A possibilidade da denunciação per saltum nos casos de evicção[1]

Camila Maria de Carvalho e Silva Costa[2]

Christian Barros[3]

 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Aspectos gerais da denunciação da lide; 3. A chamada denunciação per saltum e sua incidência nos casos de evicção; 3.1. Noções sobre o instituto da evicção; 3.2. Denunciação per saltum: conflito entre o direito material e o direito processual; 3.3. Correntes doutrinárias e posições jurisprudenciais; 4. Considerações finais; Referências.

RESUMO

Aborda, primeiramente, conceitos de denunciação da lide, as hipóteses em que ocorre, obrigatoriedade, procedimento, entre outras características gerais. A seguir, segue uma análise acerca da denunciação da lide nas hipóteses de evicção, trazendo à tona a nova modalidade de denunciação per saltum, apresentando seus conceitos e características. Por fim, destaca-se o conflito existente entre direito material e direito processual, com o apoio de doutrinas e jurisprudências, e tentativa de solução para o caso.

 

Palavras-chave: Denunciação da lide. Evicção. Denunciação sucessiva. Denunciação coletiva. Denunciação per saltum.

 

INTRODUÇÃO

A partir do tema proposto, buscou-se abordar em que consiste a intervenção de terceiro em questão, chamada de denunciação da lide, e suas características gerais, bem como entendimentos derivados de renomados autores; a questão da obrigatoriedade exigida no próprio artigo concernente a esta modalidade, a qual, para alguns, é uma terminação erroneamente utilizada no texto normativo; pontos positivos desta modalidade e sua influência no andamento do processo; peculiaridades e as três hipóteses em que ocorre, para, então, aprofundar-se em uma destas e iniciar a exploração específica.

Dessa forma, o presente trabalho tem como finalidade a análise do conflito entre o direito material em seu artigo 456 e o direito processual em seus artigos 70 e 73. Realizar-se á um aprofundamento acerca da nova modalidade de denunciação por saltos em hipótese de evicção, decorrente do novo dispositivo do Código Civil em oposição ao Código de Processo Civil, apresentando divergências doutrinárias acerca de sua legitimidade e precedentes jurisprudenciais para reforçar a possível decisão favorável à aceitação da denunciação per saltum.

  1. 1.   Aspectos gerais da denunciação da lide

O artigo 70 do nosso Código de Processo Civil (CPC) prevê a denunciação da lide como sendo a possibilidade da inclusão de um terceiro no processo para fins indenizatórios. Segundo Marinoni e Mitidiero (2008), por meio desta modalidade de intervenção, o terceiro é chamado para integrar a demanda “auxiliando o denunciante, ao mesmo tempo que contra esse mesmo terceiro se propõe uma demanda de regresso para a eventualidade de o denunciante sucumbir na causa”. Dessa forma, coexistirão, no mesmo processo, duas lides que serão processadas simultaneamente e apreciadas na mesma sentença. (NERY, 2010).

Cássio Scarpinella Bueno, por sua vez, leciona que:

A denunciação da lide é, portanto, verdadeira ação de regresso eventual ajuizada pelo autor (quando propõe a ação) ou pelo réu (no prazo de defesa) contra terceiro que, por disposição da lei ou de contrato, tem responsabilidade de lhe assegurar determinado proveito econômico. (SCARPINELLA BUENO, 2008)

Logo, o objetivo imediato da denunciação da lide é permitir o exercício, pelo denunciante, no mesmo processo, de uma pretensão regressiva contra aquele que, pela lei ou pelo contrato, está obrigado a garantir sua posição jurídica. (MARINONI; MITIDIERO, 2008)

Assim, a denunciação da lide, em última análise, contribui para a celeridade e a processual, corolários do princípio da razoável duração do processo, insculpido no art 5º, LXXVIII da Constituição Federal, o qual dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Consoante diverte Dinamarco (2009), a terminologia adotada no CPC é a mais correta, pois “denuncia-se a lide a alguém, ou seja, leva-se a alguém a notícia da causa pendente”. Logo, a expressão denunciação à lide adotada por alguns autores é equivocada do ponto de vista técnico.

