A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO, A PARTIR DOS CRITÉRIOS PARA DIFERENCIAÇÃO ENTRE USUÁRIOS E TRAFICANTES PRESENTES NO §2°, DO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS

1. INTRODUÇÃO 

O presente trabalho tem por objetivo analisar suscintamente os alvos da Lei de Drogas, tratando mais especificamente sobre o tipo penal previsto no artigo 28 da mesma. Elemento de suma importância trata-se da natureza jurídica, tendo como base o fato de que a nova redação dada ao artigo 28 não traz mais como pena a restrição da liberdade, mas sim medidas alternativas.

Para que seja possível estabelecer se a conduta se encaixa ao tipo penal do artigo 28 (consumo próprio) ou ao artigo 33 (tráfico de drogas), imprescindível discorrer acerca dos critérios para tal diferenciação, visto que o erro pode acarretar grandes consequências ao sujeito, pois o artigo 28 tem como pena as restritivas de direito (advertência, prestação de serviço à comunidade e medida educativa), enquanto que o tráfico tem como pena as restriti-

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¹Paper apresentado à disciplina Direito Penal Especial III, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

²Alunas do 6º período do Curso de Direito, da UNDB.

³Professora, orientadora.

vas de liberdade, podendo atingir até 15 anos de reclusão, além das multas diárias.

Após tais considerações, analisar-se-á o conceito e aplicação do princípio da insignificância, principalmente quanto à sua possibilidade de reconhecimento na conduta do artigo 28. Desse modo, a pesquisa do presente paper tem como finalidades a demonstração dos elementos principais do artigo 28, assim como a análise quanto às divergências – da natureza jurídica e da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância.

2.BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A LEI DE DROGAS

A Lei de Drogas - Lei n° 11.343, foi instituída em 23 de agosto de 2006, substituindo os preceitos que antes eram regulamentados pelas Leis 6.368/76 e 10.409/02, revogando com isso, todos os seus dispositivos (ARAÚJO, p. 27, 2008) e como dispõe o seu artigo 1°, esta Lei complementa o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre drogas, prescrevendo medidas para prevenir o seu uso, assim como, a reinserção social dos usuários e dependentes de drogas, estabelecendo, por fim, normas para repressão à produção não autorizada e também ao tráfico ilícito de drogas, elencando ainda, alguns crimes (BRASIL. Lei n° 11.343/2006).

Imprescindível faz-se a análisedo conceito de drogas, que segundo o parágrafo único do artigo 1° da Lei, são aquelas substâncias ou produtos que possuem a capacidade de causar dependência (BRASIL.Lei n° 11.343/2006). E ainda, são substâncias, naturais ou químicas, que ao serem introduzidas no organismo humano são capazes de modificar suas funções, ocorrendo mudanças fisiológicas ou de comportamento (MARCÃO, p.22, 2011). Essa Lei é uma norma penal em branco, pois é preciso para saber quais são as substâncias que se enquadram aqui, verificar em outras leis. (MARCÃO, p. 23, 2011). Logo, para que seja possível analisar no caso concreto se a substância caracteriza ou não uma droga, é necessário investigar em outras leis.

Tendo como fundamento o fato de que o tráfico e uso de drogas vinha aumentando, foi necessária a utilização de estratégicas pelo governo brasileiro, para diminuir tal situação (SILVA, p.36, 2012). Porém, não houve mudanças, e se notou que os problemas sociais derivados dessa tentativa de manutenção do mercado de drogas são ainda mais graves do que os próprios problemas ocasionados pelas drogas em si (2012, p. 36, SILVA apud BOITEUX et al, 2012).

Diante de tais considerações acerca do aumento do uso e tráfico de drogas e dos problemas decorrentes da mesma, fica claro o porquê da preocupação do Estado em diminuir e regular as situações que envolvem a droga, visto que isso acarreta danos ao indivíduo e à própria sociedade.

