CENTRO UNIVERSITÁRIO DO PARÁ
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE DIREITO





Natasha Rocha Valente




A POSSIBILIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA NO CASO DA NACIONALIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS NA BOLÍVIA
















Belém ? PA
2010
Natasha Rocha Valente












A POSSIBILIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA NO CASO DA NACIONALIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS NA BOLÍVIA



Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário do Pará (CESUPA).
Orientado pela Prof.ª Msc. Bianca Ormanes.











Belém ? PA
2010
Natasha Rocha Valente












A POSSIBILIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA NO CASO DA NACIONALIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS NA BOLÍVIA



Aprovada em: 20 / 12 / 2010

Conceito: 10,0 pts


BANCA EXAMINADORA:


Prof. Msc. Bianca Ormanes
Orientadora


Prof. Mônica Hagedorn
Avaliadora





































A Deus, por ser a fonte eterna da vida e do conhecimento.

Aos meus pais, Carlos e Patrícia Valente, pelo amor infinito que nos une, e pela total dedicação que despendem a mim.
AGRADECIMENTOS


A Deus, pelas bênçãos infinitas que derrama sobre mim;
À prof.ª Msc. Bianca Ormanes, orientadora deste trabalho, pelo profissionalismo e, principalmente, pela paciência em me guiar na produção desta monografia. Seu empenho tornou este trabalho possível;
Aos meus pais, Carlos e Patrícia Valente, pelo amor incondicional, pelo apoio, pelos exemplos de honestidade, retidão e humildade, pelos conselhos, pelas chamadas de atenção, enfim, por fazerem parte da minha vida;
Aos meus amados avós, pela doçura, pela ternura, pelo carinho que têm comigo, pelas inúmeras orações;
À minha avó Ana Maria, por seu amor, por sua conduta, por sua imensurável contribuição para minha criação; pela sua paciência, pelo seu exemplo de força e bondade;
Ao meu namorado, Felipe Borges, pelo amor e paz que me proporciona, pelo companheirismo, pelo apoio inconteste, pelas horas que deixei de estar ao seu lado para a conclusão deste trabalho;
Aos amigos Raphael e Leonardo, pelo tempo em que me acompanharam como se protetores fossem, pela confiança que sempre tiveram em mim, pelo carinho que me dão, pelas conquistas e derrotas juntos compartilhadas;
Aos familiares e amigos que contribuíram para a minha formação.






























































"É excelente ter a força de um gigante, mas é tirânico usá-la como um gigante."

William Shakespeare
RESUMO

Esta monografia tem como objeto o estudo da possibilidade da responsabilização administrativa do Presidente da República, nos termos da Lei n.º 8.429/1992, no caso da expropriação da Petrobras Bolívia. O tema reveste-se de relevância, visto que busca a interdisciplinaridade entre Direito Administrativo e Direito Internacional Público, aliando-os a um tema polêmico e atual. Em um contexto social atual, no qual as relações internacionais intensificam-se, principalmente em relação aos investimentos em outros países, a análise do caráter político das decisões do Presidente da República em detrimento das normas jurídicas pátrias é de suma importância. É necessário perceber se a manutenção destas relações é mais importante que a efetivação das regras de ordem pública de um país, para que seja feita essa análise o presente trabalho foi dividido em quatro partes. A primeira analisa as relações internacionais e as regras que as norteiam, passando, ainda, pela relativização da soberania estatal no âmbito internacional e pelas formas de resolução de controvérsias entre os Estados. A segunda parte cuida da análise da Organização Mundial do Comércio, especificamente do seu Órgão de Solução de Controvérsias e do Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (Acordo TRIMS). Em um terceiro momento, aborda-se a improbidade administrativa de forma geral, adentrando, ainda, na discussão da possibilidade de responsabilização de agentes políticos por atos de improbidade que possam cometer. Por fim, é tratado o caso da Petrobras Bolívia, que teve a maior parte de suas ações nacionalizadas pelo Decreto Supremo 28701, e a omissão do Presidente da República do Brasil quanto à obrigação de representar contra a Bolívia perante a OMC, por desrespeito a tratado internacional.

Palavras-chave: Responsabilidade Internacional do Estado. OMC. Acordo TRIMS. Controvérsias Internacionais. Improbidade Administrativa. Decreto Supremo 28701.















ABSTRACT

This work aims to study the possibility of administrative liability of the President, pursuant to Act 8.429/1992 in the case of expropriation of Petrobras Bolivia. The theme is of relevance because it tries to interdisciplinary Administrative Law and Public International Law, combining them into a contentious issue, and current. In current social context in which international relations are intensified, especially in relation to investments in other countries, the analysis of the decisions of the president against the laws homelands is of great importance. Its necessary realize that the continuation of these relationships is more important than the enforcement of the rules of a country. The work is divided into four parts. The first examines the international relations and rules that guide them, dealing, moreover, the relativization of state sovereignty in the international arena and ways of resolving disputes between states. The second part deals with the analysis of the World Trade Organization, particularly its Dispute Settlement Body and the Agreement on Trade-Related Investment Trade Agreement (TRIMS). In a third phase deals with the administrative impropriety in general, entering also the discussion of the possibility of accountability of politicians for acts of misconduct might commit. In a third phase deals with the administrative impropriety in general, entering also the discussion of the possibility of accountability of politicians for acts of misconduct might commit. Finally, it is treated the case of Petrobras Bolivia, which had most of their actions nationalized by Supreme Decree 28701, and the omission of the President of Brazil on the obligation to bring charges against Bolivia before the WTO for breaking international treaty .

Keywords: International Responsibility of the State. WTO. TRIMS Agreement. International disputes. Administrative Impropriety. Supreme Decree 28701.
















SUMÁRIO


1 INTRODUÇÃO 10
2 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO 13
2.1 SOBERANIA ESTATAL E INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL 13
2.2 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO 17
2.3 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS 18
2.3.1 Soluções diplomáticas 19
2.3.2 Soluções jurídicas e judiciais 20
2.3.3 Soluções não pacíficas 21
3 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO ? OMC 23
3.1 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 23
3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO 24
3.3 ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS ? OSC 27
3.4 ACORDO SOBRE MEDIDAS DE INVESTIMENTO RELACIONADAS AO COMÉRCIO ? TRIMS 29
4 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 33
4.1 PROBIDADE E MORALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 33
4.2 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 36
4.2.1 Atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário 37
4.3 RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO 38
4.4 CRIME DE RESPONSABILIDADE E ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 41
4.5 POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE POLÍTICO POR ATO DE IMPROBIDADE 43
4.5.1 O julgamento da Reclamação n.º 2.138 46
5 O SETOR DE HIDROCARBONETOS NA BOLÍVIA E A EXPROPRIAÇÃO DA PETROBRAS BOLÍVIA 50
5.1 O SETOR DE HIDROCARBONETOS NA BOLÍVIA 50
5.2 A RELAÇÃO ENTRE BRASIL E BOLÍVIA NO SETOR DE HIDROCARBONETOS 51
5.3 A NACIONALIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS EM 2006 52
5.4 O IMPACTO DA NACIONALIZAÇÃO NA PETROBRAS 57
6 A RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA 62
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 68
REFERÊNCIAS 71
ANEXO A ? DECRETO DE NACIONALIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS NA BOLÍVIA 78



1 INTRODUÇÃO

Os Estados, assim como os indivíduos, fazem parte de uma sociedade e precisam desta para seus efetivos desenvolvimento. Como todas as outras, a sociedade internacional regula-se por normas eminentemente jurídicas. No âmbito internacional, as fontes do Direito são, principalmente, os tratados, os quais são assinados espontaneamente pelos países em busca da efetivação de ideias comuns.
Diante da necessidade de integração para o desenvolvimento, os Estados com fins comuns criaram organizações internacionais, com diferentes propósitos, como, por exemplo, a regulação do comércio internacional. A Organização Mundial do Comércio (OMC) surge nesse cenário objetivando a expansão do comércio global, institucionalizando um ambiente de negociações e consolidando um sistema de solução de controvérsias por meio de um órgão próprio ? o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC).
O Brasil e a Bolívia, como membros da OMC, aceitaram todos os seus tratados e comprometeram-se a respeitá-los sem emendas ou reservas. Como partes desta organização internacional, esses países submetem-se, também, às decisões do OSC, podendo reclamar internacionalmente pelo descumprimento de acordos internacionais.
A Bolívia possui grandes reservas de hidrocarbonetos, contudo, por carecer de tecnologia avançada, privatizou o setor buscando atrair investimento estrangeiro. A Petrobras (sociedade anônima de capital aberto, cujo sócio majoritário é o Governo brasileiro), como forma de investimento, comprou duas refinarias e tornou-se responsável, junto a outras empresas, pela exploração dos hidrocarbonetos no país.
A empresa brasileira tornou-se a maior contribuinte para as contas públicas da Bolívia, representando 18% do PIB boliviano, sua atuação permitiu melhorias na infraestrutura boliviana, geração de emprego, formação de profissionais capacitados, dentre outros benefícios.
Contudo, em 2006, o presidente Evo Morales, por meio do Decreto Supremo 28701, nacionalizou o setor de hidrocarbonetos, estabelecendo condições, inclusive restrições quantitativas e cerceamento lucrativo, para a permanência das empresas estrangeiras.
Ao nacionalizar o setor de hidrocarbonetos, passá-lo ao controle da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos, empresa estatal boliviana, expropriar 51% do capital da Petrobras Bolívia (FREITAS, 200[?]), estabelecer as restrições quantitativas e limitar o lucro das empresas estrangeiras, o Governo boliviano só fez prevalecer seus interesses, desprezando e descumprindo as regras do Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio, além de desrespeitar o princípio da boa-fé e a regra pacta sunt servanda, norteadores das relações internacionais.
O Governo brasileiro, representado por seu Presidente, diante da nacionalização e dos prejuízos causados à Petrobras, omitiu-se. O presente trabalho, então, abordará a possibilidade de responsabilização do Presidente brasileiro no caso em questão, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa, visto que sua conduta implicou no enriquecimento ilícito da Bolívia.
Importa ressaltar que este estudo tem fins exclusivamente acadêmicos e, de forma alguma, pretende esgotar o assunto tratado. O que se pretende demonstrar, também, ainda que implicitamente, é até que ponto as decisões políticas adequam-se às normas do sistema jurídico brasileiro, visto que a omissão do Presidente da República do Brasil, além de ir contra os interesses de empresa brasileira, da qual o Estado é sócio majoritário, feriu leis pátrias.
Para tanto, por primeiro, comentar-se-á acerca das relações internacionais entre os Estados e a relativização de suas soberanias no âmbito internacional. Depois, será analisada brevemente a estrutura da Organização Mundial do Comércio e seu Órgão de Solução de Controvérsias. Quanto aos tratados internacionais, será estudado, especificamente, o Acordo TRIMS, que rege os investimentos estrangeiros.
Em um segundo momento, explanar-se-á sobre a importância da probidade na Administração Pública e as consequências de seu desrespeito, conforme o preceituado da Lei 8.429/1992. Em relação a esta legislação, há discussão acerca de sua aplicação aos agentes políticos, o que, também, será abordado.
Outrossim, será discutido o cenário do setor de hidrocarbonetos na Bolívia e suas inúmeras nacionalizações, quando, então, ficarão demonstrados, após a análise do Decreto Supremo 28701, os reais prejuízos sofridos pela Petrobras com a última estatização.
Por fim, por meio de simples raciocínio jurídico, restará comprovada a conduta ímproba do Presidente da República do Brasil, ao omitir-se, como já exposto, ante a conduta boliviana em detrimento aos interesses brasileiros e às normas pátrias.






































2 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO

2.1 SOBERANIA ESTATAL E INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL

Cedendo ao seu instinto social, o homem sempre buscou a formação das coletividades para desenvolver-se. Nesse passo, então, deu-se a constituição do Estado como forma de garantir a sobrevivência e a integração social de maneira organizada. Para tanto, foi necessário dotá-lo de poder para que fosse possível a resolução de eventuais conflitos e a imposição de limites às liberdades individuais, visando à convivência harmônica. Destarte, o conceito de soberania está ligado à formação do Estado-nação.
Contemporaneamente, ainda se entende soberania como sendo o exercício do poder estatal sobre seu território, de forma independente, ou seja, sem a interferência de outros Estados. Contudo, já deixou de ser tida como um poder absoluto e incondicional; soberania é, então, no entendimento de Marcelo Varella,

[...] um conjunto de competências exercidas no interesse geral da população nacional, mas também, ainda que em menor medida, de acordo com os interesses gerais da comunidade internacional como um todo (VARELLA, 2009, p. 239).

Percebe-se, portanto, um caminho à relativização da soberania, tanto no plano interno quanto no internacional. Internamente, cabe salientar o crescente pluralismo das fontes jurídicas, algumas vezes nocivas ao desenvolvimento social. Marcelo Varella cita como exemplo as chamadas "zonas cinza", controladas pelo crime organizado, nas quais o controle estatal sobre a segurança inexiste (VARELLA, 2009, p. 239).
Já no plano internacional, a soberania relativiza-se a partir do processo de internacionalização dos direitos e integração estatal. Assim como nas sociedades humanas, os Estados também necessitam relacionar-se para desenvolverem-se, não é possível o crescimento isolado. Para tanto, são criadas Organizações Internacionais, para as quais os Estados transferem parte de suas competências buscando uma integração harmônica e organizada, principalmente em um atual processo globalizante.
Luigi Ferrajoli ensina acerca da soberania externa dos Estados, conforme o autor, com o estabelecimento da Organização das Nações Unidas (ONU), as relações entre os Estados passaram do "estado de natureza para um estado civil": a soberania "deixa de ser uma liberdade absoluta e selvagem e se subordina, juridicamente, a duas normas fundamentais", quais sejam, o imperativo da paz e a proteção dos direitos humanos (FERRAJOLI, 2007, p. 39-40).
Segundo Ferrajoli, a Carta da ONU é, verdadeiramente, um "contrato social internacional", pois cria vínculos entre os Estados, organizando uma sociedade/ordem universalista (FERRAJOLI, 2002).
Obviamente, tornou-se necessária a existência de normas que regulassem estas relações internacionais, garantindo a segurança das partes, o cumprimento das obrigações e, eventualmente, a solução das controvérsias. Nasceu, então, o Direito Internacional Público, o qual tem como principal fonte os tratados, que são acordos pactuados entre os Estados ou Estado e Organização Internacional.
Ressalta-se, neste contexto, a importância do princípio da boa-fé e da regra pacta sunt servanda, dispostos no artigo 26 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados: "Artigo 26. Pacta sunt servanda. Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé" (VIENA, 1969).
Conforme a regra pacta sunt servanda, o tratado faz lei entre as partes e estas se obrigam ao cumprimento dos compromissos nos termos em que foram firmados. Já a boa-fé consiste em uma exigência de lealdade, de respeito mútuo. A ausência desses postulados impediria uma relação internacional segura e a manutenção da paz.
Nesse sentido, é vedado ao Estado invocar normas de direito interno para justificar o descumprimento de uma obrigação, segundo dispõe o artigo 27 da Convenção de 1969.

Artigo 27. Direito Interno e Observância de Tratados. Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46. (VIENA, 1969)

O artigo 62, da mesma Convenção, reconhece a cláusula rebus sic stantibus, que admite a denúncia de um tratado em casos de superveniente mudança radical das condições em que o mesmo foi assinado.