Ao contrário do chamamento ao processo, a denunciação da lide pode ser manejada tanto pelo autor, quanto pelo réu. Nas hipóteses em que é requerida pelo autor, deve ser feita na petição inicial, momento em que se formará entre o réu e o denunciado um “litisconsórcio eventual inicial”. Por outro lado, se o denunciante for o réu, a denunciação deve ser feita no prazo para a defesa. (DIDIER, 2010).

De acordo com Fredie Didier Jr. (2010), a denunciação da lide apresenta as seguintes características: a) incidente, porque ocorre quando o processo já se iniciou, tratando-se de “hipótese de ampliação objetiva ulterior”, havendo, a partir de então, relação entre o autor e o denunciante e entre este e o denunciado; b) regressiva, pois, como visto, a denunciação visa a garantir o direito de regresso do denunciante, que pretende ser ressarcido pelo denunciado caso sofra prejuízos na demanda principal; c) eventual, porque está condicionada à demanda principal que lhe dá suporte, ou seja, o pleito regressivo só será examinado se o denunciante perder (sucumbir) para o autor na lide principal (realmente, se o denunciante fosse vencedor, não teria motivos para requerer ação regressiva em face do seu denunciado, que sequer seria analisada); d) antecipada, por ser uma forma do denunciante se precaver diante da decisão do processo principal, a fim de assegurar o seu ressarcimento perante o denunciado.

Denunciar a lide a alguém não é senão trazer esse alguém para o processo, por força de garantia prestada, ou em razão de direito regressivo existente em face dessa pessoa; aproveita o denunciante do mesmo processo para exercer a ação de garantia ou a ação de regresso em face do denunciado; visa, pois, a dois objetivos: vincular o terceiro ao quanto decidido na causa e a condenação do denunciado à indenização. (DIDIER JR., 2010, p. 367)

Nesse sentido, adverte ainda Scarpinella Bueno (2008) que a denunciação é “uma verdadeira ação de regresso antecipada, para a eventualidade de sucumbência do denunciante”.

O artigo 70 do Código Processual brasileiro, ao tratar da denunciação da lide, estabelece três hipóteses para que ela ocorra, nestes termos:

Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção Ihe resulta;

II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;

III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

Para Dinamarco (2009, p. 155) o que ocorre, na verdade, é uma “falsa obrigatoriedade”, uma vez que o artigo 70 do CPC, ao estabelecer as hipóteses acima, conduz ao pensamento de que haja tal obrigação da denunciação ao alienante. No entanto, o referido autor afirma que se trata de um “ônus absoluto”, ou seja, uma incumbência atribuída à parte, sem o exercício da qual esta sofreria prejuízos, como a perda da ação regressiva contra o alienante naquele mesmo processo.

Corroborando esse ponto de vista, Didier Jr. (2010, p. 367) pontua que o indivíduo, ao denunciar, estará exercitando o seu direito de ação, o que não constitui um dever, logo, na verdade, a denunciação é facultativa. Para este autor, também se trata de um ônus processual, à medida que, não denunciando, a parte não poderá utilizar daquele mesmo processo para exercer sua ação regressiva; sendo assim, caberá a ela decidir se pretende ou não valer-se desse direito.

Fixados as noções supra, passa-se à análise da denunciação da lide nos casos de evicção, prevista no inciso I do artigo 70.

  1. 2.   A chamada denunciação per saltum e sua incidência nos casos de evicção

2.1.  Noções sobre o instituto da evicção

A evicção ocorre sempre que o adquirente, em contratos onerosos, perder a coisa, total ou parcialmente, em decorrência de decisão judicial. Deverá este adquirente denunciar a lide ao alienante, solicitando uma indenização. “Evicção é uma figura jurídica que nos remete à ideia de perda”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011)

Inicia-se com o litígio entre autor e réu, no qual o primeiro reivindica algo que está sob a posse do segundo, este último, por sua vez, na posição de denunciante, tem a faculdade de chamar para o processo, com pretensão regressiva, um terceiro chamado de alienante (ou denunciado).

