A PERMANÊNCIA DO TRATAMENTO EM SAÚDE MENTAL NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO NA LÓGICA MANICOMIAL: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial do título de psicólogo.

Palhoça, 23 de novembro de 2010.

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Prof. e Orientadora Msc. Deise Maria do Nascimento
Universidade do Sul de Santa Catarina

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Prof. Msc. Zuleica Preto
Universidade do Sul de Santa Catarina

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Psicólogo Luiz Gonzaga Cardoso
 Instituto Psiquiatria

RESUMO
MORAES, Geofilho Ferreira. A permanência do tratamento em saúde mental no hospital psiquiátrico na lógica manicomial: relato de uma experiência. 108f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2010.

A permanência do tratamento em saúde mental no modelo hospitalocêntrico desenvolvido na lógica manicomial tem sido questionado há bastante tempo, colocando em pauta reflexões acerca da institucionalização/desinstitucionalização. O objeto em questão no estudo é a internação psiquiátrica, tive como foco identificar práticas de tratamento na lógica manicomial que são desenvolvidas em hospital psiquiátrico. No Brasil, a aprovação da lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, representou um grande avanço nas políticas públicas de saúde mental no Brasil e, a partir desse dispositivo legal, afirma-se a necessidade de que haja a transformação das práticas de intervenção que institucionalizam pessoas na lógica do manicômio. O estudo busca contribuir para a ciência através da produção de conhecimento visando a transformação de práticas manicomiais de intervenção que ainda hoje estão presentes no hospital psiquiátrico. Para a sociedade, o estudo busca contribuir para a afirmação da dignidade e do exercício de cidadania das pessoas que estejam em sofrimento psíquico, objetivando políticas para que ocorra a desinstitucionalização em nosso país. A pesquisa caracteriza-se como exploratória/qualitativa com delineamento de estudo de caso; utilizei entrevista como instrumento para coleta de dados. Participou da pesquisa uma pessoa do sexo feminino que foi internada várias vezes em hospital psiquiátrico, seu esposo foi o segundo participante da pesquisa. Meu trabalho aponta a permanência do tratamento em saúde mental na lógica manicomial sendo praticada nos dias de hoje e indica que a cultura do manicômio ultrapassa os muros do hospital psiquiátrico, estando à institucionalização presente em nossa vida cotidiana na sociedade.

Palavras-chave: Internação psiquiátrica. Lógica manicomial. História de vida. Políticas públicas em saúde mental.

ABSTRACT
MORAIS, Geofilho Ferreira. The permanence of mental health treatment in a psychiatric hospital in asylum logic: account of an experience. 108f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2010.

The permanence of mental health treatment in hospital-centered model developed in asylum logic has been questioned for a long time, putting in hand reflections on the institutionalization / deinstitutionalization The object in question in the study is the psychiatric hospital, had focused on identifying treatment practices in asylum logic that are developed in a psychiatric hospital. In Brazil, the approval of Law No. 10216 of April 6, 2001, represented a major advance in public policy on mental health in Brazil, and from this legal provision, states the need that there is a transformation of practices intervention logic of institutionalized people in mental hospitals. The study seeks to contribute to science through the production of knowledge aimed at transforming asylums intervention practices that are still present in the psychiatric hospital. For society, the study seeks to contribute to the affirmation of the dignity and the exercise of citizenship for people who are in psychological distress, objective policies for institutionalization to occur in our country. The research is characterized as exploratory / qualitative case study design, interview used as an instrument for data collection. Participated in the survey a female person who was hospitalized several times in a psychiatric hospital, her husband was the second research participant. My work points out the permanence of treatment for mental health in asylum logic being practiced today and indicates that the asylum culture beyond the walls of the psychiatric hospital, with the institutionalization present in our everyday life in society.

Keywords:  Psychiatric hospitalization. Mental institutions. Life history. Public policies on mental health
 
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO
9
1.1 TEMA 10
1.2 PROBLEMÁTICA 10
1.3 JUSTIFICATIVA 14
1.4 OBJETIVOS 15
1.4.1 Objetivo geral 15
1.4.2 Objetivos específicos 15
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 16
2.1 A CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA DOENÇA MENTAL E O SURGIMENTO DA PSIQUIATRIA 16
2.1.1 Institucionalização 24
2.1.2 Desinstitucionalização 34
2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE MENTAL 36
2.2.1 A reforma psiquiátrica no Brasil 37
2.2.2 Os serviços substitutivos – Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) 43
2.2.3 Serviços residenciais terapêuticos (SRTs) 44
2.2.4 O Programa De Volta Para Casa 46
2.2.5 Rede de serviços substitutivos de saúde mental em Santa Catarina 47
<2.3 O MOVIMENTO NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL (MNLA) NO BRASIL 48
3 MÉTODO 52
3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA 52
3.2 PESSOAS PARTICIPANTES 53
3.3 EQUIPAMENTOS E MATERIAIS 53
3.4 SITUAÇÃO E AMBIENTE 53
3.5 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS 54
3.6 PROCEDIMENTOS 55
3.7 ANÁLISE DOS DADOS 56
3.8 DIÁRIOS DE CAMPO 57
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 61
4.1 I OBJETIVO 61
4.1.1 Institucionalização na lógica manicomial 62
4.1.2 Organização do aparato arquitetônico no hospital psiquiátrico 63
4.1.3 Contenção mecânica 64
4.1.4 A punição como prática terapêutica institucionalizada 66
4.1.5 O dia a dia no hospital psiquiátrico 70
4.1.6 Relação com o corpo e objetos pessoais 71
4.1.7 Relação com os profissionais na internação psiquiátrica 72
4.1.8 Relação com outras pessoas que estavam internadas na internação psiquiátrica 73
4.2 II OBJETIVO 74
4.2.1 O início da institucionalização na internação psiquiátrica na lógica manicomial 74
4.2.2 Participação da família na vida de P1 e nas internações 76
4.3 III OBJETIVO 80
4.3.1 A permanência ou o rompimento da lógica manicomial? 81
4.3.2 Experiência no serviço substitutivo – CAPS 84
4.3.3 Sentimentos decorrentes da internação psiquiátrica 85
4.4 IV OBJETIVO 92
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 93
REFERÊNCIAS 98
APÊNDICES 105
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO 106
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS 108