Artigo 62. Mudança Fundamental de Circunstâncias.
1. Uma mudança fundamental de circunstâncias, ocorrida em relação às existentes no momento da conclusão de um tratado, e não prevista pelas partes, não pode ser invocada como causa para extinguir um tratado ou dele retirar-se, salvo se:
a) a existência dessas circunstâncias tiver constituído uma condição essencial do consentimento das partes em obrigarem-se pelo tratado; e
b) essa mudança tiver por efeito a modificação radical do alcance das obrigações ainda pendentes de cumprimento em virtude do tratado. [...] (VIENA, 1969)

Dito isto, torna-se claro que o inadimplemento de uma obrigação ou a prática de um ato atentatório contra o Direito Internacional acarreta a responsabilidade do Estado e seu dever de indenizar.
Nesse sentido, ensina Alberto do Amaral Júnior:

[...] a vontade estatal se exprime em condutas que, eventualmente, afetam a esfera jurídica de terceiros, a ponto de lhes trazer algum prejuízo. O princípio da igualdade soberana, que há mais de três séculos organiza as relações externas, é a premissa que alicerça a responsabilidade do Estado. [...] (AMARAL JÚNIOR, 2008, p. 284)

A responsabilidade internacional do Estado surge com o dever de indenizar em virtude da violação do dever geral de não causar dano diretamente aos demais Estados e, indiretamente, aos bens ou à integridade física dos seus nacionais (AMARAL JÚNIOR, 2008, p. 285).

A responsabilização internacional do Estado tem dois objetivos: preventivo-pedagógico e repressivo-reparador. O primeiro visa a impedir que a ação ou omissão causadora do dano volte a ocorrer, enquanto o segundo busca uma efetiva reparação do dano ao Estado que sofreu o prejuízo.
São três os elementos que constituem a responsabilidade internacional do Estado: ato passível de responsabilização, dano, nexo de causalidade entre o ato e o dano.
O primeiro critério diz respeito à existência de um ato ilícito, ou seja, um fato omissivo ou comissivo que lesione norma internacional. Mazzuoli chama atenção para o fato de que a ilicitude é internacional, portanto, não há possibilidade de se invocar o direito interno para provar a legalidade do ato (MAZZUOLI, 2009, P. 507).
Segundo Alberto do Amaral Júnior, a obrigação de reparar torna-se mais grave quando decorre de ato ilícito intencional, isto é, que não emanou de simples descuido ou negligência (AMARAL JÚRIOR, 2008).
Conforme menciona Varella, "a ação ou omissão podem decorrer de fato ilícito ou, então, de um fato não-proibido pelo direito internacional" (VARELLA, 2009, p. 366, sic). Assim, ainda que não exista norma impedindo que o Estado aja de certa maneira, caso o faça e ocorra dano, não poderá escusar-se de sua responsabilidade.
A Comissão de Direito Internacional (CDI) produziu, em 2001, um modelo de Convenção sobre a Responsabilidade por Atos Não Proibidos pelo Direito Internacional. Nos termos desse documento, qualquer atividade potencialmente danosa deverá ser precedida de um estudo sobre seus riscos (VARELLA, 2009).
Importa informar, ainda, que o Estado sempre será responsável pelo ato de seus funcionários quando estiveram agindo em seu nome, ainda que esse funcionário seja incompetente para a realização do ato, "pois a qualidade oficial do funcionário o vincula ao Estado, em termos de garantir a segurança das relações internacionais" (MATTOS, 2010, p. 116).
O segundo elemento caracterizador da responsabilidade internacional é o dano. Esse pode apresentar-se de diversas formas, inclusive, poderá fugir da esfera material e invadir a moral.
Quanto ao nexo causal entre o prejuízo e a conduta ilícita, esse é imprescindível para a caracterização da responsabilidade. Mazzuoli o define como "o vínculo que se forma entre o Estado que transgrediu a norma internacional e o Estado que sofreu a lesão decorrente de tal violação" (MAZZUOLI, 2009, p. 508). A imputabilidade é, então, a possibilidade de imputar ao Estado, como sujeito de Direito Internacional, a prática de um ato ilícito.
As exceções à responsabilidade estatal admitidas no Direito Internacional Público são, basicamente, a legítima defesa e a prescrição deliberatória. A primeira exclui o caráter ilícito da conduta, visto que é somente uma resposta à injusta agressão, frise-se, contudo que tal reação deve ser adequada e proporcional à força do ataque ilícito. A segunda decorre da inércia do lesado por longo período de tempo.

2.2 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO

Em relação à responsabilidade internacional do Estado, existem duas teorias acerca de sua natureza jurídica: subjetiva (ou teoria da culpa) e objetiva (ou teoria do risco).
A corrente subjetivista, originada no Direito Romano e desenvolvida por Hugo Grotius, relaciona a responsabilidade do Estado à prática de um ato culposo ou doloso, ou seja, vincula a responsabilidade à vontade de causar o dano. Conclui-se, então, que não basta a violação de uma norma internacional ou a ocorrência de um prejuízo, é necessário que o Estado tenha agido com culpa (imprudência, negligência ou imperícia) ou dolo (MATTOS, 2010). Esta teoria traduz o sentido do princípio romano qui in culpa non est, natura ad nihil tenetur.
Já conforme a teoria objetiva, o Estado é responsável simplesmente pelo ato de violar uma norma, desconsiderada sua vontade. Portanto, averígua-se a responsabilidade a partir do nexo causal existente entre o ato ilícito praticado por um Estado e o dano sofrido pelo outro. Nesse sentido, ensina Rezek:

Não se investiga, para afirmar a responsabilidade do Estado ou da organização internacional por um ato ilícito, a culpa subjetiva: é bastante que tenha havido afronta a uma norma de direito das gentes, e que daí tenha resultado dano para outro Estado ou organização (REZEK, 1996, p. 269).

A doutrina subjetiva é, ainda, a mais utilizada internacionalmente, pois protege o Estado, já que se baseia na aferição de um elemento psicológico, volitivo, ou seja, muitas vezes de difícil comprovação.
Entretanto, a corrente objetiva vem crescendo, sobretudo em casos de direitos especiais, como exploração cósmica e de energia nuclear, conforme cita Valério Mazzuoli (MAZZUOLI, 2009).
Assim sendo, a teoria subjetiva é como uma regra geral, sendo a objetiva de caráter excepcional, necessitando de uma maior especificação e regulamentação nos tratados internacionais.
Mazzuoli menciona, também, uma terceira teoria sobre a natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado, chamada de teoria mista, defendida por Triepel e Strupp (MAZZUOLI, 2009). Conforme esta, a culpa só deveria ser utilizada em casos de ilícitos provocados por omissão do Estado, pois como estaria presente a negligência, seria possível sua responsabilização. Aplicar-se-ia o risco nos delitos ocasionados por comissão. Ressalte-se que esta corrente não foi consagrada.
Adherbal Meira Mattos relaciona o risco, apresentado na "teoria mista" citada por Mazzuoli, à teoria objetiva. Segundo o autor, nessa cogita-se apenas o "risco" assumido pelo agente da prática do fato (MATTOS, 2010).


2.3 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Apesar da existência do sistema jurídico internacional regulando e norteando as relações entre os sujeitos internacionais, é possível a ocorrência de litígios, isto é, desacordo entre o interesse de alguns Estados sobre fatos ou direitos. Até o início do século XX, nessas situações era comum os litigantes declararem guerra contra si, porém, após um período, esta opção tornou-se um ilícito internacional.
Geralmente, os Estados não usam mais da força para impor que outro siga certa conduta. Adotam-se, primordialmente, as soluções pacíficas, para que se amenizem as diferenças e evitem-se ameaças à paz internacional.
Buscando dar maior efetividade ao cumprimento dos compromissos e garantir a segurança dos Estados, assim como uma relação internacional harmônica, alguns tratados foram celebrados com o fim de regular sobre estas soluções pacíficas de controvérsias, como a Convenção de Haia para a Solução Pacífica de Conflitos Internacionais ou o Ato Geral de Arbitragem de Genebra. A Carta das Nações Unidas dispõe, em seus artigos 2.3 e 33, sobre os mecanismos legítimos de resolução pacífica dos conflitos. Veja-se:

Artigo 2.3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.

Artigo 33. [...]
1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.
2. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias (ONU, 1945).

Em algumas ocasiões, usam-se institutos não jurisdicionais para resolução dos litígios, criando um ambiente favorável para que os Estados cheguem a um acordo. Iniciará, então, a análise desses mecanismos.


2.3.1 Soluções diplomáticas

Nas negociações diplomáticas, os Estados, sem a intervenção de terceiros, buscam dirimir ao máximo suas controvérsias por meio de acordos, transações (REZEK, 2008). Essas negociações podem ser bilaterais ou multilaterais, estas últimas ocorrem por meio de conferências entre todos os Estados envolvidos no litígio. Em certas ocasiões, o problema em si poderá não ser solucionado, mas a negociação poderá servir, ainda, para a resolução de outros pontos de conflito. Frise-se que esse método pode ser utilizado em qualquer fase de outros procedimentos.
Os bons ofícios não são mencionados na Carta da ONU, porém, já foram consagrados pelos costumes internacionais (CAVALCANTE, 200[?]). Com esse método, busca-se reatar negociações entre países que não mantêm mais relações diplomáticas. Então, um terceiro, que deve ser sujeito de Direito Internacional (Estado ou Organização Internacional), age como facilitador do entendimento entre os litigantes, sua atuação limita-se a proporcionar um campo amistoso para as negociações.
Na mediação, outro mecanismo de solução de controvérsias, diferente do que ocorre nos bons ofícios, a figura do mediador é efetivamente atuante (REZEK, 2008). Esse propõe as bases jurídicas dos possíveis acordos, porém os Estados não estão vinculados a aceitar a proposta de mediação ou a metodologia do mediador, e uma possível recusa não é vista como ato inamistoso.
Os inquéritos, ou investigações internacionais, ocorrem com o objetivo de apurar os fatos e direitos relativos a um litígio. Para tanto, é formada uma comissão internacional que será responsável por tal investigação.
A conciliação é um meio pacífico variante da mediação, entretanto nela está presente não só um sujeito mediador, mas também um maior aparato formal e uma comissão conciliadora. Esta comissão irá indicar o direito internacional aplicável ao caso e os fatos observados na apuração. Ressalte-se que esse mecanismo de solução de conflitos é um procedimento facultativo de negociação (VARELLA, 2009).
As consultas, por sua vez, são como trocas de opiniões entre os Estados envolvidos, visando a alcançar uma solução conciliatória.


2.3.2 Soluções jurídicas e judiciais

Existem, ainda, formas jurisdicionais de resolução pacífica das controvérsias, nas quais há uma decisão jurídica para o caso, proferida por um terceiro. Uma das formas mais antigas é a arbitragem, caracterizada por um procedimento no qual um árbitro decidirá o conflito. Conforme Gustavo Neves:

A arbitragem é a modalidade de solução pacífica de controvérsia internacional instituída pelas partes por meio de um tratado bilateral denominado compromisso arbitral, nos seguintes termos: os litigantes elegem ad hoc um ou mais árbitros ou um tribunal arbitral, definem os contornos da demanda, informam as regras aplicáveis, e firmam compromisso de cumprir a sentença arbitral (NEVES, 2008, p. 106).

A arbitragem poderá ser proposta pelos Estados, nesse caso é voluntária, ou estar prevista nos tratados, quando se torna obrigatória. São várias as possibilidades de formação do Órgão Arbitral: único árbitro, escolhido pelas partes de comum acordo; comissão mista, com a presença de representantes dos litigantes e um árbitro neutro; Tribunal colegial, com diversos membros, mas sempre com números iguais de representantes dos Estados em conflito. É importante que esse órgão seja formado sempre por um número ímpar de participantes, para que se evite a ocorrência de empate.
A decisão proferida pela via arbitral deverá ser cumprida de boa-fé, observada a regra pacta sunt servanda. Segundo Gustavo Neves, a sentença arbitral é definitiva, não ensejando recurso. O descumprimento da decisão proferida configura ilícito internacional, entretanto, sua executoriedade depende das partes envolvidas (NEVES, 2008).
Marcelo Varella expõe, porém, situações em que esta decisão poderá ser considerada sem efeito: existência de fraude ou deslealdade dos árbitros, sentença pronunciada por árbitro incapaz de fato ou de direito, ocorrer violação de princípio fundamental do processo, ou quando o tribunal ou o árbitro exceder seus poderes (VARELLA, 2009, p. 408).
Outro meio de solução ocorre por meio de Cortes Internacionais, tribunais constituídos por um conjunto de Estados.

As cortes internacionais se diferenciam das outras formas de solução de disputas entre os Estados pelo fato de constituírem um organismo institucionalizado com funções claras e determinadas, fixadas em instrumentos internacionais solenes. A sua jurisdição e competência são permanentes. A sua existência no tempo é assegurada por um corpo de juízes nomeados pelos Estados e onde se procura uma representatividade universal, por um secretariado com sede a todos conhecida, além de permitir a formação de uma jurisprudência mais definida (CAVALCANTE, 200[?]).

Alguns pressupostos são adotados na maioria dos Tribunais Internacionais, como: legitimidade das partes e interesse de agir. Primeiramente, apenas os sujeitos de Direito Internacional têm capacidade postulatória nestas cortes, Varella salienta que esta condição não impede a participação de outros interessados como amicus curiae (VARELLA, 2009, p. 411). Contudo, ainda que sejam capazes de ser parte, é necessário que demonstrem o interesse de agir ? nesse caso, não é necessária a comprovação de prejuízo de direitos econômicos, materiais, dentre outros. No âmbito internacional o interesse pode ser invocado quando há violação de tratado multilateral, por exemplo.


2.3.3 Soluções não pacíficas

Analisadas as formas pacíficas de solução dos conflitos, é necessário afirmar que o Direito Internacional admite a utilização de instrumentos para pressionar um Estado a agir de certa forma.
A retorsão é uma medida não armada contra um Estado que teve um ato considerado não cortês, embora lícito. O Estado que se sentiu ofendido pratica contra seu suposto agressor as mesmas medidas que este empregava contra ele. Nos ensinamentos de Gustavo Neves "é o meio coercitivo consistente na reação análoga à ameaça ou violência empreendida por outro Estado" (NEVES, 2008, p. 107). Por meio da retorsão, o Estado que se entende lesado tenta obter o restabelecimento de uma situação a que tinha direito.
Já a represália é uma forma de pressionar, por meio da força, um Estado praticante de um ato ilícito, à volta à licitude. Poderá ser armada ou não. Esta medida deve ser voltada ao Estado responsável pelo ilícito, ser proporcional ao dano sofrido e ser aplicada após tentativa de negociação (VARELLA, 2009).
Conforme Adherbal Mattos, as formas mais comuns da represália são: o embargo, o bloqueio pacífico e a boicotagem. O primeiro é o sequestro de navios comerciais ou cargas estrangeiras, em tempo de paz, ancorados no Estado embargante, tal ato é reprovado pelo Direito Internacional. O bloqueio pacífico ocorre quando um Estado impede, por meio de força armada, a comunicação com o porto estrangeiro. A Carta da ONU só acata o bloqueio por intermédio do Conselho de Segurança. A boicotagem consiste em interromper as relações comerciais com o Estado ofensor dos nacionais ou dos direitos de outros Estados (MATTOS, 2010).
A Carta da ONU baniu a possibilidade de ameaça ou uso da força contra a integridade ou independência de qualquer Estado (proibição à guerra), exceto para a defesa de agressão injusta, quando deverá ocorrer de modo imediato, adequado e proporcional, cabendo à Organização das Nações Unidas dispor de meios para que o confronto não perdure.









