1 INTRODUÇÃO

            Este trabalho cujo tema é “A poesia de Cecília Meireles: confissões de uma mulher“ foi escolhido porque houve a necessidade de mostrar a importância de Cecília Meireles dentro da literatura brasileira através de suas poesias feministas.

            Falar sobre Cecília Meireles é bastante fácil, pois ela foi uma poetisa que marcou muito a literatura brasileira. Em suas poesias, foi remontada toda uma história feminina e bastante marcante no que diz respeito aos sentimentos e emoções. Isso fica claro em diversas poesias por ela criadas. De acordo com Gouveia (2001, p. 73):

Cecília Meireles é, sem dúvida, única. Dentro de uma fase em que o modernismo se voltava para as lutas políticas, para uma produção que tinha como objetivo educar e conscientizar, ela apresentou um estilo de poesia diferente, com algumas características simbolistas, como o uso constante de sinestesias, que se voltava mais para o interior do ser humano, tinha um clima mais sincero e intimista, naturalmente introspectivo.

             Suas produções costumam ser muito belas e extremamente agradáveis de ler. E não há como acusá-la de alienada, pois o poema “Mulher ao Espelho” deixa isso claro, quando faz uma crítica às pressões sociais em relação à imagem colocada em cima dos indivíduos no mundo capitalista e à falsidade.

            Cecília Meireles foi a grande responsável por consagrar e também popularizar uma literatura intimista e introspectiva que se tornou uma marca da literatura feminina, representada também por Clarice Lispector.

A poetisa reflete em suas obras variações entre temas: sonhos, fantasia, solidão, padecimento e tempo. Este último se faz presente em muito de seus poemas, enfatizando a transitoriedade das coisas. O lirismo de Cecília Meireles é refletido em sua linguagem que enfatiza os símbolos, os apelos sensoriais e a musicalidade (GOUVEIA, 2001).

Durante suas pesquisas históricas, a poetisa escreve o livro Romanceiro da Inconfidência, publicado em 1953, o qual é considerado sua obra-prima e trata do episódio da Inconfidência Mineira.

            O presente trabalho foi realizado através de pesquisa bibliográfica, fundamentando-se através dos teóricos Del Priori (2005), Duarte (2011), Gouveia (2001), e Monteiro (2009) para aprofundamento do tema abordado.

            Este trabalho monográfico está dividido em três partes. A primeira parte trata da história da literatura feminina, abordando dados históricos da literatura entre as mulheres entre os séculos XV e XX, bem como alguns dados biográficos da Cecília Meireles; a segunda parte fala sobre a voz de uma poetisa em confissão, na qual retrata Cecília Meireles dentro de obras importantes que retratam uma mulher sofrida e cheia de sonhos, e a terceira parte trata das suas relações literárias com Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Gabriela Mistral e Carlos Drummond de Andrade.

            O trabalho monográfico, aqui realizado, tem como objetivos entender a história da literatura feminina brasileira, incluindo vida e obra de Cecília Meireles, bem como conhecer Cecília Meireles através de suas poesias fascinantes e entender as relações literárias da autora com outros autores de sua época.

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 A HISTÓRIA DA LITERATURA FEMININA

 

 

 

            Por longos anos a história da literatura feminina no Brasil, apresenta-se caracteristicamente por fatos típicos e comunais a sua época. No século XV e XVIII foram períodos assinalados por acentuados entraves de conceitos pré-estabelecidos por uma sociedade sistematicamente patriarcal e machista, guiadas também pelas normas morais da igreja em que a mulher era objeto de submissão e religiosidade restrita à evangelização católica. Essa fase aponta notadamente um diferencial assimétrico nas ações reações dos sexos, em que o homem formava uma relação de poder a sua volta e que podia ter uma vida dúbia no amor, “o amor conjugal santo e a realização sexual fora do casamento”. E assim a literatura se situa de forma limitada com esses reflexos no período colonial, onde amor passa a ser cantado em prosa e verso contrariando a realidade dos fatos (DEL PRIORE, 2005, p. 330).

            No século XIX a literatura romântica brasileira atinge certa modernidade que valoriza o amor conforme os critérios dos valores burgueses, apesar de fazer parte de uma sociedade conservadora, escravista e patriarcal, uma fase em que também as mulheres eram enquadradas normalmente nos manuais da medicina como uma histeria e consideravelmente a mulher possuía apenas a força do útero sobre o cérebro, o médico Rodrigo José Maurício Júnior da Faculdade do Rio de Janeiro na época afirmava que:

As mulheres nas quais predominavam uma superabundância vital, um sistema, sanguíneo ou nervoso muito pronunciado, uma cor escura ou vermelha, olhos vivos e negros, lábios de um vermelho escarlate, boca grande, dentes alvos, abundância de pelos e de cor negra, desenvolvimento das partes sexuais, estão também sujeitas a sofrer dessa neurose. (JÚNIOR, apud Del Priore, p. 209)

            Seguindo pelos atalhos da literatura pode-se se deparar com uma análise do romance de Maria Firmino dos Reis: O Subterrâneo Intimismo de Úrsula (por Maria do Socorro Pereira de Assis Monteiro) em que é focalizada uma obra da literatura feminina de uma dimensão extraordinária que ultrapassa dois mundos. No aspecto da autora Maria Firmino dos Reis do romance Úrsula (1859) se desvencilha com autenticidade dos obstáculos impostos por ser mulher, pela condição socioeconômica e pelo preconceito racial. É poetisa, ativista das causas educacionais e vive num cenário verdadeiramente masculino e patriarcal, é nordestino de São Luís do Maranhão. Como no trecho que abaixo transcreve-se:

O nosso romance gerou-o a imaginação e não no [sic] soube colorir, nem aformosentar. Pobre avezinha silvestre anda terra a terra e nem olha para as planuras onde gira a águia. Mas ainda assim, não o abandoneis na sua humildade e obscuridade, se não morrerá à míngua, sentido e magoado, só afogado pelo carinho materno. Ele semelha à donzela, que não é formosa porque a natureza negou-lhe as graças feminis, e que por isso não pode encontrar uma afeição pura, que corresponde ao afeto de sua alma; mas que com o pranto de uma dor sincera e viva quer lhe vem dos seios da alma, onde arde em chamas a mais intensa e abrasadora paixão, e que embalde quer recolher para a corrução, move ao interesse aquele que a desdenhou e o obriga ao menos a olhá-la com bondade. Deixai, pois que a minha Úrsula, tímida e acanhada, sem dotes da natureza, nem enfeites e louçaria d’arte, caminhe entre vós. Não a desprezeis, antes amparai-a nos seus incertos e titubeantes passos para assim dar alento à autora de seus dias, que talvez com essa proteção cultive mais o seu engenho, e venha a produzir cousa melhor, ou quando menos, sirva esse bom acolhimento de incentivo para outras, que com imaginação mais brilhante, com educação mais acurada com instrução mais vasta e liberal, tenham mais timidez do que nós. (REIS, 2004, prólogo)

