AMANDA LEITE FREITAS

Monografia apresentada à Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para a aquisição de título de bacharel em Direito.
Orientador: Luiz Otávio Linhares Renault

Belo Horizonte
2010

RESUMO

Esta Monografia aborda o fenômeno da Prisão Civil do devedor recalcitrante na seara trabalhista. Primeiramente, foram definidas as acepções de prisão civil, sua natureza jurídica e as características básicas da obrigação alimentícia, para em seguida, ser demonstrado a inegável índole alimentar do crédito trabalhista. Tal delineamento foi fundamental para se chegar ao tema proposto na presente monografia, pois, não obstante a Prisão Civil decorrente de dívida alimentícia ser esquecida na seara trabalhista, ela tem pleno e total apoio pela Constituição Federal, sendo, portanto, perfeitamente aplicável no Direito do Trabalho. Foi realizada pesquisa na jurisprudência e na doutrina sobre a Prisão Civil, conceito e conteúdo do crédito alimentar, dentre outros. Também, foi realizada análise das legislações brasileiras pertinentes ao tema. O resultado demonstrou que a prisão civil por dívidas trabalhistas, apesar de ser muito criticada, deve ser utilizada, quando todos os outros meios se tornarem insuficientes, com o propósito de preservar direitos e garantias fundamentais.

Palavras-Chave: Prisão Civil; dívida trabalhista; natureza alimentícia.

LISTA DE ABREVIATURAS

a.C. ? antes de Cristo.
Art. ? artigo.
Inc. ? inciso
Nº ? número

LISTA DE SIGLAS

CF ? Constituição Federal

CDC ? Código de Defesa do Consumidor

CC ? Código Civil

1 ? INTRODUÇÃO

Trata-se de monografia cuja finalidade é discutir sobre a plausibilidade de aplicação da prisão civil do devedor voluntário e inescusável de dívida trabalhista, tendo como principal enfoque a Constituição Federal (CF), em especial o artigo 5º, inciso LXVII.
O referido dispositivo, apesar de vedar a prisão por dívida no Brasil, prevê duas possibilidades em que esta pode ocorrer, quais sejam, nos casos de dívida de caráter alimentar e no caso do depositário infiel. É importante ressaltar que, com o advento da súmula vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal, a prisão civil do depositário infiel se tornou ilícita.
É cediço que a temática demonstra uma vertente pouco enfrentada pela seara trabalhista, mas ela se apresenta de suma importância, pois o processo do trabalho, mormente na fase de execução, encerra um grave momento de efetividade, ou seja, não consegue alcançar patamares significantes de soluções, pois submetem o adimplemento de obrigações à vontade de mecanismos institucionais, às vezes complexos e com baixa efetividade.
O instituto da prisão civil por dívidas de natureza alimentar, apesar de previsto na Constituição Federal, foi abandonado pela Justiça do Trabalho e, conforme será demonstrado, não há como negar que a dívida trabalhista, mormente os salários e verbas rescisórias, ostentem cunho alimentar.
Por fim, cuida o presente estudo de persuadir a aplicabilidade da prisão civil no âmbito trabalhista. Ademais, é importante observar que os avanços sujeitam-se a atitudes mais arrojadas, ou seja, a admissibilidade da prisão civil ao empregador recalcitrante, visto que, em muitos casos, a prisão civil se mostra como a única maneira de constranger o devedor trabalhista ao cumprimento da sentença.

2? DO HISTÓRICO DA PRISÃO CIVIL

Prisão, cadeia ou cárcere é um estabelecimento destinado ao acolhimento de pessoas condenadas judicialmente ao cumprimento de penas e de tratamentos penitenciários, bem como de pessoas a quem foi determinada judicialmente uma medida de privação de liberdade para efeitos preventivos antes de julgamento ou pessoas detidas e retidas às ordens de forças policiais ou militares.
Desde os primórdios, o homem procura maneiras de castigo para aqueles que não observam as regras instituídas para a convivência em sociedade. O termo "pena" possui vários significados, empregando-o conforme o fundamento sobre o qual se apóia, podendo ser a libertação do réu, a função de defesa da sociedade, bem como um meio para se restabelecer a paz.
As primeiras formas encontradas para as punições aplicadas, sempre buscaram ter um caráter retributivo, ou seja, devolver o mal feito àquele que o cometeu, além do caráter coercitivo, criando uma pressão psicológica em toda a sociedade, para que ninguém repetisse o mesmo erro.
Conforme dispunha a Lei das XII Tábuas (450 a.C.), a maneira utilizada para se impor as sanções sobre aqueles que não obedeciam as regras ou não cumpriam com seus compromissos, era infligir as punições no corpo do indivíduo, punições estas que vinham em formas de açoites, agressões físicas em geral, execuções sumárias e até mesmo na perda da liberdade, transformando o devedor em escravo de seu credor.
Ainda, antes da Era Cristã, os castigos que recaiam quase sempre no corpo do devedor, segundo a supracitada Lei das XII Tábuas, foram modificadas pela Lex Poetelia Papiria, sendo aperfeiçoadas, e as execuções passaram a incidir sobre os bens dos devedores, porém, caso não possuíssem bens suficientes para o adimplemento da obrigação, podiam se tornar escravos de seus credores. Desta forma, a partir daí, e até os dias de hoje, a tendência é que as execuções recaiam quase sempre sobre os bens do executado, uma vez que o intuito do Direito é fazer com que as obrigações sejam adimplidas e não apenas punir o devedor.
Nessa linha, nas lições de Michel Foucault:

"Dentre tantas modificações, atenho-me a uma: o desaparecimento dos suplícios. Hoje existe a tendência a desconsiderá-lo; talvez, em seu tempo, tal desaparecimento tenha sido visto com muita superficialidade ou com exagerada ênfase como a "humanização" que autorizava a não analisá-lo. (...) Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação. (...) E acima dessa distribuição dos papéis se realiza a negação teórica: o essencial da pena que nós, juízes, infligimos não creais que consista em punir; o essencial é procurar corrigir, reeducar, "curar"; uma técnica de aperfeiçoamento recalca, na pena, a estrita expiação do mal, e liberta os magistrados do vil ofício de castigadores". (FOUCAULT, MICHEL, 1987, p.13).