3 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO ? OMC

3.1 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Como já dito anteriormente, os Estados necessitam de integração para que se desenvolvam, assim, progressivamente, passaram a criar organizações internacionais (OI) objetivando diferentes propósitos, como, por exemplo, a efetivação dos acordos firmados. Por meio dessas, o controle institucionalizado de determinados temas é facilitado.
Sobre o fenômeno das organizações internacionais e cooperação entre os Estados, explica Alberto do Amaral Júnior:

Os movimentos de integração regional que têm caracterizado o universo das relações internacionais desde o pós-II Guerra constituem uma das dimensões da chamada cooperação internacional, modo de relacionamento interestatal que procura congregar um número determinado de atores soberanos na persecução de objetivos comuns. A cooperação interestatal [...] acentua os componentes de convergência presentes nos vários Estados do sistema internacional no que se refere ao trato de questões de natureza, por assim dizer, global. Por esta razão, apresenta uma ontologia superior em relação à mera coexistência pacífica [...] (AMARAL JÚNIOR; RATTON, 2002, p. 07).

As organizações internacionais são pessoas jurídicas de direito internacional, de caráter institucional, formadas por vontade e iniciativa de Estados ou de outras organizações e constituídas exclusivamente por sujeitos de direito internacional. Nesse sentido, ensina Marcelo Varella:

A natureza jurídica é, portanto, a mesma dos Estados, mas com limites de competência predeterminados pelos próprios membros que a constituem. A principal diferença é a origem do fundamento: nos Estados, existe uma justificativa interna para a personalidade jurídica, derivada da faceta da soberania. Nas Organizações Internacionais, o único elemento justificador é o externo, derivado apenas da soberania dos Estados-membros (VARELLA, 2009, p. 260).

As organizações internacionais são dotadas de personalidade objetiva, ou seja, além de serem reconhecidas por seus membros, podem impor-se à comunidade internacional, ainda que alguns Estados não tenham ratificado seu tratado constitutivo.
Importa ressaltar, ainda, que tais organizações têm autonomia jurídica, isto é, seu ordenamento jurídico (tratado constitutivo e posteriores), aprovado por seus membros, independe do ordenamento interno desses ou de outras organizações, preponderando, então, a tese da supremacia do direito da Organização Internacional. Portanto, ao desrespeitar a norma da organização internacional, o Estado e seus nacionais poderão ser responsabilizados internacionalmente, "sob a perspectiva de que o país continua engajado no plano internacional pelo compromisso aceito anteriormente" (VARELLA, 2009, p. 280).


3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

A Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1995 pelo Acordo de Marrakech, após a Rodada Uruguai, classifica-se como uma das organizações internacionais em maior destaque. Seu objetivo é promover a expansão do comércio global por meio da institucionalização de um ambiente dinâmico de negociações e a consolidação de um sistema de solução de controvérsias.
Desde já, é imperioso reforçar que a OMC foi formada com a finalidade de dar governança ao comércio multilateral e, por isso, tenta regular os temas mais sensíveis.

Hay múltiples formas de contemplar la OMC. Es una Organización para liberalizar el comercio. Es un foro para que los gobiernos negocien acuerdos comerciales. Es un lugar para que resuelvan sus diferencias comerciales. Aplica un sistema de normas comerciales.
[...]
Su núcleo está constituido por los Acuerdos de la OMC, negociados y firmados por la mayoría de los países que participan en el comercio mundial. Estos documentos establecen las normas jurídicas fundamentales del comercio internacional. Son esencialmente contratos que obligan a los gobiernos a mantener sus políticas comerciales dentro de límites convenidos.
[...]
El propósito primordial del sistema es ayudar a que las corrientes comerciales circulen con la máxima libertad posible, ? siempre que no se produzcan efectos secundarios desfavorables, ? porque esto es importante para el desarrollo económico y el bienestar. Esto significa en parte la eliminación de obstáculos. También significa asegurar que los particulares, las empresas y los gobiernos conozcan cuáles son las normas que rigen el comercio en todo el mundo, dándoles la seguridad de que las políticas no sufrirán cambios abruptos. En otras palabras, las normas tienen que ser "transparentes" y previsibles (OMC, 199[?]).

A OMC é formada por aproximadamente 150 membros, todos com direito a voto, com peso idêntico, independente de sua importância na economia global, caracterizando-se o princípio da igualdade soberana entre os Estados, ainda que formal.
Ao ingressar como membro, o país aceita todos os tratados, prestando compromisso de respeitá-los e não havendo a possibilidade de emendas ou reservas. Logo, ou o Estado confirma todos os acordos já firmados, ou não se torna membro da OMC.
As decisões, em regra, são tomadas por consenso, sendo postas a voto somente quando não há acordo entre as partes. O quorum para a aprovação depende do tema do tratado.
Cabe destacar ainda que a OMC mantém relação com outras organizações internacionais, porém não é obrigada a se submeter às suas decisões ou levá-las em consideração, mesmo que seja a requerimento de um Estado membro, assim como não se subordina ao disposto em acordos bilaterais em relação ao foro de julgamento das eventuais controvérsias. Por exemplo, no caso da relação entre Brasil e Bolívia quanto à exploração de hidrocarbonetos, o acordo entre os países dispunha que um eventual conflito seria decidido por meio de arbitragem, sob a lei boliviana e conforme procedimentos e regulamento da Câmara de Comércio Internacional (CCI), em La Paz. Contudo, como ambos os países são membros da OMC, a competência desta para julgar as controvérsias não está afastada.
Quanto à sua estrutura, os principais órgãos da Organização Mundial do Comércio são: Conferência Ministerial, Órgão de Revisão de Políticas Comerciais, Órgão de Solução de Controvérsias e Conselho Geral.
A constituição da OMC funda-se na ideia de que a expansão comercial aumentará o nível de desenvolvimento dos Estados e a interdependência econômica. Para tanto, foi observado o princípio da igualdade, do qual deriva o princípio da reciprocidade e o da não discriminação.
Conforme o primeiro postulado derivado, os Estados deverão ofertar o mesmo tratamento recebido pelos demais Estados. Desse postulado provém o princípio da Nação mais favorecida, o qual "implica a concessão automática a todos os demais membros da OMC dos benefícios concedidos por um membro a outro" (VARELLA, 2009, p. 293), comportando exceções nos casos de benefícios oferecidos dentro de sistemas regionais de integração.
Já o princípio da não discriminação obriga o Estado-membro a oferecer tratamento igualitário entre seus parceiros comerciais, sendo vedada, então, a discriminação. Nesse fundamenta-se o princípio do tratamento nacional, que impede que um Estado proporcione tratamento mais favorável aos produtos nacionais, em detrimento dos importados.
A OMC é regida, também, por outros princípios, como o princípio da proteção transparente, conforme o qual não é proibida a proteção de setores econômicos nacionais, desde que se efetive por meio de tarifa. A barreira não tarifária ocorre, por exemplo, quando um Estado impõe inúmeras condições para que se realize a exportação ou importação de algum(s) produto(s), buscando proteger a produção nacional, condições estas pouco prováveis de serem cumpridas (ICONE, S/D).
O princípio da transparência impõe aos Estados o dever de informar ampla e eficazmente o conteúdo de sua política comercial. Essa conduta possibilita a supervisão da OMC acerca do comportamento comercial adotado por seus membros. Ademais, impede que os países membros esquivem-se de suas obrigações sob a alegação de desconhecimento da política comercial vigente. Nesse sentido, ensina Hoekman:

Transparency is a basic pillar of the WTO, and it a legal obligation, embedded in Article X of the GATT and Article III of the GATS. WTO members are required to publish their trade regulations, to establish and maintain institutions allowing for the review of administrative decisions affecting trade, to respond to requests for information by other members, and notify changes in trade policies to the WTO [...] (HOEKMAN; MATTOO; ENGLISH, 2002, p. 44).

Por fim, importa mencionar, ainda, o necessário respeito ao princípio da boa-fé e à regra pacta sunt servanda, explanados no capítulo anterior, por parte de todos os membros da Organização Mundial do Comércio. Esses são pressupostos basilares para o bom funcionamento de qualquer organização internacional, o desrespeito tornaria os tratados internacionais plenamente ineficazes.
3.3 ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS ? OSC

Prevendo a existência de eventuais conflitos, há, no acordo constitutivo da Organização Mundial do Comércio, o Órgão de Soluções de Controvérsias (OSC), o qual é competente para resolver questões e litígios relativos ao comércio internacional.
.
El procedimento de solución de diferencias es la piedra angular del sistema multilateral de comercio y una contribución excepcional de la OMC a la estabilidad de la economia mundial. Sin un medio de solución de diferencias el sistema basado en normas sería menos eficaz, puesto que no podrían hacerse cumplir las normas.(OMC, 199[?])

Conforme Marcelo Varella (VARELLA, 2009, p. 415), o OSC é o principal foro comercial multilateral, com força para gerar um "forte efeito paralisante" sobre o avanço de normas internacionais e nacionais dos membros da OMC.
As diferenças tratam, basicamente, do desrespeito das normas comerciais pelos Estados-membros como, por exemplo, adotar uma política comercial contra os ideais da Organização.
Anteriormente, o Órgão de Solução de Controvérsias era visto como um órgão de conciliação e arbitragem, até pela própria OMC. Contudo, atualmente, prevalece o entendimento de que é um verdadeiro órgão jurisdicional, com jurisdição compulsória, ou seja, os Estados-membros não podem abster-se de participar de determinado litígio.
Ressalte-se que o fato de o conflito ter sido, ou estiver sendo, julgado em outro foro não afasta a competência da OMC de apreciá-lo.
Neste sentido, importa mencionar ainda, que o Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsia (ESC), acordo obrigatório a todos os membros da OMC, criou uma jurisdição compulsória aos países-membros (BARRAL, 2004). Tal fato é confirmado a partir da leitura do artigo 23.1 do citado Acordo:

Artigo 23. Fortalecimento do Sistema Multilateral

1. Ao procurar reparar o não-cumprimento de obrigações ou outro tipo de anulação ou prejuízo de benefícios resultantes de acordos abrangidos ou um impedimento à obtenção de quaisquer dos objetivos de um acordo abrangido, os Membros deverão recorrer e acatar as normas e procedimentos do presente Entendimento (OMC, 1994).

Somente os Estados-membros têm capacidade postulatória perante o OSC, sendo importante que o processo esteja motivado em um dano sofrido decorrente de uma violação ou não violação (por exemplo, adoção de medida que vai de encontro aos ideais do sistema de livre comércio) aos acordos da OMC.
O processo segue as seguintes etapas:
? Consultas: os países em conflito tentam resolvê-lo a partir de uma negociação prévia. O país que se sente lesado protocola na OMC petição simples explicando o fato, a base jurídica e o dano. O Estado, cuja ação foi questionada, terá 10 (dez) dias para aceitar a fase de negociação. Diante de sua inércia a outra parte terá o direito de iniciar um painel.
? Painel: trata-se da primeira fase contenciosa. O Estado interessado protocolará nova petição, desta vez mais elaborada, expondo minuciosamente as questões de fato e de direito envolvidas no caso.
Até a primeira reunião do OSC, quando o painel ainda não está formado, a outra parte pode se mostrar interessada em prosseguir com negociações.
O painel será composto por três painelistas, escolhidos por sorteio.
Na primeira reunião as partes e os terceiros interessados apresentam seus argumentos. As contrarrazões serão expostas na segunda reunião. Caso seja necessário, por requerimento de uma das partes e aceitação do painel, far-se-á perícia científica.
Serão feitos, então, o anteprojeto do relatório, o relatório provisório e, por fim, o relatório final, o qual será público e constará a decisão.
? Apelação: é a segunda fase contenciosa. Será possível revisar questões de direito decididas pelo Grupo Especial. Frise-se que a apelação só compete às partes, não podendo apelar os terceiros interessados.
O Órgão de Apelação é composto por sete juízes, dos quais três serão sorteados para comparecer no painel (OMC. Tratado de Marrakech. Anexo 2, 1994).

As decisões do Painel ou do Órgão de Apelação deverão ser acatadas pela parte afetada, podendo o OSC estabelecer prazo para que as determinações sejam implementadas. O descumprimento dessas permite que o Órgão de Solução de Controvérsias conceda à parte prejudicada autorização para exigências de compensação ou da suspensão de concessões.


3.4 ACORDO SOBRE MEDIDAS DE INVESTIMENTO RELACIONADAS AO COMÉRCIO ? TRIMS

É notório que ainda há grande disparidade no que concerne ao desenvolvimento de países. Diante disso, alguns Estados abrem-se ao investimento estrangeiro almejando um crescimento econômico, tecnológico, etc. Logo, o investimento estrangeiro torna-se uma importante fonte de desenvolvimento, principalmente dos países mais pobres.
Contudo, é preciso que ambos os países (investidor e investido) pactuem sobre as regras desse negócio. É necessária uma política definida com o objetivo de assegurar que o investimento proporcionará benefícios e evitará efeitos negativos (FONSECA, 2007). Para tanto, buscando-se a atração de uma maior parcela investimentos e a garantia de uma segurança jurídica, são firmados acordos de investimentos.
No ano de 1994, foi assinado o Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (Acordo TRIMS), que compõe os tratados da Organização Mundial do Comércio.
Reconhecendo a existência de certas medidas que podem causar efeitos restritivos e distorsivos no comércio, o principal objetivo do Acordo TRIMS é impedir a adoção de tais práticas pelos países, buscando, assim, promover a expansão e a liberalização do comércio, facilitando os investimentos internacionais.
O Acordo sobre Medidas de Investimentos visa a impedir que os Estados (membros da OMC) adotem medidas que obriguem a utilização de produtos nacionais no processo produtivo ou restrinjam a importação de produtos, impondo condições aos investimentos estrangeiros realizados no país (NASSER, 200[?]).

As TRIMS podem ter por objetivo tanto impor aos investidores um comportamento que atenda aos interesses nacionais no que se refere ao desenvolvimento, quanto estimular a adoção de determinados comportamentos pelos agentes privados. São instrumentos de que os governos nacionais podem dispor para moldar a atuação dos investidores de forma a que se beneficie ao máximo o desenvolvimento nacional (NASSER, 200[?]).

O Artigo 1º do Acordo TRIMS dispõe: "Artigo 1º. Âmbito. O presente Acordo é aplicável às medidas de investimento relacionadas apenas com o comércio de mercadorias (designadas no presente Acordo como "TRIM") (OMC. Acordo TRIMS, 1994)". Depreende-se, então, que tal acordo só se aplica às medidas relacionadas ao comércio de bens, excluindo-se, assim, o de serviços.
O Artigo 2º faz vedação expressa ao descumprimento da obrigação de tratamento nacional e promove a eliminação de restrições quantitativas.

Artigo 2º. Tratamento nacional e restrições quantitativas
1 - Sem prejuízo dos outros direitos e obrigações previstos no GATT 1994, nenhum Membro aplicará qualquer TRIM que seja incompatível com o disposto nos artigos III ou IX do GATT 1994.
2 - No anexo ao presente Acordo é apresentada uma lista exemplificativa das TRIM incompatíveis com a obrigação de tratamento nacional prevista no n.º 4 do artigo III do GATT 1994 e com a obrigação de eliminação geral de restrições quantitativas prevista no n.º 1 do artigo XI do GATT 1994 (OMC. ACORDO TRIMS, 1994).

No anexo do Acordo TRIMS, há uma lista exemplificativa de práticas que são consideradas incompatíveis com o que estabelece tal artigo.
As restrições quantitativas, proibidas pelo Artigo XI do GATT, limitam a importação ou exportação de produtos, estabelecendo quotas ou licenças. Essa vedação é uma regra geral, logo, aceita exceções, mas somente nos casos de tarifas, taxas e outros encargos, porém, jamais permite proibições.
A lista exemplificativa do Acordo cita três espécies de medidas incompatíveis com a obrigação de eliminação geral das restrições quantitativas.