           

            Muito embora o seu mundo mental e espiritual era formado por conspirações opostas a sua realidade. Os trabalhos da escritora não eram muito conhecidos, mas é exatamente com a produção do seu romance que surge como uma inovação na narrativa em Língua Portuguesa, na qual o personagem central tem liberdade e audácia, o que demarcam sobre os mesmos, as reações teológicas do narrador. Isso é puramente visível, pois a sua obra aborda minuciosamente a questão da escravidão e do feminino. (REIS apud MONTEIRO, julho, 2009, p. 367)

            O romance “O Subterrâneo Intimismo de Úrsula” é um exemplo, de uma narrativa da literatura brasileira que se associa efetivamente com características evidentes e com referências da história literária decorrentes dos romances temporais. Em que a protagonista Úrsula se vê aprisionada pela força dominadora de um tio falido e ostensivamente obcecado pela poder que só os senhores inescrupulosos possuíam sobre os seus escravos e as mulheres. Úrsula tem o seu romance conturbado por esse tio, responsável por várias mortes que envolvem uma trama de suspense e tensão no seu enredo.

            No romance “Úrsula” Reis desmonta a visão etnocêntrica e masculina e até mesmo rediscute suas origens afro descendentes através da história literária no Brasil. É considerado o primeiro romance da literatura afro brasileira, há controvérsias por parte de vários historiadores literários. Diante desse posicionamento, o romance “Úrsula” ora abolicionista, ora afro brasileiro ou as duas coisas ao mesmo tempo, abrange com firmeza a temática discursiva das condições políticas e sociais do negro no Brasil daquele período até os dias atuais, perpassando como uma ponte de comunicação que lança no mundo das letras o elo propulsor do sonho de liberdade dos escravos em conquistar um Brasil sem opressão. Ressaltando-se o fato de tal proeza ser proposta por uma narradora negra, mulher e pobre.

            Contudo, esse romance tem um alto valor histórico literário, sua importância é atribuída a categoria dos romances do século XX e XXI aqui no Brasil, sendo útil salientar que durante o desenvolvimento desta obra torna-se perceptível a sua introspecção de acordo com o ponto de vista crítico de autores desta linhagem que caracterizam e tematizam o tempo e a psiconarração.

- Homem generoso! Único que soubesse compreender a amargura do escravo!... Tu que não esmagaste com desprezo a quem traz na fronte estampido o ferrete da infâmia! Porque ao africano seu semelhante disse – és meu! – ele curvou a fronte, e humilde, e rastejando qual erva que se calcou aos pés, o vai seguindo? Por que ó senhor que é senhor, o que é livre, tem segura em suas mãos ambas a cadeia, que me oprime os pulsos. Cadeia infame e rigorosa a que chamamos: - escravidão?!... E, entretanto este também era livre, livre como o pássaro, como o ar, porque no país não se é escravo. Ele escuta a nêmia plangente dos eu pai, escuta a canção emitida que cai dos lábios de sua mãe, e sente como eles, que é livre; porque a razão lho diz, e a alma o compreende. Oh! A mente! Isso sim ninguém a pode escravizar! Nas asas do pensamento remonta-se nos ardentes sertões da África, vê os areais sem fim da pátria e procura abrigar-se debaixo daquelas árvores sombrias do oásis, quando o sol requeima e o vento sopra quente e abrasador: vê a tamareira benéfica junto à fonte, que lhe amacia a garganta ressequida: vê a cabana onde nascera e onde livre viverá! Desperta, porém em breve dessa doce ilusão, ou antes sonho em que se vê engolfara e a realidade opressora lhe aparece – é escravo e escravo em terra estranha! Fogem-lhe os areais ardentes, as sombras projetadas pelas árvores, o oásis no deserto, a fonte e a tamareira – foge a tranquilidade da choupana, foge a doce ilusão de um momento como ilha movediça, porque a alma está encerrada nas prisões do corpo! Ela chama-o para a realidade, chorando, e o seu choro, só Deus compreende! Ele, não se pode dobrar, nem lhe pesam as cadeias da escravidão; porque é sempre livre, mas o corpo geme, e ali sofre, e chora: porque está ligada a ele na vida por laços estreitos e misteriosos (REIS, 2004, p. 38-39).

            A dualidade e o misticismo embasam a essência da obra firminiana. Em que a narradora tramita na mudança dos tempos, imagens de uma narradora e logo em seguida do personagem que assume o seu papel com muita profundidade e explosão do seu mundo. De forma que ele próprio se questiona quanto a sua situação se é do mundo real ou imaginário. Para ilustrar essa assertiva, o negro Túlio encontra, ardendo em febre, o senhor branco Tancredo, e logo deste se faz escravo também aqui relaciona fatos que a história apresenta como reais, mas delirantemente transporta imagens do tempo passado que parece transcorrer no tempo presente.

            É perceptível a exterioridade e interioridade do enredo se rompendo no tempo e no espaço, mas por vez primordialmente é a interioridade que traça no romance Úrsula uma nova narrativa, onde os personagens ou consciência se interpelam e confrontam entre si e com a própria narradora. Sendo assim, Úrsula é uma narrativa em que se encontram dos os valores que determina uma nova face ao romance em Língua Portuguesa que marca a introspecção e reverencia o intimismo.

Isso pode ser confirmado com o trecho abaixo extraído do artigo de Monteiro (2009): “Certamente seria de seu natural que um romance escrito em 1859, por uma mulher pobre e negra, natural do Estado do Maranhão, tomasse, quando muito, as feições e os motivos rebuscados das cores e tons românticos, ou, ainda, o tom engajado que de fato tomou, do protesto à escravidão e às condições de vida da mulher. A própria autora tenta justificar ou informar o leitor de que negou a sua obra, os caracteres da época, negando-se a colori-lo ou aformoseá-lo. Um apelo é feito imediatamente ao leitor: não abandonar a obscuridade do texto, e, claro, a sua humilde condição inaudita de enveredar pelo caminho do intimismo, desconhecido até aquele momento, fato que nenhum escritor, tampouco uma escritora, houvesse feito até então.”

