SUMÁRIO: Introdução; 1 A disciplina dos bens de família no direito brasileiro; 2 A questão da má-fé do devedor executado fraudulento; 3 A responsabilidade patrimonial, a impenhorabilidade e a novidade do tratamento aos bens de família frente à fraude da execução; Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

 

 

Os bens de família podem ser definidos como aquele destinado ao abrigo e ao domicílio da família, ficando isentos a execuções futuras. Tais bens possuem resguardo especial garantido tanto pelo Código Civil quanto pela Lei 8.009/90, que instituiu a impenhorabilidade da residência familiar. No entanto, tem-se verificado que muitos devedores, no intuito de fraudar a execução agem com má-fé processual, prejudicando os direitos do executante. Nestes casos, tem havido uma mudança do paradigma adotado nas cortes brasileiras, assim, tem-se admitido – em casos específicos – a penhora de bens de família. Este trabalho tem por objetivo investigar  a excepcionalidade da penhora de bens de família do devedor de má-fé, em face da direito atual. Trata-se de uma revisão bibliográfica de livros e artigos científicos.

Palavras-chave: Bens de família; devedor executado de má-fé; penhorabilidade de bens.

 

 

INTRODUÇÃO

Os bens de família gozam de proteção especial prevista no artigo 1.711, caput do Código Civil que, ao tratar sobre a constituição deste tipo de bem, ressalva a impenhorabilidade do imóvel residencial, o que se conforma com o afirmado pelo art. 1º  da Lei 8.009/90, que instituiu a impenhorabilidade da residência familiar. Sendo assim, a única residência familiar – aquela que é utilizada como moradia permanente - apesar de alienável,  não pode ser penhorada.

No entanto,  em julgados recentes já se decidiu que em alguns casos de fraude, nos quais o executado agiu de má-fé, o bem de família pode ter a impenhorabilidade afastada. Emblemático, neste contexto, decisão proferida por turma do STJ que ratificou decisão de juiz que atingia o patrimônio pessoal de sócios de uma construtora, que agiram com ardil durante o andamento de um processo, cujo o autor reclamava o não-cumprimento da construtora com suas obrigações contratadas, destaca-se as palavras da relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi: “Há, portanto o interesse de duas famílias em conflito, não sendo razoável que se proteja a do devedor que vem obrando contra o direito do de má-fé”.  

Percebe-se, então, que na situação excepcional de fraude já se permite o alcance do imóvel familiar  como penhorável para sanar obrigação. Cabe a análise mais detida sobre tal hipótese, verificando o alinhamento daquela ao Princípio da patrimonialidade, garantidor de que a penhora só alcançaria ao patrimônio do devedor suficiente para solver débito e a discussão doutrinaria e jurisprudencial sobre o tema.

Para tanto, este trabalho traçará uma descrição mais apurada sobre os bens de família no ordenamento jurídico pátrio, as hipóteses de má-fé em que se podem considerar a penhora de patrimônio familiar e – por fim – debater como a jurisprudência e a doutrina têm tratado este novo paradigma. Trata-se de uma revisão bibliográfica de livros e artigos científicos.

1 A DISCIPLINA DOS BENS DE FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO

 

 

Os bens de família encontram seu regramento básico entre os artigos 1711 à 1722 do Código Civil. Sobre estes, Diniz (2010, p. 1215), traz a seguinte lição:

O bem de família convencional ou voluntário é um prédio ou parcela do patrimônio que os cônjuges, ou conviventes, destinam para abrigo e domicílio desta, com a cláusula de ficar isento da execução por dívidas futuras.

Destaca-se que ao conceito de família deve se estender à família monoparental, à união estável, à união homoafetiva e até mesmo ao solteiro que reside só em um imóvel, isso em respeito ao princípio da dignidade humana (DIDIER et al,  2013, p. 588-589).