A primeira é a restrição da importação de produtos utilizados no processo produtivo ou a sua limitação ao desempenho exportador. A segunda espécie é a limitação das importações através da restrição do acesso a moeda estrangeira. A terceira espécie inclui as medidas que restringem, sob qualquer forma, a exportação de produtos (NASSER, 200[?]).

Contudo, é importante notar que essa lista é meramente exemplificativa, ou seja, pode haver outras medidas restritivas diferentes das espécies citadas.
A prática dessas restrições quantitativas viola o objetivo do Acordo TRIMS, qual seja, a expansão do comércio, conforme prevê em seu início:

Desejando promover a expansão e a progressiva liberalização do comércio mundial e de facilitar o investimento internacional de modo a reforçar o crescimento econômico de todos os parceiros comerciais, especialmente dos países Membros em desenvolvimento, assegurando simultaneamente a livre concorrência [...] (OMC. ACORDO TRIMS, 1994).

Logo, a adoção das medidas restritivas impossibilitaria a ação dos investidores estrangeiros. O desenvolvimento do país receptor dos investimentos ficaria, então, prejudicado, considerando que o ônus suportado pelo investidor seria superior às suas vantagens.
As medidas restritivas, em verdade, produziriam um efeito contrário: o "não investimento", pois, do ponto de vista econômico, não seria rentável, ou compensatório, ao investidor, despender vultosos capitais e ter sua liberdade comercial restringida.
Porém, a vedação das medidas restritivas não é absoluta, conforme o Artigo 3º . As exceções contidas no GATT, expostas anteriormente, também serão válidas no Acordo sobre Medidas de Investimento.
Assim, verifica-se que o Acordo TRIMS não impede a concessão de incentivos aos investimentos, porém proíbe que os países condicionem o acesso aos benefícios ao cumprimento das medidas de investimento relacionadas em sua lista ilustrativa (FONSECA, 2007).
O Artigo 8º afirma que o disposto nos artigos XXII e XXIII do GAAT, referente ao procedimento de solução de controvérsias, aplicar-se-á aos conflitos relacionados ao Acordo TRIMS.
Apesar da existência do Acordo sobre Medidas de Investimento relacionadas ao Comércio, o tema "investimentos" ainda é controvertido no cenário global em relação às suas regras. Isto foi um incentivo para que alguns países firmassem acordos bilaterais (BITs). Esses são realizados entre o país estrangeiro e o receptor do investimento, visando a regular os investimentos, estipulando regras que não constam no ordenamento jurídico do país hospedeiro.








4 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

4.1 PROBIDADE E MORALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Antes de caracterizar a improbidade, necessário se faz discorrer sobre a probidade administrativa, já que aquela nada mais é do que o desrespeito a esta.
A Constituição Federal faz expressa menção, em seu artigo 37 , ao princípio da moralidade, o qual deve ser obedecido pela Administração Pública direta e indireta. Difícil é, porém, a diferenciação deste princípio em relação ao da probidade administrativa, visto que ambos estão relacionados à observância da honestidade, não sendo suficiente somente o apego à Lei, mas também aos princípios éticos.
Nesse mesmo sentido, ensina Maria Sylvia Di Pietro e Walace Martins Júnior, respectivamente:

Quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com a observância da Lei; é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública (DI PIETRO, 2008, p. 763).

Contido no princípio da moralidade administrativa está o da probidade. É Marcello Caetano quem explica o dever de probidade como aquele pelo qual "o funcionário deve servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções sempre no intuito de realizar os interesses públicos, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer".(MARTINS JÚNIOR, 2009, p. 101).

É imperativo observar que a ética deve ser um dos fundamentos da atividade do agente público. Esse deve focar não só a realização de sua obrigação legal, mas fazer com que seja pautada em valores morais e probos, sempre na observância de se efetivar sua finalidade pública.
É necessário que o administrador adeque seu ato à satisfação dos valores relevantes para a instituição e para a coletividade, ou seja, a administração deve estar voltada à efetividade do interesse público. Nesse sentido, a moralidade administrativa envolve a ideia de boa administração.
O respeito à moralidade e à probidade, se observado, acaba por tornar a atividade administrativa mais eficiente. Deixa-se de lado a noção precária de que basta o puro cumprimento do estabelecido em Lei, respeitando-se, assim, o princípio da legalidade, e passa-se à compreensão de que o exercício da função administrativa de forma honesta está intimamente ligado à "escolha dos meios mais adequados, coerentes e proporcionais para a satisfação de seus fins e alcance do interesse público" (MARTINS JÚNIOR, 2009, p. 103).
Acompanhando o raciocínio da importância da probidade e da moralidade na atividade estatal está a jurisprudência pátria:

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Apelação Cível n.º 70030544720
Segunda Câmara Cível
Relator: Marco Aurélio Heinz
Julgado em 17/06/2010

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. ATO ATENTATÓRIO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFETIVAÇÃO DE SERVIDOR SUBSTITUTO NA TITULARIDADE DO OFÍCIO DE REGISTRO PÚBLICOS. INEXISTÊNCIA DE ATO DE IMPROBIDADE PARA OS FINS DA LEI N. 8.429/1992. AUSÊNCIA DE DOLO. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO. Conforme abalizada doutrina, a probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos. Consiste no dever de o funcionário no exercício de suas funções, servir a Administração com honestidade, sem se aproveitar dos poderes e facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem. (grifo nosso) Não é qualquer falta funcional que dá ensejo à condenação nas penas da Lei da Improbidade. No caso, a efetivação de servidor substituto na titularidade do ofício registral é matéria controvertida no âmbito dos tribunais, não guardando qualquer relação com a moralidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992. Não há também dolo, dada a controvérsia judicial. Reconhecimento também da prescrição da ação. Improcedência da demanda. Apelação desprovida. Voto vencido (RIO GRANDE DO SUL. TJRS. 2010).

Wallace Júnior (MARTINS JUNIOR, 2009, p. 109), citando Marcello Caetano, apresenta oito aspectos que decorrem do dever de probidade, cujo adimplemento possibilita o exercício da atividade pública com base na honestidade. Ressaltando-se que estes não podem ser considerados exaustivos:
? Dever de guardar os bens, direitos interesses e valores públicos, sem suas utilizações em proveito próprio e, ainda, abstendo-se de ações que possam danificá-los;
? Não exercer influência, ainda que possa, em contratos firmados entre pessoas e o órgão público (sentido amplo) a que está vinculado;
? Abster-se de aceitar vantagens patrimoniais, ou promessa futura, para que pratique ou deixe de praticar atos referentes à sua função, ou, ainda, influir terceiros competentes para que tenham este comportamento;
? Recusar homenagens de subalternos ou particulares com interesses referentes ao exercício de sua função pública, exceto nos casos de aposentadoria ou transferência;
? Não circular listas para obtenção de donativos no recinto de trabalho e abster-se de subscrevê-las;
? Impedimento do exercício da advocacia ou intermediação de interesse de terceiros particulares nos serviços de sua competência;
? Impossibilidade de fazer negócio jurídico lucrativo com o provimento de outrem em cargo público;
? Proibição de se exigir de particulares quantias ou serviços legalmente indevidos, de abuso de poder para opressão da liberdade e interesse alheios ou para lesão do patrimônio privado sem previsão legal.
Quanto à relação da moralidade com a probidade, a doutrina ainda é divergente. Contudo, conforme Wallace Júnior, esta é um subprincípio daquela: "não se ignore que moralidade e probidade estão intrinsecamente relacionadas e que a probidade é um dever [...] e um subprincípio derivado da moralidade" (MARTINS JUNIOR, 2009, p. 110).
Importa afirmar, porém, que, ainda que interligadas moralidade e probidade, o princípio da probidade tem contorno próprio, já que instrumentaliza a moralidade de forma a garantir a eficácia dos outros princípios pertinentes à Administração Pública (MARTINS JUNIOR, 2009).


4.2 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Apesar da existência de legislação e princípios a serem observados, alguns agentes públicos permanecem em um caminho destoante dos deveres inerentes ao cargo público. Considerando tal fato, passa-se à análise da improbidade administrativa.
Inicialmente, é necessário conceituá-la: pelo próprio prefixo do vocábulo (im) é simples alcançar a ideia de negação/oposição, logo, ímprobo ou improbidade é algo "não probo", ou seja, algo que não atenta à probidade. Inclusive, tal palavra deriva do latim improbitas, o qual significa "má qualidade" (NEIVA, 2009, p. 6).
"Administrativo", por sua vez, deriva da palavra "administração", do verbo "administrar", do latim administrare que significa "prestar seu ministério", "prover o que é útil" (MARQUES, 2010).
Conforme Silvio Marques (MARQUES, 2010, p. 39), "[...] a expressão ?improbidade administrativa? é ainda muito discutida na doutrina e na jurisprudência, considerando a inexistência de uma definição normativa expressa".
Sucintamente, "improbidade administrativa" seria a prática de atos que atentam à administração correta, honesta, logo, vai de encontro aos princípios constitucionais da moralidade e da probidade.
No âmbito constitucional, estão dispostas no §4º, do artigo 37, da Constituição Federal, as consequências da prática de um ato de improbidade:

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em Lei, sem prejuízo da ação penal cabível (BRASIL. Constituição Federal. 1988).

Contudo, percebe-se que o constituinte originário deixou ao legislador ordinário a tarefa de definir os atos de improbidade e regulamentar as penalidades.
No âmbito legal, para complementar a norma constitucional, a improbidade administrativa está especificamente tratada na Lei n.º 8.429 de 1992, a qual, além classificar os atos de improbidade, define quem pode praticá-los e gradua as medidas aplicáveis.
Conforme a Lei n.º 8.429/92, são atos de improbidade aqueles que importam enriquecimento ilícito (artigo 9º); causem prejuízo ao erário (artigo 10º); ou atentem contra os princípios da Administração Pública (artigo 11º).
Frise-se que não é necessária a desonestidade ou o enriquecimento do agente público para que a improbidade esteja caracterizada, bastando que haja dano ao patrimônio ou a outros interesses públicos.
Legalmente, improbidade administrativa é, então, a prática de atos ou omissões, dolosos ou culposos, do agente público, acompanhado ou não de terceiros, que causem prejuízo ao Estado e à sua gestão.


4.2.1 Atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário

O artigo 10º da Lei n.º 8.429 estabelece os atos de improbidade que causam prejuízo ao erário. As condutas elencadas acarretam desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens das entidades referidas no artigo 1º.
Entende-se por perda a privação/desfalque de bens, rendas e valores que integram o patrimônio público. O desvio é o desvirtuamento, a alteração do destino dos bens e valores. Apropriação significa inversão de posse, mudança na titularidade da propriedade. O malbaratamento é desperdício, gasto indevido de bens e valores públicos. Já a dilapidação representa a ruína do patrimônio público, o "esbanjamento destrutivo" (FAZZIO JÚNIOR, 2007, p.117).
Para que a conduta praticada possa ser a adequada ao disposto no artigo 10º é imperioso que tenha ocorrido efetiva lesão ao erário. Inclusive, nesses casos, poderá caber, ainda, indenização por dano moral à coletividade, entretanto, é necessário prová-lo, sendo inviável sua presunção (NEIVA, 2009, p. 77).
Dentre todos os atos relacionados no artigo 10º, será analisado especificamente o disposto no inciso XII: "permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente" (BRASIL. Lei n.º 8.429. 1992).
Enriquecimento ilícito (sem causa) representa o acréscimo de bens no patrimônio de uma pessoa, em detrimento de outrem, sem qualquer fundamentação jurídica. Logo, no âmbito administrativo, se alguém lesa o erário, em benefício próprio, descumprindo normas, enriquece ilicitamente.
Para incorrer nesse ato ímprobo, basta que o agente público tolere a prática de atos, por parte de um terceiro, que propiciem o enriquecimento deste de maneira ilícita, ou seja, por meios ilegais. É imprescindível que esse enriquecimento cause dano patrimonial a alguma das pessoas jurídicas mencionadas no artigo 1º da Lei n.º 8.429/92.


4.3 RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO

Antes que seja analisada a responsabilidade do agente público nos termos da Lei n.º 8.429/92, é preciso que se verifique quem são estes agentes.
Conforme ensina Di Pietro:

Agente público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta.
[...]
Perante a Constituição de 1988, com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 18/98, pode-se dizer que são quatro as categorias de agentes públicos:
1. agentes políticos;
2. servidores públicos;
3. militares; e
4. particulares em colaboração com o Poder Público (DI PIETRO, 2008, p. 285).

Agentes políticos são aqueles que, como regra, vinculam-se ao Poder Público por meio de eleição, que lhes confere o direito de um mandato eletivo. Esclarecendo, são os Chefes do Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos), seus auxiliares e os membros do Poder Legislativo.
Os servidores públicos são todas as pessoas que prestam serviço à Administração Pública direta e indireta, mediante remuneração paga pelos cofres públicos, criando vínculo empregatício.
Os militares são as pessoas físicas integrantes das Forças Armadas ? Marinha, Exército e Aeronáutica ? das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares.
Os particulares em colaboração são aqueles que prestam serviço ao Estado sem vínculo empregatício.
Portanto, verifica-se que "agente público" é uma expressão com sentido amplo. Refere-se às pessoas que exercem função pública, de forma remunerada ou gratuita, e, de alguma forma, vinculadas ao Estado (CARVALHO FILHO, 2010, p. 637).
A Lei n.º 8.429/92 confirma a amplitude do sentido do termo "agente público" em seu artigo 2º:

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior (BRASIL. Lei n.º 8.429. 1992).

Quanto à responsabilidade dos agentes públicos pela prática de um ato ímprobo, dispõe a Lei retrocitada, em seu artigo 1º:

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei (BRASIL. Lei n.º 8.429. 1992).

Dessa norma, da análise dos artigos 1º e 2º, infere-se que o sujeito ativo da improbidade administrativa é o agente público, ou seja, toda pessoa vinculada ao Poder Público, que exerce mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no artigo 1º da Lei de Improbidade Administrativa. Não sendo exigível que o agente seja necessariamente servidor público.
Para que seja possível a responsabilização do agente público pelo ato de improbidade, é necessário que se prove: a sua conduta, enquadrando-a em uma das hipóteses tratadas pelos artigos 9º, 10º e 11º; o dano, seja o enriquecimento do agente, o prejuízo ao erário ou o afronto aos princípios da Administração Pública; o nexo causal, ou seja, se o resultado produzido é consequência da conduta do agente público; e o dolo ou a culpa do agente.
José Neiva explana acerca da culpa ou dolo no cometimento do ato de improbidade. Segundo o ilustre jurista, os atos descritos nos artigos 9º e 11º seriam dolosos, enquanto que as condutas tipificadas no artigo 10º seriam culposas (NEIVA, 2009).
Contudo, torna-se difícil aceitar que a desonestidade, a deslealdade, a corrupção, ou seja, a improbidade do agente público tenha decorrido de imprudência, negligência ou imperícia.

Imperativo observar que o conceito de improbidade sempre envolveu conduta dolosa, inclusive com interpretação firme nesse sentido, desde longa data, no direito brasileiro, diante da alínea a do art. 482 da CLT (NEIVA, 2009, p. 8).