Os romancistas do passado investigavam os mundos da sua ficção, invadindo-os de forma onisciente e onipresente, interferindo no mundo dos personagens. Em contrapartida, os romancistas modernos dispensaram essa técnica e promoveram mais autonomia aos mesmos, tornando-os seres ficcionais mais independentes, os quais não seguiam apenas pela sequência e causalidade, tomavam direção aos fluxos livres do imprevisível e inusitado (MENDILOW, 1972, apud MONTEIRO, 2009).

A poetisa relaciona as diversas formas de amor e que através deles as pessoas parecem um pouco perdidas e admite que:

AMOR

É difícil para os indecisos

É assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor

são fortes.

Os que sabem o que querem e querem o que têm!

Sonhar um sonho a dois,

e nunca desistir da busca de ser feliz,

O amor é para poucos!!

(Meireles,

O poema “amor” apresenta os diversos tipos de amor e destaca como a voz lírica ver esse sentimento entre as pessoas e frisa a indefinição e a insegurança como um paradoxo na maioria das relações afetivas.

            Mostra o amor tão somente como as pessoas também são: indecisas, medrosas, sensíveis, destemidas, fortes, sonhadoras e persistentes sempre. E por vez a esperança de quem busca a felicidade de amar e ser amado.

            O poema é composto por duas estrofes, sendo a primeira redondilha menor e a segunda um quarteto, todos os versos são livres e a maioria versos brancos. Os primeiros versos são com rimas denominadas emparelhadas e para expressar seus pensamentos a respeito desse sentimento incomum a autora usa a metáfora.

E assim passamos a tarde
conversando coisas banais,
da superfície do mundo.

E estamos cheios de mistérios
que não comunicamos.
E assim morreremos, decerto.
E não dais por isso.

(Meireles, 1963)

 

2.1 Cecília Meireles: Dados Biográficos

 

           

De acordo com Gouveia (2001, p.187), o nome completo dessa poetisa é Cecília Benevides de Carvalho Meireles, cuja nacionalidade é brasileira. Tem parentesco com Carlos Alberto de Carvalho e Meireles e Matilde Benevides Cônjuge Fernando Correia Dias (1922-1935) e Heitor Grillo (1940-1972) teve três filhas: Maria Elvira Meireles, Maria Matilde Meireles e Maria Fernanda Meireles Correia Dias Ocupação Poetisa, jornalista, professora de Literatura Principais trabalhos Ou Isso ou Aquilo / Romanceiro da Inconfidência Escola/tradição Modernismo, Simbolismo - Movimento estético.

 Cecília Benevides de Carvalho Meireles foi uma poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.

Órfã de pai e de mãe, Cecília foi criada por sua avó açoriana, D. Jacinta Garcia Benevides, natural da ilha de São Miguel. Aos nove anos, ela começou a escrever poesia. Frequentou a Escola Normal no Rio de Janeiro, entre os anos de 1913 e 1916 e estudou línguas, literatura, música, folclore e teoria educacional (GOUVEIA, 2001).

Em 1919, aos dezoito anos de idade, Cecília Meireles publicou seu primeiro livro de poesias, Espectros, um conjunto de sonetos simbolistas. Embora vivesse sob a influência do Modernismo, apresentava ainda, em sua obra, heranças do Simbolismo e técnicas do Classicismo, Gongorismo, Romantismo, Parnasianismo, Realismo e Surrealismo, razão pela qual a sua poesia é considerada atemporal.

No ano de 1922 casou com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas. Seu marido, que sofria de depressão aguda, suicidou-se em 1935 (GOUVEIA, 2001).

Voltou a se casar, no ano de 1940, quando se uniu ao professor e engenheiro agrônomo Heitor Vinícius da Silveira Grilo, falecido em 1972. Dentre as três filhas que teve, a mais conhecida é Maria Fernanda que se tornou atriz de sucesso. Teve ainda importante atuação como jornalista, com publicações diárias sobre problemas na educação, área à qual se manteve ligada, tendo fundado, em 1934, a primeira biblioteca infantil do Brasil (GOUVEIA, 2001).

Para Gouveia (2001, p. 188), sua vocação para o magistério levou-a a fazer o curso de Escola Normal no Instituto de Educação, diplomando-se somo professora em 1917. Estudou línguas, ingressando depois no Conservatório de Música, porque um dos seus sonhos era escrever uma ópera sobre São Paulo, o Apóstolo. Mas, surgiram outros interesses como o canto e o violino.

Observa-se ainda seu amplo reconhecimento na poesia infantil com textos como Leilão de Jardim, O Cavalinho Branco, Colar de Carolina, O mosquito escreve, Sonhos da menina, O menino azul e A pombinha da mata, entre outros. Trazendo traz para a poesia infantil a musicalidade característica de sua poesia, explorando versos regulares, a combinação de diferentes metros, o verso livre, a aliteração, a assonância e a rima. Os poemas infantis não ficam restritos à leitura infantil, permitindo diferentes níveis de leitura (GOUVEIA, 2001).

Em 1923, publicou Nunca Mais… e Poema dos Poemas, em 1925, Baladas Para El-Rei. Após longo período e em 1939, publicou Viagem, livro com o qual ganhou o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Católica, escreveu textos em homenagem a santos, como Pequeno Oratório de Santa Clara, de 1955; O Romance de Santa Cecília e outros (GOUVEIA, 2001).

Segundo Gouveia (2001, p. 189), em 1951 viajou pela Europa, Índia e Goa, e visitou pela primeira e única vez os Açores, onde na ilha de São Miguel contatou o poeta Armando César Côrtes-Rodrigues, amigo e correspondente desde a década de 1940.

Recebeu homenagens como: Prêmio Machado de Assis (1965), Sócia honorária do Real Gabinete Português de Leitura, Sócia honorária do Instituto Vasco da Gama (Goa), Doutora "honoris causa" pela Universidade de Delhi (Índia), Oficial da Ordem do Mérito (Chile).

Nos Açores, de onde eram oriundos os seus pais, o nome de Cecília Meireles foi dado à escola básica da freguesia de Fajã de Cima, conselho de Ponta Delgada, terra de sua avó-materna, Jacinta Garcia Benevides (GOUVEIA, 2001).

