SULTANA

FREIRE RIBEIRO


Ao brilhante espírito do
Dr. CARVALHO NETO


Em meio a exaltação da Stambul radiosa,
Recostada em divans. Sublime e apaixonada,
Repousa do Sultão a perola foemosa
Raidante de sol como a própria alvorada.

Odalisca do harém, ---- a Sultana adorada
Relembra em seu cismar, nostálgica e saudosa,
O seu primeiro amor, cuja história passada
No presente imortal inda trescala a rosa.

Favorita do azul, a noite infinda desce.
O falar do "alumouzin" entoando uma prece
Conforta do fiel os íntimos receios,

E do Serralho em flor, no coração velado
Desmeia sutilmente o anjo do Pecado
Por sobre a languidez de perfumados seios! ...

Aracaju, 1932




O POEMA DE EUNALI

Quando Eunali chegou, entre nuvens doiradas,
Minh?alma descantou um poema divino,
E sondando o azul, as estranhas veladas,
Eu li na minha vida um sidereo destino.
Quando Eunali chegou, alviçareiro sino
Cantou na catedral das mais sublimes fadas,
E um rastro de luz, um sinal sibilino,
Revelou à minh?alma as visões mais sagradas.
Quando Eunali chegou, os pálidos luares
Dos olhos tristes seus, dulcíficos olhares,
Guiaram do meu estro a branca nau perdida,
E dentre as magoas sutis de um passado já morto,
Libertado senti, de candura absorto
Meu pobre coração a sorrir para a vida

Quando Eunali partiu, na luz daquele dia,
Bela como o luar na paisagem adormida,
Eu fiquei a chorar na voz d? Ave-Maria.
Ouvindo essa oração de luzes toda ungida.
Quando Eunali partiu, qual gaivota ferida
Minh?alma soluçou um salmo de agonia,
E uma onda de dor, de roxo colorida,
Banhou a minha face extasiada e fria.
Ò ventos que passais nas amplidões dos mares
Estrelas que brilhais nos lúridos colares
Da via ? láctea azul, maravilhosa, infinda
Levai ao Pai Senhor Supremo do Universo,
A minha grande dor transfigurada em verso
Na mágoa mais atroz, na saudade mais linda.

Quando Eunali morreu, num silencio profundo,
Na convulsão atroz da mais cruel desdita,
A minh?alma de luz, qual mariposa aflita
Ficou a voejar na tristeza do mundo,
Quando Eunali morreu num silêncio profundo.
Como luz que se esvai da lâmpada velada,
Do sacrário do amor na capela bendita,
Eunali adormeceu, piedosa e contrita,
Piedosa e contrita a minha doce amada,
Como luz que se esvai de lâmpada velada.
Perdido entre festões do meu amor extinto,
Olhando o loiro sol recobrindo o vale,
Em êxtases eu sinto a saudade de Eunali,
Sorvendo do amargor o tétrico absinto,
Olhando o loiro sol recobrindo o vale,
Perdido entre festões do meu amor extinto!...

Grande Deus, grande Deus, eis-me ao fim da jornada.
Olhos postos no Além desta plaga encantada
E que tudo destrói e transmuda em pó.
Grande Deus, grande Deus, ó minha luz sagrad,
Como é triste viver eternamente só
Exposto ao vendaval cruel da caminhada.
A sofrer dentro dalma as torturas de Jó!


Aracaju,1932









ELOGIO DE ORFEU

Dedicado a Hermes Fontes


Áureo templo da luz o Parthenon sagrado
Das deusas siderais, do deus Amor, falenas,
Num mistério de dor, ficou , só mergulhado,
Na partida de Orfeu, - inspiração de Atenas.
Inteira a Grécia toda, a Helade formosa,
Canaan secular dos luminosos deuses ,
Entoou ao luar qual matrona chorosa
A menina mais sutil dos hinários do Elensis.
Na floresta do amor, radiosa , a Manhã
Adormeceu também, abandonando Pan
As ninfas divinais de solitário lago,
Ofertando a Orfeu adormecido e excelso,
Imagem tutelar do sonho preexcelso,
Sua flauta pagã, - melodioso arágo.