1 INTRODUÇÃO
O trabalho de conclusão de curso que realizei na área da saúde mental teve como foco de estudo, práticas que foram ou são desenvolvidas na perspectiva do modelo de intervenção na lógica manicomial em hospital psiquiátrico. A motivação para a escolha da problemática a ser pesquisada me acompanha desde o início do curso de psicologia, tendo mais ênfase na 8ª fase do curso, a partir de reflexões nas disciplinas: Saúde Mental Coletiva e Estágio em Saúde Mental Coletiva; e principalmente, por realizar estágio não curricular desde outubro de 2009 em um hospital psiquiátrico no estado de Santa Catarina.
A pesquisa está vinculada ao Núcleo Orientado da Saúde que faz parte da grade curricular do curso de psicologia da UNISUL. Eu como estagiário, o projeto de pesquisa e a professora orientadora estiveram integrados ao projeto de Mediação Familiar, que está implantado no Fórum de São José e atende situações que envolvem conflitos familiares e demandas da Vara de Família (separação judicial, divórcio, dissolução de união estável, guarda, alimentos, visitas). Devido ao estágio oferecido no projeto está integrado ao Núcleo Orientado da Saúde, permite discussões acerca da relação Psicologia e Saúde, e diante do meu interesse e pela relevância da pesquisa a ser desenvolvida, os orientadores do mesmo compreenderam ser pertinente e possível o projeto ser desenvolvido integrado ao projeto de Mediação Familiar.
De acordo com as normas técnicas de trabalhos científicos desenvolvidos na UNISUL, o trabalho de pesquisa foi dividido em cinco partes, a primeira parte é a introdução, composta pela problemática, justificativa e objetivos, onde apresento o contexto da temática para se assinalar o recorte do fenômeno da pergunta que nortearam os objetivos do projeto de pesquisa; autores como Franco Basaglia, Franco Rotelli, Michel Foucault, Erving Goffman, Walter Oliveira, entre outros, contribuíram nas reflexões apresentadas nas discussões iniciais, bem como na fundamentação teórica. A segunda parte compõe-se da fundamentação teórica, que foi dividida em unidades e subunidades. E na terceira parte do projeto de pesquisa apresento o método, descreve os procedimentos que foram empregados no desenvolvimento do projeto. Na quarta parte, apresento a análise e discussões dos dados, que analisei a partir do referencial teórico que fundamentaram o projeto de pesquisa. Na quinta e última parte do meu trabalho de conclusão de curso, apresento as considerações finais, assinalo as conclusões que pude fazer a partir do estudo realizado.

1.1 TEMA
A permanência do tratamento em saúde mental no hospital psiquiátrico na lógica manicomial: relato de uma experiência.