Após sua morte, recebeu como homenagem a impressão de uma cédula de cem cruzados novos. Esta cédula com a efígie de Cecília Meireles, lançada pelo Banco Central do Brasil, no Rio de Janeiro (RJ), em 1989, seria mudada para cem cruzeiros, quando da troca da moeda pelo governo de Fernando Collor (GOUVEIA, 2001).

Cecília foi uma das maiores poetisas do Brasil, Raimundo Fagner gravou várias músicas tendo seus poemas como base. Como "Canteiros", "Motivo", e tantos outros.

           

3 A VOZ DE UMA POETISA EM CONFISSÃO

 

 

 

Os poemas da poetisa não são apenas, versos vagos formados por um conjunto de palavras bonitas ou uma simples construção literária.

            A sua poesia nos remete como um facho de luz a um caminho como que nos guia, que eventualmente isso poderia ser comparada a uma filosofia de vida, suposto que vem à tona esta visão. Ela escrevia puramente pelo encanto e a magia que a literatura produz. Essa mesma marca também transparece nas obras de outros poetas como Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.

            Apesar de que Cecília surge para a literatura brasileira apresentada pelo grupo de escritores católicos em 1922 e entre 1919 e 1927, através das revistas Árvore Nova, Terra de Sol e Festa, que defendiam a renovação de nossas letras na Bse do equilíbrio e do pensamento filosófico, tradição e universalidade. O seu surgimento coincide com a eclosão do movimento modernista. Isso explica o fato de que Cecília Meireles com a publicação dos seus primeiros livros é tida com exemplo das possibilidades renovadoras que se atribuía à corrente espiritualista.

            Mas o estudo acurado de Baladas Para El-Rei e Nunca Mais... e Poemas dos Poemas evidenciariam uma natureza artística muito afinada, ainda, com o movimento simbolista, e cujas peculiaridades de um novo estilo poético, eram-no em favor da artista, que estreava provida de uma intuição rara em nossas letras, e não à conta do grupo a que pertencia.

            Por esse motivo é que Cecília Meireles é apontada por alguns críticos literários contemporâneos como Antônio Carlos Secchim que entrou para a Academia de Letras Brasileira em 2004, como uma “pastora das luzes” enquanto que João Cabral de Melo Neto, o “pastor nordestino das cabras”.

            Consideravelmente denota-se que os poetas têm a sua linguística, ou seja, ilustrando cada um tem o seu território de domínio próprio e sua retórica literária diferente, e que cada um cuida em cultivar o seu.

            No poema “Retrato”, a voz lírica refere através dos símbolos uma natureza feminina que se confessa:

RETRATO

Eu não tinha rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,

Nem estes olhos tão vazios,

Nem o lábio amargo.

 

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

 

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

__ em que espelho ficou perdida

A minha face?

(MEIRELES, 1982, p. 20)

            É possível sentir que o Eu-lírico faz uma imagem de si próprio, observando as mudanças, as transformações físicas e psicológicas que surgem com o passar dos anos. Além disso, faz uma relação como a pessoa era antes e como é agora, ou seja, faz menção do tempo passado e do presente.

            Com isso, o eu-poético mostra alguns termos para destacar as partes do corpo questionado, como: rosto: calmo, triste e magro; olhos: vazios; lábio: amargo; mãos: paradas, frias e mortas; mudança: simples, certa e fácil.

            As palavras que expressam as características das partes do corpo são denominadas como adjetivação.

            A precariedade da vida, a fugacidade dos bens materiais e do tempo, a falta de sentido da vida, a solidão, a vida como uma fantasia, a distância, a perda, a falta. Seu tom melancólico toca-lhe o coração e a sua alma com calma e serenidade, sem desespero; tudo isso tematiza fortemente as obras de Cecília Meireles.

            Provavelmente sua poesia pretende chegar a um mundo temporal e imaterial em que tudo é absoluto e o apego à matéria impede a perfeição espiritual. E, alguns desses temas são encontrados no poema “Retrato”, o qual o eu-poético faz um retrato de si mesmo. Assim, ele mostra a fugacidade do tempo e da vida, e como cita é uma mudança “tão simples, tão certa, tão fácil...” tão rápida, que num piscar de olhos vê-se que já não é mais criança, jovem, adulto, idoso, não existe mais.

            No poema “Mulher ao Espelho” o eu-lírico encontra-se sozinho em meio aos seus semelhantes; a cada passo assalta-lhe a dúvida, a vida e o sonho se confundem com pungência: realidade e fantasia.

MULHER AO ESPELHO

Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.

 

Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

 

Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?

 

(MEIRELES, 1983, p. 111)

 

 

Usa a imagem da diversidade de identidade, que insatisfeita, tenta encontrar o próprio eu e ter a sua própria identidade. Que pode ser santa ou meretriz, escrava ou rainha.

Na transição dos fatos e acontecimentos sociais, como históricos, religiosos, e culturais faz o seu papel, procurando se enquadrar diante das transformações do tempo e espaço e reluzir, que pode morrer e renascer. Sendo aquela que com denodo age, busca, reflete sobre a realidade favorável ou desfavorável consigo mesma, que sonha, inventa sempre, com estratégias que sejam adequadas para o seu cotidiano e tenta interagir com o mundo direta ou indiretamente independente das dificuldades, é participativo e está além de seu tempo.

Esse eu-poético está sempre despertando uma nova mulher, na busca contínua do seu verdadeiro “eu”, segue numa busca interminável até atingir o seu alvo. Essa dicotomia entre o interior e o mundo real externo é uma espécie de síntese no olhar de Meireles.

Mesmo errando e sofrendo por consequência de coisas fúteis, mundanas, uma radical interioridade pela renúncia e glorificação do humano através do divino alcança a “superação e se purifica”. (MEIRELES, 1983, p. 111).

Nos versos do poema Romantismo também se assemelha ao Arcadismo pela busca da simplicidade e pelo emprego frequente de ordem direta.

ROMANTISMO

Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,

para pensar um belo pensamento

e pousá-lo no vento!

 

Quem tivesse um amor – longe, certo e impossível –

para se ver chorando, e gostar de chorar.

e adormecer de lágrimas e luar!

 

Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,

partisse por nuvens, dormente e acordado,

levitando apenas, pelo amor levado...

 

Quem tivesse um amor, sem dúvida nem mácula,

sem antes nem depois: verdade e alegoria...

