A presença do mito na linguagem cinematográfica contemporânea

Introdução

A tentativa do homem em compreender a origem da vida, a si mesmo, aos fatores naturais e sociais é tão velha quanto ele próprio e cada grupo tem uma maneira particular de procurar desvendar estes mistérios, que mudam de acordo com a cultura e o contexto ao longo do tempo. Na Antiguidade, durante a Idade Média, na Idade Moderna os mitos foram utilizados ora pelos pensadores, ora pela religião como instrumento de explicação para todos os fenômenos, sejam eles naturais, humanos ou espirituais. Ainda hoje na contemporaneidade a mitologia se faz presente, sobretudo no cinema, embora os mitos tenham ganhado hoje novas significações, a exemplo do mito enquanto linguagem.
Nesta perscectiva, o presente texto busca fazer uma analise da jornada de um personagem criado pelo mito "o herói", presente em todas as narrativas frutos da imaginação humana, que dão vida a personagens, nos quais muitas vezes nos identificamos em contos, lendas, teatro, novelas e cinema.
Além da analise sobre a presença do mito na sociedade moderna e contemporanea, também discutiremos aqui, o uso do filme como documento histórico, isto é, a linguagem cinematografica como recurso didático indispensavel ao estudo da História.
Neste sentido, procuramos mostrar que a interdisciplinaridade é fundamental para a construção do conhecimento historico. Portanto, faremos na presente dissertação a analise do filme A Odisseia, como recurso didático para estudo da cultura grega com alunos de 5ª serie. Nosso objetivo é mostrar que por meio do dialago entre a História, a Literatura, a Antropologia e a Geografia, é possivel utilizando o filme, fazer uma leitura do ponto de vista de todas as areas do conhecimento descritas acima, possibilitando aos alunos a compreensão do filme e a construção dos conhecimentos acerca da cultura grega.

Análise do texto: Os mitos (Joseph Campbell)

Podemos perceber nas palavras do autor que os mitos nunca deixaram de existir na cultura humana, embora tenha ao longo dos tempos sido resinificado. Enquanto na Antiguidade e na Idade Media foram tidos como verdades para explicar o universo e suas adversidades. Neste sentido, Mito é um discurso pronunciado para ouvintes ou leitores que recebem como verdadeira a narrativa.
Por outro lado, na Idade Moderna e Contemporânea com o surgimento da ciência, o mito enquanto explicação para os acontecimentos deixou de ser verdade e passou a ser questionada. Contudo, na atualidade o mito ganha um novo conceito, é visto como linguagem, presentes nas narrativas literárias novelas, contos, filme, etc.
De acordo com Campbell é nesse foco que o mito ganha importância no contexto atual, ao construir heróis geralmente presentes em filmes de ação e ficção, também presentes nas novelas.
Segundo Willian Shakespeare, heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as consequências. Paralela a sua ideia, Campbell complementa afirmando que os heróis são a principio pessoas normais desafiadas a enfrentar obstáculos, que se tornam adorados por todos nos que acompanhamos sua trajetória, seja num filme ou num livro.
Vejamos as etapas da trajetória do herói descritas por Campbell:
1. Mundo cotidiano - ambiente em que o herói ou personagem se encontra;
2. Chamado à aventura - momento que surgem os conflitos que podem ser externos ou internos, os desafios onde o personagem decidi se vai enfrentar a realidade ou não. É nesta fase que se constrói o desenrolar da história e também se conhece os objetivos do herói;
3. Recusa ao chamado ? o medo do mundo desconhecido deixa em dúvida o herói, é necessária uma ajuda exterior que motive e leve o herói a prosseguir;
4. Encontro com o mentor - alguém com experiência de vida que dá conselhos ao herói, seu papel é prepara-lo para sua missão dando-lhe ferramentas que serão utilizadas em diferentes momentos da história;
5. Travessia do primeiro limiar ? ao decidir agir e praticar a ação, o herói realizou o primeiro momento da história. Nesta fase entra no novo mundo especial dando origem a história propriamente dita;
6. Testes, aliados e inimigos ? momento que o herói se depara com as provações, surgem os vilões e os aliados que estarão presentes o tempo todo ao seu lado, ajudando-o ou atrapalhando-o;
7. A caverna ? nesta fase o herói se separa de seu objetivo, retoma a fase da recusa ao chamado, novamente é necessário se preparar para enfrentar os perigos do mundo desconhecido;
8. Provação suprema ? primeiro confronto do herói com a morte, momento de tensão, e suspense para o personagem e para o público, clímax da narrativa;
9. Recompensa e Ressurreição ? momento em que o herói conquista seu objetivo. Porém, não é o mesmo individuo do inicio da história, as provações, as novas experiências lhe deram uma nova visão do mundo. É a etapa final da história, a plateia faz uma avaliação se o trabalho ou a trajetória do herói foram validos. Momento difícil para o herói que deve decidir se volta para o mundo comum ou fica no mundo especial.
O herói não é individuo com forças sobrenaturais como mostram alguns filmes de ficção ou desenhos infantis, mas um individuo que faz o que é necessário ser feito. Ser herói não é uma tarefa fácil, exige coragem, ousadia, determinação e colaboração. Nenhum herói consegue passar por todas as provações sozinho, novos personagens necessitam entrar em cena, alguns para ajudar e outros para dificultar sua missão.
Nas definições de Campbell esses personagens que fazem parte da trajetória da vida do herói são denominados mentor, o guardião de limiar, o arauto, o camaleão, o pícaro e o sombra. O mentor é amigo do herói, quem o ajuda dando-lhe conselhos e ensinando valiosas lições que permitirão seu crescimento no decorrer da história. O guardião de limiar são personagens que protegem a entrada do Mundo Especial daqueles que não são dignos. O herói passa por testes, se vencer os obstáculos pode prosseguir na aventura. O arauto é o personagem que avisa que algo está errado e precisa ser concertado, comunica a aproximação de algo novo.
O camaleão muda de comportamento o tempo todo, representando perigo para o herói, por não ser totalmente confiável. Tem como função trazer dúvidas e suspense para a história. Contrario ao camaleão, o pícaro tem como função fazer rir, quebrar a seriedade, descontraindo o público para continuar envolvido na narrativa. Por fim, o sombra representa o lado obscuro, é o que chamamos de vilão, que tem como função colocar desafios na vida do herói dificultando o mesmo de alcançar seu objetivo.
Ao deleitarmos sobre a trajetória do herói e os conceitos dos personagens que o acompanham construídos pelo autor, percebemos que todos nos somos "heróis", pois passamos por todas elas. Uma ilustração simples que nos permite compreender nosso envolvimento nas narrativas em que os mitos na concepção atual estão presentes são as novelas. Durante toda a trama nos identificamos com alguns personagens, acompanhamos toda a trajetória da personagem principal, sofremos nos alegramos junto com ela. Envolvemo-nos de tal modo que chegamos a odiar alguns vilões a tal ponto que se encontrássemos com os atores que interpretam a personagem, seriamos capazes de agredi-los.
Concluindo, no palco da vida enquanto heróis de nossa própria história, nos deparamos diariamente com pessoas que interpretam todos esses personagens. A cada fase da nossa história temos que enfrentar desafios, tomar atitudes, escolher amizades, driblar os vilões, para que cheguemos a obter a recompensa e a ressurreição, pois sem dúvida a cada desafio vencido nos tornamos uma pessoa diferente. A diferença entre a vida do herói personagem da ficção para a nossa é que não sabemos qual será o desfecho.