1.2 PROBLEMÁTICA
O modelo de assistência hospitalar psiquiátrica desenvolvido na lógica manicomial para o tratamento de pessoas que estejam em sofrimento psíquico tem sido questionado há bastante tempo, não só no Brasil, mas no mundo. Basaglia (1978) com a proposta de implantação da Lei 180 na Itália e a publicação do seu livro: A instituição negada (1985); Michel Foucault com sua obra: A história da loucura (1978); Erving Goffman com o seu livro: Manicômios, prisões e conventos (1961), em que relata suas observações sobre a vida de pessoas que estiveram internadas em instituições, são exemplos de relatos e críticas que na contemporaneidade, faz pensar sobre a institucionalização/desinstitucionalização, sobre pessoas em sofrimento psíquico que viveram esse processo de internação psiquiátrica na lógica manicomial e como estas enfrentaram essa situação.
A desinstitucionalização propõe uma mudança de paradigma na assistência em saúde mental, tendo como ação a criação de serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), as Residências Terapêuticas (SRTs), as emergências psiquiátricas, leitos em hospitais gerais, bem como a criação de leis, portarias, programas do governo que regulamentem esses serviços.
Sobre a crítica a internação psiquiátrica desenvolvida na lógica manicomial, uma das pessoas mais conhecidas no Brasil na luta antimanicomial foi o paranaense Austregésilo Carrano, considerado um marco no movimento antimanicomial em nosso país. Em 2001, Carrano publicou o livro autobiográfico: “Canto dos malditos”, onde relata a experiência que teve nos hospitais psiquiátricos e denuncia o tratamento desumano realizado na lógica manicomial praticada nessas instituições. No seu livro, Carrano enfatiza principalmente, os três anos e meio em que ficou internado em hospitais psiquiátricos no estado do Paraná, sendo submetido a 21 eletrochoques e a usar medicamentos com fortes efeitos colaterais, que, como Carrano citou, o deixaram em uma "prisão química", deixando-o revoltado por ter perdido anos de sua juventude (CARRANO, 2003).
O livro de Carrano recebeu 43 prêmios nacionais e oito internacionais, sendo censurado em 2001 e retirado de circulação em 2003, mas uma nova decisão da justiça permitiu a sua reedição em 2005 (PRADO, 2008); foi a primeira vez que uma obra literária foi cassada desde a ditadura (CARRANO, 2003).
Carrano Bueno morreu em 27 de maio de 2008, aos 51 anos de idade, em São Paulo, por uma infecção provocada por um câncer no fígado (PRADO, 2008).
O filme “Bicho de sete cabeças” lançado em 2001 foi inspirado no livro de Carrano; retrata como funcionavam os hospitais psiquiátricos naquela década e o sofrimento de quem estivesse em instituições com características manicomiais (PRADO, 2008).
A experiência relatada por Carrano me fez refletir e questionar sobre os serviços de assistência em saúde mental no Brasil, pensar sobre o estigma que as pessoas em nossa sociedade têm em relação aqueles que estão em sofrimento psíquico ou simplesmente se comporta de modo contrário ao comportamento tido como normal que é estabelecido pela sociedade.
Em entrevista concedida em 2003, a Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS), Carrano falou sobre as internações psiquiátricas que viveu:

No meu caso, foram três anos e cinco meses de entra-e-sai em chiqueiros psiquiátricos. [...] Nós, usuários e não-usuários que fomos violentados dentro dessas casas de extermínio, exigimos os mesmos direitos constitucionais que receberam os presos políticos na época da ditadura militar. Foram indenizados, e muito bem. [...] Costumo citar o meu caso como exemplo de como esta experiência como cobaia psiquiátrica interferiu em minha vida.
Minha formação profissional foi anulada de forma estúpida por um erro médico-psiquiátrico. Três anos e meio de minha adolescência e de meu preparo profissional prejudicados. As seqüelas físicas e emocionais que abalam toda uma formação de comportamento, temperamento e efeitos em ações tomadas. Os preconceitos sociais enfrentados dia a dia, quando tomam conhecimento de seu histórico psiquiátrico, o que muitas vezes gera medo nas pessoas. Tudo somado leva ao preconceito agressivo, tanto físico como moral. Existem, assim, grandes chances de esses sobreviventes psiquiátricos serem levados ao isolamento social, ou seja, a uma destruição total do seu processo de reinserção, caso não tenha ajuda profissional como a que nós damos na Rede de Trabalhos Substitutivos aos Hospitais Psiquiátricos Brasileiros. [...] Isto é fazer justiça social, ao contrário das esmolas sociais (CARRANO, 2003, s/p).

Consolidando a luta do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, com a bandeira levantada por Carrano contra o modelo de tratamento em saúde mental na lógica manicomial, considero que essa lógica de tratamento teve importante influência na cronificação do sofrimento psíquico de pessoas; no Brasil, a aprovação da lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos da pessoa com transtorno mental e que redireciona o modelo assistencial em saúde mental em nosso país, representou um grande avanço nas políticas públicas de saúde mental no Brasil e, a partir desse dispositivo legal, confirmou-se a necessidade de que se haja a transformação de práticas de modalidades de intervenção que são disponibilizadas as pessoas que estão passando por algum sofrimento psíquico.
A partir da lei da reforma psiquiátrica brasileira, na lógica da desospitalização, ocorreu a redução de leitos em hospitais psiquiátricos, em 2001 havia 52.962 leitos, no ano de 2009 esses leitos foram reduzidos para 35.426 (BRASIL, 2001). Apesar de ter havido uma redução no número de internações psiquiátricas em nosso país, na maior parte dos estados, o principal recurso de atenção a crise a pessoas que estão em sofrimento psíquico ainda é a internação psiquiátrica, que ocorre em hospitais especializados, como aponta a pesquisa de Brito (2004) realizada no Rio de Janeiro. Essa realidade também ocorre no estado de Santa Catarina, neste estado há 738 leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) para internação psiquiátrica, sendo a maioria desses leitos disponibilizados em hospitais psiquiátricos especializados distribuídos em quatro estabelecimentos de saúde (BRASIL, 2009a). Três desses hospitais psiquiátricos estão localizados na Região da Grande Florianópolis e um destes na cidade de Criciúma (SANTA CATARINA, 2010).
No contexto apresentado, questiono a existência do tratamento em saúde mental na lógica manicomial, defendo meios menos invasivos de intervenção, que não seja a internação em hospitais psiquiátricos, que pelos dados apresentados acima e com base em outras pesquisas que serão apresentadas no desenvolvimento do meu estudo, esses procedimentos garantidos pela Lei não ocorrem em Santa Catarina (SC) e parece ser essa a realidade nos demais estados do Brasil.
Corroboro com Delgado (1997 apud MACHADO; COLVERO, 2003, p. 676), quando afirmam que a implantação de unidades psiquiátricas em hospitais gerais "não serão a salvação da reforma psiquiátrica", mas a inclusão dessas unidades em hospitais gerais podem contribuir para a dignidade à atenção em pessoas que estejam em sofrimento psíquico, podendo favorecer à relação de aceitação, solidariedade e compreensão que as demais pessoas da sociedade não têm para com a pessoa que está vivendo essa situação; pois o ser humano só aprende a lidar com a diferença quando este convive com esta.
Parafraseando Carrano:

 “Não sou contra a psiquiatria, a saúde mental”. Sou contra o modelo de intervenção de atenção a crise a pessoas que estiveram ou estão em sofrimento psíquico, contra práticas de intervenção desenvolvidas na lógica manicomial na internação psiquiátrica em hospitais especializados, “que vem se aplicando no Brasil, que é você confinar pessoas em hospitais psiquiátricos” (CARRANO, 2003, s/p).

O que questiono neste trabalho de conclusão de curso como pesquisador em relação a internação psiquiátrica são as práticas de tratamento por quais as pessoas que viveram ou estão vivendo essa situação foram submetidas; ao ambiente onde estas práticas são desenvolvidas, sendo este ambiente um hospital psiquiátrico especializado. Na minha pesquisa esse tipo de aparato à assistência de atenção a crise a pessoas em sofrimento psíquico caracterizado nessa perspectiva não é compreendida como sendo modelo de intervenção que respeite os direitos dos usuários.
Concordo com a crítica de Oliveira et al. (2009), de que é historicamente o manicômio o local de escolha para tratar pessoas que estejam vivendo algum sofrimento psíquico; as atitudes estigmatizantes das pessoas em relação a pessoa que é vista nesta situação também constituem essa lógica de tratamento.
Laube e Pinto (2008) confirmam a minha posição de que o tratamento realizado no serviço substitutivo é eficaz, estas autoras analisaram prontuários de 42 usuários do CAPS III em Cascavel Paraná, no último ano apenas 4 destes tiveram de ser submetidos a novas internações. Esses dados indicam que Acompanhamento, tratamento e a intervenção psicossocial são eficientes no seu contexto e mostram a ineficácia do tratamento no manicômio.
Será se o serviço de saúde mental na modalidade internação psiquiátrica, realizada num hospital especializado, o período que a pessoa viveu nesta internação, teve como proposta e prática contribuir à preservação da dignidade, a reintegração psicossocial de sua subjetividade e de seus direitos? Será que a intervenção terapêutica realizada na internação psiquiátrica, da qual a pessoa esteve sob atenção abordaram o objeto: a “existência – sofrimento” (ROTELLI, 1990, p. 89) dessa pessoa e a relação destas com o seu corpo?
Embora com avanços conquistados, principalmente em 2001, a partir da sanção da Lei 10.216, a saúde mental brasileira ainda continua carente de transformações. Diante desse contexto, realizei a seguinte pergunta de pesquisa:
Que práticas de intervenção de atenção a crise podem ter sido desenvolvidas na lógica manicomial em hospital psiquiátrico a partir do relato de uma pessoa que tenha vivido a situação de internação psiquiátrica?


1.3 JUSTIFICATIVA
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde 2001 (ONU), 450 milhões de pessoas com transtorno mental ainda estão sem acesso aos serviços especializados, principalmente, nos países em desenvolvimento. As verbas orçamentárias para a saúde mental, na maioria dos países, representam menos de 1% dos gastos totais em saúde; 40% dos países não investem em políticas de saúde mental (BRASIL, 2002d).
A saúde mental possui dimensão ampla, que se constitui por diversos fenômenos complexos que estão em constantes transformações. Cada vez mais, os fenômenos relacionados a saúde mental variam gerando novas discussões, novos conceitos ou desconstrução de conceitos, tornando-se um campo fértil e necessário à realização de novas pesquisas. Saúde mental é um tema que envolve vários fatores, tais como sociais, financeiros, políticos, conceituais que interferem diretamente neste processo, estando e sendo influenciado sob esses fatores o sofrimento psíquico que acomete as pessoas. As discussões que giram em torno da loucura; da pessoa em sofrimento psíquico, das práticas de tratamento disponibilizadas a essas pessoas; das políticas de saúde pública, que devem ser planejadas para inserir-se neste contexto indicam a relevância de pesquisas nesse campo.
Há na literatura diversos trabalhos que foram realizados em hospitais psiquiátricos ou relacionados a estas, são pesquisas realizadas com pessoas moradoras dessas instituições ou com profissionais que trabalham nas mesmas. Trabalhos como de Barreto, Büchele e Coelho (2008); Andrade e Lavrador (2007); Brito (2004); Pacheco et al (2003); Costa (2002); Spricigo (2001); Reverbel (1996); Rotelli et al. (1990); Basaglia (1985); Goffman (1961). Os trabalhos realizados apresentam críticas às práticas de intervenção desenvolvidas na lógica manicomial e estão constituindo a fundamentação teórica do meu trabalho.
A principal relevância social do estudo é contribuir para a afirmação da dignidade e do exercício de cidadania das pessoas que estejam em sofrimento psíquico, para que de fato aconteça a desinstitucionalização, pois defendo a transformação de práticas de intervenção que são desenvolvidas na lógica manicomial que estão enraizadas nos serviços de saúde, nas atitudes dos profissionais que atuam na saúde mental e áreas afins. Também essa lógica manicomial está presente no modo de elaboração e aplicação de políticas públicas em saúde mental que são desenvolvidas em nosso país.
No âmbito da saúde mental, no estudo pretendi contribuir para a produção do conhecimento científico em psicologia, para que a produção de verdades acerca do sofrimento psíquico de pessoas seja referenciada a partir da compreensão das mesmas.
No meu trabalho, busquei contribuir principalmente às práticas de intervenção de atenção a crise, para que quando pessoas optarem ou necessitar de uma internação psiquiátrica, que esta não ocorra em instituições onde prevaleça práticas de intervenção na lógica manicomial, pois pela bibliografia presente no meu trabalho e pelo estudo que realizei, essas práticas podem possibilitar de modo significativo a cristalização do sofrimento psíquico.