A prisão civil por dívida já existia no primitivo direito Português, herdada dos Romanos, após terem passado às fontes jurídicas visigóticas e aparecendo nos foros de Castelo Bom. Aí está, portanto, a raiz da existência deste instituto no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
A prisão civil por dívida surgiu no Brasil já em seu descobrimento, uma vez que por meio das Ordenações Portuguesas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) já era estipulado que, após a execução de todos os bens do devedor, poderia o juiz determinar a retenção do mesmo até que fosse pago todo o seu débito.
O Direito Português, sob forte influência das idéias libertárias e cristãs, foi restringindo aos poucos as hipóteses de prisão por dívida, por meio de diversos avisos e leis.
Quando o Brasil alcançou sua independência, em 1822, foi determinado pela assembléia constituinte que as ordenações, alvarás, leis, regimentos, decretos e resoluções portuguesas continuariam a viger em nosso país, porém, tanto a constituição de 1824, de 1891 e a de 1937 foram omissas quanto ao tratamento da prisão civil por dívida. Deixando, portanto, o legislador livre para a criação de leis infraconstitucionais dispondo sobre o tema.
O assunto só foi devidamente tratado e definido na constituição de 1988, que em seu artigo 5º, inciso LXVII, veda a prisão civil por dívida, salvo a prisão do responsável por inadimplemento voluntário de obrigação alimentícia e a do depositário infiel, exceções ao princípio da inexistência de constrição corporal por dívida.
Vejamos:

"Art. 5º- LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel";

Contudo, em sessão plenária do dia 16 de dezembro de 2009, o Supremo Tribunal Federal aprovou a proposta de sumula vinculante nº 31 (convertida em janeiro de 2010 na sumula vinculante nº 25) que proíbe a prisão civil do depositário infiel.
A mencionada sumula dispõe que:

"Súmula Vinculante 25 - É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito".

A referida súmula utilizou como referência legislativa a Constituição Federal (artigo 5º, § 2º), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
Em síntese, o fim da prisão civil do depositário infiel destaca a nova atitude judiciária: o período da internacionalização dos direitos humanos. Assim, hodiernamente, somente a prisão civil do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia é admitida.


3 ? DA NATUREZA JURÍDICA


A prisão de que trata a Constituição tem característica civil e natureza coercitiva, ou seja, não visa à aplicação de uma pena, é apenas uma forma de coerção extrema do obrigado inadimplente, vale dizer, um tipo de pressão psicológica de que se vale o Estado para ver uma obrigação adimplida - o pagamento da obrigação alimentícia.
A prisão civil do devedor voluntário e inescusável de obrigação alimentícia tem finalidade unicamente econômica e visa persuadir o devedor inadimplente a honrar com sua obrigação, para que ele satisfaça o quantum que lhe é reclamado.
Decreta-se a prisão civil não como pena, não com o fim de retribuir, penalizar ou expiar o devedor relapso pelo fato de não ter pago a prestação, mas sim com o propósito de forçá-lo indiretamente a pagar.
Por fim, vale ressaltar que a prisão civil por dívida alimentar, embora seja o meio mais eficaz de dominar a má vontade daquele que procura se esquivar do cumprimento obrigacional, deve ser determinada como ultima ratio, ou seja, deve ser utilizada como meio coativo subsidiário, sendo somente aplicada depois que todos os outros meios forem insuficientes.


4 ? DA OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA


César Fiúza define o termo "alimentos" em seu significado jurídico:

"Considera-se alimento tudo que for necessário para a manutenção de uma pessoa, aí incluído os alimentos naturais, habitação, saúde, educação, vestuário e lazer".(FIÚZA, CESAR, 2006, p.1083).

Ainda, neste mesmo sentido preceitua Clóvis Beviláqua:

"A palavra alimentos tem, em direito, uma acepção técnica, de mais larga extensão do que na linguagem comum, pois compreende tudo que é necessário à vida: sustento, habitação, roupa e tratamento de moléstias".(BEVILÁQUA, CLÓVIS, 1905, p.383).

O constituinte originário, ao definir salário mínimo, demonstrou semelhança com o termo alimentos, assim dispõe o artigo 7º, inc. IV, da Magna Carta:

"Art.7º, inc. IV ? salário mínimo (...) capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde lazer, vestuário, higiene transporte e previdência social (...)".

Do mesmo modo, ponderam Orlando Gomes e Élson Gottschalk:

"O salário do empregado é, antes de tudo, destinado ao seu próprio sustento e ao da família. Com as energias despendidas no trabalho obtém os meios de subsistência, única fonte de renda e de manutenção a que pode aspirar. Daí, a proteção especial dispensada pela lei ao salário" (GOMES, ORLANDO. GOTTSCHALK, ÉLSON, 2001, p.200).