Também quando partiu o poeta da Fonte
Em demanda do Azul, abandonando a Terra,
O Sol do apogeu não mais beijou o monte,
Nem a lua surgiu, iluminando a serra.
Terna mãe piedosa, a Terra, sempre boa,
Que nos guarda o horror do derradeiro anseio,
De flores boreais lhe teceu a coroa
Dos grandes imortais da luz da Glória em meio.
E ele dormiu assim, sublimado e contrito,
Ente os braços da Terra eu o abrigo lhe deu,
A Terra, - de Espaço, - um pequeno infinito,
Maior de que a Terra, - Hermes Fontes, - o Orfeu.
Poetas que passais e sofreis pelo mundo
As dores tão cruéis da sorte mais ingrata,
Vinde ver na floresta, em murmúrio profundo,
A fonte que ficou desditosa, na mata ...
Vinde ver e chorai ... A eterna Constancia
Da Fonte a soluçar, melodiosa e calma,
Pare no falar dessa segunda influência
Que o Poeta nos diz, com queixumes na alma,
Vinde ver e chorai! Fazei odes anacreontes
Proclamando ao luar da suprema agonia
Aquele que se foi, o Orfeu ? Hermes Fontes, -
Herma de Pensamento, - Fonte de Poesia! ...



Aracaju,1932
POEMA DA MINHA TERRA




Minha terra de luz, a pequenina aldeia,
Onde vivi a sós, no silêncio, ao luar,
Parece compreender a minha dor, alheia
Ao que vai dentro em mim, quando estou a cantar.
Minha terra de amor, de palmeiras virentes,
De céu azul sem fim, abençoando o mar,
Inunda de ventura os corações descrentes,
Descentes de prazer que só sabem chorar.
Minha terra de fé onde não vive a mágoa,
A mágoa milenar de profunda raiz,
Tem um poço de amor a que chamam, - "Olhos d1agua"
Que só banha de luz a quem vive feliz.
Minha terra de paz, misteriosa terra
Onde vivem a sorrir divinais corações,
Nas noites de luas, miraculosa, encerra
O planger eternal dos fatais violões.


Minha terra feliz tem no alto de um morro
Uma igreja ancestral, poderoso brasão,
Onde vive a rezar a "Virgem do Socorro"
Padroeira e madrinha do meu coração.
Minha terra feliz de piedosa gente
Que só vive a sonhar e não pensa no mal,
Uma grande alegria imorredoira, sente
Quando sobe de preço o alqueire do sal.
Minha terra ao luar é saudade infinita,
É saudade cruel entre as máguas mais frias,
Quando alguém assim fala, em profunda desdita:
- "Faz muito que morreu Antonio Simão Dias..."
Minha terra é também alegria doirada
Alegria a cantar em profunda ilusão,
Quando diz Abelardo, uma doce toada
Batendo um buscapé p?ra soltar em São João.

Minha terra é pra mim a relíquia sagrada,
A relíquia do amor num sacrário de arminho,
Quando vejo um alguém de cabeça nevada,
Recordando talvez meu antigo carinho.
Minha terra de paz, minha vida, meu tudo,
Evangelho de luz e de recordação,
Não te posso dizer o que sinto, pois, mudo,
Não mais pode falar este meu coração! ...

Aracaju,1932




SOB A LUZ DO MEU CÉU


Sob a luz do meu céu, num silencio divino
Consultei certa vez o meu orande destino,
O destino cruel que martiriza a vida
Dos que vivem a sonhar na quadra reflorida
Da primavera em flor, de excelsa mocidade
Banhada pela luz de estranha claridade.

E esperei o falar dos astros sibilinos,
Peregrinos do azul e no azul peregrinos ...
E uma estrela falou na altura iluminada
Mostrando o amanhã incerto do meu Nada:
-Has de ser um Poeta. Um divino tristonho
Procurando na vida o mistério de um sonho,
De um sonho que virá dentro da tarde morta,
Na hora vesperal que a existência conforta,
E esse sonho, essa luz que te prediz a sina
Há de ser a mulher, a rosa purpurina
Do jardim eternal do supremo desejo
Onde a mágoa se esvai na volúpia de um beijo.