1.4 OBJETIVOS
1.4.1 Objetivo geral
Compreender práticas de intervenção de atenção a crise que podem ter sido desenvolvidas na lógica manicomial, na modalidade de internação psiquiátrica.

1.4.2 Objetivos específicos
a) Caracterizar práticas de intervenção de atenção a crise que podem ter sido desenvolvidas na lógica manicomial em hospital psiquiátrico, a partir do relato de uma pessoa que tenha vivido essa situação;
b) Descrever a partir do relato do entrevistado como ocorreu sua internação psiquiátrica;
c) Descrever a percepção da pessoa sobre sua vida antes e depois dela ter vivido a situação de internação psiquiátrica;
d) Verificar se a pessoa que viveu a situação de internação psiquiátrica teve esclarecimento sobre os seus direitos enquanto usuária do serviço de saúde mental.


2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
“Foi numa época relativamente recente que o Ocidente concedeu à loucura um status de doença mental.” (FOUCAULT, 1975, p. 74).


2.1 A CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA DOENÇA MENTAL E O SURGIMENTO DA PSIQUIATRIA
Diversos autores escreveram ou realizaram pesquisas sobre a institucionalização de pessoas em sofrimento psíquico, os denominados loucos; um dos principais autores que se tornou referência para essa reflexão é Michel Foucault. Foucault escreveu obras e textos sobre ou relacionadas ao assunto como: a história da loucura (1978); a constituição histórica da doença mental, conxtido no livro: doença mental e psicologia (1975); o Nascimento da Clínica (2001); O poder psiquiátrico (1997). No primeiro capítulo da fundamentação teórica utilizei como texto base o texto de Foucault: “a constituição histórica da doença mental”, nesse texto Foucault atribui à loucura como fundadora da psicologia. Como complemento a este capítulo, utilizei escritos de Lancetti e Paulo Amarante e Rui Carlos Stockinger, ao escreverem sobre a história da loucura ou da compreensão sobre o louco estes autores fundamentam suas reflexões nos trabalhos desenvolvidos por Foucault.
Para o entendimento do leitor e contextualização do mesmo sobre a problemática que apresento neste trabalho, senti ser necessário para entender a dimensão da institucionalização/desinstitucionalização escrever sobre os movimentos sociais que reivindicaram a reforma psiquiátrica; a construção dos serviços substitutivos e para que se entenda o tratamento na lógica manicomial ainda praticada com as pessoas em sofrimento psíquico pelos recursos humanos dos serviços de saúde, entendi ser necessário que o leitor tenha o conhecimento acerca da constituição histórica da doença mental, articulada com a história do surgimento da psiquiatria.
Utilizo o termo “lógica manicomial” no trabalho a partir da compreensão de Oliveira et al. (2009, p. 34), de que é “o manicômio, historicamente, o local de escolha para o tratamento psiquiátrico e por ali ter se desenvolvido a prática clínica que fundamenta o conhecimento psiquiátrico sobre a doença mental”. Neste contexto, a pessoa em sofrimento psíquico é excluída e vista como objeto (OLIVEIRA, 2009).
Além da lógica manicomial estar relacionada ao confinamento de pessoas em manicômios, as atitudes estigmatizantes de profissionais e das pessoas da comunidade se relacionar com o usuário dos serviços públicos e privados de saúde mental, também estabelecem elementos institucionais e subjetivos que constituem a perspectiva do modelo do tratamento no manicômio (OLIVEIRA et al., 2009).