Ah! Quem tivesse... (Mas, quem teve? quem teria?)

(MEIRELES, 1983, p. 34)

           

Inicialmente o eu lírico faz uma ideia do amor como uma possibilidade que em alguns momentos parece está distante, na qual o ser humano se revela apenas como uma parte do todo, sem destino, procurando ocupar um lugar no infinito aqui surge um tom de fugacidade, mas com o amor ela se torna significativo, grande e colore o seu universo.

            O amor causa sofreguidão e até em alguns casos transgride as leis da vida, mas por si é soberano e se sobressai é o que se percebe na segunda estrofe do poema.

            O eu lírico na terceira estrofe sugere insistentemente o amor como algo difícil de conquistar e que o amor poderia ser um conto de fadas. Às vezes podemos ver as estrelas e sonhar, flutuar, ter os pés no chão, mas não ser o único a levantar os pés por esse sentimento sublime. E o amor que há deixar florescer.

            No amor há incertezas, mas melhor seria uma certeza que se concretiza em toda a sua totalidade. O eu lírico acaba concluindo que algumas vezes o amor passa a ser profano, mas não é só assim. “O ideal é continuar acreditando que o amor chega, mesmo que não seja o amor dos loucos! Sobrenatural!

            “Que seja mesmo o amor de todos os mortais, puramente para todos os mortais”.

Nesse poema a poetisa utiliza uma retórica que vem à tona as temáticas da “precariedade humana e a solidão” focalizadas na sua obra e especula:

FAMÍLIA

 

“Temos uma família desfeita na terra:

(ó ternos corações, ó fechados olhos onde costumávamos

[habitar!)

mas dessa não temos notícia:

e o nosso amor é uma rosa sobre muros de sombra.

 

Temos uma família muito distante,

em aposentos que não vemos, em países que jamais iremos

[visitar!

Dessa temos notícias eventualmente:

Mas o nosso amor é uma rosa que murcha incomunicável.

Temos uma família próxima, algumas vezes,

que se move, e nos fala, e nos vê,

mas entre nós pode não haver notícias:

e o nosso amor é um muro sem rosas.

 

Temos muitas famílias, havidas e sonhadas.

São as nuvens do céu que levamos sobre a alma,

as espumas do mar que vamos pisando.

Nós, porém, continuamos viajantes solitários:

e a rosa que levamos no coração, comovida,

também se desfolha.

(Ou pode ser que afinal, a rosa seja unânime

e eterna.

em sobre-humana família.)

 

“Temos uma família próxima, algumas vezes que se move, e nos fala, e nos vê.

que se move, e nos fala, e nos vê.

mas entre nós pode não haver notícias:

e o nosso amor é um muro sem rosas”.

 

(MEIRELES, 1960-1964, p. 27)

 

 

No contexto em foco o eu lírico faz uma abordagem do relacionamento das pessoas com a família em âmbito geral se sensibilizando no liame da convivência dos seres humanos. O eu lírico tem a sensação de que os laços de família estão fragilizados e consequentemente aponta a distância, e o lírico no último verso da primeira estrofe reclama:

                       

“é o nosso amor é uma rosa sobre muros de sombra”.

Uns por viverem em regiões longínquas, outras por falta de atenção, que por vez os separa por uma ponte material e mais uma vez no último verso da segunda estrofe o eu lírico acredita e acrescenta:

                       

“mas o nosso amor é uma rosa que murcha incomunicável”.

           

Por outro lado os separam de maneira mais angustiante, que é espiritualmente e isso é o que todas as atitudes comprovam na terceira estrofe quando o eu lírico relata:

                       

                        “Temos uma família próxima, algumas vezes,

                        que se move, e nos fala, e nos vê,

                        mas entre nós pode não haver notícias:

                        e o nosso amor é um muro sem rosas”.

           

O eu lírico se expressa com metáforas com frequência pela existência desse tamanho dissabor inaceitável nas famílias, sem discrepância.

            A veracidade desses fatos está bem presentes nas famílias e isso não foi apenas antes e agora também na atualidade. Há famílias sendo destruídas por motivos banais e inerentes ao coração e a alma.

            Contudo o eu lírico se ressente mais por essa realidade absurda e lamenta pela precariedade humana e nos últimos versos da quarta estrofe, espontânea desabafa:

“Nós, porém, continuamos viajantes solitários: e a rosa que levamos no coração, comovida, também se desfolha”.

            Mas apesar de tudo o eu lírico ao final medita e acredita na importância da família e trilha com um olhar de esperança.

           

GRILO
Máquina de ouro a rodar na sombra,
serra de cristal a serrar estrelas...

Caem pedaços do sono, entre os silêncios,
em grandes flores, mornas e dóceis,
com o peso e a cor de vagar borboletas.

Rostos de espuma, nomes de cinza,
- a vida sobe nos caules da noite, pouco a pouco.

Máquina de ouro tremendo no ar de vidro frio,
cortando o broto das palavras rente à boca...

Desmanchando nos dedos arquiteturas que iam parando,
e livros de imagens que o vento compunha, ilogicamente.

Ah! que é dos ramos de estrelas finamente desprendidas,
pela sonora lâmina que estás vibrando sempre, sempre?

Que é das noites extensas, de ares mansos de alegrias,
sem ruas, sem habitantes, sem solidão, sem pensamento?

Que é das mãos esperando o amanhecer definitivo
e caídas também na torrente do tempo?

(MEIRELES, 1982, p. 62)

 

            Neste poema Cecília Meireles fala sobre sua relação com o marido Heitor Vinícius da Silveira Grilo, o qual se casou em 1940 e que teve um bom convívio com ele.

NEM TUDO É FÁCIL

É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste. 
É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada
É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre.
É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia. 
É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua. 
É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo. 
É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar. 
É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo. 
Se você errou, peça desculpas... 
É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado? 
Se alguém errou com você, perdoa-o... 
É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender? 
Se você sente algo, diga... 
É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar 
alguém que queira escutar? 
Se alguém reclama de você, ouça... 
É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você?
Se alguém te ama, ame-o...
É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz? 
Nem tudo é fácil na vida... Mas, com certeza, nada é impossível 
Precisamos acreditar, ter fé e lutar 
para que não apenas sonhemos, Mas também tornemos todos esses desejos, 
realidade!!!