Nesse impasse, a solução seria "a adoção da técnica de interpretação conforme a Constituição, equiparando-se a culpa ao dolo, pois evitaria o reconhecimento da inconstitucionalidade material" do artigo 10º (NEIVA, 2010, p. 8). Dessa forma também entende o Tribunal Regional Federal da 2ª Região .
Observe-se, porém, que o Superior Tribunal de Justiça declarou ser admissível a culpa nas condutas especificadas no artigo 10º.
Assim, seria razoável aceitar, excepcionalmente, a responsabilização do agente por conduta culposa, atendo-se a fatos em que o mesmo agiu com má-fé e deslealdade, atuando com negligência e desleixo no que se refere à administração do interesse público. Nessas ocasiões, pode-se afirmar que o mesmo assumiu o risco de causar lesão ao patrimônio público (NEIVA, 2009).


4.4 CRIME DE RESPONSABILIDADE E ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A Constituição da República, no artigo 85 , dispõe os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República. Tais crimes, entendidos como os que atentam contra a Carta Magna, têm natureza político-administrativa, submetendo-se ao processo de impeachment (LENZA, 2008).
Conforme aduz o parágrafo primeiro do artigo 85, esses crimes serão definidos por lei especial, ou seja, a Constituição definiu condutas amplas, genéricas, as quais serão especificadas por lei própria (Lei n.º 1.079/50).
A Lei n.º 1.079/50, em seu artigo 3º , de forma expressa, dispõe que a responsabilização política-administrativa não obsta processo e julgamento do acusado de crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal. Dessa forma, verifica-se que a lei não exclui a possibilidade de aplicação de sanções diversas, em diferentes instâncias.
A Lei de Crimes de Responsabilidade, no artigo 9º, enumera, de forma taxativa, as condutas que atentam contra a probidade administrativa e, portanto, estão sujeitas à responsabilidade político-administrativa:

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:
1 - omitir ou retardar dolosamente a publicação das leis e resoluções do Poder Legislativo ou dos atos do Poder Executivo;
2 - não prestar ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior;
3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;
4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição;
5 - infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais;
6 - Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim;
7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo (BRASIL. Lei n.º 1.079. 1950).

Apesar de já tipificados, na referida lei, os atos contra a probidade administrativa que configuram crime de responsabilidade, a Lei n.º 8.429/92 dispõe diversos outros atos considerados ímprobos, sem que, no entanto, causem a responsabilização político-administrativa, mas, tão-somente, a jurídica.
Em relação a esta situação (crime de responsabilidade em concorrência com ato de improbidade), há grande divergência quanto à possibilidade de responsabilidade dos agentes políticos no termos da Lei de Improbidade Administrativa, tema que será mais bem analisado a seguir.
Antecipando o tema, em breve síntese, o parágrafo primeiro, do artigo 52, da Constituição Federal, dispõe que a condenação dar-se-á sem o prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis, logo, a Magna Carta, em momento algum, afastou a possibilidade de responsabilização dos agentes políticos por atos de improbidade administrativa, sob o argumento de já haver regime jurídico próprio (Lei de Crimes de Responsabilidade).


4.5 POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE POLÍTICO POR ATO DE IMPROBIDADE

Como já explicitado anteriormente, consideram-se agentes políticos os titulares de cargos (em sentido amplo) ligados à noção de governo e função política (DI PIETRO, 2008; MELLO, 2007). Há ainda quem estenda tal conceito aos membros do Ministério Público, integrantes dos Tribunais de Contas, Magistrados, Diplomatas, Ministros de Estado, entre outros (OLIVEIRA, 2004; MEIRELLES, 2007).
Além da divergência acerca da abrangência do termo, há, também, grande discussão a respeito da possibilidade de responsabilização dos agentes políticos nos termos da Lei de Improbidade Administrativa. Sobre o tema, ensina Wallace Paiva Martins Júnior :

Há algum tempo ergueu-se a tese de inaplicabilidade da Lei n.º 8.429/92 aos agentes políticos, construída sobre o argumento de seu regime jurídico especial derrogatório da Lei n.º 8.429/92, instaurando um juízo exclusivo (v.g., impeachment) pela ofensa à probidade administrativa praticada ou imputada a tal espécie de agentes públicos (MARTINS JÚNIOR, 2009, p.310).

Para a resolução de tal impasse, é necessário relembrar o explicado em tópico anterior sobre a amplitude do artigo 1º, da Lei n.º 8.429/92. Foi afirmado que tal dispositivo, interpretado à luz do artigo 2º da mesma Lei, confere total amplitude ao termo "agente público", logo, estariam incluídos, também, os agente políticos como sujeitos ativos de atos de improbidade. Nesse sentido, leciona Adilson Dallari:

Onde houver presença de recursos públicos, aí estará presente a Lei de Improbidade. Ou seja, quando o legislador efetivamente desejou ser abrangente, ele deixou esse propósito bem claro e ? o que é mais importante ? deu ao texto, objetivamente, uma redação que não comporta dúvida alguma (DALLARI, 2001, p. 39).

Nas palavras de José Antonio Neiva:

Não estariam excluídos da disciplina do §4º do art. 37 da Constituição da República e da Lei n.º 8.429/1992 os agentes públicos sujeitos ao denominado crime de responsabilidade, pelo simples fato de o ato de improbidade também gerar a responsabilidade política ou política-administrativa, diante do Inc. V do art. 85 da Constituição da República, Inc. V do art. 4º, arts. 13 e 74, da Lei n.º 1.079/1950 e art. 1º da Lei n.º 7.106/1983 (NEIVA, 2009).

O direito brasileiro adota o sistema de pluralidade de instâncias, concorrentes e independentes, para repressão da improbidade administrativa. Verifica-se tal situação no § 4º, do artigo 37, da Constituição Federal, e no artigo 22, da Lei n.º 8.429/92:

Art. 37 [...]
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em Lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (BRASIL, 1988)

Art. 22, Para apurar qualquer ilícito previsto nesta Lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo (BRASIL. Lei n.º 8.429. 1992).

Por conseguinte, depreende-se, como já afirmado anteriormente, que não há qualquer impedimento para a aplicação de diversas sanções, sob óticas jurídicas diferentes, ao sujeito do ato de improbidade, podendo ocorrer no âmbito administrativo, penal, eleitoral e civil. Não tendo que se falar, portanto, em bis in idem.
Nesse contexto, ainda que o artigo 85 , da Constituição Federal, sujeite o Presidente da República à responsabilidade político-administrativa regulada pela Lei n.º 1.079/50, inclusive nos casos de prática de atos contra a probidade na administração, a aplicação das sanções político-administrativas não esgota a aplicação das penalidades previstas na Lei n.º 8.429/92, visto que são juridicamente diversas.
O fato de o agente político submeter-se à disciplina dos crimes de responsabilidade não impede ação de improbidade, por exemplo, visando à obtenção de ressarcimento da pessoa jurídica lesada, imposição de multa civil, dentre outras providências/penas. Uma possível ação objetivando a responsabilização do agente por crime de responsabilidade ensejaria, tão-somente, a perda de seu cargo público e sua inabilitação temporária para o exercício da função pública.
Afirmar que o agente político é imune à responsabilização nos termos da Lei de Improbidade Administrativa é permitir que o patrimônio adquirido ilicitamente continue em seu poder e/ou tornar impune um ato que provocou um prejuízo ao erário.
Conforme os ensinamentos de Wallace Paiva (MARTINS JUNIOR, 2009), o regime republicano é o da responsabilidade, sem espaços para comportar imunidades do poder, senão aquelas previstas na Constituição da República. Portanto, a Lei n.º 8.429/92 é aplicável a qualquer ato de improbidade administrativa de qualquer dos Poderes.
Considerando o princípio da legalidade no âmbito administrativo, é evidente concluir que, se o legislador pretendesse reservar a punição dos agentes políticos a uma única esfera, qual seja, a do regime jurídico da responsabilidade política, esta cláusula de exceção estaria devidamente expressa no ordenamento jurídico nacional.
Ademais, é imperioso reafirmar que as responsabilidades dos regimes são distintas: na instância político-administrativa (crimes de responsabilidade) a responsabilidade tem natureza política, enquanto que a responsabilidade da Lei de Improbidade Administrativa é jurídica.


4.5.1 O julgamento da Reclamação n.º 2.138

Feitas as considerações a propósito da divergência sobre a aplicação da Lei n.º 8.429/1992 aos agentes políticos, é necessário analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Reclamação n.º 2.138.
A União Federal propôs a supracitada Reclamação no STF em face de decisão proferida pela Justiça Federal do Distrito Federal. A decisão reclamada condenou ex-Ministro de Estado com base na Lei de Improbidade Administrativa. O Supremo Tribunal Federal, então, no seu julgamento, excluiu do campo de incidência da Lei n.º 8.429/92 os agentes políticos.
Para o início da análise, é imprescindível citar a ementa da decisão:

Rcl 2138 / DF - DISTRITO FEDERAL
RECLAMAÇÃO
Relator(a): Min. NELSON JOBIM
Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES (ART.38,IV,b, DO RISTF)
Julgamento: 13/06/2007
Órgão Julgador: Tribunal Pleno

RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS.

I ? PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM.
I.1. Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. Questão de ordem rejeitada.
I.2. Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não reflita o entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não tem direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Julgamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro processo com matéria idêntica na sequência da pauta de julgamento do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada.

II. MÉRITO.
II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n.º 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo.
II.2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos (grifo nosso): o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n.º 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n.º 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da Constituição.
II.3. Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, "c"; Lei n.º 10.79/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/1992).
II.4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos.
II.5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal ? Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição.

III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE (BRASIL. STF. 2008).

Ressalte-se que essa decisão não traduz a posição pacífica do Supremo Tribunal Federal, visto que o julgamento foi dado por maioria, sendo contrários ao decidido os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa.
É imperioso salientar, ainda, que a referida decisão é desprovida de efeito erga omnes, por ter sido proferida em sede de julgamento de Reclamação. Logo, não há que se falar em obrigatoriedade de vinculação dos membros do Judiciário a este entendimento.
Data venia, o entendimento dos ilustres Ministros que julgaram procedente a Reclamação n.º 2.138-6 não parece ser o mais coerente com a busca incessável pela probidade da Administração Pública, visto que a moralidade no exercício da função pública, no exercício dos atos administrativo praticados pelos agentes políticos, tanto pode, como deve, ser apreciada pelo Poder Judiciário. Nesse mesmo sentido encontra-se recente jurisprudência pátria, veja-se:

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Apelação 994060567150 (5203935200)
Relator(a): Rui Stoco
Comarca: Matão
Data do julgamento: 09/08/2010

Ementa: Recurso ex officio e Apelações Cíveis. Ação Civil de Improbidade Administrativa. Atos de improbidade administrativa imputados a agentes políticos. Possibilidade. Sanções impostas pela Lei de Improbidade Administrativa que não se confundem com aquelas impostas pelo cometimento de crimes de responsabilidade. Entendimento contido na Reclamação n.° 2.138/DF, julgada pelo STF, que além de não ter eficácia vinculante, não reflete orientação jurisprudencial dessa Corte Suprema (grifo nosso). Precedentes desta Câmara e do STJ. Imputação a Vereadores e servidores do Município de Matão de malversação de recursos públicos, consubstanciada em gastos com viagens, transporte e refeições - posteriormente reembolsados pelo Município - incompatíveis com a função. Pretensão de responsabilização dos ordenadores de despesas da Câmara, pela não exigência de justificações detalhadas das despesas reembolsáveis. Inadmissibilidade. Elementos coligidos aos autos que não demonstram o desvio de finalidade dos recursos. Alegação, ainda, de que referidas despesas foram realizadas sem previsão legal e sem justificação detalhada. Improcedência da alegação. Despesas legitimadas pela Lei n.° 2.007/91, do Município de Matão. Sistema de prestação de contas instituído por esta Lei que não exigia detalhadas informações. Gestão do patrimônio público que, no contexto delineado pelos elementos constantes dos autos acerca da realidade do Município, demonstram administração equívoca, inábil, mas não um esquema ardilosamente organizado com o fim de proporcionar a utilização ilícita de recursos públicos. Ausência de má-fé, por parte dos réus, necessária à configuração de ato ímprobo. Precedentes do STJ. Ação julgada parcialmente procedente na origem. Sentença reformada, para o fim de julgar improcedente a ação. Recurso do autor não provido e recurso da ré provido. - "A má-fé constitui contingente mínimo e indeclinável à subsunção do agente público nas sanções da Lei n" 8.429/92, pois esta sugere e permite distinguir entre a mera inabilidade ou a incompetência da verdadeira improbidade administrativa que, nos termos do preceitos normativos sancionadores, pressupõem comportamentos intencionais em detrimento dos princípios da administração pública estabelecidos na Carta Magna" (SÃO PAULO. TJSP. 2010).

Ademais, ainda que se entenda pela impossibilidade de concorrência de regimes de responsabilidade, cabe lembrar que nem todos os atos previstos como ímprobos na Lei n.º 8.429/1992 coincidem com os dispostos na Lei de Crimes de Responsabilidade.
Conforme o entendimento do Ministro Carlos Velloso, em seu voto no julgamento da Reclamação n.º 2.138-6:

[...] os agentes políticos respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único) mas, em relação ao que não estiver tipificado como crime de responsabilidade, e estiver definido como ato de improbidade, devem responder na forma da Lei própria (BRASIL. STF. 2010).

Assim, na prática de atos não coincidentes com as condutas tipificadas como crimes de responsabilidade, seria totalmente possível a responsabilização dos agentes políticos com base na Lei de Improbidade Administrativa, já que inexistiria concorrência de regimes pela impossibilidade de enquadramento da conduta como crime de responsabilidade.
Portanto, em consonância com o sistema jurídico brasileiro, é plenamente possível a responsabilização dos agentes políticos pela prática de atos de improbidade administrativa, seja fundamentada na Lei n.º 8.429/1992, uma vez que a Constituição Federal não exclui a possibilidade de apuração dos fatos em múltiplas instâncias, seja pela hipótese de não coincidência entre as condutas descritas na Lei de Improbidade Administrativa e a legislação que trata dos crimes de responsabilidade.


5 O SETOR DE HIDROCARBONETOS NA BOLÍVIA E A EXPROPRIAÇÃO DA PETROBRAS BOLÍVIA

5.1 O SETOR DE HIDROCARBONETOS NA BOLÍVIA

A Bolívia, apesar ter pequenas reservas de petróleo, possui a maior reserva de gás natural do continente sul-americano. Assim, é fácil concluir que a economia boliviana foca-se, principalmente, no setor energético para desenvolver-se. Os investimentos estrangeiros na exploração de hidrocarbonetos representam grande parte da formação bruta de capital no país.
Desde o descobrimento das reservas petrolíferas até o fim da Guerra do Chaco, a exploração era privada. A Standard Oil of New Jersey foi a primeira empresa a instalar uma subsidiária em solo boliviano.
Contudo, com a derrota no conflito e o entendimento de que a Standard Oil of New Jersey estaria desviando petróleo para outros países, portanto, agindo contra os interesses bolivianos, houve a primeira nacionalização do setor de hidrocarbonetos, promovida em 1936, no governo do General David Toro.
Com a nacionalização, e a devida indenização, os ativos das petroleiras passaram para a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Porém, o governo não conseguiu investir no setor hidrocarbonífero e voltou a privatizá-lo.
Em 1969, após a tomada de poder do governo por militares, houve a segunda nacionalização. O General Alfredo Ovando Candia expropriou o patrimônio da Gulf Oil Company (CEPIK; CARRA, 2006). Essa nacionalização trouxe tantos prejuízos quanto a primeira; não houve capital estatal suficiente para investir ou modernizar o setor.
Nos governos de Paz Zamora e Sáchez de Lozada, ocorreu aprofundamento na privatização do setor de hidrocarbonetos, buscando-se atrair investimentos externos. Por meio da YPFB, o Governo não explorava, mas regulava e fiscalizava as atividades privadas (CEPIK; CARRA, 2006).

