A PROBLEMÁTICA DA CRIANÇA ABANDONADA NO BRASIL: UM       ESTUDO SOBRE DIREITOS E OBRIGAÇÕES.

                                                                                                                           Waldir Gomes

INTRODUÇÃO

                O abandono de crianças no Brasil é uma triste herança que nos atormenta desde o período colonial. Essa atitude cruel e desprezível atravessou séculos e até hoje perdura no seio de nossa sociedade. Algumas ações, embora não tão eficazes, têm sido empreendidas na tentativa de inibir e até mesmo erradicar o problema, como por exemplo, a criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) instituído em 1990.

                Ainda é comum ver-se nos noticiários o abandono de recém-nascidos nos mais diferentes lugares e até mesmo no lixo. Os motivos que levam à rejeição de crianças são diversos. Dentre os mais comuns, estão: pobreza, gravidez indesejada e relações ilícitas.

                Os poderes públicos e a igreja do século XVII ao século XIX se abstiveram da responsabilidade de cuidar dos chamados “expostos” ou “enjeitados”. Deixavam essa tarefa sob os cuidados das instituições caritativas, como as santas casas de misericórdia, mantidas através de esmolas e contribuições anônimas.

                 A atitude desses piedosos anônimos originou a chamada “roda dos expostos”, colocadas estrategicamente na frente das instituições de caridade, onde os bebês eram deixados furtivamente. Essa iniciativa, no entanto, acabava por estimular o abandono, uma vez que a ação provocava uma sensação de segurança para as mães que decidiam pelo abandono dos filhos. Achavam que seus bebês estariam seguros. Dessa forma o número de abandonados crescia cada vez mais. 

                 O presente texto faz uma abordagem sobre a temática do abandono de crianças no Brasil, enfatizando o problema desde o período colonial até os dias atuais e aponta os aspectos sociopolíticos envoltos no processo.

O ABANDONO DE CRIANÇAS NO CONTEXTO HISTÓRICO

                   A Lei Federal 8.069, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente determina: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

                   O raciocínio do abandono desses seres indefesos teve início no Brasil no período colonial e permanece até hoje. Esse mau exemplo foi adquirido dos europeus, que abandonavam os recém-nascidos rejeitados nas chamadas “rodas dos expostos”. Nesses locais, as crianças enjeitadas eram deixadas e posteriormente recolhidas pela instituição detentora da roda.

                   As sociedades dos períodos colonial e imperial classificavam o sexo feminino como inferior ao sexo oposto. Por essa razão havia um tratamento diferenciado entre meninos e meninas. As crianças do sexo masculino deixados nas casas de misericórdia, ao atingirem dez anos de idade eram mandadas para as oficinas de artesanato, onde se profissionalizavam como artesãos. Já no caso das meninas, estas ingressavam nas oficinas de tecelagem, existente na própria casa de caridade, ou, aos doze anos de idade eram mandadas para casas de pessoas de boa reputação onde trabalhavam como serviçais até receberem propostas de casamento.                

O INSERIMENTO DO SUJEITO NO ÂMBITO SOCIAL

                   Atualmente, dentre as diversas concepções no que se refere a definição para o sujeito enquanto componente da sociedade na qual está inserido, destaca-se o pensamento de Bordieu (2004) que declara: ao nascer o sujeito é socializado para reproduzir espontaneamente as relações ali presentes, resultado das lutas anteriores de representação no espaço social.

                  Isto significa que o ambiente onde o sujeito cresce e desenvolve sua capacidade física e mental o influencia de forma significativa em suas futuras relações, pois, o sujeito irá reproduzir justamente o que ouviu e aprendeu. A importância da convivência familiar é, portanto, indispensável para a formação ética, moral e cultural do ser humano e pode sofrer alteração quando isso não ocorre no seio familiar do próprio indivíduo.

                     Sartre (1984) afirma: para nós, o homem caracteriza-se antes de tudo pela superação de uma situação, pelo que ele chega a fazer daquilo que se fez dele, mesmo que ele não se reconheça jamais em sua objetivação.       

