Autora: Kelly Porto Ribeiro, Radialista graduada em Comunicação Social com ênfase em Rádio e TV pela Universidade Metodista de São Paulo.

 

A PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA NACIONAL DOS ANOS 60: CINEMA NOVO E CINEMA MARGINAL

        O cinema nacional do início da década de 1960 é representado por uma ruptura de padrões estéticos e ideológicos, dando início ao movimento denominado Cinema Novo. O grande objetivo dos filmes, neste começo, era mostrar a luta diária do homem simples no Brasil, chocando assim a elite (público que costumava assistir filmes com características mais autorais). Tudo isto com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.

        O chavão usado por Glauber Rocha, um dos grandes nomes do Cinema Novo, descrevia bem a linguagem de seus filmes. O diretor de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e de Terra em Transe (1967), representantes de duas fases distintas do Cinema Novo acreditava que não devia apenas “fotografar” a realidade, como no neorrealismo e sim interpretá-la, compreendê-la e trabalhar artisticamente a partir dela. Glauber foi fortemente influenciado pelo Cinema Verdade, francês, que considerava como um tipo de documentário.

        A estética da fome e a visão política são temas frequentes em seus filmes, conflitando com seu apuro poético. A câmera permanece em constante movimento, criando um efeito de dança das imagens. A linguagem de Glauber é muito particular, pois sua intenção era sempre inovar, inventar e fugir das regras e limitações cinematográficas.

        Junto a Glauber Rocha outros diretores como Nelson Pereira dos Santos (Vidas Secas), Ruy Guerra (Os Fuzis) e Cacá Diegues (Ganga Zumba) figuravam como os principais expoentes do movimento. Este grupo de jovens idealizava um cinema puramente brasileiro, sem afetações estéticas e culturais do cinema estrangeiro, por isso queriam fazer filmes completamente opostos àqueles produzidos pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que tinha como lema a “Produção Brasileira de Padrão Internacional”.

        O Cinema Novo foi divido em três fases: a primeira (1960–1964) era bem focada no cotidiano popular e na mitologia nordestina, sendo representada, especialmente, pelos filmes Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Os Fuzis; a segunda (1964-1968) abordava principalmente a política e a questão da ditadura militar, tendo Terra em Transe como um dos títulos principais; já a terceira fase (1968–1972), influenciada pelo Tropicalismo exaltava o exótico nacional e o filme que marca bem este período é Macunaíma.

        Com a crescente repressão causada pela Ditadura Militar deu-se, no Cinema Novo, um grande sentimento de insatisfação, já que as vozes do movimento eram sufocadas e obrigadas a adaptar seus filmes às amarras políticas e ao mercado. O Cinema Novo não era mais focado no popular e sim na classe média; toda a agressividade contra a burguesia presente nos filmes da primeira fase agora parecem não fazer tanto sentido, pois as novas produções já não seguem este ideal. Surge a figura do anti-herói, como uma forma de expressão que ironizava a sociedade, mas ainda assim, o movimento perde a força e com o exílio de cineastas se extingue aos poucos.

        É em meio a este cenário que surge então um novo grupo de jovens diretores que tenta fugir dos modelos criados por Glauber Rocha e seus companheiros de movimento. Neville d’Almeida, Júlio Bressane, Luiz Rosemberg, Andrea Tonacci e outros apresentam narrativas fragmentadas e baseadas no imaginário fantasioso, mas que rejeitavam o cinema espetáculo (tendência para a qual caminhava o Cinema Novo).

        Conhecida como a estética do lixo, ou ainda udigrudi (referência cômica ao termo underground norte-americano) a nova fase do cinema brasileiro contava com elementos de histórias em quadrinhos, histórias policiais, personagens cômicos e temas polêmicos como feminismo, sexo, drogas e violência deram uma nova cara ao cinema nacional. Indo contra os “bons costumes” da classe média e contra os prestigiados “cinemanovistas” o Cinema Marginal surge como um movimento corajoso que, diferentemente do Cinema Novo, tenta reagir aos domínios repressivos da ditadura militar.

        O improviso torna-se um recurso muito utilizado em filmes marginais. Não se admitia mais a rigorosa preparação típica do Cinema Novo, nem que o roteiro representasse o filme pronto em papel e muito menos que este servisse como norma absoluta para a filmagem, montagem e sonorização. O processo cinematográfico era um processo de contínua criação, desde a elaboração da ideia até sua finalização.

        Um grande clássico do Cinema Marginal é o filme O Bandido da Luz Vermelha, de 1968, dirigido por Rogério Sganzerla. Ao contrário de grande parte dos filmes da década de 60, em que o uso de planos longos predominava, o longa-metragem inova trabalhando muito com o corte e a fragmentação. Ao contrário de filmes anteriores não é mais a câmera ou o ator que regem o tempo e o espaço, e sim a montagem.

        Também em 1968, Neville d’Almeida lança seu filme Jardim de Guerra que apesar do tema político (característica herdada do Cinema Novo) possui uma narrativa repleta de questões marginais. O longa-metragem logo foi censurado e a atitude repressiva do governo se seguiu até o exílio de boa parte dos diretores do Cinema Marginal, a partir dos anos 70.

        Muito se especula sobre a disputa entre diretores do Cinema Novo e do Cinema Marginal, mas é fato que há semelhanças entre os dois movimentos, como a visão política e social (mesmo que camuflada), a preocupação em chocar o espectador de alguma forma e a representação do povo brasileiro da época.

        Notamos parentescos também em relação à forma e ao estilo, apesar de se diferenciarem em certos pontos, os dois movimentos apresentam uma identidade estética típica daquele período, formando em conjunto uma produção homogênea que traduzia o verdadeiro espírito de contracultura, vigente na época.

        A partir desta reflexão podemos comparar este tipo de produção cinematográfica nacional à nossa produção atual e analisar o que ainda pode ter restado do Cinema Novo e Cinema Marginal na produção contemporânea. Podemos notar alguns aspectos comuns talvez em Cidade de Deus, de 2002, responsável pela retomada do cinema brasileiro. O retrato das camadas populares marginalizadas impulsionado por este filme revive a postura dos “cinemanovistas” e marginais, apesar de produzido em contexto e época diferentes.

        Podemos associar também Carandiru, de 2003 ao sentimento do movimento marginal registrando a violência como objeto de nossa realidade. Ônibus 174, de 2002, inspirado em uma história real pode ser analisado em paralelo com O Bandido da Luz Vermelha, também baseado em fatos ocorridos na época de seu lançamento.

        É importante que o cinema contemporâneo nacional mantenha viva sua herança e a reaviva, mesmo que adaptada ao contexto histórico, político e cultural atual. O cinema brasileiro atualmente parece passar por uma fase de comédias, nem sempre inteligentes, tentando adequar-se ao mercado comercial. Entretanto, já provamos a nós mesmos que a produção nacional pode ser digna de obras mais completas, seja de cunho político-social ou puramente ficcional.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

BERNARDET, Jean-Claude. Cinema Marginal? Folha de São Paulo. 10 de junho de 2001.

RASLAN, Eliane. Glauber Rocha: Revolução e Crítica ao Cinema Brasileiro. Revista Interin. Curitiba, v.13, n.1, janeiro/junho de 2012

RODRIGUES, João. Pai Contra Filho (e Vice-Versa). Cinema Novo X Cinema Marginal: Diversidade e Divergência. 13 de setembro de 2004.