O filme como um recurso didático e interdisciplinar

O filme escolhido para analise é A Odisseia, uma narrativa interessante que retrata a história da civilização grega, mostra a riqueza da mitologia e aspectos socioculturais da Grécia Antiga, muito presentes nos dias atuais.
A sugestão é que esse trabalho deve ser desenvolvido com turmas de 5ª serie. Portanto, faz necessário um cuidado especial com o uso da linguagem e ludicidade no momento de desenvolver a atividade, respeitando os aspectos cognitivos dos educandos.

A Odisseia

Mundo cotidiano:

Trata de questões cotidianas, da convivência com as divindades do Monte Olímpio, ora pacífica ora conflituosa, entre deuses e mortais. Ulicesses vivia em harmonia em seu reino na cidade de Itaca, antes de começar sua aventura por longos vinte anos.

O chamado a aventura:

Acontece quando Ulicesses é convocado para participar da Guerra de Tróia. Ele sai de sua casa no dia do nascimento do seu filho Telêmaco, deixa seu filho e sua esposa Penélope, por quem era perdidamente apaixonado. Seu objetivo é vencer a guerra e retornar para seu reino, sua família.

Recusa ao chamado:

Ocorre quando Ulicesses pensa na esposa e no filho que acabara de nascer, teme não sobreviver à guerra, e deixar seu filho órfão, porém decidiu ir. Na despedida ele pede à Penélope que prometa que se não voltar até dia que seu filho tiver a primeira barba, ela deve casar-se novamente.

Encontro com o mentor:

Ulisses antes de partir para Guerra de Tróia confiou a seu amigo Mentor o cuidado de seu filho Telêmaco. Também ouviu do amigo conselhos e algumas estratégias de como proteger-se no conflito e retornar para casa.

