A PIOR FORMA DE EXCLUSÃO

Uma economia globalizada aglutina também as individualidades, fazendo da sociedade uma imensa aldeia global, onde os códigos sociais se tornam comuns a grupos de cultura e poder aquisitivo diferenciados. A televisão, os jornais, as revistas, a Internet, os modernos meios de comunicação em geral, transmitem a todas as pessoas as mesmas visões do mundo, os mesmos símbolos e signos representativos de bem estar, felicidade e sucesso. Saí sucede que tanto um menino na favela quanto o que mora no bairro rico acabam recebendo idênticas imagens do mundo e crescem compartilhando dos mesmos conceitos de felicidade, baseados num ideal de consumo. É o mesmo mundo bonito e feliz mostrado para todos, mas somente a um deles é permitido entrar nele. Ao outro só é possível olhá-lo pelo lado de fora.
É preciso não esquecer que quando o menino da favela e o menino rico contemplam, na vitrine da loja sofisticada do shopping, o mesmo modelo de tênis, o lindo relógio de ouro, o mais moderno computador, o aparelho de som de última geração, o desejo de consumo, em um e outro tem igual intensidade. E quando a uns se permite entrar no mundo maravilhoso que existe por trás das vitrines e ao outro se lhe nega tal acesso (e estes constituem a grande maioria), o que resta é uma cruel exclusão, que se amplia na medida em que a sociedade se sofistica e cria de códigos de comunicação cada vez mais homogêneos, mas não as condições para que todos possam compartilhar do conteúdo que eles veiculam. Por isso, a mais perversa forma de exclusão é aquela que nos mostra o paraíso, e depois nos diz que nós não podemos entrar nele.
O pior é que, no mais das vezes, nós nos conformarmos com esse estado de coisas. Aliás, o próprio sistema, através dos mecanismos de educação e transmissão de cultura tem contribuído para criar nos nossos jovens uma atitude conformista, como se fosse destino manifesto de poucos atuar como protagonista, e o da grande maioria como meros espectadores. Não se ensinam em nossas escolas as técnicas de produzir mudanças comportamentais tendentes a estimular um agir responsável , à aquisição de auto-estima, o resgate de posturas otimistas e proativas perante os desafios da vida. Ao contrário, enfatizam-se mais as experiências do passado do que o estímulo à novas e criativas soluções. São essas posturas, que valorizam mais a experiência do instrutor do que as potencialidades do aprendiz, que concorrem para mantê-lo num eterno estado de reprodução do que já foi feito e muito pouco propenso a desenvolver suas próprias experiências, agregando a elas o seu próprio valor. Daí ao conformismo, à descrença, ao sentimento de fracasso, é um pequeno passo. No entanto, serão esses conformados, que não vêem nos bancos das escolas a possibilidade de realização dos seus sonhos, que irão engrossar as filas dos desempregados ou os porões da economia paralela. Isso quando não escorregam de vez para a total clandestinidade econômica e social, que é o primeiro passo para o crime.
Jovens sem ocupação útil e sem perspectiva de um futuro decente são presas fáceis para traficantes e outros marginais. É a exclusão social que alimenta as fileiras do segmento que mais cresce no país: o crime organizado.