Demonstra-se, desta forma, que o significado do vocábulo "alimentos" extrapola o Direito de Família.
A obrigação alimentícia fundamenta-se no direito à vida e nos princípios da solidariedade, capacidade financeira, razoabilidade e dignidade da pessoa humana. Por este motivo é que se admite um meio de coerção tão drástico como o cerceamento de liberdade.
A recusa injustificada do provimento dos alimentos pode levar o inadimplente a ser constrangido à prisão civil nos termos do art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988:

"Art. 5º - LXVII- não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel."

O referido dispositivo visa cercear o desleixo do devedor alimentício, bem como de resguardar a segurança alimentar, visto que é impossível ter vida sem alimentos, portanto, diz-se que os alimentos se sobrepõem ao direito à liberdade, quando colocados numa escala valorativa.
A maior controvérsia, ponto central da monografia, gira em torno do caráter alimentar decorrente da dívida trabalhista, mormente, referente aos salários e verbas rescisórias, que será discutida seguidamente.



5 ? DO CARÁTER ALIMENTAR DA DÍVIDA TRABALHISTA


É cediço que o crédito trabalhista tem caráter alimentar, principalmente, referente aos salários e as verbas rescisórias e com mais veemência tal afirmativa se apresenta, visto que regem garantias indisponíveis, tais como, a impenhorabilidade, a irredutibilidade, a inalterabilidade e a garantia contra a retenção dolosa.
Sobre a matéria, elucida João Humberto Cesário:

"(...) de se notar que mesmo algumas outras parcelas trabalhistas típicas, embora revestidas de natureza indenizatória, tais como férias + 1/3 do salário, aviso prévio indenizado e multa do art. 477 da CLT, acabam por adquirir inelutável caráter alimentar por ocasião da denúncia contratual, eis que imprescindíveis ao sustento do trabalhador no interregno compreendido entre a dispensa e a nova inserção mercadológica, cada dia mais complicada em virtude do dramático quadro de desemprego reinante em nosso País, oriundo da má condução da política econômica governamental". (CESÁRIO, JOÃO HUMBERTO. 2003).

Ademais, relativo à índole alimentar da dívida trabalhista, dispõe Eduardo Milléo Baracat:

"O descumprimento pelo empregador da obrigação de pagar salário é, sem dúvida, o que gera problemas sociais imediatos da maior gravidade, pois retira do empregado o único meio de que dispõe para sustento próprio e de sua família.
O caráter alimentar do salário, portanto, confere-lhe atributo de bem jurídico essencial, necessitando de proteção especial do ordenamento jurídico.
Mas não é só. O não pagamento de salário acarreta problemas imediatos também na esfera socioeconômica.
O sistema econômico brasileiro está sedimentado sobre o crédito. Isto é, somente tem acesso aos bens de consumo básicos, quem possui crédito junto aos agentes do mercado. O trabalhador que possui emprego adquire o status social de empregado, e, desse modo, tem acesso ao crédito, podendo adquirir bens de consumo para pagamento a prazo.
A ausência de pagamento de salários acarreta o inadimplemento pelo empregado das prestações contraídas no comércio, gerando efeitos em cadeia múltiplos que se sucedem de forma danosa também à economia, colocando em risco todo o sistema socioeconômico.
Com efeito, um dos efeitos do não recebimento do salário, é o de que o empregado torna-se inadimplente, pois não tem os meios para cumprir suas obrigações, e, por via de conseqüência, perde o crédito junto à praça, deixando de ter acesso a bens de consumo, muitas vezes básicos, ficando à margem do processo social. O trabalhador marginalizado passa a buscar a satisfação de suas necessidades básicas através de procedimentos ilícitos, como, por exemplo, o furto, o que gera, inevitavelmente, violência.
Inegável, por outro lado, que o empregado que não recebe salário, tem sua condição psíquica afetada, perdendo sua aptidão produtiva normal, o que causa redução, ao menos qualitativa, no processo produtivo e prejuízo à empresa.
As relações sociais do empregado nesta situação também se degradam, mormente em relação à família e aos colegas de trabalho, acarretando, não raro, efeitos sociais nefastos.
Percebe-se, sem sombra de dúvidas, desta breve análise, que o salário encontra-se dentre aqueles bens jurídicos que se violado acarreta profundo estremecimento na paz social." (BARACAT, EDUARDO MILLÉO apud MAIOR, JORGE LUIZ SOUTO; FILHO, MANOEL CARLOS TOLEDO).

Desta forma, conforme demonstrado, não há como negar que a dívida trabalhista, mormente os salários e verbas rescisórias, ostente cunho alimentar, mas, apesar de previsto na Constituição Federal, foi esquecido pela Justiça do Trabalho.