De acordo com Stockinger (2007), a loucura na Grécia Antiga era considerada uma manifestação divina, a pessoa em sofrimento psíquico era entendida pela sua excentricidade supersticiosa, ela era considerada dotada de determinada sabedoria profética e transformadora. Neste período não havia ainda a segregação do louco. O método de tratamento empregado a essas pessoas era pelo sono e incubação nos templos esculapianos, imaginava-se que quando elas sonhavam com o deus dos mortais (Esculápio), da saúde e da medicina e com outros deuses, os sintomas que elas apresentavam poderiam desaparecer.
Na idade média a pessoa que estivesse em sofrimento psíquico, “o louco”, era considerado um “possuído”, eram ignorados e aprisionados pelos significados atribuídos pela religião, como mágicos, perversões sobrenaturais. Essas pessoas definidas como possuídas eram “doentes mentais”; mas como disse Foucault (1975, p. 74), isso foi um erro de raciocínio: “deduz-se que se os possuídos eram na verdade loucos, os loucos eram tratados realmente como possuídos. De fato, o complexo problema da possessão não revela diretamente de uma história da loucura, mas de uma história das idéias religiosas”.
No século XV, o manual: Martelo das feiticeiras (aprovado pela Universidade de Colônia) descrevia que os loucos, além daquelas pessoas excluídas da sociedade, que não houvesse encontrado razão observável orgânica para seus sintomas, eram considerados tomados por feitiços e demônios. Eles eram julgados por ambição, luxúria, infidelidade e por suas tendências sensuais (STOCKINGER, 2007).
No século XVI ao XVII, a medicina interferiu por duas vezes no problema da possessão, a primeira vez através de J. Weyer a Duncan (de 1560-1640), a pedido dos Parlamentos, dos governos, da igreja católica, contra certas ordens monásticas de práticas da Inquisição. Os médicos tiveram de mostrar que todos os pactos e ritos diabólicos podiam ser explicados pelos poderes de uma imaginação desregrada (FOUCAULT, 1975).
De 1680 a 1740, ocorre a explosão de misticismo protestante e jansenista, desencadeada pelas perseguições do final do reinado de Luis XIV, a medicina é solicitada a interferir pela segunda vez no problema da possessão a pedido da Igreja católica e do governo. Os médicos tiveram de mostrar que todos os fenômenos do “êxtase, da inspiração, do profetismo, da possessão pelo Espírito-Santo” eram causados pelos heréticos, tidos como demonizados ou feiticeiros (FOUCAULT, 1975, p. 75).
Os loucos eram exorcizados em rituais demoníacos, na Santa Inquisição da Igreja Católica, várias dessas pessoas, além dos judeus ou quaisquer outras pessoas consideradas como ameaça a instituição católica, eram martirizadas em tribunais religiosos, quase sempre queimadas nas fogueiras (STOCKINGER, 2007).
A doença mental “não é resultante de um esforço essencial para o desenvolvimento da medicina; é a própria experiência religiosa que, para se apoiar, apelou, e de modo secundário, para a confirmação e a crítica médicas.” (FOUCAULT, 1975, p. 75).
Mais tarde, a contraposição da medicina aos fenômenos considerados pela religião, a crítica foi feita a Igreja Católica “para mostrar ao mesmo tempo, e de modo paradoxal, que a religião depende dos poderes fantásticos da neurose, e que aqueles que a religião condenou eram vítimas”, ao mesmo tempo de sua “religião e de sua neurose” (FOUCAULT, 1975, p. 75). Neste período a definição da doença mental no modelo positivista já tinha sido alcançada (FOUCAULT, 1975, p. 75).
Desde a medicina grega, uma parte da loucura já era dominada pelas noções de patologia e as práticas que a ela se relacionavam. Na idade média, os hospitais alojavam, na sua maior parte, como o Hôtel-Dieu de Paris, leitos fechados reservados para os loucos (FOUCAULT, 1975).
Durante o Renascimento (século XV) na Europa (Espanha e depois na Itália) surgem as primeiras instituições destinadas aos loucos, estes são submetidos a tratamentos inspirados na medicina árabe. Neste período de acordo com Foucault (1975, p. 77), até o ano de 1650, a cultura ocidental não repugnou esses tipos de manifestação: a “loucura é no essencial experimentada em estado livre, ou seja, ela circula, faz, parte do cenário e da linguagem comuns, é para cada um uma experiência cotidiana que se procura mais exaltar do que dominar”.
Em meados do século XVII, o mundo da loucura torna-se o mundo da exclusão, cria-se em toda a Europa instituições para internação não só dos loucos, mas toda uma variedade de pessoas como: os inválidos pobres, as pessoas idosas que estavam na miséria, os mendigos, os desempregados opiniáticos, pessoas com doenças venéreas, libertinos de toda espécie; enfim, seriam internadas todas as pessoas que em relação à “ordem da razão, da moral e da sociedade, dão mostras de “alteração” (FOUCAULT, 1975, p. 78).
As primeiras casas de internamento surgem na Inglaterra nas regiões de: Worcester, Norwich, Bristol, eram as regiões mais industrializadas deste país. Em 1656 foi fundado em Paris o Hospital Geral, a partir desta data, essas instituições foram destinadas aos pobres de Paris, de todos os sexos, lugares e idades, inválidos, doentes ou convalescentes; pessoas que se apresentavam voluntariamente ou eram encaminhadas pela autoridade real ou judiciária foram recolhidas. Foucault (1997) denominou essas macroinstitituições de: “A Grande Internação” quando se refere a essas instituições asilares. Era preciso cuidar da subsistência dessas pessoas, pela boa conduta e pela ordem geral.
O objetivo da existência desses hospitais não eram cuidar dos loucos e das demais pessoas que foram alojadas nessas instituições, a assistência era para que essas pessoas não fizessem mais parte da sociedade. Nesses hospitais as pessoas foram forçadas a trabalhar, fabricam-se objetos diversos que são lançados a preço baixo no mercado para que o lucro permita ao hospital funcionar; além disso, a função do trabalho forçado também está relacionada a sanções e de controle moral.
Compreendo a partir de Foucault (1997) que neste período as pessoas incapazes de produzir por qualquer motivo, eram confinadas nestas instituições por não poderem acompanhar o mundo moderno, por não poderem participar de modo ativo na reestruturação da economia.
Para Stockinger (2007), no período do Iluminismo, com a ênfase no racionalismo e a predominância do modelo mercantilista, a exclusão por parte da religião aos loucos e demais pessoas refere-se principalmente a fatores econômicos, ocorre à criação de abrigos para essas pessoas que não conseguiam ter um aproveitamento produtivo para movimentar o mercado. A loucura passou a ser entendida como desrazão, desqualificantes morais eram atribuídos a loucura.
Nas palavras de Foucault que apresento na citação a seguir, ele fez uma avaliação de atribuições que são dadas à loucura, como a descoberta a respeito da mesma que ocorriam de forma progressiva, atribuindo-lhe culpa pelo que seja errado, pelo que seja imoral, pela desrazão; esses atributos que cristalizaram na loucura não fazem parte dela em si, mas é sim o acúmulo histórico, que foi sobrepondo ao longo de sua construção.

