A PRESUNÇÃO NO CRITÉRIO MATERIAL DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA*

 

 

Diego Costa Oliveira Braga [1]

Felipe do Vale Nunes[2]

 

Sumário: Introdução; 1 A norma jurídica e a regra-matriz de incidência tributária; 2. A presunção no direito tributário; 3 A presunção no critério material da regra-matriz de incidência tributária. Considerações finais; Referências.

               

 

 

                                       RESUMO

No presente paper, discorrer-se-á, brevemente, acerca da norma juridíca e da estrutura da regra-matriz de incidência tributária e, após esta análise, observar-se-á o conceito de presunção e a sua aplicação no direito tributário brasileiro. Finalmente, verificar-se-á a utilização das presunções na composição da estrutura da regra-matriz de incidência tributária no sistema jurídico brasileiro, especialmente a sua atuação sobre o critério material, verificando a sua possibilidade.

 

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Regra-matriz. Presunção. Tributário.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

De modo a se estabelecer as diferentes técnicas de tributação nas  mais distintas espécies econômicas da renda, seja capital ou operação, o legislador, quando do desenvolvimento de sua capacidade legislativa, estabeleceu as regras jurídicas que constituem o direito tributário por meio da linguagem em textos.

Assim, o direito passa a ser composto por um conjunto de normas, num determinado território e num preciso momento do tempo; desta forma, tem-se a premissa de que se está diante de um fenômeno cultural vertido em linguagem. Dentre os aspectos que lhe são próprios, percebe-se no direito, a linguagem como seu integrante constitutivo. A linguagem não somente fala do objeto – que é a Ciência do Direito – como também participa de sua constituição – direito positivo. 

A partir dos textos transcritos, ou seja, por meio da expressão pela linguagem, verificam-se as estruturas morfológicas e gramaticais, pelas quais o interprete porderá, então, estabelecer os conteúdos significativos – significações enquanto enunciados prescritivos e ordená-los na forma estrutural de normas jurídicas, articulando essas entidades para formar um domínio. Disso decorre a ilação de que conhecer o direito é, em verdade, compreendê-lo, interpretá-lo construindo o conteúdo, sentido e o alcance da comunicação legislada.

Assim, em nome da praticabilidade e, também, para eficiência da técnica arrecadatória, o legislador escolhe, por vezes, como elemento integrante da hipótese de incidência tributária signos econômicos ou jurídicos cuja existência ainda não é concreta no mundo fenomênico, porém há indícios de que assim será. Trata-se do uso de presunções no direito tributário.

Para fins do estudo do uso das presunções no direito tributário, mais especificamente, nos critérios que informam a regra-matriz de incidência tributária, em um primeiro momento situar-se-á o leitor sobre as premissas adotadas: a norma e a regra-matriz de incidência tributária.

Em seguida, verificar-se-á o que é a presunção, a partir de suas concepções clássicas e modernas, bem como a situando no Direito. Por fim, analisar-se-á a utilização das presunções nas normas tributárias, a partir das seguintes indagações: é possível a utilização de presunções em normas tributárias? Se sim, em quais critérios da regra-matriz de incidência tributária? Há limites para a utilização das presunções?

O presente estudo não apresenta caráter finalístico, ao passo que não pretende esgotar o seu objeto, que é a análise da utilização da presunção nos critérios da regra-matriz de incidência tributária, mas sim aumentar o conhecimento sistemático sobre o assunto.

 

 

 

 

 

2. A NORMA JURÍDICA E A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

Quando analisada sobre o ângulo da linguagem, a Lei pode ser compreendida como um veículo de prescrições jurídicas, constituindo suportes materiais de linguagem e mecanismos introdutórios das normas jurídicas. Por sua vez, as normas jurídicas são o juízo construído pelo interprete, em função da sua experiência no manuseio destes suportes comunicacionais (CARVALHO:2006, p. 34).

Assim, como ensina Geraldo Ataliba (1992, p. 16), a Lei não é norma, e ainda que o direito positive se releve por meio das leis formais, ele é, substancialmente, constituído por normas jurídicas. Entende-se, assim, que a norma jurídica constitui uma estrutura de linguagem, a norma jurídica é o resultado de um processo interpretativo que surge a partir da leitura dos textos da Lei.