Tem-se que uma das principais características determinadas a estes bens é a sua impenhorabilidade, o que é explicitado no art. 1715 CC, que diz que  “O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição [...]”. Ressalta-se que a impenhorabilidade seria cabível a débitos posteriores à criação do bem, ou seja, não se pode instituir determinado bem como de família no intuito de fraudar credor que possuía crédito prévio, neste caso, prevalecerá a regra de que o patrimônio do devedor responde pelas dívidas (DINIZ, 2010, p. 1219).

Ainda é importante frisar as diferenças existentes entre o bem de família e a residência familiar, apesar de serem institutos que guardam semelhanças, Araken de Assis (2007, p. 415) afirma que a diferença entre eles está no fato do bem de família passar por um intrincado processo de instituição que culmina com sua inalienabilidade, já a residência familiar é impenhorável, porém alienável. Esta residência familiar é regrada pela Lei 8.009/90.

Ao tratar sobre o tema, Redondo e Lojo (2007, p. 127) afirma que a impenhorabilidade da residência familiar se estenderia aos bens móveis da residência que apresentam “[...] um médio padrão de vida (v.g., conforme jurisprudência do STJ já referida, a televisão, a maquina de lavar louça, o forno de micro ondas, o freezer, o microcomputador e a impressora)”. Isso se coadunaria ao art. 649, II CPC, no entanto a verificação se determinado bem seria de médio padrão de vida e – com isso – impenhorável caberia ao juiz, analisando o contexto social da execução em questão, tratar-se-ia de conceito de conteúdo indeterminado (MACHADO, 2011, p. 1229).

 Didier et al (2013, p.590), porém, não distingue bens de família de residência familiar, afirmando, no entanto, que a impenhorabilidade destes bens será relativa nas hipóteses do art. 3º e do 4º da Lei 8.009/90. Estas hipótese, porém, não abarcam o caso da má-fé processual, tema aqui discutido e que vem instigando mudanças na discussão do tema da impenhorabilidade do bem de família.

2 A QUESTÃO DA MÁ-FÉ DO DEVEDOR EXECUTADO FRAUDULENTO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO

 

 

A execução deve ser regida pelo princípio da boa-fé processual, corolário que vem disposto no art. 14, II CPC, que afirma que é dever das partes e de todos o que participem procederem com lealdade e boa-fé. Para Machado (2011, p. 260), a boa fé “[...] concerne ao aspecto subjetivo das atitudes; ressalta o lado interno, as intenções mais profundas e boas que devem legitimar os atos jurídicos processuais e seus efeito”. 

No entanto, Didier et al (2013, p. 307) ressalta que além desta dimensão subjetiva, a boa-fé se configura uma autêntica cláusula geral processual:

O princípio de atuação de acordo com a boa-fé é a fonte normativa da proibição do exercício inadmissível de posições jurídicas processuais, que podem ser reunidas sob a rubrica do “abuso do direito” processual (desrespeito à boa-fé objetiva). Além disso, o princípio da boa-fé processual torna ilícitas as condutas processuais animadas pela má-fé (sem boa-fé subjetiva). Ou seja, a cláusula geral da boa-fé objetiva processual implica, entre outros efeitos, o dever de o sujeito processual não atuar imbuído de má-fé, considerada como fato que compõe o suporte fático de alguns ilícitos processuais. Eis a relação que se estabelece entre a boa-fé processual objetiva e subjetiva. Mas, ressalte-se: o princípio é o da boa-fé objetiva processual, que, além de mais amplo, é a fonte dos demais deveres, inclusive o de não agir com má-fé.

Percebe-se, então, que a boa-fé objetiva se opõe à má-fé processual, esta má-fé processual, por sua vez, reflete-se em um conceito concreto, na existência de casos específicos que atingem o processo de execução nos quais o devedor claramente possui o intuito de burlar, de algum modo, a escorreita execução. Não se reputa à hipótese de litigância de má-fé, que é explicitada no art. 17 CPC.  