Não nos espantemos que se tenha desde o século XVIII descoberto uma espécie de filiação entre a loucura e todos os “crimes do amor”, que a loucura tenha-se tornado, a partir do século XIX, a herdeira dos crimes que encontram, nela, ao mesmo tempo sua razão de serem, e de não serem crimes; que a loucura tenha descoberto no século XX, em seu próprio centro, um núcleo primitivo de culpa e de agressão. Tudo isto não é a descoberta progressiva daquilo que é a loucura na sua verdade de natureza; mas somente a sedimentação do que a história do Ocidente fez dela em 300 anos. A loucura é muito histórica do que se acredita geralmente, mas muito mais jovem também (FOUCAULT, 1975, p. 79).

Em meados do século XVIII, o louco faz sua reaparição na vida cotidiana da sociedade. Surgem denúncias ao tratamento utilizado nas casas de recolhimentos, repugnação popular a essas instituições, e “crítica econômica das fundações e da forma tradicional da assistência”. O internamento dos loucos torna-se medida de caráter médico, Pinel na França, Tuke na Inglaterra e na Alemanha, Wagnitz e Riel ligaram seus nomes a esta reforma (FOUCAULT, 1975).
Para Foucault (1975, p. 80): “Pinel, Tuke, seus contemporâneos e sucessores não romperam com as antigas práticas do internamento; pelo contrário, eles as estreitaram em torno do louco”.
Pinel, considerado o pai da psiquiatria, em Bicêtre, “libertou os acorrentados”, ele rompeu com essas ligações materiais que reprimiam fisicamente aos loucos. Mas reconstituiu em torno deles um tratamento moral, transformando o manicômio num tribunal assistido por todo o tempo. O louco tinha que ser vigiado nos seus gestos, ridicularizado nos seus erros; o médico exercia um controle ético sobre o louco invés de realizar uma intervenção terapêutica (FOUCAULT, 1975, p. 81).
Foucault (1975) em sua obra, descreve as práticas de tratamento dado ao louco, a pessoa em sofrimento psíquico era submetida à ducha ou ao banho para refrescar seus espíritos ou suas fibras; era injetado sangue fresco para renovar sua circulação perturbada; tentava-se provar nela impressões vivas para modificar o curso da sua imaginação.
Leuret submeteu seus “doentes” a uma ducha gelada na cabeça, realizando um diálogo durante o qual os forçavam confessar que suas crenças são apenas delírio. Também neste período foi inventada uma máquina rotatória onde se colocava o “doente” a fim de que o curso de seus espíritos demasiado fixo numa idéia delirante fosse recolocado em movimento e reencontrasse seus circuitos naturais. No século XIX essa invenção é aperfeiçoada para um caráter estritamente punitivo, a cada manifestação delirante do doente fazia-se girá-lo até desmaiar; se este não havia se arrependido, era empregado uma gaiola móvel que gira sobre si mesma segundo um eixo horizontal e cujo movimento é tanto mais vivo quanto esteja mais agitado ao louco que estava preso (FOUCAULT, 1975).
Pinel e seus sucessores entenderam esses métodos não mais como terapia fisiológica, mais sim com um caráter puramente repressivo e moral, passaram a aplicar esse recurso quando o louco cometia o que eles elegiam como sendo um erro (FOUCAULT, 1975).
Ora, é a partir deste momento que a loucura deixou de ser considerada um fenômeno global relativo, ao mesmo tempo, por intermédio da imaginação e do delírio, ao corpo e à alma. [...]. Não nos surpreendamos, conseqüentemente, se toda a psicopatologia — a que começa com Esquirol, mas a nossa também, for comandada por estes três temas que definem sua problemática: relações da liberdade com o automatismo; fenômenos de regressão e estrutura infantil das condutas; agressão e culpa. O que se descobre na qualidade de “psicologia” da loucura é apenas o resultado das operações com as quais se a investiu. Toda esta psicologia não existiria sem o sadismo moralizador no qual a “filantropia” do século XIX enclausurou-a, sob os modos hipócritas de uma “liberação.” (FOUCAULT, 1975, p. 82-83).

