. Outro jovem liga seu celulinho no volume máximo e um reggae em espanhol começa a irritar os passageiros, e para irritar ainda mais um senhor liga o seu com arrocha, outro com pagodão, uma senhora começa a ouvir música gospel e outra o hino do Senhor do Bonfim, outra lê em voz alta o rosário, quando alguém grita: CHEGAAAAA, e o silêncio toma conta do lugar.

Resta agora aos passageiros descer do buzú para esperar o tempo passar, ou para quem tem livros como Dora, ler. Como a mala de Dora tinha muitos livros, ela sugeriu que a mãe lesse A menina do laço de fita para a filhinha, emprestou para uma senhora o livro Tenda dos milagres para a outra O pagador de promessas, sugeriu El principito para que o rapaz do reggae se distraísse sem sair da língua espanhola, e até o motorista começou a ler empolgadamente A volta ao mundo em oitenta dias, para o casal Dora sugeriu Luxúria: a casa dos Budas ditosos, e foi emprestando muitos livros, e também continuou a sua leitura do livro Ciganos.

Uma voz vinda de fora do buzú dizia: A PISTA FOI LIBERADA! E o motorista meio tristinho foi devolver o livro para Dora dizendo “agora que estava bom...” e retomou seu lugar para voltar à viagem. Dessa vez Dora que estava bem acordada para ver a reação das pessoas que continuavam lendo, mesmo que não seja bom ler com o carro em movimento, anunciou: Não se preocupem em ler aqui, acabem suas leituras onde quiserem, e meus livros agora são de vocês, e que a LEITURA OS ACOMPANHE.

Essa viagem para Dora deixou de ser Dantesca para ser Pasargadense!!!