A estrutura da regra-matriz de incidência tributária, como pode ser observado na obra de Paulo de Barros Carvalho (2006, p. 86-87), segue a estrutura geral da norma jurídica com alguns elementos que são próprios da norma tributária a ser analisada. De uma forma geral, é possível afirmar que sua estrutura implicacional associa a um ato ou fato lícito de possível ocorrência (hipótese tributária) uma relação jurídica que obriga um determinado sujeito passivo a recolher quantia certa aos cofres públicos (consequente).

Desta maneira, para que um fato social se torne um fato jurídico tributário, fato este que seria responsável pelo surgimento de uma relação jurídica tributária, é necessário que tal fato contenha os elementos capazes de preencher os critérios fixados minimamente pela hipótese da regra-matriz de incidência tributária. São estes critérios os: material, espacial e temporal.

O critério material corresponde ao núcleo do fato jurídico tributário, sendo este formado por um verbo pessoal e com predicação incompleta, necessitando, assim, de um complemento, seja direto, indireto ou predicativo. O núcleo deste fato jurídico consiste, em verdade, em um comportamento da pessoa, estando delimitado por condições espaciais e temporais, conectando o lugar e o tempo nos quais o fato jurídico ocorre.

Assim, enquanto na hipótese da regra-matriz de incidência tributária verificam-se os critérios que definem os elementos que o fato  social deve conter de modo a se constituir o fato jurídico tributário, no consequente  encontram-se  os critérios necessários para que se tenha o nascimento da relação jurídica tributária.

O consequente da regra-matriz de incidência tributária é constituído pelos critérios pessoal e quantitativo. O critério pessoal  fixa os sujeitos ativos e passivos da relação jurídica tributária, enquanto o critério quantitativo faz referência ao objeto da prestação, de modo a mensurar o tributo, e é constituído pela base de cálculo e alíquota.

De forma sucinta, Carvalho (2006, p. 45) estabelece que os elementos da regra-matriz de incidência tributária, quando conjugados, permitem a chegar à unidade irredutível de manifestação do deôntico, capaz de indicar aos destinatários da norma jurídica dispositiva tributária o comportamento que devem adotar.

3. A PRESUNÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO

 

As presunções, no Direito, são observadas como enunciados jurídico-prescritivos, visto que, estes são constituídos, em parte, por juízos que dependem da experiência, admitindo um fato pelo outro, como se fossem parte de um todo comum, ou como se  fossem iguais. Tais enunciados, no Direito em geral, somente serão admitidos quando devidamente autorizados pela legislação.

A presunção, em Direito tributário, deve ser entendida como um auxiliar na busca das riquezas do contribuinte, eliminando a complexidade das proposições jurídicas e moldando-as à realidade, tornando-as mais precisas. Colaboram, ainda, na coibição de abusos que possam vir a implicar fraude à Lei, aumentando a eficácia da arrecadação.

Segundo Gilberto Canto (1984, p. 3), nas presunções, tem-se como verdadeiros parra todos os casos aquilo que “é a verdade da generalidade dos casos iguais, em virtude de uma lei de frequência ou de resultados conhecidos, ou em decorrência da previsão lógica do desfecho”.

Podemos classificar as presunções como sendo absolutas ou relativas. As presunções absolutas são aquelas que não admitem questionamentos, dúvidas, suprimindo, assim, a apresentação de provas em contrário. Sendo absolutas, as verdades produzidas tornam-se corretas.

As presunções relativas, por outro lado, são aquelas verdades que são geradas a partir do questionamento de outras verdades, e a permanência destas verdades irá depender do contentamento daqueles que sejam envolvidos pelas mesmas, visto que, as mesmas admitem prova em contrário, logo, aquele que não se  contenta com esta verdade poderá questioná-la.

As presunções foram desenvolvidas, como já visto, parra auxiliar o legislador quando da necessidade de contornar dificuldades intransponíveis, momentos em que a norma não se adequaria a realidade ou que não poderia ser aplicada a determinada situação, possibilitando, assim, uma maior realização do ideal da ordem jurídica, quando da resolução dos casos concretos que venham a  emergir na esfera jurisdicional.