 

2.1 ARTIGO 28

O artigo 28 da Lei de Drogas traz no caput “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, quem cometer tais atos será submetido à “advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços a comunidade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo” (BRASIL. Lei n° 11.343/2006).

Ainda, destacam-se os seguintes parágrafos deste artigo, imprescindíveis para a compreensão deste paper:

§ 1o  Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente (BRASIL.Lei n° 11.343/2006).

Demonstrado o tipo penal, faz-se necessário a análise de seus elementos. O primeiro é quanto ao bem jurídico, que segundo Vicente Greco Filho, "é a saúde pública, tendo em vista a repercussão pessoal e social dos malefícios do consumo impróprio da droga, a partir da deterioração que prova individual e socialmente" (2009, p. 81). Ou seja, o uso de substâncias ilícitas gera problemas ao indivíduo e também à sociedade.

Ainda, caracteriza-se como um crime de mera conduta e de perigo abstrato (MARCÃO, p.86, 2011), os crimes de mera conduta, ou também chamado de simples atividade, são aqueles onde a lei não exige qualquer resultado naturalístico, sendo preciso apenas da ação ou omissão do agente (FABBRINI; MIRABETE, p. 120, 2009). Já os crimes de perigo abstrato, ocorrem com o simples perigo criado para o bem jurídico, sendo abstrato, pois é “presumido pela norma que contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso” (FABBRINI; MIRABETE, p. 120, 2009). Assim, o crime do artigo 28 não pressupõe nenhum resultado, apenas é necessário que haja a ação do indivíduo, sem que haja o efetivo perigo ao bem jurídico.

É um crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa e o sujeito passivo é a coletividade, pois como já foi demonstrado acima, o bem jurídico é a saúde pública (MARCÃO, p. 86, 2011). O elemento subjetivo desse crime “é o dolo, não admitindo forma culposa” (MARCÃO, p. 86, 2011), ou seja, é a vontade livre e consciente de cometer os atos previstos no caput, não cometendo esse crime se o sujeito o fizer por culpa. E ainda é necessário o fim especial de agir que é “para consumo próprio”, pois sem o fim especial de agir (GAZOLLA, p.34, 2008).

Existe outro elemento normativo que é de grande importância para caracterizar esse crime, que é “sem autorização legal ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, visto que configura fato essencial para determinar a ilicitude do ato, devendo ser constatada pelo próprio juiz (2007, p. 61-62, NOBREGA apud NUCCI, 2006, p.756).

Quanto aos elementos objetivos, adquirir significa “alcançar a propriedade ou a posse, pouco importando a forma ou o meio” (2011, p. 87, MARCÃO apud MÉDICI, p.44), guardar “compreende a ocultação pura e simples, permanente ou precária” (2011, p.87, MARCÃO apud FILHO, p.85), ter em depósito é manter a droga sob o seu domínio e transportar significa levar de um local para outro; e por fim, trazer consigo é ter o posse daquela substância, portá-la (MARCÃO, p. 87, 2011).

O crime se consuma com a prática de qualquer uma das ações previstas no caput e alguns dos atos de execução, podem caracterizar-se como tentativas (FILHO, p. 135, 2009). Ou seja, é um crime formal, porque não tem necessidade de realização daquilo que é pretendido (FABBRINI; MIRABETE, p.120, 2009), só é preciso que haja a ação do agente, realizando os verbos (núcleos do tipo) presentes no tipo.  Porém, há quem entenda que a tentativa não é possível, usando como argumento que:

“O objetivo do artigo 28, que se preocupa muito mais em cuidar do que punir o usuário de drogas. Deste modo é incoerente punir o agente que não conseguiu sequer satisfazer uma das condutas do descritas no artigo, devendo o mesmo não sofrer qualquer tipo de sanção, caso contrário, seria ele punido por sua intenção de ter a posse da droga, hipótese inadmissível no direito penal”. (GAZOLLA, p.36, 2008)