 

(MEIRELES, pensador.uol.com.br, 2012)

            Aqui, Cecília fala das dificuldades que existem nos relacionamentos de amizade e que são cheios de surpresas, alegrias, tristezas, decepções, entre outras. Mas, mesmo assim a amizade é algo que deve ser valorizado e eternizado entre as pessoas.

SERENATA

"Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,e a dor é de origem divina.
Permita que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo"

 

(CECÌLIA, 1982, p. 82)

 

Neste poema há uma visão clara de que se clama pela morte, pela possibilidade do suicídio. Cecília tentou se suicidar mais de uma vez. Ela pede a algo ou alguém, Deus, que morra, que permita fechar seus olhos, emudecer, alcançar um novo mundo, o além, e se libertar das dores da carne.

            Mas apesar de tudo o eu lírico ao final medita e acredita na importância da família e trilha com um olhar de esperança.

            Em relação à morte o eu lírico a encara como uma fase da vida que nos permite atingir a renovação da alma, possibilitando-nos despertar outros sentimentos, que só com esse processo natural conseguimos enxergar e diz:

DISTÂNCIA

Quando o sol ia acabando

e as águas mal se moviam,

tudo que era meu chorava

da mesma melancolia.

Outras lágrimas nasceram

com o movimento do dia:

só de noite esteve seco

meu rosto sem alegria.

(Talvez o sol que acabara

e as águas que se perdiam

transportassem minha sombra

para a sua companhia...)

oh!

mas nem no sol nem nas águas

os teus olhos a veriam...

– que andam longe, irmãos da lua,

muito clara e muito fria...

(MEIRELES, 1982, p. 53)

            No poema “Distância” o eu lírico apresenta-se diante da dialética noite e dia e faz uma clara distinção desses dois fatores do tempo, como uma forma de mostrar o que a perda de um ente querido com a morte nos faz sentir com o desaparecimento do corpo físico no momento presente, tudo é lágrimas, dor, sofrimento com a distância desse ser, que no poema simbolicamente o sol representa o dia que esconde a força do Ser real.

            Por outro lado com a noite depois de toda a tristeza e melancolia, conscientemente alcança a essência transcendente do Ser. Nesse poema percebemos ainda que o eu lírico lamenta e sofre a ausência de alguém que partiu com a morte, que deixa saudades e como consequência causa a secura interior, mas o tempo naturalmente representa a cura de todas essas consequências.

            O sol luminoso que representa a vida que o eu lírico encara como uma ilusão, que é algo passageiro. E só a morte culmina como a maior certeza. Possivelmente com a maturidade esse eu lírico tornou-se místico e acredita em uma outra vida, num plano superior.

No poema Aceitação o eu lírico aceita a morte como uma forma de renovação da vida com o desprendimento do corpo do mundo físico e conscientemente revela:

ACEITAÇÃO

É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens

e sentir passar as estrelas

do que prendê-la à terra e alcançar o rumor dos teus passos,

 

É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano

e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,

que desejar que apareças, criando com teu simples gesto

o sinal de uma eterna esperança.

 

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,

nem tu.

 

Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:

não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.

 

(MEIRELES, 1982, p. 32)

            O eu lírico sente-se abandonado por alguém, mas tem esperanças de encontrar outra pessoa para preencher esse vazio, e lhe proporcionar novamente a alegria, o prazer de viver. O eu lírico aceita a ausência dessa pessoa e cria imagens de que o seu Eu foi transportado com toda a amargura e solidão para o infinito do oceano.

            Com essa libertação o eu lírico prossegue com a esperança de uma vida renovada, pois as águas do mar a purificou por completo. Isso é o que percebemos na segunda estrofe que é em quadra.

            Na última estrofe do tipo dístico, e eu lírico não teme a morte e a aceita naturalmente, pois ela se assemelha felizmente ao canto da cigarra, que irá morrer mais aproveita a vida que é curta com toda a intensidade.

            Nas poesias de Cecília Meireles a “terra”, “o mar” são símbolos que sempre estão presentes. Simbolicamente, representa o lugar das mortes e dos renascimentos, onde é preciso morrer para nascer de novo.

 

 

 

 

 

 

 

 

4 AS RELAÇÕES LITERÁRIAS DE CECÍLIA MEIRELES

Tem-se grandes poetas na Literatura, como Cecília Meireles e Vinícius de Moraes (Cereja e Magalhães, 2005). Ela desenvolveu uma poesia intimista e reflexiva, de profunda sensibilidade feminina. Ele partiu de uma poesia religiosa e idealizante, chegando a ser um dos poetas mais sensuais da nossa literatura. A obra de ambos trilhou caminhos próprios. A de Cecília, o da reflexão filosófica e existencial; a de Vinícius, um caminho em direção à percepção material da vida, do amor e da mulher.

Cecília Meireles cultivou uma poesia reflexiva, de fundo filosófico, que aborda, entre outros, temas como a transitoriedade da vida, o tempo, o amor, o infinito, a natureza, a criação artística. Mas não se deve entender sua atitude reflexiva como postura intelectual, racional (CEREJA; MAGALHÃES, 2005, p. 49).

            É importante ressaltar que Cecília foi uma escritora de intuições, a qual sempre buscou questionar e compreender o mundo a partir das suas experiências como a morte de seus pais quando ainda era criança, a morte da sua avó que lhe deu educação, o suicídio do seu primeiro marido, o silêncio e a solidão.

            É sabido que ela mesma revelou os objetivos que buscava alcançar através da poesia. Pode-se perceber isso no seguinte pensamento dela: “Acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação – mas por uma contemplação poética afetuosa e participante.”

Cecília Meireles tem um papel importante na literatura brasileira, ela é uma das vozes líricas mais importantes que o Brasil possui na literatura da Língua Portuguesa e por isso também é muito bem lembrada.

3.1 Cecília Meireles e Mário de Andrade

            Cecília Meireles e Mário de Andrade, entre os anos 1930 e 1940, compuseram material para se pensar no valor dos diálogos e afetos e em sua importância na construção da linguagem poética. A prática da correspondência, a que Mário de Andrade foi tão acostumado, que pode ser pensada como estímulo à formação e afirmação da ideia de uma subjetividade que se descobriu na Modernidade, e que se torna nítido em momentos como quando Mário sai em defesa das métricas clássicas de Cecília, pois vê nelas uma possibilidade libertadora do sensível e não um empecilho como queriam os vanguardistas (SAMPAIO, 2011, p. 01).

