A prática, por alguém, de atos concretos absolutamente condenáveis pelo nosso ordenamento jurídico-constitucional, como por exemplo terrorismo, faz com que a proteção à dignidade humana do infrator possa ser afastada de forma juridicamente justificada?

1. INTRODUÇÃO 

A Constituição é mais que um documento legal. É um documento com intenso significado simbólico e ideológico refletindo tanto o que nós somos enquanto sociedade, como o que nós devemos ser.

É a partir da Constituição de 1988 que se identifica a conjugação do Direito internacional com o Direito interno e que fortalecem a sistemática de proteção dos direitos fundamentais fundadas na primazia da dignidade da pessoa humana. 

2. DESENVOLVIMENTO

Com o processo de internacionalização do Direito Constitucional somado ao processo de constitucionalização do Direito Internacional, a Declaração de 1948 introduz a concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos. Universalidade pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Desse modo, quando um deles é violado, os demais também o são.

Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade interdependente capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos com o catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais.

A Carta de 1988 estabelece que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Destarte, os direitos fundamentais podem ser organizados em três distintos grupos: o dos direitos expressos na Constituição; o dos direitos implícitos, decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Carta constitucional; e, o dos direitos expressos nos tratados internacionais subscritos pelo Brasil.

Nesse diapasão, trata-se de uma interpretação que está em harmonia com os valores prestigiados pelo sistema jurídico de 1988, em especial com o valor da dignidade humana, que é valor fundante do sistema constitucional.

Flávia Povesan, ao discorrer sobre o processo de universalização dos direitos humanos esclarece que a formação de um sistema internacional, composto por tratados, é fundado na acolhida da dignidade da pessoa humana como valor e que ilumina o universo de direitos. Convém destacar a concepção da autora em comento:

Todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de qualquer outro critério, senão ser humano. O valor da dignidade humana se projeta, assim, por todo o sistema internacional de proteção. Todos os tratados internacionais, ainda que assumam a roupagem do Positivismo Jurídico, incorporam o valor da dignidade humana.[1]

Nesse contexto, a dignidade humana, elevada a princípio fundamental da Carta, nos termos do art. 1°, III, impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. Assim, a dignidade humana e os direitos fundamentais conferem suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

O próprio argumento de que a dignidade da pessoa humana poderá proteger até mesmo o infrator de atos condenáveis pelo nosso ordenamento jurídico-constitucional é válido, tendo em vista que, trata-se de uma qualidade intrínseca, inseparável de todo e qualquer ser humano, sendo assim uma característica que o define como tal.

Concepção de que em razão, tão somente, de uma condição humana e independente de qualquer outra particularidade, o ser humano é titular de direitos que devem ser respeitados pelo Estado e por seus semelhantes. É, pois, um predicado tido como inerente a todos os seres humanos e configura-se como um valor próprio que o identifica. [2]

Destarte, a ausência de dignidade possibilita a identificação do ser humano como instrumento ou coisa, pois viola uma característica própria e delineadora da natureza humana. Assim, valendo-se da explicação de José Afonso da Silva acerca da dignidade da pessoa humana: “A dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana” [3].

 Por outro lado, nem sempre uma restrição (ainda mais temporária e em condições adequadas) da liberdade corresponde a uma violação da dignidade, pois se assim fosse nem a prisão civil ou mesmo a prisão penal, por mais dignas que fossem as condições de execução da pena, teria amparo constitucional. 

3. CONCLUSÃO

Desse modo, conclui-se a pesquisa com as considerações feitas por Carmem Lúcia Antunes Rocha, ao comentar o Art. 1º da Declaração dos Direitos Humanos, o festejado dispositivo que decreta a igualdade de todos os seres humanos em dignidade e direitos:

Gente é tudo igual. Tudo igual. Mesmo tendo cada um a sua diferença. Gente não muda. Muda o invólucro. O miolo, igual. Gente quer ser feliz, tem medos, esperanças e esperas. Que cada qual vive a seu modo. Lida com as agonias de um jeito único, só seu. Mas o sofrimento é sofrido igual. A alegria, sente-se igual.[4]

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. In: LEITE, George Salomão (Org.). Dos Princípios Constitucionais: Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 188.

ROCHA, Carmem Lúcia. Antunes. Direito de Todos e para Todos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 13.

SARLET, Wolfgang Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 22.

SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, v. 212, p. 84-94, abr./jun. 1998.



[1] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. In: LEITE, George Salomão (Org.). Dos Princípios Constitucionais: Considerações em torno das normas

principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 188.

[2] SARLET, Wolfgang Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 22.

[3] SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, v. 212, p. 84-94, abr./jun. 1998.

[4] ROCHA, Carmem Lúcia. Antunes. Direito de Todos e para Todos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 13.