O elemento mais importante do Crime de Drogas para consumo próprio é referente à sua natureza jurídica. Há algumas posições quanto a isso, alguns acreditam que houve a descriminalização – abolitio criminis, ou seja, “significa retirar o caráter criminoso de determinada conduta,o fato descrito na lei deixa de ser considerado crime” (ARAÚJO, p.28, 2008) - e outros acreditam que houve a despenalização – apenas a suavidade da pena (SOUZA, p. 15, 20[?]). Isso acontece porque o crime contido no artigo 28 é correspondente ao crime do artigo 16 da Lei 6.388/76 (GAZOLLA, p.29, 2008):

Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância, entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.

Desse modo, para quem considerada que houve a descriminalização, usando como argumento que o artigo 1° da Introdução do Código Penal Brasileiro diz que se considera crime aquelas infrações em que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer sejam utilizadas alternativamente, cumulativamente ou isoladamente com a pena de multa (2008, p. 29, GAZOLLA apud GOMES, 2006, p.110). E ainda, completa Luiz Flávio Gomes que ocorreu a descriminalização formal da conduta do artigo 28, pois foi retirado o caráter criminoso do ato, ou seja, o ato ainda é ilícito e proibido, mas passou a ser apenas um ilícito sui generis, pois não constitui crime (2012, p. 52, SILVA apud GOMES, 2008, p.120).

Para quem segue essa corrente diz que houve a descriminalização, pois o artigo 28 não comina pena restritiva de liberdade, mas apenas medidas alternativas, que são “exclusivamente, alternativas, pertencendo a uma categoria sui generis, não podendo se falar na existência de crime ou contravenção penal (GAZOLLA, p. 30, 2008).

Renato Marcão vai contra a corrente da descriminalização, dizendo que:

“a ausência de cominação privativa de liberdade não afasta, nos tempos de hoje, a possibilidade de a conduta estar listada como crime ou contravenção (...) há que levar em conta, ainda, que o artigo 28 se encontra no Título III, Capítulo III, que cuida “Dos crimes e das penas”, e que a Lei 11.343, lei federal e especial que é, cuidou de apontar expressamente tratar-se de crimes as figuras do artigo 28, não obstante a ausência de cominação de pena de multa ou privativa de liberdade”. (p. 71, 2011)

Para quem considerada que houve a despenalização, usa como argumento o fato de que agora não pode mais aplicar pena restritiva de liberdade, ou seja, aqui cabe apenas as medidas alternativas, como a advertência, a prestação de serviço à comunidade e a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.  Essas medidas podem ser aplicadas conjuntamente ou não, mas em caso de descumprimento, nunca caberá prisão, mas somente admoestação verbal e/ou multa (2007, p. 65, NOBREGA apud REGHELIN, 2007, p. 69-70).

Já o Supremo Tribunal Federal, depois da análise do Recurso Extraordinário n. 430.105-9/RJ, chegou à conclusão, por unanimidade, que o artigo não implicou na descriminalização, mas sim na sua despenalização.(COGO; SILVA, p.52, 2009). Assim, há quem considere que a natureza jurídica do crime de consumo próprio é sui generis, pois houve o aboliti criminis, e outros consideram que houve apenas a sua despenalização.

3. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Para que seja possível a aplicação do princípio da insignificânciaé necessário que haja um modelo abstrato que preveja com exatidão a conduta que foi praticada pelo agente, e, além disso, precisa-se levar em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção, visto que quando o legislador se responsabilizou pela tutela dos bens jurídicos não abarcou toda e qualquer lesão e nem todo e qualquer tipo de patrimônio, independente de seu valor (GRECO, p. 63, 2012). Ou seja, há situações em que, o desvalor da conduta é ínfimo, e por isso, é considerado insignificante, perdendo a sua tipicidade. 