   Assim, tem-se que há a má-fé quando ocorre a fraude da execução e o devedor não respeita o princípio da responsabilidade patrimonial. Como afirma Didier et al (2013, p. 309):

A fraude é uma das diversas condutas contrárias à boa-fé. É negação da boa-fé; consiste, enfim, em conduta repudiada no âmbito das relações negociais. Pode ser definida como a manobra ilegal, que lesa interesses legítimos do credor.

A fraude do devedor é expressão que se refere a uma categoria ampla que abrange três figuras: a) fraude contra credores; b) fraude à execução  c) os atos disposição de bem já penhorado (grifo nosso).

Quanto à fraude à execução, eis que esta é disciplinada pelo art. 593 CPC, que traz três hipóteses de fraude: alienação ou oneração na pendência de ação fundada em direito real (inc. I); alienação ou oneração de bem na pendência de processo capaz de reduzir o devedor à insolvência (inc. II); demais casos de fraude previstos em lei (inc. III).

Em relação à alienação ou oneração na pendência de ação fundada em direito real, esta só ocorrerá se – ao tempo da alienação ou oneração dos bens – já houvesse litspendência (MACHADO, 2011, p. 1179). Didier et al (2013, p. 316) acrescentam que não há, no caso, a necessidade de se provar insolvência.

Já a alienação ou oneração de bem na pendência de processo capaz de reduzir o devedor à insolvência, demanda os seguintes pressupostos: “exigência de que o ato seja danoso, apto a reduzi-lo à insolvência e que tenha sido praticado na pendência de um processo contra o devedor [...]” (DIDIER et al, 2013, p. 316). Em tal caso, necessário provar – também – o estado de insolvência.  Em esclarecimento ao tema, seguem as palavras de Costa Machado (2011, p. 1180):

Para que a fraude aqui prevista ocorra é necessário que tenha sido instaurado um processo de execução ou de conhecimento (normalmente de caráter condenatório) acompanhado da ciência do adquirente cuja potencialidade seja gerar a insolvência do réu, que só poderá ser concretamente aferida a posteriori no curso da execução, mais precisamente no instante da penhora. Se nesse momento o executado possui bens que respondam pela dívida, ainda que antes não existissem, não há que se cogitar de fraude; se não possuir, será preciso verificar em que momento ou que alienação tornou o executado insolvente.

Já o inc. III cria uma cláusula aberta pra que outras leis criem hipóteses novas de fraude à execução, exemplos são: o art. 4o da Lei 8.009/90 e o art. 185 do Código Tributário Nacional (DIDIER et al, 2013, p. 321).

Neste contexto das fraudes contra a execução é que tem sido suscitada a discussão sobre a possibilidade de penhora dos bens de família.

3. A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL, A IMPENHORABILIDADE E A NOVIDADE DO TRATAMENTO AOS BENS DE FAMÍLIA FRENTE À FRAUDE DE EXECUÇÃO

 

 

A assunção de uma obrigação pelo devedor acaba por gerar um vínculo entre este e o credor que busca, através da execução, “exigir o implemento da prestação convencionada” como leciona Luiz Fux (2008, p.75). A tutela jurisdicional torna-se pressuposto essencial para que o credor veja sua pretensão atendida, visto que é somente o Estado pode fazer uso da força (policial, se necessário) com a finalidade do adimplemento da obrigação constituída anteriormente.

Essa obrigação será satisfeita às custas do patrimônio do devedor, visto que a “responsabilidade patrimonial [...] consiste na invasão do patrimônio do devedor para satisfação dos interesses do credor”(FUX, Luiz. 2008. p.75). Tal conclusão encontra-se expressa no art.591, CPC, que pode ser utilizado como um conceito da denominada responsabilidade patrimonial: “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações”, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

A responsabilidade patrimonial é o direito que torna efetiva a satisfação do crédito do credor frente ao devedor, e, “por seu turno, representa o epílogo da história da humanização das consequências do descumprimento das obrigações” (FUX, 2008, p.76).