                     Quando retirada abruptamente do convívio familiar, a criança corre o risco de desenvolver uma conduta deturpada diretamente relacionada com o ambiente em que vive. Do ponto de vista jurídico, a relação biológica  estabelece laços afetivos que favorecem a responsabilidade dos pais quanto aos deveres para com seus filhos, o que relativamente pode não ocorrer quando a criança cresce em ambiente alheio às suas origens biológicas.

POLÍTICAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA ABANDONADA NO BRASIL

                      A partir década de 1920, o governo brasileiro iniciou o processo de combate ao abandono de crianças, implantando medidas, como a criação de orfanatos, escolas profissionalizantes e escolas correcionais (para menores infratores). Em 1927 surgiram as primeiras leis de regulamentação das políticas governamentais favorecendo as crianças. Criou-se então, o chamado Código de Menores. 

                       Em 1938, numa iniciativa do Governo Getúlio Vargas, surgiu a Casa do Pequeno Jornaleiro, que tinha a finalidade de abrigar e inserir o menor no mercado de trabalho. Hoje, o trabalho infantil não faz parte das políticas de amparo ao menor abandonado, sendo considerado crime do ponto de vista jurídico.

A CRIANÇA ABANDONADA E A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA

                       A sociologia define a criança como um ser transformador, capaz de interagir com o adulto, utilizando a negociação e o compartilhamento como ferramentas de interação. Graue & Walsh (2003 p. 22) declaram em sua obra  que é importante que os investigadores pensem nas crianças em contextos específicos, com experiências específicas e em situações da vida real. A sociologia da infância busca maiores conhecimentos acerca dos saberes da criança. Charlot (1983) fortalece essa consciência quando afirma que existe  uma condição de dependência dos adultos com relação às crianças, implícita na autoridade materna ou paternalista, que se caracteriza quando os pais, pelo fato de serem adultos supõem que sabem tudo sobre seus filhos.

CONCLUSÃO

                    A principal causa para o abandono de crianças no Brasil sempre foi a miséria. Atualmente, milhares de mães, principalmente as solteiras continuam abandonando seus filhos nas ruas, nos quintais e até nos lixões. Herança de um passado triste. Ao completar 22 anos de criação, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) instituído pelo governo em 1990, ainda não conseguiu suprimir esse problema que parece está longe de acabar.            

                   Assim como no passado, hoje ainda vemos várias crianças que ficam na rua vendendo balas, doces e vários outros produtos, para ajudar no orçamento doméstico. Muitas, usadas pelos adultos, são vistas maltrapilhas,  nos sinais de trânsito pedindo dinheiro aos motoristas. Quando não, praticando pequenos furtos para sustentar o vício das drogas.

                   Têm-se a sensação de que sociedade assiste a tudo isso de forma apática, indiferente. A questão do abandono parece ter se tornado algo totalmente banal, comum, que não incomoda. O Estado, responsável pelo bem-estar e a segurança do cidadão, conforme estabelece a Constituição Federal, parece impotente para solucionar o problema. Até quando vai perdurar a prática do abandono em nosso país?

                   É preciso ampliar as campanhas de combate a esse mal que assola a sociedade brasileira. É preciso que haja maior mobilização dos órgãos públicos e privados, no sentido de extirpar esse câncer social que parece enraizado no seio da sociedade brasileira.

                   É necessária a formação de uma corrente de mobilizações para afastar definitivamente o fantasma do abandono. Escolas, clubes, associações, igrejas, todos devem participar, afinal, esse é um problema coletivo. 

                  Costuma-se dizer que as crianças são o futuro do Brasil, portanto é preciso assegurar a integridade física, moral e intelectual de nossas crianças. Somos uma sociedade. E uma sociedade é como um corpo. Cada componente de uma sociedade é um membro dela. E quando um membro do corpo é atingido, o corpo inteiro sente. Pensemos nisso!

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