Ana Flávia Machado Alves.

Diana Silva França.

Resumo: A partir da análise da obra de José Lins do Rego este trabalho tem o objetivo de mostrar as injustiças sociais que acontecem dentro de um colégio interno, onde as crianças que estudam dentro dessa instituição vivem más condições sociais e ainda sofrem com um sistema injusto e opressor em que o estabelecimento escolar, como um todo, representa a sociedade injusta e repressiva que vem abordar constantemente no decorrer da obra.

Palavras - chave: Carlos de Melo, colégio interno, repressão, injustiças sociais.

INTRODUÇÃO

         Passada a fase mais combativa e contestatória do Modernismo, a produção literária brasileira começa a entrar num período de amadurecimento, onde inicia-se a segunda fase do Modernismo.

            Os autores que participaram dos momentos iniciais do movimento continuam escrevendo, mas é a nova geração, surgida na década de 1930, que consolida a renovação literária. É a segunda fase do Modernismo, didaticamente situada entre 1930 e 1945. No campo da prosa, em que ocorre uma rica produção de romances, observamos três tendências principais: Romance intimista e psicológico, em que predomina o interesse pela análise do mundo interior das personagens e seus conflitos íntimos; Romance de temática social urbana, com predominância na análise dos conflitos que surgem entre as personagens e as estruturas sociais urbanas.  Romance social nordestino, em que predomina a denúncia das injustiças sociais e dos problemas econômicos do Nordeste, o drama dos retirantes da seca e a vida sofrida pela população pobre.

As obras de José Lins do Rego se encaixam na terceira tendência e segundo Sarmento:

[...] apresentam forte conteúdo memorialista, revelando reminiscências da infância e adolescência passadas no engenho do avô, na Paraíba. Os romances em que tratou da vida nos engenhos, da decadência das velhas estruturas econômicas do Nordeste e dos desmandos dos autoritários senhores de engenho costumam ser reunidos no que ele próprio chamou de “ciclo da cana-de-açúcar”. (2004, p. 152)

 

FUNDAMENTOS TEÓRICOS

            Doidinho, que foi publicado em 1933 é um romance, cuja obra é a continuação do clássico “Menino de Engenho”, lançado um ano antes. O título da obra define-se pelo apelido que foi colocado pelos colegas de colégio em Carlos de Melo, vejamos:

                                                           Fazia um mês que eu chegara ao colégio. Um mês de um duro aprendizado que me custara suores frios. Tinha também ganho o meu apelido: chamavam-me de Doidinho. O meu nervoso, a minha impaciência mórbida de não parar em um lugar, de fazer tudo às carreiras, os meus recolhimentos, os meus choros inexplicáveis, me batizaram assim pela segunda vez. Só me chamavam de Doidinho. (REGO, 2006, p. 40)

            Encontramos na figura de Carlos de Melo, ou Carlinhos, um garoto de 12 anos que faz a narração de suas experiências como aluno no rigoroso internato Instituto Nossa Senhora do Carmo, de Itabaiana, onde é dirigido pelo professor Maciel. Carlos descobre dentro do colégio uma nova fase de sua vida, que pressionado pela rigorosidade que predomina na instituição ver-se na alternativa de aceitar o sistema repressivo.

            Após a sua chegada no colégio, Carlinhos logo percebe a realidade em que está se inserindo: “Era a primeira vez que me separava de minha gente, e uma coisa me dizia que a minha vida entrava em outra direção” (REGO, 2006, p.30).

            Percebe-se na obra a repressão que é estabelecida, onde os alunos são vistos como prisioneiros que devem aceitar tudo o que lhe são oferecidos sem ter liberdade de se expressar, pode-se observar essa situação diante da descrição que Carlinhos faz na hora do jantar no seu primeiro dia de “prisão” onde ele está iniciando o seu relacionamento com as pessoas do colégio:

Estavam chamando para o jantar. Descemos uma escada para uma sala de refeições. Uma mesa grande para todos. O seu Maciel na cabeceira, d. Emília e o pai dela de lado, e a negra Paula servindo. Quando me botaram o prato de feijão, recusei:

-Não gosto de feijão.

 -Pois é o que o senhor tem de comer aqui todos os dias.

Engoli com um nó na garganta, a minha primeira bóia de prisioneiro.

-Se o senhor quiser escolher comidas, vá para o hotel.

Isto com uma voz seca, estridente, atravessando o interlocutor de lado a lado.

O resto dos meninos olhando para o prato, devorando a ração num silêncio de igreja. (REGO, 2006 p.32)

Podemos destacar nesta passagem o regime repressivo adotado na instituição em que os alunos faziam a refeição silenciosamente e a qualificação da comida que era servida em que é atribuída a ela a definição de “ração”, o que nos faz perceber que a comida não era de boa qualidade, sem deixar despercebido à como se referiam a cozinheira de “negra” Paula onde verifica-se o preconceito racial no colégio do seu Maciel.