Desta feita, à partir do momento em que nasce a obrigação entre o devedor e o credor, a alienação de bens por parte do primeiro vai de encontro às pretensões do segundo. Para Luiz Fux (2008, p.76), surge daí uma colisão entre “o direito de propriedade do devedor e o direito de garantia dos credores”. Independente da coisa já assumir o status de litigiosa, “o credor deve ser vigilante da manutenção da inteireza patrimonial do solvens” ”(FUX, 2008, p. 76), os bens do devedor já sofrem pela assunção da obrigação, ou da responsabilidade, de forma instantânea “desta forma não há relação necessária de contemporaneidade entre o estado de sujeição patrimonial do devedor e o momento que contraiu as suas obrigações” (FUX, 2008, p.76), assim, o entendimento é pacificado quando há a afirmação de que:

[...] as figuras da fraude contra credores e da fraude de execução representam meios de preservação da responsabilidade patrimonial, evitando que artifícios possam frustrar aquela garantia, sem prejuízo de considerar-se a citação no processo de conhecimento e que tem como um dos seus efeitos processuais o de ‘tornar litigiosa a coisa’(FUX, Luiz, 2008, p. 76).

No entanto, é fundamental acentuar que inicialmente não é todo o patrimônio do devedor que estará sujeito à obrigação, para Luiz Fux (2008, p. 77) o entendimento é de que “posto que são protegidos pelo benefício processual de não se sujeitarem nem à constrição judicial, nem à subseqüente alienação, e que se denomina impenhorabilidade.”

 No entendimento doutrinário é de que “a impenhorabilidade pode ser relativa ou absoluta” (FUX, 2008, p.77). Na primeira, devem haver condições para que haja a penhora dos bens antes impenhoráveis, sendo assim, a proteção processual é parcial quando se trata desta espécie de patrimônio, vide jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA. IMPENHORABILIDADE RELATIVA DOS BENS OBJETO DE HIPOTECA CONSTITUÍDA POR CÉDULA RURAL. NÃO-OCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES EXCEPCIONAIS EM QUE SE ADMITE A PENHORA DE TAIS BENS.

Não se enquadrando o caso em qualquer das excepcionais hipóteses que admitiriam a penhora de bem garantido por hipoteca em cédula rural, deve prevalecer a regra da impenhorabilidade prevista no artigo 69 do Decreto-lei n.º 167/67. Agravo de Instrumento desprovido. (Relator: Paulo Cezar Bellio. Processo: TJSP 8180549 PR 818054-9. Data de Julgamento: 04/04/2012 16ª Câmara Cível)

Já a impenhorabilidade em sua modalidade absoluta implica que:

[...]qualquer transgressão à proteção implica a nulidade do ato, argüível hodiernamente da impugnação ao cumprimento da sentença, em embargos na forma dos artigos 475-L, inciso III, e 745, inciso V com a redação da Lei n° 11.382/2006, do CPC ou a qualquer tempo antes do trânsito da sentença extintiva da execução. (FUX, Luiz, 2008, p. 78).

O CPC, enumera por meio dos arts. 648, 649 e 650 os bens que estão incluídos no princípio da impenhorabilidade absoluta, e por isso, não estão sujeitos à constrição, como exemplificado na seguinte jurisprudência:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA. ART. 649 , IV , CPC . PRECEDENTES DO STJ E DESTE TRIBUNAL. RECURSO PROVIDO.. Acordam os integrantes da Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. (Relator: Luiz Taro Oyama. Processo: 9511975 PR 951197-5. Data do Julgamento: 07/11/12. 13ª Câmara Cível.)

Porém a jurisprudência inovadora tem, de forma cada vez mais comum, confrontando tal princípio - deste modo - o próprio ordenamento vem sendo combalido pelo entendimento jurisprudencial que suprime essa garantia processual.