O reconhecimento dessa subjetividade despedaçada, que expõe contradições e fragilidades, a valorização do trágico, da melancolia e o direito à tristeza parecem estar no cerne de uma lírica cuja potência se evidencia mais por esses elementos de humanidade, do que pela mera adequação a fórmulas estabelecidas por movimentos literários ou ditadas por críticas enrijecidas. A consciência da dor e a urgência da construção de uma subjetividade ativa, que possibilite a efetivação de um pensamento crítico e reflexivo, se acentuam em momentos históricos conturbados, como nos anos do diálogo entre Mário e Cecília, e como nesse século XXI; tempos em que parece ter muito a dizer uma lírica que toma como pertinente o título do primeiro livro de Mário de Andrade: “Há uma gota de sangue em cada poema” (SAMPAIO, 2011, p. 02).

            Mário de Andrade foi um músico treinado e mais conhecido como poeta e romancista, Andrade esteve pessoalmente envolvido em praticamente todas as disciplinas que estiveram relacionadas com o modernismo em São Paulo, e tinha algumas semelhanças com Cecília Meireles, como se pode ver no poema abaixo:

POEMINHA SENTIMENTAL 

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.

(Mário de Andrade)

 

            Neste poema, Andrade retrata o amor de forma muito sentimental. Assim como Cecília Meireles, ele tinha momentos de muita tristeza e solidão. Procurava sempre transmitir em seus poemas o que mais lhe incomodava ou até mesmo lhe atraía para, então, mostrar em seus poemas a essência da vida.

3.2 Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto

É preciso se situar numa época que, literariamente falando, foi delimitada pela conhecida geração de 1945, mais especificamente voltada para o estilo poético, da qual João Cabral de Melo Neto fez parte. Esse nobre representante se mostrou bastante empenhado em cultuar a forma, fato que nos induz a afirmar que se tratava de uma retomada aos moldes passadistas, sobretudo o estilo parnasiano-simbolista. É necessário que se diga que a preocupação com o conteúdo, tal qual fizeram os artistas pertencentes à geração de 1930, ficava, a partir de então, para segundo plano (DUARTE, 2011).

Apresentada essa condição, o poeta deixou certo o desapego ao sentimentalismo acentuado, tão cultuado pelos artistas do Romantismo. Assim, ele se fez visto não como um sentimentalista ou sonhador, mas como um crítico observador do real, das coisas que se encontravam à sua volta,  razão pela qual ele mesmo afirmava que as palavras eram concebidas como “palavras-coisas”, concretas, dotadas de uma organização formal e oriundas de um trabalho lógico e racional. Segundo Duarte (2011, p. 01):

Para ele não havia razões para cultuar o prosaísmo, tampouco valorizar a ironia e o verso livre, concepções atribuídas à primeira geração modernista. Nesse sentido, em nome da afirmação estética, sua opção esteve voltada para o culto à forma fixa e aos versos regulares.

Garantido em tais posicionamentos, o perfil artístico desse representante, bem como ele mesmo afirma, subdivide-se em duas vertentes básicas: a linha metapoética e a participante. Nesta primeira, fruto de experimentações linguísticas, da descoberta do próprio fazer poético, ele demonstra seu labor poético, manifestado em suas criações (DUARTE, 2011).

            João Cabral de Melo Neto criou poemas com diversos temas. Um deles retrata a amizade como abaixo está exposto:

DIFÍCIL SER FUNCIONÁRIO

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...

(João Cabral de Melo Neto)

            O poema acima, escrito em 29 de Setembro de 1943, revela a determinante influência de Carlos Drummond de Andrade nas primeiras produções do autor. Original, foi retirado dos Cadernos de Literatura Brasileira, nº. 01, publicado pelo Instituto Moreira Salles em Março de 1996.

3.3 Cecília Meireles e Gabriela Mistral

            Gabriela Mistral (1889-1957) professora primária em zona rural foi a primeira figura literária feminina a ganhar o Prêmio Nobel no continente americano. É autora, entre outros livros, de Desolación, Ternura, Tala y Lagar.

            Este tópico propõe-se a analisar a temática da morte em Gabriela Mistral e Cecília Meireles. Não são poucas as coincidências de ordem biográfica ao relacionar as duas poetisas: ambas nasceram na América do Sul, foram educadoras, admiraram a poesia do indiano Tagore, interessaram-se pelas tradições populares e seus países (Chile e Brasil, respectivamente) não aderiram ao experimentalismo poético do primeiro movimento modernista e foram, ao menos inicialmente, mais reconhecidas no exterior que em seus próprios países.

Conheceram-se e tornaram-se amigas durante o período de seis anos em que Gabriela Mistral viveu no Brasil. Uma foto célebre registra essa forte amizade num banco. Seus amados cometeram suicídio.

Ambas tinham muitas coisas em comum e isso pode ser visto no seguinte poema de Gabriela Mistral:

EU NÃO SINTO A SOLIDÃO

É a noite desamparo
das montanhas ao oceano.
Porém eu, a que te ama,
eu não sinto a solidão.
É todo o céu desamparo,
mergulha a lua nas ondas.
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.
É o mundo desamparo,
triste a carne em abandono
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.

(Gabriela Mistral)

Neste poema, Gabriela Mistral retrata a solidão. Assim como Cecília Meireles, Gabriela era bastante solitária. E vivia de suas fantasias e de sua realidade que era muito triste por viver só e sem ter com quem conversar.

3.4 Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade

De acordo com Oliveira (2011, p. 10), Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade são dois poetas de vital importância à expressão poética do Modernismo na literatura brasileira eles possuíram a arte de escrever, pensar e colaborar com a formação de ideias das pessoas, pois dedicaram suas vidas a isto, para transmitir-nos seus pontos de vistas. Ambos eram escritores, poetas e são conhecidos até hoje por suas temáticas literárias.

Ao aproximar os textos ao poema drummondiano e ceciliano, em certa medida, algumas semelhanças são contíguas: o poema é também uma narrativa e uma tentativa de diálogo; e a máquina do mundo também é toda abrangente e se revela, habilitando os olhos de “pupilas gastas na inspeção/contínua e dolorosa do deserto para lhe ver (OLIVEIRA, 2011, p. 11).

Dois poetas de vital importância à expressão poética do Modernismo na literatura brasileira, ambos retratavam fatos pessoais em seus poemas, como no poema abaixo de Drummond:

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

(Carlos Drummond de Andrade)

É notório que em Drummond, havia a racionalidade, ou a busca de conhecimento pela especulação, ou pela experiência, no entanto, em Cecília, havia a contemplação, ou a busca de conhecimento pela observação da natureza, num platonismo espontâneo.