REPENSANDO O SISTEMA DE APRENDIZAGEM

Não posso crer que alguém deseje ver os nossos jovens condenados a ocupar suas vidas numa eterna luta pela sobrevivência, da forma mais abjeta, como se essa fosse a única coisa que o destino lhes reserva. É preciso, mais que o mero repasse de informações que consta do currículo escolar oficial, ensiná-los a planejar seus futuros, orientá-los, e mais que tudo, empreender ações no sentido de alavancá-los. Não nos colocamos entre aqueles que condenam a precocidade do trabalho, por entender que ele é prejudicial ao desenvolvimento do jovem. Ao contrário, pensamos que algum tipo de trabalho, exercido desde cedo, ajuda a desenvolver no jovem o senso de iniciativa, a capacidade de criar e gerir situações de vida com muito mais competência do que aquele não vivenciou tal experiência. Nesse sentido, oficinas, fábricas, lojas e escritórios podem se transformar em excelentes módulos de capacitação profissional, ótimas escolas de cidadania e competentes centros de capacitação profissional.
Isso não quer dizer que concordemos com qualquer tipo de trabalho infantil, ou que estejamos justificando a utilização de mão de obra adolescente como forma de incrementar o lucro fácil. Sabemos que tal exploração existe e quais os argumentos que tentam justificá-la: trabalho com finalidade social, como meio de tirar o adolescente da rua, melhorar a renda familiar, etc. São falácias. Na verdade, esse expediente é utilizado por empresários sem escrúpulos, como finalidade meramente econômica , como forma de diminuir custos de mão de obra, já que tais trabalhadores recebem salários inferiores ao mínimo legal permitido, não tem nenhum amparo social nem qualquer outra garantia de ordem trabalhista ou previdenciária. Tais empresários não merecem sequer esse qualificativo, pois na verdade são verdadeiros predadores sociais.
Agora, o trabalho metodicamente realizado, dentro de um programa de aprendizagem orientado por empresários e educadores realmente comprometidos com um ideal de progresso e bem estar da sociedade, e não apenas pelos seus apetites pelo lucro fácil, é pedagogicamente defensável e socialmente desejável.
Também precisamos ficar atentos ao perigo de ficarmos criando paradigmas limitadores que possam levar o jovem e o adolescente a pensar que serão sempre trabalhadores de baixo nível de qualificação e renda. Por isso não devemos ficar alimentando programas que visem apenas encontrar para eles uma ocupação útil. O trabaho do aprendiz, sem uma adequada orientação, pode levar a um indesejável conformismo.
Mas por conta disso não devemos nos deixar prender na armadilha maniqueísta que tem engessado os debates sobre a questão trabalhista, que não avança, de um lado, em razão do ranço marxista de alguns lideres sindicais, que só vêem no trabalho a exploração capitalista, e de outro a posição muito conveniente daqueles que defendem o trabalho precoce comno única e verdadeira escola de formação de caráter. Também nesse caso, a virtude deve estar no meio.

A LEI DO APRENDIZ

A lei 10.097,de 18 de dezembro de 2000 criou o chamado contrato de aprendizagem, alterando o artigo 428 da CLT, que antes tratava do assunto. Ao permitir que empresas, de um modo geral possam contratar aprendizes em regime de trabalho especial, pelo período de dos anos, inscrevendo-os em programas de aprendizagem mantidos pelo Sistema S (SESI, SENAI , SENAC), ou alternativo ( Escolas profissionalizantes ou entidades filantrópicas sem fins lucrativos que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional), o que, na verdade, o legislador pretendeu foi instituir o chamado trabalho educativo. Por esse sistema é considerado aprendiz o adolescente ou jovem de 14 a 24 anos, que esteja freqüentando a escola, numas das séries do ensino fundamental ou médio. O sistema foi criado para que o jovem possa realmente aprender trabalhando. Assim, o trabalho deve ser complementado por cursos de capacitação profissional, que além de desenvolver as habilidades técnicas necessárias para o execício da profissão, possa também contemplar as disciplinas de comportamento, para que ele aprenda a dominar os códigos de inserção na sociedade, possa acessá-los e compreendê-los devidamente. Nesse sentido, um currículo que contenha disciplinas que concorram para elevar a auto-estima, a sociabilidade, a consciência da cidadania, o auto-desenvolvimento, a capacidade de auto-gestão da vida e dos próprios negócios, aliados á criatividade, a motivação, a convivência familiar, é de fundamental importância.

O CONTRATO DE TRABALHO

O contrato de trabalho deve ser estabelecido de modo a oferecer as garantias necessárias, tanto para o aprendiz mquanto para a empresa que o contrata. Por isso é que só será válido de devidamente registrado em CTPS, e estiver devidamente freqüentando a escola, se ainda não terminou o ensino fundamental, e tiver sido ainda, inscrito em programa de aprendizagem em entidade devidamente qualificada nos termos da lei.
A Lei do Aprendiz está posta para benefício de aprendizes e empreendedores. Está mais que provado que o mercado de trabalho no Brasil está aquecido e não faltam vagas , mas sim candidatos qualificados. No entanto, passados já mais de dez anos da edição dessa lei, a maioria das empresas ainda a desconhece, e se a conhece não sabe como usá-la. O medo da fiscalização e a desconfiança que sempre exsurge de uma relação trabalhista que envolve um menor de idade tem atrapalhado a aplicação da lei. E ela exige que as empresas mantenham um percentual legal de aprendizes no seu quadro de empregados.
É preciso lembrar que o futuro próximo trará o fim da noção de emprego e valorizará o conceito de trabalho. A noção limitadora de uma falsa estabilidade garantida por lei cederá espaço ao trabalho individualmente produtivo e socialmente útil. Nessa nova configuração não haverá espaço para aproveitadores, conformados e descomprometidos.

( Resumo de palestra proferida na REBRAF)