5.1 ? DO PROCESSO DO TRABALHO E SUA EFETIVIDADE


O processo do trabalho, sobretudo na fase de execução, encerra um grave momento de efetividade, ou seja, não consegue alcançar patamares significantes de soluções, pois submetem o adimplemento de obrigações à vontade de mecanismos institucionais, às vezes complexos e com baixa efetividade.
Na fase da execução, o executado (na maioria dos processos, apresenta-se como o empregador) é incitado a satisfazer seu débito. Se ele o satisfaz, a execução perde seu objeto e o magistrado põe termo ao processo. Contudo, preponderantemente, o executado não adimple sua dívida e opta pela penhora de seus bens. Assim, como não há um depósito oficial para guardar em depósito o bem penhorado, comumente, ele permanece com o devedor até que se conclua os atos de expropriação.
O bem penhorado é levado à praça. Com efeito, o número de praças sem resultado positivo é enorme. Nessa linha, tornam-se infrutíferos todos os trâmites percorridos com o escopo de outorgar efetividade ao processo.
São muitos os casos em que os empregadores não pagam salários e verbas rescisórias aos seus empregados e permanecem tranquilos durante o processo de execução justamente por ter oferecido bens como garantia. Por conseguinte, o processo se torna favorável para aquele que deve e demasiadamente doloroso para o credor da dívida, sendo esta indispensável para sua sobrevivência.
Corrobora-se, assim, a chamada síndrome do descumprimento das obrigações trabalhistas, matéria defendida pelo professor e desembargador José Roberto Freire Pimenta, que consiste no descumprimento voluntário da legislação trabalhista pelo empregador, uma vez que o prejuízo decorrente de reclamações trabalhistas individuais é incalculavelmente menor se comparados aos gastos que teria pela correta observância dos preceitos trabalhistas.
Vale ressaltar que o almejado é o cumprimento livre da obrigação do alimentante. Caso haja descumprimento, deve-se analisar sobre a conveniência e oportunidade da decretação da prisão civil, sem, contudo, se esquecer do alimentado, que é o principal destinatário da ordem constitucional.
Com efeito, o que se pretende é a observância efetiva do direito, e não somente a sua garantia para cumprimento futuro. Assim, seria bastante produtiva a adoção de atitudes mais arrojadas, ou seja, a aplicabilidade da prisão civil ao empregador recalcitrante, visto que, em muitos casos, a prisão civil se mostra como a única maneira de constranger o devedor trabalhista ao cumprimento da sentença.


5.2 ? PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA NA SEARA TRABALHISTA


Infere-se da Constituição Federal de 1988, referente às dívidas alimentares, que o constituinte originário almejou amparar não somente as obrigações decorrentes do direito de família, como também os créditos trabalhistas.
É importante destacar que a Carta Magna, em seu artigo 7º, inc. X, com o intuito de conferir maior proteção ao trabalhador, determinou ser crime a retenção dolosa do salário, o que demonstra ser, as verbas salariais, de imensurável importância. O referido dispositivo não é autoaplicável, portanto, pendente de legislação infraconstitucional que o delimite. Todavia há quem defenda, conforme §1º do artigo 5º da CF, a sua aplicabilidade imediata, pois se considera um direito fundamental.
Certo é que não se pode, definitivamente, defender a inaplicabilidade da prisão civil disposta no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988:

"Art. 5º - LXVII- não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel."


Pode-se pensar que o dispositivo supracitado refere-se apenas as dividas decorrentes de pensão alimentícia, mas nada fundamenta essa interpretação restritiva, mormente por estar incluído no Título II da Carta Magna, que dispõe sobre os Direitos e Garantias Fundamentais.
Ademais, apesar de ser admitida a hipótese de prisão civil pelo texto constitucional, limitou-se à prisão civil decorrente de dívida alimentícia, desde que exista uma ação em curso e que o inadimplemento seja inescusável e voluntário, ou seja, que devedor esteja inadimplente espontaneamente e que este não tenha qualquer desculpa para tal. Sendo assim, se o descumprimento da obrigação for involuntário, não cabe a aplicação da referida prisão.
Ainda, a proteção conferida ao credor de alimentos se justifica pelo direito à vida e nos princípios da solidariedade, capacidade financeira, razoabilidade e dignidade da pessoa humana. Indo de encontro ao artigo 1º, inciso III e IV da CF, que assim prescreve:

"Art. 1º - III e IV ? A República Federativa do Brasil (...) tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa".

Assim, para corroborar que o art. 5º, inciso LXVII não se referiu apenas ao devedor de pensão alimentícia (instituto do Direito de Família), mas também ao devedor trabalhista, é importante citar o artigo 100, parágrafo 1º - A da Constituição Federal, que dispõe:

"Art. 110, §1º- A: Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte o infiel".

Deste modo, demonstra-se que as verbas trabalhistas, com natureza salarial, estão abrangidas na relação de dívidas susceptíveis à decretação de prisão civil, mas, não obstante respaldado na Carta Magna, é olvidado na seara trabalhista.


5.3 ? OBSTÁCULOS COLOCADOS NO INTUITO DE INVIABILIZAR A PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA TRABALHISTA


