Hoje, há unanimidade em se reconhecer o caráter normativo dos princípios, devendo ser abandonadas as tradicionais diferenciações entre princípios e normas para dar lugar à distinção entre princípios e regras, ambos espécies do gênero norma. Princípios como espécies de normas jurídicas.

Para se chegar a esse status de normatividade, passou-se por trabalho de longa elaboração metodológica desenvolvida pela Ciência Jurídica, que remonta as disputas epistemológicas entre duas velhas correntes do pensamento jurídico, superadas e retrabalhadas, de algum modo, por outra postura epistêmica. Fala-se dos debates entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico e, agora, mais recentemente, dos novos aportes advindos de uma corrente que passou a ser nominada de pós-positivismo no Direito (ESPÍNDOLA, 2002, p.62-63).

No Absolutismo o monarca reinava de forma absoluta, por isso era preciso criar uma forma de controlar esse poder, algo que estivesse acima do Rei. O jusnaturalismo surge como forma de controle, preconizando direitos fundamentais.

O jusnaturalismo – primeira fase da juridicidade ou normatividade dos princípios – é uma corrente filosófica fundada na existência de um direito natural, estabelecido pela vontade de Deus, caracterizada pela existência de leis ditadas pela razão que não decorrem de uma norma jurídica emanada pelo Estado. Ou seja, conjunto de valores e de pretensões legitimados por uma ética superior,independente do direito positivo. Aqui, os princípios encontram-se situados em uma esfera inteiramente abstrata e sua normatividade é praticamente nula, apesar do reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa inspiradora dos postulados de justiça (BONAVIDES, 2006, p.259).

A segunda fase da teoria dos princípios é o positivismo jurídico, marcada pela busca de objetividade cientifica, apartando o direito da moral. Nesta fase, os princípios passam a ingressar os códigos, porém, exercem apenas funções subsidiarias, ou seja, informadora do direito positivo. Aqui, os valores atribuídos aos princípios derivam do fato de estes pertencerem à lei (o que interessa é a forma, o conteúdo é irrelevante), e não mais pelo ideal de justiça ditada pela razão. Luis Roberto Barroso aponta como principais características do positivismo jurídico: a aproximação quase plena entre direito e norma; estabilidade do direito – a ordem jurídica é una e emana do Estado; a completude do ordenamento jurídico, que contém conceitos e instrumentos suficientes e adequados para solução de qualquer caso inexistindo lacunas; o formalismo: a validade da norma decorre do procedimento seguido para a sua criação, independendo do conteúdo (BORROSO, 2006, p.323).

Na fase do positivismo jurídico o direito reduzia-se ao conjunto de normas em vigor. O fetiche da lei e o legalismo acrítico, subproduto do positivismo jurídico, serviram de disfarce para autoritarismo de matizes variados. A aproximação quase absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética não correspondia ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade (BORROSO, 2006, p.326). Nesse contexto surge o pós-positivismo, guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade.

Essa terceira fase, que vem sendo denominada de pós-positivismo ou neopositivismo, após serem consagradas nos textos constitucionais, finalmente os princípios atingem o seu auge normativo, passando a ser tratado como uma espécie de norma jurídica (NOVELINO, 2007, p.69), sendo esta dividida em duas grandes categorias diversas: regras e princípios.

Ao classificar princípios e regras como norma o autor alemão Robert Alexy aponta os seguintes caracteres em comum: ambos dizem o que deve ser; ambos podem ser formulados de expressões deônticas básicas – ordem, permissão, proibição; e ambos são razoes para juízos concretos de dever-ser – ainda que de tipo diferente(ALEXY, apud NOVELINO, 2007, p.69).