Segundo Luís Regis Prado, este princípio se caracteriza quando há uma irrelevante lesão, a qual não se justifica a aplicação de uma pena, excluindo-se assim, a tipicidade do ato (2005, p. 154). E ainda, “o direito penal por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas” (2012, p. 65, GRECO apud TOLEDO, p.133). E por fim, concluindo Mirabete e Fabbrini, “nos casos em que houver ínfima afetação do bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste nenhuma razão para o pathos ético da pena” (p. 104, 2009). Assim, seguindo os conceitos efetuados pelos autores acima, o princípio da insignificância aplicar-se-á quando a afetação do bem jurídico protegido for pequena e a posterior aplicação da pena gerar uma injustiça para o sujeito.

É por obvio que há crimes que não possibilitam tal aplicação, visto o seu tamanho grau de desvalor, como o homicídio, porém, outros permitem, visto que a sua aplicação impedirá uma injustiça no caso concreto, pois importará em gritante aberração (GRECO, p.65, 2012). Assim como a sua aplicação pode gerar uma injustiça, também poderá gerar impunidade no Direito Penal, por isso:

“Deve-se utilizá-lo com cuidado para evitar resultados considerando insignificante apenas aquilo que realmente é observando a necessidade a serem expostas as suas circunstâncias objetivas e subjetivas que envolvam seu caso concreto, impedindo-se que seu conteúdo possa vir a ser uma porta aberta a impunidade”. (OLIVEIRA, p. 25, 2009)

 

Para que o principio da insignificância seja aplicada é preciso que a conduta praticada pelo agente se encaixe em algum tipo penal, e ainda, devem ser analisadas as circunstâncias objetivas e subjetivas, para evitar que ocorra uma injustiça ou até mesmo uma impunidade. Porém, como analisado acima, esse conceito é doutrinário, e os Tribunais Superiores STF e STJ só aplicam o princípio mediante análise de quatro requisitos cumulativos, são eles: Mínima ofensividade, ou seja, a conduta do agente deve ser incapaz de gerar ofensa ou perigo ao bem jurídico; Sem periculosidade (sem perigo); Ínfimo grau de reprovabilidade, ou seja, aquele ato não pode ser repugnado pela sociedade e por ultimo, a lesão ou perigo de lesão devem ser inexpressivos para que não cause prejuízos, nem a vitima e nem a sociedade (COIMBRA, p. 27-28, 2011).

Desse modo, conclui-se que, o Princípio da Insignificância é por obvio aceito pela maioria dos doutrinadores, e pelos Tribunais Superiores mediante a presença desses quatro requisitos acima.

4 ELEMENTOS QUE DIFERENCIAM USUÁRIOS E TRAFICANTES (ARTIGO 28, §2)

Segundo o artigo 28, §2, o juiz deverá analisar a natureza e a quantidade da substância, assim como o local e as condições do caso, as circunstâncias sociais e pessoais, para que seja determinado se a droga destinava-se a consumo pessoal ou para venda. Para Renato Marcão, "a aferição do que seja pequena quantidade caberá ao julgador, diante do caso concreto" (2011, p.88), pois, se esta quantidade for de porte razoável ou grande, configurará o crime do artigo 33, que é "Tráfico de Drogas". Complementando:

A redação do artigo 28 é compatível com a do artigo 33, parágrafo 3º. Embora pareçam a mesma situação, existem diferenças. O artigo 33. §3º pune a conduta daquele que oferece droga, sem fim de lucro, a algum conhecido, para juntos consumirem. Já no artigo 28 deve haver o fim específico “para uso pessoal”. A expressão “uso pessoal” deve ser interpretada como se o sujeito portasse a substancia exclusivamente para consumi-la em um meio reservado de relacionamento, ou seja, em uma amizade íntima, companheira ou ainda em um ambiente familiar, não podendo haver um mínimo ânimo de disseminação. (GAZOLLA, p.37, 2008)

Essas determinações devem ser analisadas desde logo, pois são determinantes para caracterizar o artigo 28 ou artigo 33, e são também de extrema importância, visto que o usuário recebe penas de advertência, medida de prestação de serviço à comunidade o de comparecimento a programa ou curso educativo, e os traficantes recebem a privação de liberdade que podem variar entre 5 e 15 anos (SILVA, p. 61, 2012).