Propagam-se, na seara trabalhista, estorvos com o desígnio de fomentar a inaplicabilidade da prisão civil por dívida laboral. Dentre os autores que repudiam a prisão civil, estão: Álvaro Vilhaça Azevedo e Zelindro Ismael Farias.
O empecilho preponderante decorre do conservadorismo presente na maioria dos magistrados, ou seja, não há entendimento jurisprudencial consolidado sobre o assunto, visto que os advogados, em sua maioria, por desconhecerem a possibilidade de prisão civil do devedor recalcitrante, não provocam o Judiciário Trabalhista para implementar tal medida coercitiva.
Também, com o fim de obstaculizar, ponderam que a prisão civil do alimentante inadimplente é controversa, principalmente por sua discutível eficácia no que tange à coerção, questão esta que se levanta ao constatarmos que a restrição da liberdade do obrigado inadimplente pouco alterará sua falta de condição de arcar com sua obrigação, causando, até mesmo, a completa impossibilidade do adimplemento, uma vez que, ao ter sua liberdade restringida, não pode utilizar sua capacidade laboral para obter ganhos que serviriam para o pagamento da pensão.
Revela-se engenhoso o argumento supra, contudo é incoerente. A prisão civil do devedor da obrigação alimentícia somente é possível quando ele age de forma voluntária e sem justa causa. Desta forma, a referida prisão se torna insustentável quando houver falta de condições financeiras para adimplir a dívida.
De outro modo, redargúem pela impossibilidade da prisão civil quando o responsável pelo crédito for pessoa jurídica. Entretanto, tal argumento é facilmente refutado, pois se adota, no ordenamento jurídico vigente, a Disregard Theory, reconhecido no artigo 50 do CC/2002 e artigo 28 do CDC, que propugna, em caso de abuso da personalidade jurídica, pela desconsideração da personalidade jurídica, assim, a medida restritiva de liberdade poderá recair contra os sócios.
Também, aduz-se que a ausência de rito processual específico inviabiliza a aplicabilidade da prisão civil na seara trabalhista. Todavia, tal argumento revela-se dissonante, pois a prisão civil, está inserida Título II da Carta Magna, que dispõe sobre os Direitos e Garantias Fundamentais. Assim, é sabido que, conforme §1º do artigo 5º da CF, os Direitos e Garantias Fundamentais têm aplicabilidade imediata, independente de legislação infraconstitucional regulamentadora.
No que tange aos Direitos e Garantias Fundamentais, bem explica Michel Temer:

"É importante observar que os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º têm aplicação imediata, segundo o comando expresso no §1º do aludido dispositivo.
Significa, a nosso ver, que os princípios fundamentais ali estabelecidos podem ser invocados na sua plenitude, até que sobrevenha legislação regulamentadora, quando for o caso de sua utilização. Caso típico é o de mandado de segurança coletivo, o do habeas data e do mandado de injunção, que podem ser utilizados independentemente de qualquer regulamentação "(LULIA, MICHEL ELIAS TEMER, 2000, p.25).

Renitentes, os opositores da idéia central defendida na presente monografia, alegam que a tardança na propositura da reclamação trabalhista afasta o caráter alimentar do crédito trabalhista. É cediço que muitos trabalhadores demoram a propor a reclamação trabalhista pelo receio de não serem mais recolocados no mercado de trabalho, mas isto não significa que o decurso de tempo desnatura o crédito trabalhista.
Além disso, a proteção conferida ao credor de alimentos se justifica pelo direito à vida e nos princípios da solidariedade, capacidade financeira, razoabilidade e dignidade da pessoa humana, portanto, defender que o retardamento para ajuizar a reclamação descaracteriza o crédito trabalhista é demasiadamente perverso.
Fácil de ver que os impedimentos colocados encontram-se, neste ponto, superados, não devendo os julgadores conformar com a situação até agora vivenciada, visto que a prisão civil é o meio mais eficaz de dominar a má vontade daquele que procura se esquivar do cumprimento obrigacional.


6 ? DA POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS


Os tribunais têm defendido a questão da natureza alimentícia da dívida trabalhista, prova de que a jurisprudência caminha para a adoção de medidas coercitivas a fim de alcançar o adimplemento da dívida.
Há, porém, quem defenda se refletir sobre os efeitos desta coação, já que restringindo a liberdade também se restringe a capacidade laborativa do indivíduo. Ora, conforme já demonstrado supra, este argumento não merece prosperar tendo em vista que a Constituição Federal faz referência expressa ao devedor voluntário e inescusável, portanto, sua carência econômica inviabiliza a medida.
Ademais a posição atual do TRT 3º Região mostra-se apoiante à prisão civil como no caso dos autos:

Processo : 01079-2009-000-03-00-6 HC
Data da Publicação: 18/09/2009
Relator : Des. Manuel Candido Rodrigues
Órgão Julgador : Primeira Turma ? TRT 3
Ementa NÃO CONCESSÃO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS A DEVEDOR VOLUNTÁRIO E INESCUSÁVEL DE OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO. Representando o crédito trabalhista espécie de crédito de natureza alimentícia, - à semelhança da pensão alimentícia-, este merece a atuação efetiva da função jurisdicional, inclusive, com medida coercitiva, já que expressamente autorizada pela Lex Legum, como forma de garantir a sua satisfação (e, em última análise, o próprio direito à sobrevivência do trabalhador). Vale lembrar que, se permanece inconteste a possibilidade de prisão civil do devedor de pensão alimentícia, com muito mais razão esta se faz imperiosa, no caso dos créditos trabalhistas, por força da natureza transindividual do direito que, nestes casos, geralmente, a medida coercitiva visa assegurar. Raciocínio inverso, que impedisse a incidência da constrição de liberdade, em caso de devedor voluntário e inescusável de créditos trabalhistas, levaria à inviabilidade de sua execução - e, via de conseqüência, à desmoralização do próprio e dogmático princípio constitucional da efetividade da função jurisdicional e da própria dignidade da Justiça.


Assim, admiravelmente, revela-se que o Tribunal Regional do Trabalho, in casu, 1ª Turma, inclina-se no sentido de reconhecer a prisão civil do devedor voluntário e inescusável de crédito trabalhista. Defendem os julgadores que a dívida trabalhista afigura-se à pensão alimentícia, visto que é indispensável para a sobrevivência do trabalhador e de sua família.
Na decisão supra, o trabalhador, há três anos, persistentemente, diligencia-se para receber seu crédito (verbas salariais) já reconhecido em juízo. Todavia, o empregador, ora reclamado, criou obstáculos para adimplir com sua obrigação, demonstrando, assim, não possuir intenções de quitar seus débitos trabalhistas.
A 1ª Turma do TRT 3ª Região sustentou pela legalidade e constitucionalidade da prisão civil do devedor voluntário e inescusável de dívida trabalhista, denegando a ordem de Habeas Corpus. Nessa linha, aduziu-se que o crédito trabalhista é semelhante à pensão alimentícia, visto que os dois visam resguardar bem jurídico essencial indispensável para a sobrevivência. Também, no mesmo sentido, argumentou-se que a Carta Magna não restringiu a significação da expressão "obrigação alimentícia", admitindo uma acepção mais ampla de modo a abarcar o crédito trabalhista, por considerá-lo de natureza alimentar.


