O sistema legal pátrio adota como medidas de prisão cautelares: a prisão em flagrante, a prisão temporária, a prisão preventiva, a prisão decorrente de sentença condenatória e a prisão decorrente de decisão de pronúncia.
A Prisão Preventiva, objeto do atual estudo, está prevista nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, e tem sua aplicabilidade restrita ao previsto nos art. 312 e art. 313, in verbis:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:
I - punidos com reclusão;
II - punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la;
III - se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal.
IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

A prisão cautelar em estudo, que pode ser decretado de oficio pelo juiz ou requerida pelo Ministério Público, pela autoridade policia ou pelo querelante, conforme expresso por Jéssica Maria Gonçalves da Silva, em Direito Processual ? Fundamentos Constitucionais, "revelam um processo penal ainda muito arraigado ao sistema inquisitório", onde o Estado apresenta-se como investigador, acusador e julgador, simultaneamente, representando, ainda de acordo com a autora supracitada, um enfraquecimento à efetividade do modelo Democrático de Estado.
Historicamente, tal medida é oriunda do sistema inquisitorial, herdado do período ditatorial brasileiro, consagrado pelo atual Código de Processo Penal, que torna a excepcionalidade da medida cautelar uma regra, baseado, principalmente, na vaga definição de aplicabilidade para tal regra. Assim como afirma Fernando Tourinho Filho:

Não tendo, como efetivamente não têm, caráter cautelar, elas representam, sem a menor sombra de dúvida, antecipação da pena. É como se o juiz já estivesse condenando o réu, à semelhança do que havia na Inglaterra e na França antes do século XII: "exécutiom sommaire". Com essa particularidade: à época a execução sumária tinha lugar em duas hipóteses, no caso de flagrante ou quando o culpado se punha em fuga e era perseguido por um grupo de concidadãos incitados pelo clamor público.

A prerrogativa de aplicabilidade a fim de garantir a ordem pública, por exemplo, sem que haja uma definição concreta de tal expressão delimita de forma dura a garantia de necessidade de fundamentação das decisões, ainda que o art. 315 do Código de Processo Civil prescreva tal exigência como essencial a aplicação da prisão preventiva, expondo:

Art. 315. O despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado.

A Prisão Preventiva, como medida não cautelar, vai de confronto ao Principio da Presunção da inocência, que apesar da consagrado pela Carta Constitucional de 1988, encontra-se em habitual desuso, face a constante pressão midiática, manipuladora das massas, e respaldada por decisões tal qual do Tribunal de Justiça de São Paulo, Habeas Corpus 288.405-3, de 10 de setembro de 1999, que explicita:

[...] é providência acautelatória, inserindo-se no conceito de ordem pública, visando não só prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e de sua repercussão, convindo a medida quando revelada pela sensibilidade do juiz à reação do meio à ação criminosa.

Entretanto, as decisões dos Tribunais Superiores de forma a repudiar a associação do clamor público à medida supracitada, conforme comprova a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do Habeas Corpus n. 80.379, de relatoria do Exmo. Ministro Celso de Mello:

O CLAMOR PÚBLICO NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. - O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes. EXCEPCIONALIDADE DA PRISÃO CAUTELAR. - A prisão cautelar - que tem função exclusivamente instrumental - não pode converter-se em forma antecipada de punição penal. A privação cautelar da liberdade - que constitui providência qualificada pela nota da excepcionalidade - somente se justifica em hipóteses estritas, não podendo efetivar-se, legitimamente, quando ausente qualquer dos fundamentos legais necessários à sua decretação pelo Poder Judiciário.

Originária da mesma egrégia Corte, preceitua a decisão acerca do Habeas Corpus 80.472, que teve como relatora a Ministra Ellen Grace, e foi julgado no dia 20 de março de 2001:

Prisão preventiva: motivação substancialmente inidônea. Não serve a motivar a prisão preventiva "que só se legitima como medida cautelar" nem o apelo fácil, mas inconsistente, ao clamor público "mormente quando confundido com o estrépito da mídia", nem a alegação de maus antecedentes do acusado "quando reduzidos a um processo penal no qual absolvido" nem, finalmente, que se furte ele "já superada a situação de flagrância" à ordem ilegal de condução para ser autuado em flagrante, à qual se seguiu decreto de prisão preventiva, contra o qual, de imediato, se insurgiu em juízo: precedentes do Supremo Tribunal.

Registra-se o ensinamento de José Carlos Fragoso, em "Prisão Preventiva e Clamor Público", que "a prisão preventiva traz para a vida do acusado, antes de lhe ser dada a chance de defender-se, e antes da declaração de sua culpabilidade, profunda perturbação, retirando-lhe os meios normais de subsistência e afetando-lhe a estima no corpo social", enaltecendo os reflexos atrelados a tal decisão, de forma a transformar a vida daquele alcançado por tal procedimento.
Conclui-se, portanto, como de fundamental importância a reformulação e adequação da medida cautelar em questão aos preceitos fundamentais atrelados ao Estado Democrático de Direito, a fim de coibir decisões que venham a usurpar direitos inerentes a todos os cidadãos, tal como a liberdade, de forma arbitral e autoritária, tal como se vê todos os dias.







Bibliografia:

CASTRO, João Antônio Lima. Direito Processual: Fundamentos Constitucionais. Belo Horizonte: IEC PUC MINAS, 2009.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. São Paulo. IOB: Thomson, 2005.

FRAGOSO, José Carlos. < http://www.fragoso.com.br/cgi-bin/artigos/arquivo70.pdf >, Prisão Preventiva e Clamor Público. Acessado em 07/11/2010.

TOURINHO FILHO, Fernando. Considerações sobre a prisão preventiva. Revista Síntese de Direito Processual Penal e Processual Penal. Ano VI. n. 34. out./Nov. 2005.