Contudo, é importante que se tenha em mente que, as presunções somente serão utilizadas e aceitas em caráter excepcional, entendendo que as presunções são instrumentos jurídicos que deverão ser utilizados apenas no combate á fraude jurídica e de acordo com as disposições constitucionais.

A admissão no direito tributário de presunções não pode ignorar os princípios constitucionais, principalmente aquele que, traduzindo a segurança jurídica do contribuinte, determina a obrigação de pagar tributo somente quando um fato do mundo real ajusta-se completamente ao fato descrito abstratamente na hipótese de incidência da regra-matriz.

Assim, como o objetivo das presunções no direito tributário é auxiliar ao Estado na busca da riqueza tributável do contribuinte, é muito comum o legislador utilizá-las, no entanto, em grande maioria das vezes as presunções resultantes não observam os ditames constitucionais.

Por este motivo, existe uma corrente que nega, absolutamente, a utilização de presunções absolutas no direito tributário para a definição da hipótese de incidência, como enfatiza Ricardo Mariz de Oliveira (1984,p. 288), ao dizer que: “As presunções absolutas são inadmissíveis em direito tributário para definição do fato gerador, admitindo-se apenas presunções relativas como meios de prova da ocorrência real do fato gerador”.

É exatamente quando da adequação das presunções aos direcionamentos constitucionais, para aplicação deste institutos no direito tributário, que encontraremos os maiores entraves para a sua aplicação, como veremos a seguir.

 

4. A PRESUNÇÃO NO CRITÉRIO MATERIAL DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

O uso das presunções em matéria tributária, com o intuito de dificultar a evasão fiscal, tem se tornado cada vez mais comum no ordenamento jurídico, criando um sistema que propicia maior eficácia na arrecadação de tributos, facilitando a positivação, arrecadação e fiscalização dos tributos.

No entanto, a utilização das presunções na composição da regra-matriz tributária, por vezes, acaba inobservando a competência constitucionalmente fixada, comprometendo, assim, a constitucionalidade da norma jurídica tributária.

Assim, antes da aplicação das regras que contenham elementos de presunção, faz-se necessário observar se o legislador, no momento de constituição da regra-matriz de incidência tributária, observou os princípios constitucionais tributários, especialmente os princípios da legalidade, tipicidade cerrada e capacidade contributiva.

O primeiro momento da regra-matriz de incidência tributaria é a hipótese de incidência tributária. Na hipótese de incidência da regra-matriz tributária – composta pelos critérios material, espacial e temporal – verifica-se, na legislação brasileira tributária, a utilização de presunção em todos seus critérios; ora respeitando à Constituição, ora não.

No Critério Espacial da hipótese de incidência – objeto deste estudo -, a presunção ocorre quando a Lei determina presumível o local de ocorrência do fato. Jurídico tributário. Será o espaço físico onde a relação jurídica poderá passar a existir.

Um exemplo da presunção no critério espacial é no caso das entradas simbólicas de mercadorias em estabelecimentos comerciais, para fins de incidência  do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços).

A entrada simbólica de mercadorias, que vem disposta no art. 20 da Lei Complementar nº 87/96 e nos regulamentos estaduais, significa que as entradas e saídas de mercadorias serão presumidas por meio da simples transmissão contratual do bem comprado/vendido, assumindo o lugar do estabelecimento mercantil como forma de determinação do local de incidência do imposto a ser coletado.

Assim, por meio da presunção, a transmissão de propriedade de mercadoria irá ser equiparada à saída, ainda quando não houver, efetivamente, a circulação de mercadoria, visto que para a comercialização do bem, ele não precisa circular fisicamente, mas somente a circulação jurídica do bem garante a sua comercialização.

No critério material, podemos observar a presunção tanto no verbo quanto em seu complemento. No caso do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ, o critério material é: auferir (verbo) renda e proventos de qualquer natureza (complemento). Qualquer presunção que descaracterize o conceito constitucional de auferir ou de renda maculará a regra-matriz de incidência e, por conseguinte, o tributo cobrado.

Analisando-se o mesmo tributo supracitado, o ICMS, quando na modalidade de substituição tributária progressiva, ocorre a presunção por diversos momentos, tanto no estabelecimento da regra-matriz, quanto no consequente da mesma, nos critérios temporal, pessoal e quantitativo.