7 ? CONCLUSÃO


O instituto da prisão civil foi adotado pelo Brasil com o intuito de coagir o devedor a adimplir sua obrigação sob pena de perder seu bem mais precioso, qual seja a liberdade. Para tanto, o legislador procurou restringir ao máximo a utilização deste instituto em seu artigo 5º, inciso LXVII, permitindo sua prática em somente em duas hipóteses, no caso de dívida de caráter alimentício e no caso de depositário infiel. Diverge tanto a doutrina quanto a jurisprudência a respeito da prisão civil decorrente de dívida trabalhista.
Sobre o assunto, dispõe, o Professor Araken de Assis:

"Contra o meio executório da coação pessoal se opõe tenazmente a força do preconceito, ignoradas a utilidade e a natureza do mecanismo. Entretanto, o estudo científico dos meios executórios, avaliados e pesados como expedientes práticos, predispostos com o único propósito de realizar as operações materiais destinadas ao implemento executivo da eficácia sentencial condenatória, revela a verdade. A prisão civil do alimentante não merece a pátina de coisa obsoleta, entulho autoritário e violento só a custo tolerado e admitido no ordenamento jurídico contemporâneo. Em nome da ideologia liberal, preocupada em preservar o princípio da intangibilidade física, ainda que provoque a dor, a penúria e mesmo a morte do alimentário, é que se avalia desfavoravelmente o aprisionamento do executado (ASSIS, ARAKEM, apud CESÁRIO, JOÃO HUMBERTO. 2006)

Ademais, ante o lastro jurídico que fundamentou a presente monografia, constatou-se que as verbas trabalhistas, com natureza salarial, estão abrangidas na relação de dívidas susceptíveis à decretação de prisão civil, por possuírem indiscutivelmente natureza salarial, bem como por serem essenciais à subsistência do empregado e de sua família, mas, não obstante respaldado na Carta Magna, é olvidado na seara trabalhista.
Pertinente trazer a baila, a conclusão a que se chegaram Manoel Carlos Toledo Filho e Jorge Luiz Souto Maior, a respeito do assunto:
" a ordem de prisão civil decretada para devedores contumazes, ou que não demonstrem a assunção de uma postura minimamente responsável em relação aos seus débitos trabalhistas de natureza alimentar, tem pleno e total apoio na ordem Constitucional, sendo o sopro de esperança que resta aos cidadãos trabalhadores de verem resgatada a sua dignidade, além de constituir para o Judiciário um modo concreto de recuperar um pouco a confiança perdida ao longo de anos de proteção daqueles que descumprem, deliberada e agressivamente, a ordem jurídica" (FILHO, MANOEL CARLOS TOLEDO; MAIOR, JORGE LUIZ SOUTO. 2003).

Diante disso, concluo pela plausibilidade de decretação da prisão civil oriunda do inadimplemento voluntário e inscusável de obrigação alimentícia em sede trabalhista, visto que ela se fundamenta no direito à vida e nos princípios da solidariedade, capacidade financeira, razoabilidade e dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS


AZEVEDO, Álvaro Vilhaça. Prisão civil por dívida. São Paulo: Revista dos tribunais, 1993. 169p.

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ANEXO A ? INTEIRO TEOR DO ACÓRDÃO 01079.2009.000.03.00-6


Processo : 01079-2009-000-03-00-6 HC
Data da Publicação: 18/09/2009
Relator : Des. Manuel Candido Rodrigues
Órgão Julgador : Primeira Turma ? TRT 3

Ementa NÃO CONCESSÃO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS A DEVEDOR VOLUNTÁRIO E INESCUSÁVEL DE OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO. Representando o crédito trabalhista espécie de crédito de natureza alimentícia, - à semelhança da pensão alimentícia-, este merece a atuação efetiva da função jurisdicional, inclusive, com medida coercitiva, já que expressamente autorizada pela Lex Legum, como forma de garantir a sua satisfação (e, em última análise, o próprio direito à sobrevivência do trabalhador). Vale lembrar que, se permanece inconteste a possibilidade de prisão civil do devedor de pensão alimentícia, com muito mais razão esta se faz imperiosa, no caso dos créditos trabalhistas, por força da natureza transindividual do direito que, nestes casos, geralmente, a medida coercitiva visa assegurar. Raciocínio inverso, que impedisse a incidência da constrição de liberdade, em caso de devedor voluntário e inescusável de créditos trabalhistas, levaria à inviabilidade de sua execução - e, via de conseqüência, à desmoralização do próprio e dogmático princípio constitucional da efetividade da função jurisdicional e da própria dignidade da Justiça.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, decide-se:

RELATÓRIO

Cuidam os autos de Habeas Corpus impetrado por JOAQUIM DIMAS GONÇALVES, em favor de CLEVERSON DOS SANTOS PIRES, com pedido liminar de expedição de ordem de salvo conduto, em face da iminência de este sofrer constrangimento ilegal e abusivo, em seu direito de ir e vir, por ato do MM. Juiz da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Com a inicial (f. 02/07), vieram o contrato social (f. 08/11) e os documentos de f.12/13.