De acordo com Maria Helena Diniz (2003), há três requisitos para que ocorra a evicção: a) que exista a aquisição de um bem, pois, para que configure a evicção, é necessário que a aquisição ocorra cronologicamente à perda da coisa; b) que haja perda da posse ou da propriedade alienada; c) que tenha prolação de sentença judicial reconhecendo a evicção.

Para Alexandre Câmara (2002), a denunciação da lide em casos de evicção é importante para aquele que, na relação processual, “vê questionado seu direito de propriedade sobre um bem que lhe foi transferido por terceiro”.

É obrigação do alienante não só entregar a coisa àquele que a adquiriu, como também garantir a este o uso pacífico daquela, sem a possibilidade de que um terceiro venha reivindicá-la. É por conta da concretização dessa possibilidade que o alienante deve, também, resguardar o adquirente dos riscos da evicção, caso a coisa venha a ser perdida em razão de decisão judicial. (DINIZ, 2003)

Em razão da evicção, pode o adquirente denunciar a lide àquele que alienou a coisa para integrar no processo, passando a existir, assim, um novo processo dentro do já existente. Caso não denuncie, pode aquele perder o direito de ação regressiva dentro daquela mesma demanda inicial. Já para Nelson Nery Jr. (2010), sequer pode ser “admissível no sistema de direito positivo brasileiro o ajuizamento de ação autônoma de evicção por quem foi parte no processo em que ela ocorreu”.

2.2.  Denunciação per saltum: conflito entre o direito material e o direito processual

O art. 73 do CPC, ao dispor sobre a denunciação da lide, dispõe que o denunciado tem a possibilidade de denunciar a terceiro e assim sucessivamente. Ou seja, o referido artigo propõe uma ideia de denunciação sucessiva, na qual o adquirente denuncia o alienante imediato; este, por sua vez, denuncia quem lhe alienou o bem e assim por diante.

Esse dispositivo foi concebido sob a égide do antigo artigo 1.116 do Código Civil de 1916, o qual preconizava que: “para poder exercitar o direito, que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante, quando e como lhe determinarem as leis do processo”. Como se percebe, o dispositivo anterior do direito material restringia-se à hipótese de denunciação do alienante imediato, sem prever nenhuma providência quanto aos demais. (SCARPINELLA BUENO, 2008).

 Contudo, o art. 456 do Código Civil de 2002 inovou no tratamento da matéria, passando a admitir que o adquirente promova a denunciação da lide aos alienantes mediatos, com quem, a priori, não teria relação jurídica. Eis o teor do referido dispositivo: “para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo.”

Essa nova modalidade é denominada, na doutrina, de denunciação per saltum, isto é, por saltos, sem obedecer a rígida sucessividade prevista no art. 73 do CPC e permitindo que, além dos alienantes imediatos, possam ser citados os outros alienantes da cadeia dominial.

O CC 456 autoriza o adquirente a denunciar a lide ao alienante imediato, com quem ele tem relação jurídica convencional, como também a qualquer outro alienante que conste na cadeia de alienação. Neste último caso ocorre a denunciação da lide per saltum, por força da sub-rogação legal constante do CC 456: o adquirente se sub-roga nos direitos de qualquer dos demais adquirentes da cadeia de alienação no que tange ao exercimento dos direitos que decorrem da evicção. (NERY JR., 2010)

O Código Civil teria permitido que o evicto possa demandar em face de quem não tem qualquer relação jurídica. Para Didier Jr. (2010), tratar-se-ia de uma “legitimação extraordinária”, na qual um “alienante mediato estaria em juízo discutindo relação jurídica do alienante imediato”. Ideia que pode ser complementada por Scarpinella Bueno ao dizer que:

A hipótese, posto que adstrita aos casos de evicção, afina-se à idéia de legitimação extraordinária. Em juízo estará alguém (o alienante) litigando, em nome próprio, por direito alheio (do adquirente ou, mais amplamente, dos diversos componentes, senão de todos, da cadeia dominial). (SCARPINELLA BUENO, apud, D’AGUIAR, 2005)

Não há hierarquia, tampouco especialidade, entre o direito material do artigo 456 e o direito processual do artigo 73, há uma questão de instrumentalidade, sendo necessário perceber que este nosso dispositivo do Código Civil buscou regular o dispositivo do CPC, que exigia uma denunciação sucessiva. Consoante Scarpinella Bueno (2008), “o artigo 73 do CPC, em última análise, é alimentado pela nova regra de direito civil”. Sob o mesmo aspecto, Theodoro Jr. (2008), afirma que, uma vez que houve a inovação do artigo 456 do Código Civil, não pode o direito processual contrariá-lo levando em consideração o conteúdo de um dispositivo que já fora revogado. Em suas palavras: “ao direito processual não cabe complicar, na atuação prática, um problema que o direito material já solucionou”.

Caberá apenas ao direito processual servir de instrumento e se adequar aos moldes do direito material, complementando Dinamarco (2009) que a denunciação per saltum é tão somente uma “projeção processual dessa regra substancial”.

 

2.3.  Correntes doutrinárias e posições jurisprudenciais

Por se tratar de um assunto inovador, a denunciação da lide per saltum é cerceada de correntes doutrinárias relativas à sua legitimidade.

Para Athos Gusmão Carneiro (2010), com a denunciação sucessiva, estabelecida no artigo 73 do CPC, haveria “risco de eternização do processo”, em que a espera pela denunciação de todos os alienantes da cadeia, gradualmente, até que se encontrasse o verdadeiro responsável causaria um atraso ao andamento do processo. Para o autor, acabaria corroborando para uma “demasiada demora no andamento do feito, com evidente prejuízo à parte adversa ao denunciante originário”.

Outra corrente, como forma de evitar os problemas oriundos da modalidade de denunciação supracitada, entende de outra forma. Crê na denunciação coletiva, a qual se estabelece como o procedimento pelo qual o denunciante tem a possibilidade de citar, conjuntamente, todos os alienantes; o que abreviaria o processo, contribuindo para a celeridade processual, uma vez que evita que se aguarde a denunciação de cada alienante por vez. Permite a denunciação “não somente ao alienante como igualmente, na mesma ocasião, a todos os antecessores na cadeia dominial. Seria facultado, assim, o chamamento conjunto de todos os anteriores proprietários, e não apenas o chamamento gradual previsto na lei”. (ARAGÃO, apud, CARNEIRO, 2010)

Há quem fale ainda, com linha tênue separando da denunciação coletiva, em solidariedade passiva. Como diria Theodoro Jr., (apud, CARNEIRO, 2010), confere-se ao adquirente o direito de avançar a cadeia de alienação na escolha de um alienante mediato, instituindo uma solidariedade passiva entre este, seus antecedentes e o evicto, permitindo ao adquirente cobrar a indenização de qualquer dos denunciados.

Para nós, a denunciação coletiva não pode ser admitida, sob pena de tumultuar-se o feito com a citação de denunciados que em tese, não possuem o dever de indenizar o denunciante caso venha a ser derrotado na ação originária, por não possuírem, com ele relação direta. Entendemos assim que todos podem ser notificados para ingressarem como assistentes, caso o queiram. (NOGUEIRA, 2004, apud, D’AGUIAR, 2005, p. 27)

Em crítica à solidariedade, Flávio Yarshell (apud, DIDIER JR., 2010, p. 374) afirma que não se pode falar em “diferentes responsáveis pelo vício”, uma vez que o responsável por este seria aquele que alienou a coisa sem poder fazê-lo em primeiro lugar, sendo incabível a responsabilização direta dos demais.