Há dois sistemas legais utilizados para essa diferenciação, o primeiro consiste no sistema de quantificação legal, em que há uma quantidade diária de consumo pessoal para cada pessoa, caso ultrapasse tal quantidade, ter-se-á o crime de tráfico de drogas. O segundo sistema é o do reconhecimento legal, no qual cabe ao juiz ou a autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir. Na Legislação Brasileira, o sistema que prevalece é o segundo, sendo função do juiz decidir se a pessoa cometeu tráfico ou o crime do artigo 28 (GAZOLLA, p. 38, 2008). Ou seja, o primeiro critério decorre da quantidade da substância que é encontrada junto ao sujeito, e o segundo consiste na análise do local, condições e circunstâncias de cada caso. Complementando:

Existem dois sistemas legais que podem ser utilizados para decidir se o agente, que se encontra em posse de droga, é usuário ou traficante. O Brasil, tradicionalmente adota o “sistema de reconhecimento judicial ou policial”, no qual, o juiz ou a autoridade policial deve reconhecer, utilizando-se dos critérios estabelecidos pela lei, se a droga encontrada em posse do indivíduo destinava-se ao consumo ou ao tráfico ilícito. Outro é o sistema da quantificação legal, através do qual, é fixada uma quantidade diária para o consumo pessoal e até esse limite fixado por lei não há que se falar em tráfico. (2012, p. 60, SILVA apud GOMES, p.163, 2008)

Nos casos em que houver dúvida para saber em qual conduta se encaixa, deve-se optar pela interpretação mais benéfica ao individuo que está sofrendo a acusação (2012, p. 55, SILVA apud BOITEUX et al, 2012). E ainda:

“A solução, contudo, encontra-se, a nosso ver, no principio de que major absorvet minorem. Se é possível, mediante as condições ou circunstâncias referidas no artigo 28, §2°, concluir que alguém, além de trazer consigo para uso próprio, também guarda, vende, importa, exporta etc., prevalecerá como delito único o mais grave, com as penas previstas no artigo 33” (FILHO, p.124, 2009).

Ou seja, nos casos em que houver dúvida, será aplicada a pena mais leve. Mas, nos casos em que o indivíduo se encaixar nos dois tipos penais, aplicar-se-á a pena do delito mais grave, que é a prevista no artigo 33°.

Para concluir, diante do pensamento de Greco Filho, só poderá ocorrer a incidência exclusiva do artigo 28, que possui a pena mais branda, quando não houver nenhuma possibilidade de que “guardar, adquirir ou trazer consigo” possa vir a ter destino diferente do consumo próprio (FILHO, p. 124, 2009). Ou seja, o artigo 28 só será aplicado quando adquirir, guardar ou trazer consigo não seja pra outra finalidade, tem que ser apenas para uso pessoal, senão, caracterizar-se-á o crime de tráfico de drogas.

4.1 POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO ARTIGO 28

Há uma grande divergência quanto à possibilidade ou não de aplicação do princípio da insignificância, alguns não reconhecem esta possibilidade, usando como argumento de que “a pequena quantidade de droga não descaracteriza o crime, cuja repressão visa preservar a saúde pública" (MARCÃO, 2011,p. 97). Outros reconhecem que é possível esta utilização, argumentando que no caso concreto, um cigarro de maconha e se comprovando que esse comportamento não se repete, é evidente que a pequena quantidade  não é bastante para caracterizar este evento (2011, p. 100, MARCÃO apud STJ, RHC 7.252-MG, 6ª T., j, 30-3-1998, rel. Min. Anselmo Santiago, DJ de 1°-6-1998, JSTJ 110/288).