Os bens de família estão contemplados na impenhorabilidade absoluta pela Lei, no entendimento de Luiz Fux (2008, p.78) a citada a Lei 11.382/2006 também garante a extensão do benefício “aos móveis que guarnecem a residência, o que deve ser entendido apenas como aqueles essenciais à manutenção da funcionalidade do lar e das condições de habitualidade do imóvel.”

A responsabilidade patrimonial tem se emergido sobre o princípio da impenhorabilidade absoluta em casos de fraude de execução, no entendimento de Luiz Fux (2008, p.93), o terceiro que não necessariamente contraiu débito com o devedor, mas adquiriu seus bens (estes envolvidos em obrigação anteriormente formada com o credor contemporâneo) comprometidos pelo processo de execução.

O entendimento doutrinário é de que tal “responsabilidade patrimonial secundária” vem da própria evolução do processo de execução, visto que hoje, “o patrimônio do devedor é sucedâneo para com o cumprimento de suas obrigações”. Nesse sentido, o ato que aliena a terceiro o bem envolvido em obrigação anterior frustra o interesse do credor. A situação de fraude que visa burlar o credor, já que a satisfação da obrigação, se o devedor atinge a insolvência, se dará por meio da penhora de seus imóveis pode atingir os bens de família do devedor, vide jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VENDA DE BENS EM FRAUDE À EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. AFASTAMENTO DA PROTEÇÃO. POSSIBILIDADE. FRAUDE QUE INDICA ABUSO DE DIREITO. 1. Não há, em nosso sistema jurídico, norma que possa ser interpretada de modo apartado aos cânones da boa-fé. Ao alienar todos os seus bens, menos um, durante o curso de processo que poderia levá-lo à insolvência, o devedor não obrou apenas em fraude à execução: atuou também com fraude aos dispositivos da Lei 8.009/90, uma vez que procura utilizar a proteção conferida pela Lei com a clara intenção de prejudicar credores. 2. Nessas hipóteses, é possível, com fundamento em abuso de direito, afastar a proteção conferida pela Lei 8.009/90. 3. Recurso especial conhecido e não provido.

Em vistas do supraexplicitado, percebe-se que a má-fé do credor contribuiu para que a impenhorabilidade absoluta do imóvel que constituía a moradia da família, e provia lar a esta, fosse suprimida pela decisão da Ministra do TJRJ Nanci Andrighi, que no seu entendimento deixou claro a tentativa de fraude e esvaziamento da execução por meio da alienação de bens do devedor a terceiros. Com isso, resta afastada a exegese do art. 3°, Lei 8.009/1990, o qual, óbvia e repetidamente garante a impenhorabilidade de tal bem, vide trecho de voto:

Permitir que uma clara fraude seja perpetrada sob a sombra de uma disposição legal protetiva implica, ao mesmo tempo, promover injustiça na situação concreta e enfraquecer, de maneira global, o sistema de especial proteção objetivado pelo legislador.

 No entendimento da ministra, houve além do atentado ao princípio da boa-fé processual, a incidência do art. 593, II CPC, pois a referida ação poderia reduzir o devedor à insolvência:

Art. 593 - Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzí-lo à insolvência;”.

O processualista Ernane Fidélis dos Santos (2011, p. 123) afirma que ocorre a insolvência quando “ a importância das dívidas do devedor suplantar a dos bens”, por esse viés atacar-se-á o restante do seu patrimônio, que diante da má-fé do devedor se encontra nulo.

Fux já aponta a finalidade da fraude de execução e a quem ela realmente estabelece um embate, na sua visão, não há somente uma tentativa de enganar o credor, mas sim: “A fraude de execução, como se pode observar, não atinge somente as justas expectativas do credor como atenta, também, contra a atividade executiva, esvaziando-a, porquanto a inexistência de bens torna inócuo o processo satisfativo”. (FUX, 2008, p. 93).