Distribuído o feito a este Relator, foi denegada a liminar, pela decisão da f.13-v.

Solicitadas as informações à autoridade apontada, como coatora, esta informou, às f. 16/18, que há razões, para adoção da medida de coerção - uma vez que, tendo adjudicado o bem penhorado, o reclamante espera, há mais de três anos, a satisfação de seu crédito, que tem sido obstado pela reclamada.

Remetidos os autos à d. Procuradoria Regional do Trabalho, esta manifestou-se, por meio do parecer de f. 20/22, da lavra da Drª. Júnia Castelar Savaget, opinando pela concessão da ordem - com a ressalva de seu entendimento, porém, em sentido contrário.

É o relatório.
VOTO
ADMISSIBILIDADE

Conhece-se do Habeas Corpus, porquanto observados os requisitos de sua admissibilidade para o exercício da presente Ação constitucional.

MÉRITO

O paciente reconhece sua condição de depositário dos bens penhorados, nos autos do processo 01486-2006-137-03-00-5, e assume que não cumpriu sua obrigação de entregá-los, alegando, apenas, que não o fez, porque estes são objeto de alienação pelo PROGER do Banco do Brasil (Programa de Geração de Empregos). Indigna-se, desde que, mesmo assim, o Juiz da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, arbitrariamente, acabou decretando sua prisão civil.

Acrescenta que, "independente dos motivos que o levaram ao não cumprimento da execução trabalhista" (f. 03 - os quais não são detalhados), sua prisão não poderia ser levada a efeito, em virtude da explícita e recente manifestação da Corte Suprema, em dezembro de 2008, no julgamento dos RE 349703 e 466343 e do HC 87585, no sentido de não mais se admitir a prisão civil do depositário infiel, estabelecida no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, por encampação do Pacto de São José da Costa Rica - tratado de direitos humanos, ratificado pelo Brasil, e introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, em 1992 (permitindo-se, apenas, a prisão por dívida, no caso do devedor voluntário e inescusável de alimentos).

Por tais razões, pugna pelo recolhimento do mandado de prisão expedido, liminarmente, e pede a concessão definitiva do salvo-conduto de liberdade.

Impende ressaltar, primeiramente, que, pela alienação fiduciária em garantia, o adquirente, devedor fiduciário, transfere ao credor - instituição financeira que lhe concedeu o financiamento para a aquisição do bem - o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor, possuidor direto e depositário, com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem, de acordo com a lei civil e penal. (Artigo 66, da Lei nº 4.728/65).

Assim, mesmo que a propriedade (resolúvel) se concentre, noutras mãos, está o possuidor obrigado, contratualmente, a adimplir o contrato de financiamento, firmado com a instituição financeira. Dessa forma, é plenamente possível que a penhora recaia sobre tal bem, cuja responsabilidade pelo pagamento é do mesmo devedor nos autos do processo em que o bem é penhorado.

Portanto, a alegação de que a decretação da prisão é arbitrária, por este motivo, não subsiste - porquanto, é do mesmo devedor a obrigação, tanto de pagar o bem adquirido, e que se encontra alienado, quanto de pagar o valor a que foi condenado, judicialmente.

Até o momento, o empregador não adimpliu, nem um nem outro. E, pelo que se viu, nem tem intenções de quitar seus débitos, para com o trabalhador, nos autos da Ação trabalhista, em trâmite na 37ª Vara do Trabalho, muito menos se importa!, pois recorre a argumentos que apenas demonstram seu propósito de evadir-se à sua obrigação que é pura e simples: pagar o que o Estado reconheceu, como sendo devido a alguém que lhe prestou serviços, que cumpriu inteiramente sua parte na avença, mesmo sendo o pólo hipossuficiente da relação.
Nem mesmo vinga a alegação da mudança de orientação do ordenamento jurídico brasileiro, no que toca à prisão do depositário infiel - porquanto, in casu, não se cuida dessa hipótese, como se verá mais adiante.

É cediço que a jurisprudência da Suprema Corte passou a entender pela insubsistência da previsão, no ordenamento jurídico brasileiro, da prisão civil por dívida do depositário infiel, qualquer que seja a natureza do depósito, admitindo-a, apenas, no caso de devedor voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. É o que considerou, no julgamento dos RE 349703 e 466343 e do HC 87585: os tratados internacionais de direitos humanos, subscritos pelo país, como o Pacto de São José da Costa Rica, possuem status de norma supralegal, que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitante.

Assim, considerou-se que a prisão civil do devedor fiduciante, constituído depositário, em virtude do contrato de alienação fiduciária (RE 349703 e 466343) viola o princípio da proporcionalidade, visto haver outros procedimentos à disposição do credor fiduciário, para a garantia do crédito. No mesmo sentido, foi o que se entendeu para o caso do depositário, assim constituído por força de Ação de Depósito, a quem coube a guarda de grande quantidade de sacas de arroz (HC 87585), situação que o Relator Ministro Marco Aurélio reputou bastante aproximada da alienação fiduciária.

Como se viu, o entendimento do Pleno do STF foi manifestado em Ações em que se discutia a prisão de depositário infiel, em casos de dívidas decorrentes de direito pessoal de uma parte, equivalente a uma prestação a que a outra parte se obrigou, e não adimpliu, nas condições contratualmente estabelecidas. Cuidava-se, lá, de direitos disponíveis, objeto de contratos mercantis, firmados por partes, com a mesma liberdade negocial - partes iguais, sem relação de hipossuficiência -, as quais poderiam contratar, com outros, ou mesmo deixar de contratar, se lhes parecesse oportunamente mais interessante.