Ma a estrela mentiu ... Hoje em dia, na terra,
A minh?alma a sofrer constantemente erra
À procura do bem que me deu o Destino,
Sob a luz do meu céu, num silencio divino...

Aracaju,1932



LUSITÂNIA


Si Camões imortal um dia eu fora
Inteiro Portugal descantaria
Em versos cintilantes como a aurora
A perola do céu na luz do dia.
Meu estro infelizmente não rebrilha,
É nebulosa da siderea umbela,
Meu pensamento, frágil caravela
Da rota de mil sois buscando a trilha.

Recebei, Portugal, este meu canto.
Essa voz da minha?lma que ressoa
Procurando imitar todo o quebranto
Dos fados sonoros de Lisboa.
Canções doridas, narrativas puras
Desse preclaros tempos imortais,
Cantadas pelos ventos nas alturas
Em que sublime ó Portugal, estais!...

Aracaju, 1940



PORTUGAL NOME TÃO DOCE...


Portugal, nome tão doce,
Excelso augusto e bendito
Farrapo de eternidade
No mastaréu do infinito.

Pátria de santos e heróis,
De tanta bravura e glória
Tendo toda a sua história
Escrita por áureos sois.

Ousadia e atrevimento
Sobre o dorso das procelas
Eterno o teu monumento
Na rota das caravelas.

Jumqueiro, Eça, outros tantos
De pensamento, brazões,
São astros sempre girando
Em torno ao sol que é camões.

Ninho de fados dolentes
Que descantam amor e fama
Dos lusitanos valentes
Das aventuras de Gama.

Não há no mundo um pedaço
De continente talvez,
Que não deva u culto ao menos
Ao valor do português.

Portugal, feliz eu fora
Na minha vida infeliz
Se beijar pudesse um dia
As terras de teu país.
Porque teu solo é sagrado
Como um chão de catedral
De sangue heróico regado
Ó terra de Portugal.

Afonso Henriques, presente
Tu passas ao meu olhar,
Ressuscitado e potente
Por Carmona e Salazar.

Toda história deste mundo
Nos conta melhor que alguém
O silêncio tão profundo
Dessa torre de Belém.

A chave das descobertas
Heróicas,lusas, sem par.
Ouvindo trovas cantadas
Por esse poeta que é o mar.



Aracaju, 1940


VAQUEIROS DO NORTE


Vaqueiro do Norte,
Vestido de couro
Garboso e febril,
Vaqueiro do Norte
Ligeiro e bem forte,
Centauro moreno
Sob o sol do Brasil!

Nas longas estradas,
Vencendo distâncias
Guiando boiadas
Vencendo caminhos!

Cachorros latindo,
Paisagens, estradas,
Chocalhos tocando!
Vaqueiros cantando
No aboio, a saudade
Das cousas amadas!
Vaqueiro do norte,
Pitando o cachimbo,
Bebendo nas fontes
Que a terra nos dá,
Vaqueiros do Norte
Gostando da "pinga",
Comendo felizes
Farinha com leite,
Trincando nos dentes
Cheirosa jabá!

Vaqueiros montando
Cavalos ligeiros,
O peito ofegante,
A força nos braços,
Certeiros nos laços
Buscando a distância
Nas grandes partilhas,
Garrotes bem gordos,
Famosas novilhas!

Vaqueiro amoroso
Nas noites de lua
Dormindo na rede
Do campo cheiroso
Na paz infinita,
Vaqueiro beijando
A boca vermelha
Da cabocla bonita,
De tranças bem pretas,
Vestida de chita!

Vaqueiro do norte!
Centauro de bronze
Agitado e febril,
Bandeirante moreno
Varando as estradas,
Correndo as fazendas
Amando o Brasil!


Aracaju, 1955
LUMEM


Tudo é claro, Senhor, e a Aurora anuncia
Nos úteros da Luz, a gênese e tranqüila,
Apolo a despertar abre a loira pupila.
Toda terra a cantar, ressuscitando Flora,
Oscula as mãos da Luz que vem nas mãos da Aurora!...