Posto isso, a aplicação da denunciação per saltum, atendendo aos preceiros do artigo 456, parece a melhor solução, à medida que garante a celeridade processual com a possibilidade do adquirente saltar aquele alienante imediato e denunciar diretamente o responsável pelo vício, de forma a não atolar o processo com denunciados que não têm responsabilidade alguma.

Para Marinoni e Mitidiero (2008, p. 146), com a possibilidade de uma denunciação por salto, evita-se “eventuais inconvenientes oriundos da litisdenunciação sucessiva, como o excessivo acúmulo de demandas em um único processo, com evidente prejuízo para a celeridade processual”. E, nesse mesmo sentido, Athos Gusmão Carneiro (2010) afirma que, nessa modalidade interventiva, o evicto, ao poder escolher o alienante que irá denunciar, será beneficiado por poder fazê-lo de acordo com o alienante que melhor possa indenizá-lo.

 

Em pesquisa jurisprudencial sobre o tema, observa-se que os Tribunais ainda não têm um posicionamento definitivo sobre a questão, sendo escassos os precedentes que, efetivamente, enfrentam a questão da denunciação per saltum após o advento do artigo 456 do Código Civil.

Nesse aspecto, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se posicionou, em diversos julgados, em sentido contrário à admissão da denunciação per saltum, conforme se depreende da ementa a seguir:

ADMINISTRATIVO. IMÓVEL RURAL. TERRA DEVOLUTA. ÁREA DE FRONTEIRA. ESTADO DO PARANÁ. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PROPRIEDADE DA UNIÃO. RETITULAÇÃO. INDENIZAÇÃO. INCABIMENTO. 1. A ação decorrente da evicção ocorre pari passu, de acordo com a cadeia registral, e não per saltum, cabendo ao evicto denunciar o "alienante imediato" e não toda a cadeia dominial, inclusive porque, através de cláusula contratual, a evicção pode ser afastada ou diminuída nos termos dos artigos 448 e 456 do Código Civil.” (TRF 4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.70.07.000131-7/PR, 4ª turma, REl. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, Data de Publicação: DJe 16.03.2010)

Assim, percebe-se que o julgado supra segue a diretriz do artigo 73 do CPC, não admitindo, portanto, a denunciação de todos os alienantes, mas apenas daquele imediato, desenrolando-se a denunciação de forma sucessiva.

Entretanto, há Tribunais que já reconhecem a possibilidade da denunciação per saltum. Nesse sentido, cite-se o precedente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - EVICÇAO - DENUNCIAÇAO DA LIDE POR SUCESSIVIDADE OU POR SALTO - POSSIBILIDADE - ART. 456 DO CÓDIGO CIVIL C/C ART. 70, INCISO I E ART. 73 DO CPC. - A garantia da evicção será concedida pela totalidade de transmitentes que deverão assegurar a idoneidade jurídica da coisa não só em face de quem lhes adquiriu diretamente como dos que, posteriormente, depositaram justas expectativas de confiança na origem lícita e legítima dos bens evencidos, possibilitando a denunciação sucessiva no primeiro caso e per saltum no segundo, admitida sua cumulação em cadeia de alienação de veículo composta de no mínimo três pessoas. (TJMG, Agravo de Instrumento Nº 1.0702.08.457470-7/001, 13 Câmara Cível, Relator, Des. Cláudia Maia, DJ, 18/05/2009)

Reforçando a jurisprudência favorável à denunciação, o Enunciado nº 29 aprovado na I Jornada de Direito Civil, resultado do debate ocorrido entre renomados juristas, dispõe que “a interpretação do art. 456 do novo Código Civil permite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício”.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental na Ação Civil Originária nº 1.551/MS, sinalizou no sentido de admitir a denunciação per saltum. Naquela oportunidade, o Relator do caso, ministro Luiz Fux, ressaltou a necessidade de revisão da jurisprudência anterior daquela Corte. que não admitia essa modalidade de denunciação. Segue abaixo o elucidativo trecho extraído do voto condutor desse julgado:

“Afasto o argumento do agravante relativo à inaplicabilidade dos precedentes citados na decisão agravada ao caso em apreço. São eles a ACO 305 QO, Rel. Min. Néri da Silveira, e a ACO 280 QO, Rel. Min. Maurício Corrêa. Em tais precedentes restou expressamente consignada a tese jurídica na qual se baseou o decisum vergastado, qual seja, a impossibilidade de denunciação da lide per saltum, de modo que é impertinente o distinguishing pretendido pelo recorrente. (...)