Há argumentos das duas partes, começar-se-á com os favoráveis à aplicação. Primeiro que, a posse de drogas para consumo próprio é um delito de posse, que demanda para a sua efetiva consumação, a constatação de periculosidade do próprio objeto material da conduta. (CAMPOS, 2012). Ou seja, não havendo a substância apreendida capacidade suficiente para ofender o bem jurídico, por conta da sua pequena quantidade, não pode se falar em crime. Exatamente como demonstra o Julgado:

“O crime, além da conduta, reclama – resultado – no sentido de provocar dano, ou perigo ao bem jurídico. O tráfico e o uso de entorpecentes são definidos como delito porque acarretam, pelo menos – perigo, para a sociedade, ou ao usuário. A quantidade ínfima, descrita na denúncia, não projeta o perigo reclamado” (2011, p. 99, MARCÃO apud STJ, Resp 154.840-PR, 6ª T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 18-12-1997, DJ de 6-4-1998, JSTJ 108/352).

Como estabelecido no Tópico 2 do presente Paper, é necessário também a observância das circunstâncias subjetivas, ou seja, a reincidência daquele sujeito, ou seja, se é a primeira vez que o individuo é encontrado com tais substâncias, e se a quantidade ainda é ínfima, não há como penalizá-lo, por falta de ofensividade e periculosidade. Como o Ministro Anselmo Santiago traduz, se a pessoa é encontrada com um cigarro de maconha e não há informação de que este comportamento voltará a se repetir, não há a pequena quantidade capacidade para causa o evento, ou seja, não houve o resultado relativamente relevante (2011, p. 100, MARCÃO apud STJ, RHC 7.252-MG, 6ª T., j, 30-3-1998, rel. Min. Anselmo Santiago, DJ de 1°-6-1998, JSTJ 110/288).

Ainda, se a pequena quantidade encontrada serve apenas para uso pessoal e o uso da mesma lesa apenas o próprio individuo, e já que a lei penal não incrimina tal vício, não há que se falar de potencial dano à coletividade, haja vista que não há perigo de disseminação do tráfico (2011, p. 100, MARCÃO apud TJSP, HC 264.531-3/0-00, 3ª Cam., j. 20-10-1998, rel. Des. Segurado Braz, RT 760/614). A aplicação do princípio seria possível nestas situações, pois, o bem jurídico tutelado no crime é a Saúde Pública, e no caso de ínfima quantidade apenas para uso, o agente lesiona a si próprio, fato este que não atinge a sociedade. Concluindo:

Além disso, não se pode concordar com a idéia de que há lesão à saúde pública na conduta daquele que realiza os verbos previstos no artigo 28 da nova legislação, em razão da ausência de expansibilidade de perigo na referida conduta. É que a destinação pessoal da droga não se compatibiliza com o perigo para interesses jurídicos, sendo completamente fora de lógica sustentar que a proteção à saúde pública envolve a punição do usuário de drogas. Assim, a falácia do Direito Penal de tutela da saúde pública no referido tipo penal serviu apenas como maximização da intervenção punitiva (CAMPOS, p. [?], 2012).

Analisar-se-á agora, os argumentos contra a aplicação do princípio da insignificância. O primeiro deles é quanto ao crime do artigo 28 ser de tipicidade formal ou material. Segundo Taciane Aparecida Coimbra, a tipicidade formal envolve a conduta, o “resultado naturalístico nos crimes materiais, o nexo de causalidade e a adequação do fato à letra da lei e o material engloba a desaprovação do resultado, a lesão ou perigo ao bem e a imputação objetiva do resultado” (2011, p. 24). Há quem considere que é formal e outros material, o que incide inteiramente na aplicação ou não do princípio, visto que como analisado no tópico referente, este só se aplica em caso de tipicidade material.