Os ativos YPFB foram divididos antes da privatização rompendo sua linha vertical: os campos foram reunidos em duas sociedades anônimas mistas (SAM), Andina SA (composta por 50% fundos de pensão bolivianos; 20,25% Repsol-YPF; 20,25% Petrobras e 9,5% Pluspetrol) e Chaco SA (composta por 50% fundos de pensão bolivianos; 30% BP e 20% Bridas). As duas refinarias foram vendidas por US$ 102 milhões para o consórcio Petrobras (70%) e Pecom (30%) e depois passaram à primeira. A Lei também liberou a importação e exportação de petróleo, gás e derivados (CEPIK; CARRA, 2006).

Em 1º de maio de 2006, por meio do Decreto Supremo n.º 28.701, o então Presidente Evo Morales decretou a terceira nacionalização, a qual será mais bem analisada nos tópicos seguintes. Lembre-se, ainda, que o Presidente, desde sua campanha política, ainda como candidato, prometia nacionalizar os bens do subsolo e reaver as propriedades da YPFB.
Parece que a nova nacionalização vem seguindo os mesmos passos das anteriores. Com um governo neopopulista, a Bolívia, como a Venezuela, tende a "assustar" investimentos estrangeiros de países mais desenvolvidos.


5.2 A RELAÇÃO ENTRE BRASIL E BOLÍVIA NO SETOR DE HIDROCARBONETOS

As relações entre Brasil e Bolívia geralmente se desenvolveram dentro do setor de hidrocarbonetos, logo, alguns acordos foram firmados ao longo dos anos buscando a cooperação mútua entre os países, sobretudo em relação ao suprimento de petróleo e gás natural. Os mais importantes serão, a seguir, comentados.
O Tratado de Roboré, assinado em 1938, compreendia o Tratado sobre Vinculação Ferroviária e o Tratado sobre Saída e Aproveitamento do Petróleo Boliviano. Ao firmarem tal acordo, os países tinham por objetivo estreitar suas relações econômicas, promover a exploração conjunta do petróleo da Bolívia e o acesso desta aos portos brasileiros por meio de linha ferroviária. Em 1958, foram assinadas as Notas Reversais do Tratado de Roboré.
Destaque-se, ainda, que, por intermédio desse tratado, houve exigência boliviana sobre a criação de uma agência estatal brasileira que tratasse sobre o petróleo, surgiu, assim, o Conselho Nacional do Petróleo, o qual obteve o monopólio da exploração petrolífera até a criação da empresa estatal Petrobras, em 1953.
Em 1993, houve o Acordo de compra e venda do gás boliviano ao Brasil, com a finalidade de desenvolver os dois países e contribuir para a integração energética na América-latina. Conforme seus termos, a Petrobras (empresa brasileira) e a YPFB (empresa boliviana) acordaram o fornecimento de gás natural da Bolívia ao Brasil, inicialmente no volume de 8 milhões m³/dia, até alcançar 16 milhões m³/dia.
Ainda segundo o disposto no Acordo de compra e venda do gás boliviano ao Brasil, a Petrobras e a YPFB fixariam contrato para a participação daquela "nas atividades de exploração, produção, comercialização e transporte de hidrocarbonetos na Bolívia, assim como na distribuição de derivados de petróleo e gás natural no mercado interno boliviano" (DUARTE; SARAIVA; BONE, 2007).
No Governo Fernando Henrique Cardoso (Brasil), em 1996, houve o acordo dos termos finais do contrato, que previa o fornecimento de gás ao Brasil por vinte anos, no volume máximo de 30 milhões de m³/dia. As partes ainda pactuaram a construção de um gasoduto de 3.150 km ligando ambos os países.
Importa frisar que, desde a Carta de Intenções sobre o Processo de Integração Energética entre Bolívia e Brasil, assinada em 1993, já havia previsão da construção do gasoduto Bolívia-Brasil, contudo sua eficácia estava condicionada à obtenção de financiamento. Com isso, somente em 1997 foram assinados os contratos de construção e montagem do gasoduto (DUARTE; SARAIVA; BONE, 2007).
Por fim, cabe ressaltar que a Petrobras tornou-se, também, proprietária de duas refinarias bolivianas (Refinaria Guillermo Elder Bell e Refinaria Gualberto Vilarroel) no ano de 1999. As refinarias foram vendidas à YPFB, no ano de 2007, após a nacionalização do setor de hidrocarbonetos.


5.3 A NACIONALIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS EM 2006

Em dezembro de 2005, o povo boliviano, já influenciado pela atmosfera neopopulista, provocada, principalmente, por Hugo Chávez, Presidente da Venezuela, elegeu como governante de sua nação Evo Morales, eleito com o recorde de 54% dos votos.
Desde sua candidatura, uma das promessas de Morales era a nacionalização do setor de hidrocarbonetos boliviano. O então Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afastando-se da diplomacia da neutralidade, apoiou abertamente sua candidatura, mesmo ciente que os investimentos da Petrobras naquele país seriam afetados no novo governo.
Em 1º de maio de 2006, o novo Presidente, por meio do Decreto Supremo n.º 28.701 (constante integralmente no Anexo A do presente trabalho), cumprindo seu juramento, nacionalizou todo o setor de hidrocarbonetos, passando-o ao controle da empresa estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB).
No Decreto "Heroes del Chaco", ficou estabelecido que o Estado boliviano, no exercício de sua soberania nacional, recuperava a posse e controle total e absoluto do setor de hidrocarbonetos do país, assim como seu transporte, industrialização, refino, distribuição e comercialização.

ARTICULO 1.- En ejercicio de la soberanía nacional, obedeciendo el mandato del pueblo boliviano expresado en el Referéndum vinculante del 18 de julio del 2004 y em aplicación estricta de los preceptos constitucionales, se nacionalizan los recursos naturales hidrocarburíferos del país.
El Estado recupera la propiedad, la posesión y el control total y absoluto de estos recursos.

ARTICULO 5.-
I. El Estado toma el control y la dirección de la producción, transporte, refinación, almacenaje, distribución, comercialización e industrialización de hidrocarburos en el país.
II. El Ministerio de Hidrocarburos y Energía regulará y normará estas actividades hasta que se aprueben nuevos reglamentos de acuerdo a Ley (BOLÍVIA. Decreto Supremo n.º 28.701. 2006).

Toda a produção de hidrocarbonetos realizada pelas empresas petroleiras instaladas no país deveria, obrigatoriamente, ser entregue à estatal YPFB, a qual definiria as condições, volumes e preços para o mercado interno, para exportação e industrialização.

ARTICULO 2.-
I. A partir del 1 de mayo del 2006, las empresas petroleras que actualmente realizan actividades de producción de gas y petróleo en el territorio nacional, están obligadas a entregar en propiedad a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos YPFB, toda la producción de hidrocarburos.
II. YPFB, a nombre y en representación del Estado, en ejercicio pleno de la propiedad de todos los hidrocarburos producidos en el país, asume su comercialización, definiendo las condiciones, volúmenes y precios tanto para el mercado interno, como para la exportación y la industrialización (BOLÍVIA. Decreto Supremo n.º 28.701. 2006).

Fixou-se o prazo de 180 dias para que as companhias estrangeiras se adaptassem aos novos critérios legais, firmando novos contratos nos termos do Decreto Supremo. As empresas que descumprissem esse requisito deveriam deixar a Bolívia.

ARTICULO 3.-
I Sólo podrán seguir operando en el país las compañías que acaten inmediatamente las disposiciones del presente Decreto Supremo, hasta que en un plazo no mayor a 180 días desde su promulgación, se regularice su actividad, mediante contratos, que cumplan las condiciones y requisitos legales y constitucionales. Al término de este plazo, las compañías que no hayan firmado contratos no podrán seguir operando en el país. [...] (BOLÍVIA. Decreto Supremo n.º 28.701. 2006).

Conforme o artigo 4º, do Decreto Supremo n.º 28.701, durante o período de transição, os campos cuja produção de gás natural no ano de 2005 foi superior a 2,8 milhões de m³/dia, teriam a distribuição do valor da produção da seguinte forma: 82% para o Estado e 18% para as companhias. Os campos cuja produção fosse inferior 2,8 milhões de m³/dia teriam mantidas suas distribuições, nos termos da determinação anterior, ou seja, 50%.

ARTICULO 4.-
I. Durante el período de transición, para los campos cuya producción certificada promedio de gas natural del año 2005 haya sido superior a los 100 millones de pies cúbicos diarios, el valor de la producción se distribuirá de la siguiente forma: 82% para el Estado (18% de regalías y participaciones, 32% de Impuesto Directo a los Hidrocarburos IDH y 32% a través de una participación adicional para YPFB), y 18% para las compañías (que cubre costos de operación, amortización de inversiones y utilidades).
II. Para los campos cuya producción certificada promedio de gas natural del año 2005 haya sido menor a 100 millones de pies cúbicos diarios, durante el período de transición, se mantendrá la actual distribución del valor de la producción de hidrocarburos (BOLÍVIA. Decreto Supremo n.º 28.701. 2006).

O artigo 4º determina, também, que as companhias sofreriam auditorias para verificação de seus investimentos.

ARTICULO 4.-
[...]
III. El Ministerio de Hidrocarburos y Energía determinará, caso por caso y mediante auditorias, las inversiones realizadas por las compañías, así como sus amortizaciones, costos de operación y rentabilidad obtenida en cada campo. Los resultados de las auditorias servirán de base a YPFB para determinar la retribución o participación definitiva correspondiente a las compañías en los contratos a ser firmados de acuerdo a lo establecido en el Artículo 3 del presente Decreto Supremo (BOLÍVIA. Decreto Supremo n.º 28.701. 2006).

As ações dos cidadãos bolivianos que formavam as empresas Chaco SA, Andina SA e Transredes SA, transferiram-se, gratuitamente, para a estatal YPFB. Essa passaria, também, a ter o controle da maioria das ações (ou seja, mínimo de 50% mais um) das empresas citadas acima e, ainda, da Petrobras Bolívia Refinación SA e da Compañia Logística de Hidrocaburos de Bolívia SA.

ARTICULO 6.-
I. En aplicación a lo dispuesto por el Artículo 6 de la Ley de Hidrocarburos, se transfieren en propiedad a YPFB, a título gratuito, las acciones de los ciudadanos bolivianos que formaban parte del Fondo de Capitalización Colectiva en las empresas petroleiras capitalizadas Chaco SA., Andina SA. y Transredes SA [...].

ARTICULO 7.-
I. El Estado, recupera su plena participación en toda la cadena productiva del sector de hidrocarburos.
II. Se nacionalizan las acciones necesarias para que YPFB controle como mínimo el 50% más 1 en las empresas Chaco SA., Andina SA., Transredes SA., Petrobras Bolivia Refinación SA. y Compañía Logística de Hidrocarburos de Bolivia SA [...]. (BOLÍVIA. Decreto Supremo n.º 28.701. 2006)

Todas as medidas acima expostas foram realizadas sem que houvesse qualquer tipo de indenização às empresas pelos prejuízos causados e lucros cessantes.
Considerando o disposto no Decreto Supremo n.º 28.701, observa-se que houve claro descumprimento de princípios norteadores das relações internacionais e da Organização Mundial do Comércio, assim como do Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (Acordo TRIMS), que compõe os tratados da OMC, todos expostos nos capítulos anteriores.
Especificamente, ao nacionalizar o setor de hidrocarbonetos, impondo diversas condições para a permanência das empresas estrangeiras, a Bolívia descumpriu o disposto no artigo 2º do Acordo TRIMS, além do princípio da boa-fé e da regra pacta sunt servanda.
Relembre-se que a Bolívia é membro da OMC, logo, aderiu a todos seus tratados e ao dever de respeitá-los, não havendo possibilidade de emendas ou reservas.
Ao nacionalizar os recursos naturais hidrocarboríferos do país e recuperar sua propriedade, posse e controle total e absoluto, o Governo boliviano descumpriu os contratos licitamente firmados com as empresas estrangeiras, as quais, ainda que auferindo lucro, contribuíram para o desenvolvimento nacional.
Conforme já exposto no Capítulo 3 do presente trabalho, o Acordo TRIMS, em seu artigo 2º, veda a utilização de restrições quantitativas. Entretanto, em total inobservância a esta regra, a Bolívia restringiu o lucro das empresas estrangeiras exploradoras do setor de hidrocarbonetos, ao determinar que, durante o período de transição, 82% do valor da produção seriam reservados ao Estado. No tempo anterior à nacionalização, a divisão era de 50%.
Ademais, no entendimento do Governo boliviano, os 18% restantes, que caberiam às empresas estrangeiras, seriam suficientes para cobrir os custos de operação, amortização de investimentos e lucros.
Considerando o porte das empresas instaladas, os investimentos realizados e a redução de 32% no recolhimento dos valores de suas produções, é ilusório pensar que a ação dos investidores estrangeiros não restou prejudicada.
O Estado, ao tomar o controle e direção da produção, transporte etc. dos hidrocarbonetos, impossibilitou, também, a operação das empresas estrangeiras sobre seus próprios investimentos. Como exemplo, cita-se a situação da Petrobras, que teve suas refinarias encampadas, inclusive invadidas pelo Exército boliviano, como mostra a notícia do site Folha.com: "Nesta segunda-feira, Morales invadiu com tropas do Exército uma instalação da Petrobras para anunciar a chamada ?nacionalização? da exploração do gás e do petróleo no país" (FOLHA ONLINE, 2006).
Com a adoção das medidas descritas no Decreto Supremo, houve uma brutal restrição à lucratividade.
Portanto, de forma autoritária e arbitrária, baseando-se no seu poder de soberania, que, no âmbito internacional, é relativizada justamente para permitir a relação pacífica entre os Estados, a Bolívia invocou normas internas para justificar o descumprimento dos contratos e do tratado internacional, ferindo assim o princípio da boa-fé e a regra pacta sunt servanda. A partir de tal ato, o país impediu que suas relações internacionais continuassem pautadas na segurança e respeito mútuo.
5.4 O IMPACTO DA NACIONALIZAÇÃO NA PETROBRAS

A Petrobras Bolívia foi criada em 1995, porém somente em 1996 iniciou suas operações e logo se tornou a maior empresa do país. De 1996 a 2004, os investimentos da Petrobras na modernização de refinarias, gasodutos, postos de combustíveis etc. somaram mais de US$ 1,5 bilhão. Isso possibilitou que se tornasse a maior contribuinte para as contas públicas da Bolívia, representando 18% do PIB boliviano, 20% dos investimentos diretos, 95% da capacidade de refino, 46% das reservas de gás, 24% da arrecadação total de impostos, 23% da distribuição de combustíveis, além de que era dona dos únicos campos de gás.
A atuação da empresa brasileira possibilitou o financiamento de melhorias da infraestrutura boliviana, o aumento de investimentos diretos e da arrecadação de impostos, a geração de emprego, visto que 95% dos empregados são bolivianos, além da formação de profissionais capacitados, dentre outros.
Enquanto a Petrobras iniciava a exploração de hidrocarbonetos na Tarija, o gasoduto que liga Bolívia e Brasil era construído (1997 a 2000). Tais fatos contribuíram para que a empresa brasileira passasse a operar toda a cadeia produtiva e comercial do gás natural, fato que só foi modificado com a nacionalização de 2006, quando o Estado tomou para si o controle total do setor de hidrocarbonetos.
Com a nacionalização, o Governo boliviano passou a ter o controle acionário da Petrobras, que, lembre-se, é sociedade de economia mista brasileira. No processo de nacionalização, além de contar com apoio militar, o Presidente Evo Morales acusou a Petrobras de explorar os recursos bolivianos de forma ilegal e auferir lucros abusivos (MEIRA, 2009).
Para se ajustar aos termos do Decreto Supremo 28701, o contrato entre a Petrobras foi modificado. A YPFB, conforme o novo contrato, tem a propriedade dos hidrocarbonetos, é o principal agente na comercialização destes, tem o poder de supervisionar as operações petroleiras, não participa dos investimentos e custos e recebe participação correspondente a um percentual variável.
Nos termos do contrato modificado, na ocorrência de eventuais conflitos será, por primeiro, tentada a solução amigável, ou, a arbitragem, de acordo com a Lei boliviana e conforme os procedimentos e Regulamento da Câmara de Comércio Internacional (BRASIL, 2006).
A partir das alterações, a Petrobras assumiria todos os riscos de suas operações petroleiras, teria garantida a operação dos principais campos fornecedores de gás natural ao Brasil, sua rentabilidade ultrapassaria 15% e seu "retorno financeiro (seria) definido em função da recuperação de custos, preços, volumes e investimentos" (DUARTE; SARAIVA; BONE, 2007).
O gráfico abaixo apresentado demonstra a evolução dos valores percebidos pela Petrobras ao longo de sua permanência na Bolívia. A partir da ilustração, é fácil perceber a disparidade ocasionada pelo novo regime de controle dos hidrocarbonetos.