Encontramos também na descrição do diretor as características de uma pessoa em que transpassava a concepção de medo para os alunos do estabelecimento:

                                                           Pareceu-me aí o diretor uma figura de carrasco. Alto que chegava a se curvar, de uma magreza de tísico, mostrava no rosto uma porção de anos pelas rugas e pelos bigodes brancos. Tinha uns olhos pequenos que não se fixavam em ninguém com segurança. Falava como se estivesse sempre com um culpado na frente, dando a impressão que estava pronto para castigar. (REGO, 2006, p.32)

                                        Ao longo dos dias que se passavam no internato, Carlos de Melo ia descobrindo como era a convivência naquele local:

                                        Ninguém podia trocar palavras. Falava-se aos cochichos, e para tudo lá vinha: é proibido. A liberdade licenciosa do engenho sofria ali amputações dolorosas. Preso como os canários nos meus alçapões. Acordar à hora certa, comer à hora certa, dormir à hora certa. E aquele homem impiedoso para tomar lições, para ensinar à custa do ferrão o que eu não sabia, o que não quisera aprender com os meus professores, os que não me davam porque eu era neto do coronel Zé Paulino. Agora não havia mais disso. Era somente um Carlos de Melo como os outros, menino atrasado [...] (REGO, 2006, p. 35-36)

            Esse trecho mostra que não importava o contexto econômico em que os alunos se mantivessem, o que era sabido para todos é que as regras rigorosas que foram impostas naquele estabelecimento tinham que ser cumpridas, pois o não cumprimento das devidas orientações que se seguiam no Instituto Nossa Senhora do Carmo (INSC), proporcionaria aos alunos castigos físicos, que segundo o diretor era uma forma de manter o aprendizado e a ordem do colégio.

            Segundo Statt (1978) a repressão é o esquecimento ou a negação inconsciente de detalhes significativos do comportamento, detalhe que são incompatíveis com o auto-retrato que estamos tentando manter. Na repressão há um bloqueio na consciência dos conflitos geradores de ansiedade ou de distúrbios na motivação.

            Diante desse sistema rigoroso, as crianças que estudam no INSC sentem-se repreendidas sem poder mostrar o que sentem influenciando no comportamento da mesma, podendo prejudicar na formação crítica do aluno e que no decorrer da obra o contraste daquele regime em que viviam faziam com que o protagonista da obra, Carlos de Melo, tivesse um profundo sentimento de infelicidade onde sonhava a cada dia em voltar para casa.

            Na personagem de dona Emília, esposa de seu Maciel e também professora da instituição, Carlos também identifica a figura de uma pessoa que repreendia aos alunos: “D. Emília tinha os menores com ela. Mas ensinava também gritando. Corrigia os erros da leitura no tom de voz de reprimenda" (REGO, 2006, p. 38).

            O que verifica-se é que apesar de dona Emília ter características e fisionomias doces, dentro de sala de aula, ela também mostrava o mesmo comportamento do marido aplicando o mesmo método rigoroso.

            Vale destacar ainda as más condições sociais em que viviam os alunos do colégio interno, onde que eles tinham que se adaptar com a situação social que era imposta a eles:

Tanto luxo com os móveis e a casa, e no entanto nos deixava na maior imundície. Os panos de cama passavam meses sem se lavar. E os percevejos engordavam no nosso lombo. Banho duas vezes na semana. De cuia, quando não íamos ao rio. O sabão estava na água salobra da cacimba, e os piolhos multiplicavam-se nas nossas cabeças. ...O pescoço da gente criava lodo. Mas sujássemos a roupa antes do dia marcado, que o bolo lembraria ao pobre que o sabão do diretor custava dinheiro. (REGO, 2006, p. 104)

Diante desse contexto o que se analisa é que mediante essa situação precária em que aquele regime repressivo colocava aos estudantes, proporcionava-lhes uma imensa evasão daquele local que fixava a eles uma ânsia pela liberdade. O que ainda levava as crianças à “fuga” daquela “prisão” eram os passeios que as crianças podiam ter duas vezes na semana:

Íamos aos domingos e às terças aos banhos de rio. Levava-nos o velho Coelho, de toalha ao ombro, à frente do internato. Parecia que fugíamos de um presídio, pela mão de um avô pelo conto de fadas. Os pássaros quando fugiam das gaiolas devia ser assim, com aqueles nossos olhos e aqueles nossos ouvidos abertos aos rumores do mundo. O sol brilhava para a gente com uma vida que não tinha para os outros. (REGO, 2006, p. 61)

            O que também movia aos alunos a uma mudança de rotina do internato foi a chegada de um cinema em Itabaiana, que fazia com que eles por um certo momento esquecessem dos problemas que os afligiam: “Às terças e aos domingos pagava cada um quinhentos réis para o espetáculo da noite. Invenção maravilhosa esta, que nos ajudava a levar o tempo, a furar os meses com o pensamento nas fitas.” (REGO, 2006, p. 188)

            Verificamos que durante o percurso da obra o que instiga aos alunos é uma fixação pela liberdade, em voltar para casa ou encontrar meios que os levem a enfrentar de modo mais fácil aquela dura realidade que os envolvia.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

         Carlos de Melo encontra dentro do internato um “mundo” regido pela palmatória e pela injustiça, na qual submete-se a ter que aceitar e conviver com toda aquela nova fase de sua vida, no entanto esse novo desafio em sua vida é visto como algo que o leva a ser um garoto insatisfeito com sua vida escolar, que apesar desse regime ter influenciado no adiantamento de seu aprendizado verifica-se a profunda saudade que ele tem de sua casa no engenho.

            Pretendeu-se neste trabalho analisar de forma crítica como o narrador mostra a partir da situação em que foi vista no sistema do colégio interno a representação de uma sociedade injusta e repressiva contra a qual o protagonista se opõe em que o leva no final da obra a fugir do estabelecimento em busca de sua liberdade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

REGO, José Lins do. Doidinho: romance. 41º ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

SARMENTO, Leila Lauar. Português: literatura, gramática, produção de texto: volume único. São Paulo: Moderna, 2004.

STATT, David A .Introdução à Psicologia,SP. Ed. Harbra, 1978.

http://www.ichs.ufop.br/conifes/anais/LCA/lca2405.htm

Acesso em: 30 set. 2011