Embora haja um efervescer doutrinário reconhecendo a atipicidade do delito de porte de drogas, a jurisprudência brasileira ainda não adota a incidência da insignificância penal quanto ao uso de drogas porque permanece enraizado que a conduta descrita se enquadraria nos conceitos de tipicidade formal, ou seja, o caráter criminoso ainda estaria presente uma vez que o agente pratica ações de perigo abstrato que contém completa subsunção ao texto legal. Demonstrando o posicionamento retrógrado das decisões brasileiras, importante colacioná-las apontando o problema. (CAMPOS, p. [?], 2012)

Outro argumento trata-se do crime de perigo, visto que o crime de consumo próprio é de perigo abstrato, se consuma apenas pelo perigo que aquela conduta poderá causar ao bem, exatamente como o Julgado do STF menciona, em que “não se pode pretender a aplicação do principio da insignificância ou da bagatela, uma vez que se trata de delito de perigo abstrato” (2011, p. 97, MARCÃO apud STF, HC 82.324-6-SP, 1ª T., j. 15-10-2002, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 22-11-2002, RT 812/490).

Prevalece na Jurisprudência, o não reconhecimento da aplicação do princípio ao crime do artigo 28, visto que não possui legislação o permitindo, e ainda, porque é necessário a presença cumulativa dos quatro requisitos mencionados no Tópico 2 do mesmo Paper.

 

CONCLUSÃO 

Diante de todas as considerações analisadas no presente trabalho, é possível observar, que acerca das divergências mencionadas – natureza jurídica e a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância-, os dois posicionamentos possuem embasamento sociais e também jurídicos, o que se diferencia é apenas o modo como cada sujeito interpreta a norma penal.

A Lei anti-drogas trouxe uma inovação quanto ao Crime do artigo 28, mudando o seu instrumento de penalização, e exatamente por conta dessa mudança, que essa Lei é alvo de polêmicas e divergências, levando alguns a considerarem que a natureza jurídica é “sui generis”.

Assim, após a análise dessas divergências, dos elementos do crime e do conceito de Princípio da Insignificância, chega-se a conclusão que tudo depende da interpretação dada à norma penal, e principalmente, do exame do caso concreto, haja vista que os elementos objetivos e subjetivos são inerentes e diferentes a cada caso. E ainda, para determinar se há ou não a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, imprescindível é a análise dos critérios presente no §2°, visto que sendo o agente um usuário de drogas, permite-se essa aplicação (ainda que não totalmente aceita), e sendo traficante, não há possibilidade, isso porque a conduta desse artigo implica por si só a presença de grande quantidade de substâncias entorpecentes.

REFERÊNCIAS

 

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BRASIL. Lei n° 11.343/2006, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília. DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm. Acesso em : 01 out. 2013.

 

CAMPOS, Lorena Souza. Garantismo penal aplicado à lei de drogas: A materialização dos princípios da insignificância e lesividade no Estado Constitucional. 2012. Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/garantismo-penal-aplicado-%C3%A0-lei-de-drogas-materializa%C3%A7%C3%A3o-dos princ%C3%ADpios-da-insignific%C3%A2ncia->. Acesso em: 01 out. 2013.

 

COIMBRA, Taciane Aparecida. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO. 2011. 35 f. Monografia (1) - Universidade Presidente Antônio Carlos – Unipac, Barbacena, 2011. Disponível em: <http://www.unipac.br/bb/tcc/tcc-2c8c4f165ec63b87ab216c545f7e7f6a.pdf>. Acesso em: 04 out. 2013.

GAZOLLA, Eduardo Henrique de Freitas. APONTAMENTOS SOBRE O ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS. 2008. 76 f. Monografia (1) - Faculdade De Direito De Presidente Prudente/sp, Presidente Prudente/sp, 2008. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/821/798>. Acesso em: 04 out. 2013.

GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009

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