Gráfico 1: Valores percebidos pela Petrobras conforme leis ou contrato.
Fonte: BRASIL, 2006. (Adaptado pela autora)

Além da perda da Petrobras sobre a propriedade dos hidrocarbonetos por ela produzidos, torna-se evidente seu prejuízo na participação efetiva dos lucros, já que sua rentabilidade, apesar de superior a 15%, diminuiu consideravelmente. Ademais, conforme dispõe o novo acordo, toda a cadeia de transporte e comercialização do gás natural passou à responsabilidade da YPBF.
Abaixo segue tabela de comparação entre o contrato antigo e o atual (BRASIL, 2006):


Contrato de Risco Compartilhado Contrato de operação (Novo)
Operador: Petrobras. Operador: Petrobras.
Comercialização:
 por meio da YPFB na exportação de gás para Brasil e Argentina.
 direta nos outros casos. Comercialização:
 por meio da YPFB.
Remuneração:
 recebimento de todos os ingressos pela Petrobras, que cobria todas as despesas e tributos. Remuneração:
 recebimento pela Petrobras da sua parcela das vendas, correspondente aos custos, depreciação e lucro.
 recebimento pela YPFB das parcelas correspondentes à sua participação, impostos, gastos com transporte.
Propriedade dos hidrocarbonetos: Petrobras. Propriedade dos hidrocarbonetos: YPFB.
Propriedade dos ativos: Petrobras
Transferência à YPFB no final do contrato. Propriedade dos ativos:
 Existente: Petrobras. Transferência à YPFB no final do contrato.
 Futuros: transferência à YPFB após depreciação.
Pagamento: totalidade dos recursos em conta da Petrobras. Pagamento: parcela dos recursos em conta da Petrobras.
Fiscalização:
 autoridades com poder de aprovar projetos de desenvolvimento, contratos de exportação e volumes. Prevalecia controle de preços do petróleo no mercado interno. Fiscalização:
 ampliação do nível de fiscalização e controle. YPFB passa a aprovar planos de trabalho, custos recuperáveis e processos licitatórios.
Solução de conflitos:
 arbitragem, sob Lei boliviana e conforme procedimentos e regulamento da câmara de comércio internacional (CCI), em La Paz.
 sentença arbitral submetida à verificação pela corte internacional de arbitragem da CCI.
 poder judiciário na Bolívia.
 tratado de proteção de investimentos Holanda-Bolívia. Solução de conflitos: inalterada.
Tabela 1: Comparação dos contratos firmados entre Petrobras e YPBF
Fonte: BRASIL, 2006.

Logo, apesar de "benéfico", já que a empresa continuará na Bolívia, é notório que o novo contrato trouxe inúmeros ônus, perceptíveis ao compará-lo ao contrato antigo, considerando que a lucratividade, a propriedade e controle dos hidrocarbonetos produzidos foram consideravelmente limitadas.
Frise-se, ainda, o aumento da participação e intervenção estatal no setor de hidrocarbonetos. O Governo, que atuava como fiscalizador, passou a interferir diretamente, participar e comandar exclusivamente algumas áreas da exploração de petróleo e gás natural, como a comercialização, por exemplo. Esse fato gerou insegurança dos investimentos estrangeiros.
O gráfico a seguir exposto demonstra a crescente participação governamental, desde a vigência da antiga Lei de Hidrocarbonetos, até as modificações contratuais:

Gráfico 2: Evolução da Participação governamental e outros impostos.
Fonte dos dados: BRASIL. Petrobras. Contrato..., 2006. (Adaptado pela autora)

Resta ressaltar, por fim, que o contrato firmado entre a Petrobras e a YPFB não exime a responsabilidade boliviana quanto ao descumprimento dos tratados e princípios do Direito Internacional comentados no tópico anterior.
































6 A RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

A Petrobras, conforme dispõe seu Estatuto Social, é sociedade de economia mista atuante sob o controle da União, que é sua sócia majoritária. Por ter essa natureza jurídica, faz parte da Administração Pública indireta.

Art. 1º A Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras é uma sociedade de economia mista, sob controle da União com prazo de duração indeterminado, que se regerá pelas normas da Lei das Sociedades por Ações (Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976) e pelo presente Estatuto.
Parágrafo único. O controle da União será exercido mediante a propriedade e posse de, no mínimo, cinquenta por cento, mais uma ação, do capital votante da Sociedade. (BRASIL, 199[?])

A Petrobras Bolívia é empresa integrante do grupo Petrobras, logo, também está vinculada ao Estado brasileiro.
Como já exaustivamente exposto no capítulo anterior, a nacionalização do setor de hidrocarbonetos na Bolívia acarretou o descumprimento de tratado internacional, do princípio da boa-fé, que rege as relações internacionais, e da regra pacta sunt servanda.
É evidente que o inadimplemento da obrigação de respeitar os princípios e normas internacionais gerou, contra a Bolívia, o dever de indenizar pelos prejuízos causados. Especificamente no caso da Petrobras, além de restrição de seus lucros, houve expropriação da maioria de suas ações, além da encampação de suas duas refinarias.
Após a nacionalização, nenhuma indenização foi paga à empresa brasileira, mesmo diante do valor dos investimentos já realizados naquele país e da contribuição máxima para o desenvolvimento nacional. As refinarias foram vendidas à YPFB, em 2007, após avaliação da Petrobras, conforme se verifica:

A partir da decisão do governo boliviano, em 1º de maio de 2006, de nacionalizar 50% mais uma das ações da PBR, a companhia passou a negociar uma indenização prévia e justa com as autoridades daquele país. A Petrobras condicionou sua permanência na sociedade à manutenção das suas políticas de segurança, saúde, meio-ambiente e recursos humanos na operação das refinarias.
[...]
À medida que as negociações avançaram tornou-se claro que a venda da totalidade das ações à YPFB seria a solução que melhor atenderia ao interesse das partes envolvidas, Petrobras e YPFB. (BRASIL, 2007)

Perceba-se que em momento algum se questiona o direito boliviano de ter a propriedade de seus recursos naturais, contudo, existente uma norma internacional, essa deve ser cumprida, ou, no caso de seu inadimplemento, a responsabilidade deve ser averiguada e os prejuízos compensados.
É notório que, com a nacionalização sem a devida indenização às empresas estrangeiras, houve enriquecimento ilícito da Bolívia, já que o país, conforme já afirmado, descumpriu normas internacionais e tratado do qual faz parte. O Governo boliviano aproveitou-se de toda a infraestrutura, tecnologia etc. das companhias privadas no setor de hidrocarbonetos para assumir seu controle, determinando, ainda, que ao Estado caberia maior parte dos valores obtidos pela exploração, comercialização, transporte, industrialização dos hidrocarbonetos.
Diante desse cenário de nacionalização e, por conseguinte, a direta intervenção estatal na economia e propriedade privada, supreendentemente, o Governo brasileiro, por meio de seu Presidente da República, apoiou, desde a candidatura de Evo Morales, a estatização do setor de hidrocarbonetos, mesmo estando ciente do prejuízo que tal ação causaria a uma empresa brasileira, da qual a União é sócia majoritária. Com a leitura da notícia abaixo citada, percebe-se claramente o apoio do Governo brasileiro:

Ao participar, em Belém, da cerimônia de encerramento do Encontro de Governadores da Frente Norte do Mercosul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a necessidade de os países maiores da região estarem dispostos a fazerem concessões aos países mais pobres e a não interferirem nos assuntos internos de outras nações. Ele usou esses argumentos para justificar a nacionalização do gás boliviano e defender o presidente da Venezuela, Hugo Chávez (grifo nosso) (MARRA, 2007).

Ademais, lembre-se que o Presidente da Bolívia, Evo Morales, afirmou que a Petrobras explorava os recursos bolivianos de forma ilegal, auferindo lucros abusivos. Assim, ainda depois de feitas menções desonrosas contra a empresa brasileira, o Presidente da República do Brasil continuou a sustentar a necessidade da nacionalização e seu apoio ao Governo boliviano.
O Presidente do Brasil, então, perante a nacionalização do setor hidrocarborífero, nada fez para buscar amenizar os prejuízos sofridos pela Petrobras no sentido de cobrar a devida indenização.
Ante o exposto, é necessário mencionar que, conforme o artigo 84 da Constituição Federal, é responsabilidade e competência do Presidente representar internacionalmente o país e manter relações com os outros Estados:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República. [...]
VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos (BRASIL, 1988).

Portanto, cabe ao Presidente atuar em favor dos interesses brasileiros perante as organizações internacionais, inclusive a Organização Mundial do Comércio, da qual o país é membro.
Dito isso, cabe lembrar que a OMC dispõe de órgão próprio para as soluções de controvérsias, ou seja, para discussões acerca de eventuais desrespeitos a seus tratados ou princípios basilares.
Ademais, o contrato originário entre a Petrobras e a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos previa forma própria para solução de conflitos. Em relação a esta disposição, ressalte-se que, considerando a autonomia da OMC, a apreciação ou julgamento de um conflito em outro foro não afasta sua competência.
Assim sendo, os prejuízos trazidos pela nacionalização provocada pelo Governo boliviano poderiam (e deveriam) ser discutidos internacionalmente pelo Órgão de Solução de Controvérsias, tendo em vista que ambos os países (Brasil e Bolívia) são membros da OMC. E, pelo constitucionalmente disposto, o Presidente da República do Brasil seria o agente competente para reclamar pela ocorrência do enriquecimento ilícito, contudo, omitiu-se.
Feitas essas considerações, devem ser analisadas as consequências jurídicas, nos termos das leis brasileiras, da omissão do Presidente, observando, ainda, sua responsabilização.
O Presidente da República, na qualidade de agente público, deve agir adstrito à legalidade e probidade administrativa.
Conforme explicado no Capítulo 4, a Lei tipifica inúmeras condutas infringentes a este dever do agente, dentre elas consta a permissão, facilitação ou concorrência para o enriquecimento ilícito de terceiro, por meio de ação ou omissão (ver tópico 4.2.1). Tal conduta caracteriza-se como ato de improbidade, nos termos da Lei n.º 8.429/1992.
A omissão presidencial facilitou o enriquecimento ilegal do Governo boliviano, e, por consequência, atingiu os interesses da Petrobras, sociedade integrante da Administração Pública indireta, logo, abarcada pela Lei de Improbidade Administrativa. Portanto, enquadra-se na conduta tipificada no artigo 10º, inciso XII, do mesmo diploma legal.
Conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as contas dos responsáveis por dinheiros, bens e valores das sociedades de economia mista mantidas pelo poder público federal são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União, assim como as contas daqueles que deram causa à perda ou prejuízo que acarretem dano ao erário.

MS 25092 / DF - DISTRITO FEDERAL
MANDADO DE SEGURANÇA
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO
Julgamento: 10/11/2005
Órgão Julgador: Tribunal Pleno

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA: FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. ADVOGADO EMPREGADO DA EMPRESA QUE DEIXA DE APRESENTAR APELAÇÃO EM QUESTÃO RUMOROSA. I. - Ao Tribunal de Contas da União compete julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (CF, art. 71, II; Lei 8.443, de 1992, art. 1º, I). II. - As empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da administração indireta, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não obstante os seus servidores estarem sujeitos ao regime celetista. (grifo nosso) III. - Numa ação promovida contra a CHESF, o responsável pelo seu acompanhamento em juízo deixa de apelar. O argumento de que a não interposição do recurso ocorreu em virtude de não ter havido adequada comunicação da publicação da sentença constitui matéria de fato dependente de dilação probatória, o que não é possível no processo do mandado de segurança, que pressupõe fatos incontroversos. IV. - Mandado de segurança indeferido (BRASIL. STF. 2005).

Depreende-se, assim, a importância da regularidade e probidade na administração dos interesses públicos, visto que as condutas são, inclusive, supervisionadas pelo Tribunal de Contas, órgão consultivo do Poder Legislativo no exercício de sua função fiscalizadora.
Considerando todo o exposto, por meio de simples raciocínio jurídico, é possível afirmar que a conduta do Presidente do Brasil configura-se como improbidade administrativa, ensejando, então, sua responsabilidade administrativa, já que o Governo brasileiro, sem que houvesse qualquer tipo de objeção, atendeu a todas as exigências bolivianas em detrimento aos interesses de seu próprio povo e de empresa mantida, também, pela União Federal. Permitiu, ainda, modificações nas bases do acordo anteriormente firmado, elevando exorbitantemente a participação estatal nas receitas geradas pela exploração de hidrocarbonetos, fato que restringiu o lucro da Petrobras.
O Decreto Supremo 28701, o qual nacionalizou o setor de hidrocarbonetos na Bolívia, deveria ter sido discutido intensivamente antes de qualquer modificação, e não simplesmente institucionalizado. E, diante da oposição boliviana quanto à flexibilização de suas decisões, em favor dos interesses brasileiros, por ser dever inerente ao seu cargo, o Presidente do Brasil deveria ter reclamado perante à Organização Mundial do Comércio sobre o descumprimento de tratado internacional e desrespeito aos princípios basilares dessa organização. Sua omissão permitiu, como já exposto, o enriquecimento ilícito da Bolívia à custa do prejuízo brasileiro.
Ratifique-se, ainda, que, conforme o já citado artigo 84 da Constituição Federal, cabe unicamente ao Presidente da República representar os interesses do país em âmbito internacional, em sua ausência, somente ele poderá delegar poderes a quem o faça. Logo, ante sua omissão em reclamar pelo descumprimento de tratado internacional na OMC, que gerou enriquecimento ilícito da Bolívia em detrimento do patrimônio da Petrobras, não há como deixar de enquadrá-lo no disposto no artigo 10º, inciso XII, da Lei de Improbidade Administrativa.
Ademais, o procurador federal, estadual, autárquico, dentre outros, incumbido de agir em prol dos órgãos integrantes da Administração Pública (inclusive sociedade de economia mista), que deixar de buscar a reparação de danos causados ao erário, incorre em ato de improbidade administrativa, já que houve efetivo prejuízo. Assim sendo, se tais agentes podem ser responsabilizados nos termos da Lei 8.429/1992, não há por que não responsabilizar o Presidente da República pela mesma conduta.
Quanto à discussão acerca da possibilidade da responsabilização do Presidente por ser agente político e ter regime de responsabilidade próprio, essa já foi suficientemente analisada. Contudo, para o melhor esclarecimento, recorde-se que o direito brasileiro adota o sistema de pluralidade de instâncias, concorrentes e independentes, para repressão da improbidade administrativa; assim, o regime de responsabilidade próprio dos agentes políticos não impede a responsabilização administrativa.
Aos que não se filiam a esse entendimento, basta afirmar que a conduta tipificada no artigo 10º, inciso XII, da Lei n.º 8.429, não se caracteriza como crime de responsabilidade, portanto, não haveria concorrência entre os regimes.



















