A PRESCRIÇÃO NO DIREITO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

1.Conceito de Prescrição

A prescrição é originária do direito romano e sua etimologia básica tem assento na expressão latina praescriptio, que segundo Quicherat (Dictionnaire Latin-Français. Veb. Praescribo), deriva do verbo praescribere, formado de prae e scribere, que significa, escrever antes, ou escrever no começo.

Preliminarmente, faz-se necessário conceituar o instituto da PRESCRIÇÃO,conceituado no Vocabulário Jurídico,De Plácido e Silva, 19ª Edição, Editora Forense, fls. 634:

"...

Prescrição. Na significação jurídica atual, a prescrição exprime o modo pelo qual o direito se extingue, em vista do não exercício dele, por certo lapso de tempo.

"Praticamente, como extintivo de direito ou de obrigação, a prescrição manifesta-se como meio de adquirir direito ou de se livrar de obrigação, pelo transcurso de certo tempo, segundo as condições estabelecidas em lei."

O conceito de prescrição é regra geral em todos os campos do direito. É caracterizada pela extinção do direito de ação em razão da inércia do seu titular pelo decurso de determinado lapso temporal, ou seja, se após um determinado período definido em lei, a pessoa não ajuizar a ação cabível para fazer valer sua pretensão resistida, não poderá fazê-lo em momento posterior.

Miranda (2000, p. 100), fundamentou que a prescrição serve à segurança e à paz públicas, impondo limite temporal à eficácia das pretensões e das ações, pois com o passar do tempo, há dificuldades de produção de provas com relação a fatos pretéritos, tornando impossível a solução de um litígio com segurança jurídica.[1]

Segundo (DE PLÁCIDO, 2006, p.634) a prescrição exprime o modo pelo qual o direito se extingue, em vista do não exercício dele, por certo lapso de tempo.[2]

Assim compreendida, encontramos a ocorrência dela em diversas esferas do Direito (Código Penal – arts. 109 e 110, Código Civil –Título III,arts. 161 e sgts., etc) colocando termo à pretensão punitiva do Estado sobre seus administrados, não sendo demasiado lembrar o grande mestre do Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, em sua 16ª edição, Editora Revista dos Tribunais, pg. 577, que fala da prescrição no âmbito administrativo como:

"A prescrição administrativa opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação.

...

"Entendemos que, quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, ..."

"O instituto da prescrição administrativa encontra justificativa na necessidade de estabilização das relações entre o administrado e a Administração e entre esta e seus servidores."

Sobre matéria prescricional, a Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, assim se referiu:

"a consagração do princípio da prescritibilidade repousa sobre o postulado da segurança jurídica. É reconhecido em lição exemplar por Pontes de Miranda, referindo que a prescrição atinge a todas as pretensões e ações, quer seja direitos pessoais, reais, privados ou públicos. É a regra geral. O excepcional é a imprescritibilidade, e a Constituição admite duas hipóteses, o crime de racismo e o terrorismo, grupos armados civis ou militares, (art. 5º, XLII, XLIV da CF/88).Conclui-se que a prescrição é o princípio informador do sistema jurídico prático na matéria".

Dessa forma, é seguro afirmar que a prescrição está diretamente relacionada ao tempo e estreitamente vinculada ao interesse existente por parte da sociedade.

2. Prescrição no âmbito do direito de trânsito

O Código de Trânsito Brasileiro – CTB, instituído pela Lei 9503, de 23 de setembro de 1997, não tem em seu texto disposição que trate da prescrição. O CTB calou-se em relação a imposição de penalidade de multa, tratando tão somente da prescrição da apenação de pontos ao Registro Nacional de Carteira de Habilitação do condutor de veículos, visando a suspensão temporária do direito de dirigir,prevendo expressamente que a cada doze meses a pontuação pertinente à uma infração de trânsito prescreve, portanto, não sendo mais hábil à punição daquele.

Desta forma, o Poder Legislativo não teve a preocupação de estabelecer dispositivo que tratasse do processo prescricional estabelecido pela multa e pela penalidade de caráter administrativo, aplicadas quando do cometimento de infração de trânsito pelo condutor, cuja matéria vem ganhando espaços nos debates doutrinários e jurisprudenciais.

Assim se reporta a Jurista (CASSALES, 2005, p.56):

"a prescrição é a regra e a imprescritibilidade é a exceção, quando sobre ela, e, por conseguinte, quanto ao seu prazo, for omissa determinada lei, não quer isso dizer que estamos frente a uma hipótese de ocorrência de imprescritibilidade. Ao contrário, sendo a prescrição a regra, repita-se, a omissão da lei deve ser sanada pelo intérprete seja através de interpretação analógica ou, até mesmo, por exegese extensiva, tal como permite o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil."[3]

O Direito de Trânsito tem logrado avanços significativos no que se refere à produção e interpretação de suas normas, e mais especificamente, no que tange a lacuna estudada: a definição no âmbito do próprio Direito de Trânsito do prazo prescricional.