Neste caso, o substituto tributário é a pessoa que, escolhida pelo legislador, irá figurar na relação jurídica tributária. No caso do ICMS por substituição tributária progressiva, presume-se que acontecerão inúmeras etapas de circulação de mercadorias (Critério temporal), por este motivo, cobra-se o tributo daquele contribuinte que se encontra no começo da relação jurídica tributária (Critério pessoal), por meio da utilização de uma base de calculo presumida (Critério quantitativo).

O ICMS por substituição tributária progressiva é considerado por alguns doutrinadores como sendo inconstitucional, dentre eles percebemos a ilustre presença de Roque Antônio Carraza (2011, p.335) que vem afirmar que o tributo aludido viola o limite lógico ao permitir a substituição de pessoa certa e perfeitamente identificada.

Averba o autor mencionado acima que, não é permitido presunção de um aspecto subjetivo da regra-matriz. Assim, o ICMS por substituição tributária progressiva, por tratar-se de obrigação tributária que ainda não surgiu, ainda não existe, também um sujeito passivo, logo, tal tributo viola princípios constitucionais, tais como o da não confiscatoriedade, não-cumulatividade e da segurança jurídica (CARRAZA:2011, p.335).

Acerca da utilização da presunção na regra-matriz de incidência tributária, o STF já se posicionou em decisão proferida na ADIn nº 1.851-4/AL, e a Corte reconheceu, por meio desta, a constitucionalidade da regra do §7º do art. 150 da Constituição Federal. Embora parte da doutrina prevaleça sustentando a inconstitucionalidade completa do ICMS substituição tributária progressiva, este tema pode ser considerado como superado.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o desenvolvimento desta pesquisa, tentamos demonstrar a possibilidade da utilização das presunções no direito tributário brasileiro, verificando especialmente a sua aplicabilidade ao critério material da regra-matriz de incidência tributária.

Por muitas vezes, o ordenamento jurídico, por meio de suas normas não consegue responder, prontamente, as demandas surgem junto aos novos fatos jurídicos do dia-a-dia. Neste momento, o legislador lança mão de presunções para que possa adequar os comportamentos sociais as normas jurídicas.

As presunções são inseridas no ordenamento jurídico de modo a dar maior praticidade ao sistema jurídico, e de modo a apresentar soluções para as situações que ainda não possuíam previsão legal cabível, facilitando, no caso do Direito tributário Nacional, o recolhimento dos tributos (a arrecadação do Fisco).

O Direito utiliza as presunções para disciplinar o comportamento das pessoas, contudo há limites para isso que é a Constituição, dentre eles o fato de somente se tributar após a ocorrência do fato imponível.

Assim, como verificado, é necessário que as presunções respeitem aos princípios constitucionais tributários cabíveis, não podendo sobremaneira ultrapassar os limites estabelecidos pela Carta Magna. A mera justificação das presunções com o argumento de facilitar a arrecadação não possibilita o estabelecimento de presunções no sistema jurídico.

Desta maneira, as presunções são importantes ferramentas para que o Estado possa controlar, e melhorar, a arrecadação dos tributos, por tanto, o Estado, por meio da figura do legislador fará, por diversas  vezes, uso das presunções, e está o legislador correto, visto que trata-se de ferramenta necessária e eficaz, contudo há limites para a sua utilização, e estes devem ser respeitados.

O que se espera do legislador é que este consiga fazer uma melhor adequação do Direito aos comportamentos sociais das pessoas em suas vidas cotidianas, podendo este utilizar-se, para tal, das presunções, respeitando, contudo, os limites constitucionais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. 15. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2011.

CANTO, Gilberto de Ulhôa. Presunções no direito tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Presunções no Direito Tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1984. p. 1-34. (Caderno de pesquisas tributárias, 9)

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Presunções no direito tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Presunções no Direito Tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1984. p. 275-330. (Caderno de pesquisas tributárias, 9)



(*) Paper apresentado como requisito para aprovação na disciplina Direito Tributário I do curso de direito da UNDB, ministrado Pelo professor Antônio Gaspar.

[1] Graduando do 7º período do curso de Direito Noturno da UNDB

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