Vários são os critérios sugeridos para distinguir os princípios das regras jurídicas, ambos espécies do gênero norma:

1.Abstratividade ou Generalidade – ambas as espécies de norma tem em comum o caráter de generalidade, porém de modo diverso:enquanto a regra é geral porque estabelecida para um numero de atos ou fatos, é especial na medida em que regula senão tais atos ou fatos: é editada para ser aplicada a uma situação jurídica determinada; já o principio, ao contrário, é geral porque comporta um série infinitas de aplicações (GRAU, 1988, p.154);

2.Grau de determinação – as regras são aplicadas de forma direta e imediata aos casos previstos em seu preceito, seria possível precisar os casos de aplicação. Desde que os pressupostos de fato aos quais a regra refira – o suporte fático hipotético – se verifiquem, em uma situação concreta, e sendo ela valida, em qualquer caso há de ser ela aplicada. Já os princípios carecem de mediações concretizadoras, vês que atuam de modo diverso: mesmo aqueles que mais se assemelham às regras não se aplicam automaticamente e necessariamente quando as condições previstas como suficientes para sua aplicação se manifestam;

3.Dimensão – enquanto as regras possuem somente a dimensão da validade, os princípios possuem ainda a dimensão da importância, peso ou valor. Quando você tem conflito no como das validades das normas uma deve ser invalidada. No campo da importância só pode haver conflito entre princípios, neste caso as duas normas são válidas.

Os princípios são normas e as normas compreendem igualmente regras e princípios. Segundo Robert Alexy, os Princípios são "mandamentos de otimização", caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, sendo que a medida devida de seu cumprimento depende não apenas das possibilidades reais, mas também das jurídicas, cujo âmbito é determinado por princípios e regras opostos. Já as regras, "são normas que só pode ser cumpridas ou não. Se uma regra é valida, então há que se fazer exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Portanto, as regras contem determinações no âmbito do fático e juridicamente possível" (ALEXY, apud NOVELINO, 2007, p.73).

Regras são proposições normativas aplicáveis sob a forma de tudo ou nada. Se os fatos nela previstos ocorrem, a regra deve incidir de modo direto e automático, produzindo seus efeitos. Já os princípios jurídicos, por possuírem uma carga valorativa, um fundamento ético, atuam de modo diverso: mesmo aqueles que mais se assemelham às regras não se aplicam automaticamente e necessariamente quando as condições previstas como suficientes para sua aplicação se manifesta. Dworkin estabelece um paralelo entre as duas espécies normativas afirmando que os princípios possuem um caráter prima facie, ao passo que as regras possuem um caráter definitivo. Assim as regras são aplicáveis na forma de juízo disjuntivos: se os fatos estipulados por uma regra valida se dão, a resposta dada deve ser aceita. Por essa razão, distintamente do que se dá com os principio, um enunciado preciso de uma regra deve levar em conta todas as exceções que ela contém (DWORKIN, apud NOVELINO, 2007, p.73).

A Constituição Federal é fruto de idéias antagônicas, normas conflitantes que deveram ser conciliadas pelo interprete, em obediência ao princípio da unidade da constituição. Esse princípio impede a anulação de normas constitucionais através da harmonização dos interesses consagrados pela constituição. Não existe hierarquia entre normas constitucionais, todas são elaboradas por um mesmo poder, por isso deve haver uma interpretação de forma a harmonizar as normas.

O conflito entre regras jurídicas – conflito no campo da validade – resulta em antinomia própria, ou seja, duas normas regulam uma mesma situação de maneira diversa, o que resulta na necessidade de uma delas ser invalidada, salvo quando for possível introduzir uma clausula de exceção. São três os critérios fornecidos pela doutrina para a solução de uma antinomia jurídica:

1.Critério Hierárquico – havendo conflito entre uma norma inferior e outra superior, esta deve prevalecer sobre aquela;

2.Critério Cronológico – havendo conflito entre duas normas de igual hierarquia prevalece aquela editada posterior;

3.Critério da Especialidade – por esse critério, a norma especial revoga a geral.

No conflito entre princípios, denominado pela doutrina de antinomia imprópria, ambas as normas conflitantes são válidas – conflito no campo da importância. A vista dos elementos do caso concreto, o interprete deverá fazer escolhas fundamentadas, quando se defronte com antagonismo inevitáveis; não se avalia a pertinência de uma das normas ao ordenamento, mas sim qual deverá prevalecer no caso concreto. Aqui não deve haver exclusão, e sim ponderação.

É importante observar que inexiste hierarquia entre princípios e regras, sendo que qualquer uma das espécies normativas poderá prevalece sobre a outra.

BIBLIOGRAFIA

1.CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almeidina. 2ª ed. 1998

2.BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva. 2006

3.BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006

4.ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999

5.GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais 2ª ed. 1991

6.NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para Concursos. Rio de Janeiro: Forense. 2007