Travessia do primeiro limiar:

Ulicesses parte para a Tróia, e começa a planejar junto com seus companheiros estratégias para vencer os troianos de forma muito sábia. Com ajuda dos companheiros de guerra fizeram um cavalo com as madeiras das embarcações, colocando no interior do cavalo os melhores guerreiros, e dizendo ao rei de Tróia que era um presente dos deuses, ao anoitece, já dentro dos muros da cidade, descem e surpreendem os troianos, matando-os e colocando fogo na cidade.

Testes, aliados e inimigos:

No desafio de voltar para casa teve a ajuda de homens e deuses Baio Euríloco, Perimedes, Elpenon, Atena, Éolo, Hermes, e alguns vilões apareceram deuses e criaturas Posseidon, Hélio, Cila, Ciclopes, Caríbdias, Sereias, Lotófagos.

A caverna:

Depois de vencida a guerra Ulicesses e seus amigos comemoram a vitória a margem do mar desafiando o poder dos deuses dizendo que venceu sem a proteção de nenhum deles. Furioso, o deus do mar Poseidon promete que ele nunca mais chegara à sua casa e que ficará perdido em suas águas.

Provação suprema:

Ulicesses passou por diversas intempéries no oceano, lutando com monstros mitológicos, sendo aprisionado por deusas, lutando com gigantes, passando até mesmo pelo inferno. Odisseu e seus soldados permanecem no oceano por 17 anos. Com a morte de seus companheiros, em muitos momentos pensou em desistir de viver, mas seu amor pela esposa e o filho lhe deram forças para continuar lutando. Seu reconhecimento, que sem os deuses o homem não é nada lhe concedeu a ajuda dos deuses e conseguiu chegar a Itaca.

Recompensa e Ressurreição:

Quando Odisseu chega a Itaca, ele se disfarça de mendigo, exatamente no dia em que sua esposa deveria escolher um novo pretendente. Após vários episódios é reconhecido pela ama por causa de uma cicatriz, ela lhe prometeu sigilo. Para casar-se com a rainha, os pretendente deveriam arrumar a corda no o arco de Odisseu, mas nenhum deles consegue, somente Odisseu que depois de arrumar seu arco, volta a ser como antes, e reconhecido por todos, e com o próprio arco, elimina um por um dos pretendentes de sua esposa. Odisseu é reconhecido pela sua fiel esposa Penélope e promete nunca mais abandonar seu reino.

Considerações finais

A Odisséia do século XII ao VIII a.C. continua sendo muito atual, a exemplo do Odisseu, que sofre com tantas dificuldades para voltar a ilha, também nós, devemos ter metas na nossa história pessoal. Com elas seremos mais fortes para enfrentar os empecilhos que a vida nos proporciona.
Ulisses é um exemplo de coragem e perseverança, pois diante das dificuldades da vida, não desanima, nem desiste, mas renova suas forças no amor por sua família e é esse amor que o levara de volta para casa. Através do amor por si mesmo e pelo outro, conseguimos alcançar nossos objetivos e criar outros para tornarmos a vida mais dinâmica e estrutural para nossa caminhada pessoal e social.
Assim como Ulicesses não conseguiria chegar a Itaca sem a ajuda dos deuses, no campo educacional a História enquanto ciência humana não pode existir sozinha, ela necessita da contribuição de outras ciências. Tomando como exemplo, a analise do filme A Odisseia que descreve a história da cultura grega, para que nossos alunos compreendam os fatores socioculturais da Grécia Antiga, é necessário explorar na discussão questões do campo da Antropologia (cultura), da Geografia (localização, clima, agricultura, oceano, meios de transporte, etc.) da literatura (o livro A Odisseia) e do Cinema (linguagem cinematográfica/filme).
Dialogar com todas essas áreas não é uma tarefa fácil, mas necessária no campo pedagógico, pois ao experimentarmos teremos resultados brilhantes, nos tornaremos "heróis" e perceberemos que nunca mais seremos os mesmos educadores, após viver experiências tão fantásticas. Perceberemos o quão é gratificante acompanhar a aprendizagem dos alunos de forma mais efetiva, frutos da auto avaliação de nossa pratica.

Referencias

CAMPBELL, Joseph. Os Mitos.

FREITAS, Geovana Alves de. A Odisséia. Disponível em:
http://freitasphilosophia.blogspot.com/2008/03/resenha-do-filme-odissia_07.html
Acesso novembro de 2010.

LOUREIRO JR, Eduardo. A jornada do herói. Disponível em:
http://www.constelar.com.br/revista/edicao28/eduardo1htm.
Acesso novembro de 2010.

REALI, Noeli Gemelli. O filme como documento histórico. Disponível em:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1918-6.pdf
Acesso novembro de 2010.

SANTOS, Daniela Cacuso Bellarde. Guerra nas estrelas: o mito da sociedade moderna. Disponível em:
http://www.usfcar.br/~cinemais/arteestrelas.htm
Acesso novembro de 2010.