O caso dos créditos trabalhistas, resultante dos contratos de trabalho, rogata venia, em nada se assemelha aos direitos decorrentes de um contrato mercantil, em que ambas as partes, livremente, negociam bens traduzíveis em pecúnia, geralmente, pelo valor que lhes é conveniente. O crédito trabalhista, já deduzido da mais-valia que ao trabalhador é sonegada, é a parcela que lhe cabe, como fruto de uma prestação de trabalho, cujo valor social é reconhecido, constitucionalmente, como um dos fundamentos da própria República Federativa do Brasil (art 1º., inciso IV) - e por meio do qual se manifesta a própria dignidade humana. A propósito, escreveu António Pedro Barbas Homem, que "a dignidade humana antecede (...) a justiça e o direito, ou, dito de outro modo, constitui o seu fundamento. O Estado funda-se na dignidade do homem, quer no sentido ontológico, quer no sentido institucional - o exercício do poder pelos órgãos do Estado e pelos indivíduos encontra nesta descrição o seu sentido" (O Justo e o Injusto, Associação Acadêmica da Faculdade Direito, Lisboa, 2001, p. 50).

Reforçando, explicitando e especificando, num plano constitucional inteiramente ajustado à presente temática, sobressai o art. 100 da CF, em seu parágrafo 1º., tratando de créditos privilegiados, quando declara, textualmente, "os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado".

É por meio do trabalho digno que o homem comum, que não explora, mas é explorado pelo capital, garante a sua sobrevivência e a de sua família. Furtando-se à obrigação de pagar a contraprestação devida pela mão-de-obra contratada, o empregador está, diretamente, condenando ao perecimento, o maior bem daquele que, outrora, lhe garantiu a própria integridade e a de todos os seus.

Assim, vê-se que os casos tratam de valores diametralmente díspares - porquanto, lá, há direitos meramente patrimoniais, em discussão, créditos oriundos de relações mercantis; e, aqui, créditos que garantem o próprio alimento, direito humano fundamental, suporte do direito primacial à vida - que, indubitavelmente, deve prevalecer, se confrontado com o direito à liberdade, (até porque esta, nem mesmo existirá, se aquela perecer).

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal entendeu pela manutenção da prisão civil do devedor de prestação alimentícia, a exemplo da pensão alimentícia e dos créditos trabalhistas.

Vislumbra-se, pois, que se está diante da hipótese em que, tanto à luz da Constituição Federal e dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, quanto do novel entendimento da Suprema Corte, a prisão civil é admitida: a do devedor voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

Veja-se que o texto da Constituição Federal fala em "responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia" (artigo 5º, inciso LXVII), não se limitando a excepcionar a possibilidade de prisão civil para o devedor de pensão alimentícia.

Representando o crédito trabalhista espécie de crédito de natureza alimentícia - à semelhança da pensão alimentícia -, este merece a atuação efetiva da função jurisdicional, inclusive, com medida coercitiva, já que expressamente autorizada pela Lex Legum, como forma de garantir a sua satisfação (e, em última análise, o próprio direito à sobrevivência do trabalhador).

Vale lembrar que, se permanece inconteste a possibilidade de prisão civil do devedor de pensão alimentícia, com muito mais razão esta se faz imperiosa, no caso dos créditos trabalhistas, por força da natureza transindividual do direito que, nestes casos, a medida coercitiva, geralmente, visa assegurar. Afinal, o salário do trabalhador é, não raro, a única fonte de recursos que garantem a sobrevivência de famílias inteiras - de forma que, aqui, a atuação jurisdicional, firme e impositiva, faz-se urgente, em razão da maior amplitude das implicações sociais e econômicas do inadimplemento do devedor de prestação alimentícia.

Raciocínio inverso, que impedisse a incidência da constrição de liberdade, em caso devedor voluntário e inescusável de créditos trabalhistas (como prestações alimentícias que são), levaria à inviabilidade de sua execução e, via de conseqüência, à perda de sentido de todo o funcionamento da máquina judiciária; e o que é pior, à própria desmoralização e descrédito da Justiça do Trabalho, perante os jurisdicionados, que dela tanto necessitam. Por-se-ia em xeque o princípio constitucional da efetividade da função jurisdicional e a própria dignidade da Justiça. É como se lê, ainda uma vez, na magistral lição de António Pedro Barbas Homem: "não basta apenas o poder de julgar; é necessário igualmente o poder de impor a decisão. O império é pressuposto da teorização da justiça" (idem, ibidem, p. 39).

Por tais motivos, entende-se pela imprescindibilidade da medida constritiva, no caso em comento - a qual, longe de ser considerada sanção penal, deverá ser suspensa, tão logo seja cumprida a obrigação de que se esquiva o paciente.

Este, é o arraigado entendimento deste Relator.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Primeira Turma, preliminarmente, à unanimidade, conheceu da medida impetrada; por maioria de votos, denegou ao paciente a presente ordem de Habeas Corpus, vencido o Exmo. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto. Determinou imediata ciência desta decisão à autoridade judicial, reputada coatora, com remessa de cópia de seu inteiro teor.

Belo Horizonte, 14 de setembro de 2009.

MANUEL CÂNDIDO RODRIGUES
RELATOR