7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluída a análise do objeto do presente trabalho, em uma síntese dos conhecimentos obtidos ao longo das pesquisas necessárias para a realização desta monografia, enfatiza-se a responsabilidade administrativa presidencial, ao ceder a decisões políticas em detrimento dos interesses e regras pátrios.
A responsabilidade internacional do Estado é conferida a partir de três elementos: a prática de um ato ilícito, o dano e o nexo causal.
No caso concreto discutido no presente trabalho, a nacionalização do setor de hidrocarbonetos na Bolívia e suas consequências para a Petrobras, verifica-se, claramente, a presença de todos os elementos autorizadores para a constituição da responsabilidade internacional daquele país.
O Presidente da Bolívia, por meio do Decreto Supremo 28.701, estatizou a industrialização, refino, distribuição e exploração dos hidrocarbonetos, passando o seu controle total à Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), empresa estatal boliviana. Além disso, impôs inúmeras condições para a permanência de empresas estrangeiras no país, tais como: a entrega de toda a produção de hidrocarbonetos à YPBF; a adaptação das companhias estrangeiras às novas normas no prazo máximo de 180 dias, sob pena de deixarem a Bolívia; a restrição na exportação, a ser regulada pela YPBF; a diminuição do lucro; a nacionalização de pelo menos 50% das ações das empresas estrangeiras, dentre outras determinações.
A adoção dessas medidas restritivas feriu o Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio, que promove, no artigo 2º, a eliminação de restrições quantitativas. Ademais, a Bolívia, como membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), desrespeitou o princípio da boa-fé e a regra pacta sunt servanda, basilares nas relações internacionais, por não cumprir os contratos anteriormente firmados e, ainda, alterá-los fazendo prevalecer somente os interesses bolivianos, como já exposto no decorrer do trabalho. Portanto, percebe-se a existência do ato ilícito.
A nacionalização causou inúmeros prejuízos à Petrobras, como: a priori, o Governo boliviano passou a ter o controle acionário da Petrobras Bolívia; o Presidente Evo Morales acusou a empresa brasileira de explorar ilegalmente os recursos bolivianos; o contrato anteriormente firmado foi alterado, e, a partir dessa alteração, a rentabilidade da Petrobras foi reduzida; ademais, como já exposto, a cadeia de transporte e comercialização dos hidrocarbonetos passou à responsabilidade da YPBF. Dessa forma, comprova-se a ocorrência de dano.
O nexo causal é a relação de causa e efeito entre a conduta e o dano. Ele resta comprovado, no presente caso, por meio da simples eliminação hipotética, ou seja, afastando-se mentalmente a nacionalização (conduta do Governo boliviano), verifica-se que os prejuízos da Petrobras não existiriam. Logo, a estatização é considerada causa do dano.
Assim, caracterizada a responsabilidade da Bolívia, sua conduta ensejaria a reparação dos danos causados por meio de indenização, o que nunca ocorreu.
Conforme já exposto, o Brasil, como membro da OMC, poderia reclamar internacionalmente, perante o Órgão de Solução de Controvérsias, os prejuízos sofridos em decorrência de descumprimento de tratado internacional, requerendo justa indenização.
Em relação a essa reclamação, cabe ressaltar que, nos termos do artigo 84 da Constituição Federal, o Presidente da República é o único representante legítimo dos interesses brasileiros no cenário internacional, inclusive perante a OMC. Em caso de impossibilidade, somente ele poderá delegar esse poder a outrem.
Portanto, a conduta escorreita do Presidente brasileiro ante à nacionalização, como já mencionado, seria buscar indenização pelos danos sofridos pela Petrobras na OMC, principalmente considerando que o sócio majoritário dessa empresa é o Governo brasileiro e que Bolívia e Brasil são membros da organização citada. Contudo, omitiu-se.
Como agente público, o Presidente deve respeitar o dever de agir de acordo com o princípio da probidade administrativa, sob pena de ser responsabilizado, nos termos da Lei n.º 8.429/1992.
A Lei de Improbidade Administrativa dispõe, no artigo 10º, inciso XII, que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário a omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial de sociedade de economia mista (um das entidades previstas no artigo 1º, da legislação, por fazer parte da Administração Pública indireta), e, notadamente, permitir que terceiro enriqueça-se ilicitamente.
A Bolívia, ao nacionalizar o setor de hidrocarbonetos e modificar todas as bases contratuais que regulavam sua relação com a Petrobras, com certeza enriqueceu ilicitamente, visto que, por meio de descumprimento de tratado internacional e desrespeito a princípio e regra norteadores das relações internacionais (o que confere o caráter ilícito do ato), a empresa estatal YPBF passou a ser responsável por toda a cadeia econômica da exploração de hidrocarbonetos.
Ao omitir-se diante da nacionalização, é evidente que o Presidente da República do Brasil facilitou o enriquecimento ilícito da Bolívia, posto que uma eventual reclamação brasileira provocaria o pagamento de indenização pelos prejuízos ocasionados. Inclusive, a conduta presidencial enseja a exclusão da responsabilidade internacional boliviana, por prescrição deliberatória.
Dessa forma, o Presidente brasileiro incorreu na tipificação no artigo 10º, inciso XII, da Lei n.º 8.429/1992. Logo, deveria ser responsabilizado, nos termos da legislação retrocitada, pois sua conduta foi contra a probidade administrativa, foi ímproba.





















REFERÊNCIAS


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ANEXO












ANEXO A ? DECRETO DE NACIONALIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS NA BOLÍVIA

DECRETO SUPREMO Nº 28.701

EVO MORALES AYMA
PRESIDENTE CONSTITUCIONAL DE LA REPUBLICA

"II HEROES DEL CHACO"

CONSIDERANDO:

Que en históricas jornadas de lucha, el pueblo ha conquistado a costa de su sangre, el derecho de que nuestra riqueza hidrocarburífera vuelva a manos de la nación y sea utilizada en beneficio del país.

Que en el Referéndum Vinculante de 18 de julio de 2004, a través de la contundente respuesta a la pregunta 2, el pueblo ha decidido, de manera soberana, que el Estado Nacional recupere la propiedad de Todos los hidrocarburos producidos en el país.

Que de acuerdo alo expresamente dispuesto en los Artículos 136, 137 y 139 de la Constitución Política del Estado, los hidrocarburos son bienes nacionales de domínio originario, directo, inalienables e imprescriptibles del Estado, razón por la que constituyen propiedad pública inviolable.

Que por mandato del inciso 5 del Articulo 59 de la Constitución Política del Estado, los contratos de explotación de riquezas nacionales deben ser autorizados y aprobados por el Poder Legislativo, criterio reiterado en la sentencia del Tribunal Constitucional N0 00 19/2005 de 7 de marzo de 2005.

Que esta autorización y aprobación legislativa constituye fundamento del contrato de explotación de riquezas nacionales por tratarse del consentimiento que otorga la nación, como propietaria de estas riquezas, a través de sus representantes.

Que las actividades de exploración y producción de hidrocarburos se están llevando adelante mediante contratos que no han cumplido con los requisitos constitucionales y que violan expresamente los mandatos de la Carta Magna al entregar la propiedad de nuestra riqueza hidrocarburífera a manos extranjeras.

Que ha expirado el plazo de 180 días, señalado por el Articulo 5 de la Ley N0 3058 de 17 de mayo de 2005 Ley de Hidrocarburos, para la suscripción obligatoria de nuevos contratos.

Que el llamado proceso de capitalización y privatización de Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos - YPFB ha significado no sólo un grave daño económico al Estado, sino además un acto de traición a la patria al entregar a manos extranjeras el control y la dirección de un sector estratégico, vulnerando la soberanía y la dignidad nacionales.

Que de acuerdo a los Artículos 24 y 135 de la Constitución Política del Estado, todas las empresas establecidas en el país se consideran nacionales y están sometidas a la soberanía, leyes y autoridades de la República.

Que es voluntad y deber del Estado y del Gobierno Nacional, nacionalizar y recuperar la propiedad de los hidrocarburos, en aplicación a lo dispuesto por la Ley de Hidrocarburos.

Que el Pacto Internacional de los Derechos Civiles y Políticos, como también el Pacto de los Derechos Económicos y Culturales, suscritos el 16 de diciembre de 1966, determinan que: ? todos los pueblos pueden disponer libremente de sus riquezas y recursos naturales, sin perjuicio de las obligaciones que derivan de la cooperación económica internacional basada en el principio del beneficio reciproco, así como del derecho internacional. En ningún caso podrá privarse a un pueblo de sus propios medios de subsistência

Que Bolivia ha sido el primer país del Continente en nacionalizar sus hidrocarburos, en el año 1937 a la Standar Oil Co., medida heroica, que se tomó nuevamente en el año 1969 afectando a la Gulf Oil, correspondiendo a la generación presente llevar adelante la tercera y definitiva nacionalización de su gas y su petróleo.

Que esta medida se inscribe en la lucha histórica de las naciones, movimentos sociales y pueblos originarios por reconquistar nuestras riquezas como base fundamental para recuperar nuestra soberanía.

Que por lo expuesto corresponde emitir la presente disposición, para llevar adelante la nacionalización de los recursos hidrocarburíferos del país.


EN CONSEJO DE MINISTROS

DECRETA:

ARTICULO 1.- En ejercicio de la soberanía nacional, obedeciendo el mandato del pueblo boliviano expresado en el Referéndum vinculante del 18 de julio del 2004 y em aplicación estricta de los preceptos constitucionales, se nacionalizan los recursos naturales hidrocarburíferos del país.
El Estado recupera la propiedad, la posesión y el control total y absoluto de estos recursos.

ARTICULO 2.-
I. A partir del 1 de mayo del 2006, las empresas petroleras que actualmente realizan actividades de producción de gas y petróleo en el territorio nacional, están obligadas a entregar en propiedad a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos YPFB, toda la producción de hidrocarburos.

II. YPFB, a nombre y en representación del Estado, en ejercicio pleno de la propiedad de todos los hidrocarburos producidos en el país, asume su comercialización, definiendo las condiciones, volúmenes y precios tanto para el mercado interno, como para la exportación y la industrialización.

ARTICULO 3.-
I Sólo podrán seguir operando en el país las compañías que acaten inmediatamente las disposiciones del presente Decreto Supremo, hasta que en un plazo no mayor a 180 días desde su promulgación, se regularice su actividad, mediante contratos, que cumplan las condiciones y requisitos legales y constitucionales. Al término de este plazo, las compañías que no hayan firmado contratos no podrán seguir operando en el país.

II. Para garantizar la continuidad de la producción, YPFB, de acuerdo a directivas del Ministerio de Hidrocarburos y Energía, tomará a su cargo la operación de los campos de las compañías que se nieguen a acatar o impidan el cumplimiento de lo dispuesto en el presente Decreto Supremo.

III. YPFB no podrá ejecutar contratos de explotación de hidrocarburos que no hayan sido individualmente autorizados y aprobados por el Poder Legislativo en pleno cumplimiento del mandato del inciso 5 del Artículo 59 de la Constitución Política del Estado.

ARTICULO 4.-
I. Durante el período de transición, para los campos cuya producción certificada promedio de gas natural del año 2005 haya sido superior a los 100 millones de pies cúbicos diarios, el valor de la producción se distribuirá de la siguiente forma: 82% para el Estado (18% de regalías y participaciones, 32% de Impuesto Directo a los Hidrocarburos IDH y 32% a través de una participación adicional para YPFB), y 18% para las compañías (que cubre costos de operación, amortización de inversiones y utilidades).

II. Para los campos cuya producción certificada promedio de gas natural del año 2005 haya sido menor a 100 millones de pies cúbicos diarios, durante el período de transición, se mantendrá la actual distribución del valor de la producción de hidrocarburos.

III. El Ministerio de Hidrocarburos y Energía determinará, caso por caso y mediante auditorias, las inversiones realizadas por las compañías, así como sus amortizaciones, costos de operación y rentabilidad obtenida en cada campo. Los resultados de las auditorias servirán de base a YPFB para determinar la retribución o participación definitiva correspondiente a las compañías en los contratos a ser firmados de acuerdo a lo establecido en el Artículo 3 del presente Decreto Supremo.

ARTICULO 5.-
I. El Estado toma el control y la dirección de la producción, transporte, refinación, almacenaje, distribución, comercialización e industrialización de hidrocarburos en el país.

II. El Ministerio de Hidrocarburos y Energía regulará y normará estas actividades hasta que se aprueben nuevos reglamentos de acuerdo a Ley.

ARTICULO 6.-
I. En aplicación a lo dispuesto por el Artículo 6 de la Ley de Hidrocarburos, se transfieren en propiedad a YPFB, a título gratuito, las acciones de los ciudadanos bolivianos que formaban parte del Fondo de Capitalización Colectiva en las empresas petroleiras capitalizadas Chaco SA., Andina SA. y Transredes SA.

II. Para que esta transferencia no afecte el pago del BONOSOL, el Estado garantiza la reposición de los aportes por dividendos, que estas empresas entregaban anualmente al Fondo de Capitalización Colectiva.

III. Las acciones del Fondo de Capitalización Colectiva que están a nombre de las Administradoras de Fondos de Pensiones en las empresas Chaco SA., Andina SA. Y Transredes SA. serán endosadas a nombre de YPFB,

ARTICULO 7.-
I. El Estado, recupera su plena participación en toda la cadena productiva del sector de hidrocarburos.

II. Se nacionalizan las acciones necesarias para que YPFB controle como mínimo el 50% más 1 en las empresas Chaco SA., Andina SA., Transredes SA., Petrobras Bolivia Refinación SA. y Compañía Logística de Hidrocarburos de Bolivia SA.

III. YPFB nombrará inmediatamente a sus representantes y síndicos en los respectivos directorios y firmará nuevos contratos de sociedad y administración en los que se garantice el control y la dirección estatal de las actividades hidrocarburíferas en el país.

ARTICULO 8.-
En 60 días, a partir de la fecha de promulgación del presente Decreto Supremo y dentro del proceso de refundación de YPEB, se procederá a su reestructuración integral, convirtiéndola en una empresa corporativa, transparente, eficiente y con control social.

ARTICULO 9.-
En todo lo que no sea contrario a lo dispuesto en el presente Decreto Supremo, se seguirán aplicando los reglamentos y normas vigentes a la fecha, hasta que sean modificados de acuerdo a ley.

Los Señores Ministros de Estado, el Presidente de YPFB y las Fuerzas Armadas de la Nación, quedan encargados de la ejecución y cumplimiento del presente Decreto Supremo.

Es dado en el Palacio de Gobierno de la ciudad de La Paz, al primer día del mes de mayo del año dos mil seis.

FDO. EVO MORALES AYMA. David Choquehuanca Céspedes, Juan Ramón Quintana Taborga, Alicia Muñoz Alá, Walker San Miguel Rodríguez, Carlos Villegas Quiroga, Luis Alberto Arce Catacora, Abel Mamani Marca, Celinda Sosa Lunda, Salvador Ric Riera, Hugo Salvatierra Gutiérrez, Andrés Solíz Rada, Walter Villarroel Morochi, Santiago Alex Gálvez Mamani Ministro de Trabajo e Interino de Justicia, Félix Patzi Paco, Nila Heredia Miranda.