Ernane Fidélis dos Santos (2011, p. 123) ratifica o posicionamento e afirma que “os atos alienatórios ou de oneração de bens em fraude de execução não são nulos nem anuláveis, mas apenas ineficazes com relação à execução instaurada ou a se instaurar”.

Com base jurisprudencial, busca-se pela demonstração de que se afastada qualquer possibilidade de suprimento da dívida do devedor para com o credor e comprovada a má-fé processual, sendo daí resultada a ocorrência da fraude à execução:

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Pedido de declaração de fraude à execução. Cabimento. Reconhecimento da ineficácia da unificação de matrículas de imóveis contíguos. Claro intuito do devedor de livrar o imóvel da execução, ao fundamento de se tratar de bem de família. Recurso provido.” (Relator: Francisco Loureiro. Processo: TJSP AI 1458480420128260000 SP 0145848-04.2012.8.26.0000. Data de Julgamento: 08/11/2012. 6ª Câmara de Direito Privado. Data de Publicação).

CONCLUSÃO

 

 

Em vistas do aludido no presente paper, observou-se que o caráter de impenhorabilidade absoluta do imóvel que constitui bem de família vem sendo atacada em casos de comprovada má-fé processual, que resulta na fraude de execução, que visa lesar tanto a obrigação estabelecida com o credor, quanto o próprio processo de execução nas palavras de Luiz Fux (2008, p.95) “atentando contra a dignidade da jurisdição”.

Tal má-fé pode ser observada quando o devedor visa esvaziar o seu patrimônio para não satisfazer sua relação de débito com o credor. O que há, como supramencionado, é o embate entre os direitos de patrimonialidade do devedor e o de satisfação do crédito do credor.

Entenda-se que o bem de família, in casu, deve ser utilizado para a existência da “família monoparental, da união estável e da união homoafetiva, isso em respeito ao princípio da Dignidade Humana” (DIDIER et al,  2013, p. 588-589).

Verifica-se, também, que a má-fé em questão não se relaciona com a litigância de má-fé, mas sim com a má-fé resultante da fraude da execução que é descrita no art. 593 do CPC.

Para Luiz Fux (2008, p.95), “não importa o elemento subjetivo volitivo (...) a constatação de fraude é objetiva”, sendo assim, não importa a intenção do devedor ao vendar, doar, alienar seu imóvel, basta que a atividade jurisdicional constate o esvaziamento do patrimônio do credor e a possibilidade de este, antes, ter assumido obrigação que poderia resultar em sua insolvência.

Na jurisprudência aqui demonstrada, que teve como relatora, a então ministra do TJRJ Nancy Andrighi, o devedor que percebeu a despersonalização jurídica, e a evidente futura penhora dos sócios, o devedor alienou seus imóveis, de modo que somente restasse a residência familiar que restou penhorada em virtude de comprovada a má-fé processual e, portanto incidência de fraude de execução.

Em síntese, percebe-se que o direcionamento jurisprudencial quanto ao tema vem se alterando, quebrando os paradigmas da proteção cega ao bem de família em prol de uma ponderação a se realizar caso a caso, em um busca do interesse do credor, lesado pela má-fé do devedor.

 

REFERÊNCIAS

 

 

ASSIS, Araken de. A nova disciplina da impenhorabilidade no direito brasileiro. SANTOS, Ernane et al. Execução civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, REsp 1299580/RJ, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, julgado em 20 de mar. 2012. Disponível: <http://migre.me/9sdYG>. Acesso em: 23 mai 2013.

DIDIER, Fredier et al. Curso de direito processual civil. V. 5. Ed. 5. Salvador: Juspodium, 2013.

DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DOS SANTOS, Ernane. Manual de direito processual civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva,  2011.

FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

MACHADO, Antônio Costa. Código de processo civil: Interpretado e anotado. 3 ed. São Paulo: Manole, 2011.

REDONDO, Bruno; LOJO, Mário. Penhora: exposição sistemática do procedimento de acordo com as Leis 11.232/05 e 11.382/06. São Paulo: Método, 2007.