Tudo é lindo, Senhor!...
As estrelas medrosas,
Desfolham-se no azul em síncopes de rosas ...
Um sino a badalar, em notas cristalinas
Convida o camponês à prece das matinas! ...

Hora de doce amor em que também desperto
E tenho, dentro em mim, a lembrança mais viva
Dum distante deserto.
- deserto em que vivi cantando pelas tendas
A história de quem inda hoje fulgura
No espírito imortal dos sonhos e das Lendas! ...

Essa que conheci em vidas transitórias
Tendo a noite a dormir nos sedosos cabelos
E vaga o areal, divina e majestosa,
Em lânguidos camelos! ...

Tudo é claro, Senhor! ...
A aurora anuncia
Nos úteros da Luz a gênese do Dia,
E, nessa hora assim, ó Senhor, quisera
Ir em busca de Alguém que há milênios me espera,
- alguém que muito amei e jaz adormecida
No Palácio sem par do Sonho e da Beleza,
Além do além da Vida! ...

Aracaju 1960


A BEDUINA

I

Estes versos são teus! ... Doces cantares
Em que te vejo como a lua cheia
Sobre a minh?alma, - solitária ameia
Na paisagem de céus crepusculares!...

Estes versos são teus! ... Neles ondeia
A volúpia que trazes nos olhares,
E nesse corpo, vibrações dos mares,
Tão movediço como a própria areia! ...

Estes versos são teus ... Pobre oferenda
Em teu louvor na palpitante lenda
Dos dias teus sobre o deserto! ...Enfim.

Farrapos d?alma, muçulmana lírio,
Quando, na noite, escuto em meu martírio,
Teu pandeiro a tocar dentro de mim!...
II

Estes versos são teus!... Não sei se ao lê-los
Na tua caravana coloriada,
Hás de parar, amor, os teu camelos
Na grande caminhada percorrida!...

Não sei se lembrarás os meus desvelos
E a flor do sonho que te dei ? a vida-
Quando dormi beijando os teus cabelos,
Fremindo a minha carne à tua unida!

De nada sei ... Não sei onde te encontras.
Onde apresentas, meu amor, as montras
Dos teus encantos que me desgraçaram! ...

Ei que te amo, sei que não te esqueço,
Jóia rara de Ormuz que não mereço,
Dor dos meus olhos que por ti choraram!,


Aracaju, 1962

PEPITA TANGIL

PEPITA TANGIL,
Da nobreza espanhola,
Em Sergipe, sem lousa
Na morte, repousa! ...

Era linda, era bela! ...
Em seus olhos brilhavam
Em noites de encanto,
O luar de Castela! ...

Pepita Tangil,
Era linda, era bela! ...

Os olhos do Rei

Nos seus olhos pousaram! ...
Os lábios dos Rei
Os seus lábios beijaram,
Seus lábios maduros,
Tão mornos e doces
Quais favos de mel! ...

Seus corpos se amaram
E, num só se somaram...
Intrigas na Corte,
Fuxicos terríveis,
Tormentos incríveis,
Vinganças atrozes,
Dum tempo Cruel! ...

A Rainha, em ciúmes,
Pepita deporta!
Perdido de amores
O Rei, desgraçado,
Pepita recorda
Desvairado e febril ! ...

Pepita, está longe ...
Pepita, navega
Num triste desterro
Buscando Sergipe
Del Rey, no Brasil! ...

Durante a viagem
Não chora o seu erro
Pois sabe que o amor
É luz tão somente
Na alma da gente!

Amor que não fere,
Amor que não mata,
Amor que não é dor,
É só, neste mundo,
Amor sem amor!

Num velho convento
Pepita Tangil
Na morte repousa,
Sem prece e sem lousa! ...

Era linda, era bela...
Em seus olhos brilhava
O luar de Castela!...

Em seu corpo moreno,
Tão langue e macio,
A cor dessa tardes
Formosas do estio!

Uma flor espanhola
De negros cabelos,
Divino perfil! ...

Desejo em poema,
Mulher ? alfazema,
PEPITA TANGIL!...

Aracaju 1971