Apesar de não ter se encaixado em nenhuma escola literária, Cecília alcançou a maturidade na literatura, inspirando-se principalmente no simbolismo. Mas seu estilo, extremamente pessoal, não permite classificar a obra da escritora em uma escola literária específica. Lírica, intimista e mística, abordou os temas da precariedade da vida, do amor, da morte e da fugacidade do tempo. Em 1953 lançou Romanceiro da Inconfidência, um dos marcos da literatura social brasileira, no qual recria poeticamente a saga de Tiradentes e dos demais inconfidentes nas Minas Gerais do século XVIII. Morreu no Rio de Janeiro, em 9 de novembro de 1964.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

            A autora em vários momentos se mostra como um ser impessoal, criadora dos seus horizontes e as pessoas apenas fazem parte de uma vida breve em que ela permanece em meio a tudo e a todos livre e eterna. Uma referência distinta dessa aclamação é vista em vários poemas, mas pode-se sentir um pouco dessa sua independência e fidelidade no poema “Suspiro”, no qual ela fielmente declara: “Não tenho nada com as pessoas,/ tenho só contigo meu Deus”.

            E a sua eternidade se espalha de forma sucinta no lado subjetivo e efêmero da vida, no poema “Retrato Obscuro” percebe-se nos versos: “Ela vai sempre na frente./ Sozinha. Com o silêncio de bússola e deusa”.

            Em cada palavra de seus poemas acentuam-se com muita sutileza e uma ínfima particularidade nas aspirações, anseios e desejos íntimos nos lugares mais recônditos de sua alma, que transbordam pelos seus pensamentos, sentimentos e emoções repletos de verdade como se pode perceber no poema “Saudade”: “Levava esquecidas também nossas vidas/Com os peixes, os seixos e as coisas divinas/ Que morrem sem se acabar...”

            No poema “Surpresa“ expressa muita sensibilidade: “Águas borbulhantes, árvores tranquilas/ Vão adormecendo meus tempos chorados/ E a tarde oferece às minhas pupilas/ Nuvens de flores por todos os lados.”

            As “Baladas para El-Rei” são um reflexo crepuscular de luz mortiça, mas ao mesmo tempo, pela sua grave beleza, por seu isolamento, independem dessa luz. Elevam-se em paisagens ermas, contra perspectivas fugidias: “Lá na distância, no fugir das perspectivas,/ Por que vagueiam, como o sonho sobre o sono,/ Aquelas formas de neblinas fugitivas?”

            Traço escolástico é a evocação de ambientes nórdicos, a que se associam estados anímicos: “Há ligeirezas enfermas/ de luas da Dinamarca...”

A atitude cismarenta, a difusão do ser na irrealidade, a personificação: “A alma das flores, suave e tácita, perfuma/ a solitude nebulosa e irreal do ambiente...”

Temas a que se pode ainda juntar o exotismo de “Sem Fim”: “Era uma vez uma donzela/ nos bons tempos de Guntar...”

E “Da Flor de Oiro”: “Bárbara flor, ó flor de escândalo/ sonho revolto de oriental,/ tens sugestões de ópio e de sândalo...”

A riqueza de “Baladas para El-Rei” encontra-se, por excelência, no veio místico, a que dizem respeito certos títulos de poemas (“Dolorosa”, “De Nossa Senhora”, Dos Cravos”, “Oferenda”), a tipologia (monjas, freiras) e a simbólica floral (açucenas, crisântemos, cravos roxos): “Quando se acendem, silenciosos, os conventos,/ E, as freiras tomam formas brancas de açucenas...”

Há no vocabulário de “Baladas” uma denunciadora preferência pelas palavras longas, pela substantivação abstrata, dupla adjetivação, tornando-se o recurso, no último caso, quase esquemático: “Lembrando a calma dos teus grandes olhos bentos/ Onde anda a luz das longas vésperas serenas/ Lento correr das longas tardes nebulosas/ O largo choro funerário de uma prece.

A lentidão dos versos alexandrinos deriva de arranjos vocabulares em que dominam os polissílabos: “Há desesperos silenciosos de abandono/ Morosidades de crepúsculo outonal/ E eu sofro a angústia irremediável da paisagem.

São frequentes os sintagmas desse tipo. Assim, deparamo-nos com “Ilusões retardatárias”, “Pessimismo impressional”, “Funerais desilusórios”, “Terminais desesperanças”, etc.

No tocante à forma, o livro é de intencional monotonia. O mesmo ritmo, igual valor melódico seja para o octossílabo, seja para o dodecassílabo, verso que com aquele reparte a primazia de adoção. Predominando no segundo o corte ternário, vem ele a ser mera continuação rítmica do primeiro, que apresenta o aspecto singelo de cesura na quarta sílaba: “Nossa Senhora já não sabe/ das coisas tristes deste mundo,/ Em que se chora e se descrê.../ Nada mais há, nada mais cabe/ Nos olhos seus, de luar profundo.../ Nossa Senhora já não vê.../ Os galos cantam, no crepúsculo dormente.../ No céu de outono, anda um langor final de pluma/ Que se desfaz por entre os dedos, vagamente...”

           

 

 

6 REFERÊNCIAS

 

 

ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 3ª ed. São Paulo: Vila Rica; Brasília: INL, 1972.

PRIORE, Mary Del; JÚNIOR, Rodrigo José. História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005.

DUARTE, Vânia Maria do Nascimento (2011). João Cabral de Melo Neto. Texto extraído do site http://www.mundoeducacao.com.br em 28/11/12.

 

GOUVEIA, Margarida Maia. "Cecília Meireles: um percurso de espiritualidade". In Atlântida, vol. XLVI, 2001, p. 187-194.

 

LUCAS, Fábio. O poeta e a mídia: Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. São Paulo, Editora Senac, 2003.

 

MEIRELES, Cecília. Poesias Completas, Vol. VIII. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1979.

_________________. Viagem: Vaga Música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

________________. Mar Absoluto e Outros Poemas. 2ª Edição. Editora Nova Fronteira, 1983.

MONTEIRO, Maria do Socorro Pereira de Assis. O Subterrâneo Intimismo de Úrsula: uma análise do romance de Maria Firmino dos Reis. Letrônica, Vol. 2, n° 1, p. 361-381, julho de 2009.