Em relação aos prazos prescricionais no Direito de Trânsito, a autoridade administrativa, a todo o momento está de encontro com situações concretas que impõem, pelo respeito ao princípio da razoabilidade, certa ponderação dos valores jurídicos tutelados pela norma aplicável à situação de fato.

O CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO - CONTRAN, buscando a uniformização do procedimento administrativo para imposição das penalidades de suspensão do direito de dirigir e cassação da Carteira Nacional de Habilitação, estabelecendo a regulamentação das disposições contidas nos artigos 261 e 263 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, aprovado pela Lei nº. 9.503, de 23 de setembro de 1997, expediu a Resolução nº. 182, de 09 de setembro de 2005, que estabelece em seu texto normas prescricionais, tendo, portanto, equacionado a espécie conforme previsto nos artigos 22 e 23, os quais dispõem ad litteris et verbis:

 

Art. 22. A pretensão punitiva das penalidades de suspensão do direito de dirigir e cassação de CNH prescreverá em cinco anos, contados a partir da data do cometimento da infração que ensejar a instauração do processo administrativo.
Parágrafo único. O prazo prescricional será interrompido com a notificação estabelecida na forma do artigo 10 desta Resolução.


Art. 23. A pretensão executória das penalidades de suspensão do direito de dirigir e cassação da CNH prescreve em cinco anos contados a partir da data da notificação para a entrega da CNH, prevista no art. 19 desta Resolução.

Por sua vez, examine-se a relevância das palavras da Profa. Di Pietro (2006. p. 586):

"no silêncio da lei a prescrição administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto 20.910. Quando se trata de direito oponível à Administração, não se aplicam os prazos do direito comum, mas esse prazo específico aplicável à Fazenda Pública; apenas em se tratando de direito de natureza real é que prevalecem os prazos previstos no Código Civil, conforme entendimento da jurisprudência".[4]

Para a ministra do STJ, Eliana Calmon: "na ausência de uma definição legal específica sobre a matéria, o prazo prescricional para a cobrança da multa, crédito de natureza administrativa, deve ser fixado em cinco anos, até porque não seria legítimo gozarem a União, o estado ou o município de tratamento diferenciado em relação ao administrado, principalmente quando não se verifica risco de prejuízo ao interesse público."

Nessa linha de raciocínio, preleciona o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles que, "quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa,esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. 20.910/32), das punições dos profissionais liberais (Lei 6.838/80) e para cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174)"[5]

A Lei nº. 9.873, de 23 de novembro de 1999, que versa sobre o prazo prescricional para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, em seu artigo primeiro, estabelece que prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

O ilustre professor Celso Antônio Bandeira de Mello, dispõe acerca da matéria:

"Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal explícita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente proporem ações"[6]

 

Para tanto, o preenchimento da lacuna quanto a prescrição relativa as infrações de trânsito deve ser feito com o reconhecimento da validade do Decreto 20.910/32, conformado pelo Decreto-lei n° 4.597/42, que estabelece o prazo prescricional das dívidas passivas do Poder Público.

Desta forma, temos que a autoridade administrativa de trânsito, a todo o momento, se depara com situação concreta que impõe tomada de decisão em relação a aspectos prescricionais.

Diante da falta de disposições que estabeleçam regras prescricionais no Código de Trânsito Brasileiro – CTB, instituído pela Lei nº. 9.503/97, a autoridade sujeitar-se-á ao entendimento de que o prazo para a aplicação e execução das sanções administrativas no âmbito do trânsito por parte do poder público é de cinco anos, contados da data da ocorrência do fato, tendo como pressupostos os princípios balizadores da Administração Pública Nacional.

Portanto, o fundamento de validade jurídica por não existir norma de direito estabelecendo prazo prescricional específico para a aplicação e execução das infrações de trânsito, deverá ser extraído dos princípios constitucionais e demais fontes de Direito Público, em prol do alcance da verdadeira justiça, que não atente contra os interesses da sociedade que a formulou, impondo limite temporal à eficácia das pretensões e das ações, trazendo a necessária segurança jurídica.

Ana Paula Nickel Thomazini

Estudante de Direito

Curitiba/Pr

28/11/2007

[1] MIRANDA, Francisco C. Pontes de.Tratado de direito privado - tomo 6.São Paulo: Bookseller, 2000.

[2] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico 27. ed. São Paulo: Forense, 2006.

[3] CASSALES, Luiza Dias. A prescrição, perempção e decadência – administrativas. Disponível in http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br 2004, acessado em 02/10/2006.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito administrativo. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006.

[5] MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro.São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 654.

[6]MELLO, Celso Antônio Bandeira, in "Curso de Direito Administrativo", São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 907.