É de se apreciar, no entanto, se o advento do art. 456 do Código Civil de 2002 exige a revisão da jurisprudência desta Corte. É que o referido dispositivo assim prevê: “Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo”. Estaria, assim, introduzida no Direito brasileiro a denunciação da lide per saltum? Alguns autores respondem à indagação afirmativamente. Para Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, verbis: “Permite-se, em quaisquer das hipóteses em que é possível a denunciação, a denunciação da lide per saltum, podendo o denunciante eleger um dos terceiros da cadeia dominial ou de responsabilidade para trazer ao processo (art. 456 CC, por analogia)” (Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 3ª ed. São Paulo: RT, 2011. p. 151). (...)

Desse modo, é de se admitir que a denunciação da lide pode ser feita per saltum, a permitir, in casu, o ingresso do Estado do Mato Grosso do Sul no feito, como alienante primitivo da cadeia dominial.”

(Trecho extraído do voto do Exmo. Ministro Relator do processo ACO 1551 - AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 29/02/2012. Órgão Julgador: Tribunal Pleno,  Data de Publicação: DJe 20-03-2012)

Portanto, diante desse novo entendimento do STF sobre a matéria, espera-se que a jurisprudência dos Tribunais evolua no sentido de admitir a denunciação per saltum nos casos de evicção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O surgimento da denunciação per saltum nada mais é do que uma evolução do direito processual motivada pelo direito civil. O conflito, corolário da criação do novo dispositivo acerca da evicção em oposição ao artigo processual que discorria sobre essa hipótese de denunciação da lide, impõe uma alteração semântica no dispositivo do CPC, exigindo que este se adapte ao outro a fim de garantir a celeridade e instrumentalidade do processo.

Diante da análise acerca do conflito existente entre as matérias, foi perceptível que não há uma hierarquia entre elas, tampouco especialidade, há uma relação de instrumentalidade, em que o processo vem a ser um instrumento para o direito civil e precisa ser ajustado ao modelo deste, enquanto norma substancial.

De acordo com as divergências doutrinárias acerca da denunciação da lide, a modalidade de denunciação per saltum se apresenta como a mais viável dentre as outras, uma vez que garante não só o princípio constitucional da razoável duração do processo, como evita o acúmulo de terceiros na relação processual.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Ação Civil Originária nº 1.551/MS. Denunciação da lide per saltum. Cabimento após o advendo do art. 456 do Código Civil de 2002. Relator: Min. Luiz Fux.  Data de Julgamento: 29/02/2012. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Data de Publicação: DJe 20-03-2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1830982>. Acesso em: 12 mai 2012.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. I. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de Terceiros. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

D’AGUIAR, Guilherme. Denunciação da lide ‘per saltum. Monografia (Departamento de Direito). Pontífica Universidade Católica  do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.

DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2010.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de Terceiros. 5º ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. v. 3. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO; Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: contratos: teoria geral. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

THEODORO JR., Humberto. Novidades no campo da intervenção de terceiros no processo civil: a denunciação da lide “per saltum” (ação direta) e o chamamento ao processo da seguradora na ação de responsabilidade. Belo Horizonte, 2008

SCARPINELLA BUENO, Cassio. A denunciação da lide e o art. 456 do novo Código Civil. In: ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; NERY JR., Nelson; MAZZEI,

Rodrigo; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; ALVIM, Thereza (coord.). Direito civil e processo: estudos em homenagem ao Professor Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.



[1] Paper elaborado para a disciplina Processo de Conhecimento I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 4º período de Direito, da UNDB.

[3] Professor.