A loucura para Foucault (1975, p. 83) foi fundadora da psicologia e de toda a sua possibilidade de trabalho: a origem histórica da psicologia “objetiva”, “positiva” ou “científica” fundamenta-se numa experiência patológica.
Foucault (1975, p. 84) complementa dizendo que: “Nunca a psicologia poderá dizer a verdade sobre a loucura, já que é esta que detém a verdade da psicologia”. Nesta citação, entendo que Foucault quer dizer que, não foi a psicologia que produziu a verdade sobre a loucura, a psicologia só se apropriou dessa verdade já produzida sobre a loucura para se constituir como ciência.
Para Stockinger (2007) Foi a partir de Philippe Pinel que a loucura passou a ter o status médico de doença, surgindo a psiquiatria. A partir do método de Pinel de identificar as patologias, observá-las, descrevê-las minuciosamente, classificá-las e separá-las, surge a produção e construção do saber e da prática clínica (LANCETTI; AMARANTE, 2006).
A psiquiatria nasce como produto das relações hospitalares e não o contrário. Surge como uma especialidade para tratar dos asilados, os miseráveis, pessoas tidas como libertinas, hereges, bêbados e sifilíticos confinados nos hospitais europeus daquela época (STOCKINGER, 2007).
Pinel criou a primeira modalidade de organização da psiquiatria: o alienismo ou alienação mental, ele começou a retirar do hospital todos os que não eram considerados enfermos e a dar-lhes outros destinos; para ele somente as pessoas doentes deveriam ficar no hospital, passando a separar as pessoas de acordo com os tipos de enfermidade (LANCETTI; AMARANTE, 2006).
A “alienação mental” foi o primeiro conceito utilizado na medicina para nomear o que então era denominado de loucura. O livro: Tratado Médico-Filosófico da Alienação Mental ou Mania, escrito por Pinel, é um marco na fundação do saber psiquiátrico, esse tratado se tornou fonte obrigatória de consultas e estudos dos psiquiatras por um longo período de tempo. O termo alienação provem do latim alienatio, que significa: separação, ruptura, delírio, estar fora de si, fora da realidade; alienígena, (estrangeiros, que pode remeter a idéia de alguém que vem de fora, de outro mundo, de outra natureza) (LANCETTI; AMARANTE, 2006, p. 617).
Nomear alguém de alienado nessa época, conforme os autores acima significaria que esta pessoa estava incapaz de participar da sociedade. Na Idade da Razão, as pessoas que eram identificadas como alienadas eram excluídas do convívio com a comunidade. Para Pinel, “a alienação mental seria fruto, não de uma perda total da Razão, mas de um distúrbio na Razão, O que é paradoxal, pois a Razão é um conceito absoluto. Uma pequena alteração na Razão implica que não existe Razão verdadeira” (LANCETTI; AMARANTE, 2006, p. 618).
Uma das necessidades de internação de pessoas que estivessem em sofrimento psíquico decorre da probabilidade de que o louco seja perigoso, representando risco para si próprio e para a sociedade. Pinel aconselhava que todos os alienados fossem isolados de suas famílias e de todo o convívio social, estes deveriam estar confinados em uma instituição onde não existissem interferências indesejáveis a observação e ao conhecimento científico.
Compreendo que Pinel acreditava que a subjetividade humana poderia ser observada de maneira neutra como se observa um objeto ou animal em laboratório, para ele a internação de uma pessoa em uma instituição bem-estruturada poderia contribuir para a reorganização da própria pessoa, a própria instituição por si mesma tornar-se-ia a esta pessoa uma espécie de tratamento vigiado e punitivo. Pinel com seu tratamento moral, que consistia em regras, princípios rotinas, etc. - tinha como “objetivo reorganizar o mundo interno dos sujeitos institucionalizados” (LANCETTI; AMARANTE, 2006, p. 619).
O sucessor de Pinel, o alienista Jean Etienne Esquirol (1772-1840), contribuiu para a permanência da prática pineliana, prevalecendo em seu pensamento a crença de que o tratamento aos alienados deveria ter como local exclusivo o manicômio.  O isolamento de pessoas em manicômios se consolida não só com o objetivo de experimentar um modelo de tratamento, mas o isolamento dos alienados surge como condição médica necessária (STOCKINGER, 2007).
Jean Antenon, pesquisador das doenças infecto-contagiosas, reforçou essa prática de tratamento que era realizada as pessoas em sofrimento psíquico, dizendo que: “era necessário isolar para melhor tratar” (STOCKINGER, 2007, p. 25).
As instituições na perspectiva de intervenção na lógica manicomial tratam a pessoa em sofrimento psíquico, desvinculando-a de todo o seu contexto social, o objetivo destas no tempo de Pinel era apreender de forma “pura”, “a doença e suas implicações e não o doente o objeto a ser classificado” (STOCKINGER, 2007, p. 25).
Sobre o funcionamento dos hospitais psiquiátricos, Lancetti e Amarante (2006, p. 219), afirmam que estes “são calcados em práticas de tutela, disciplina, vigilância e controle”. Ainda hoje se pode observar e tem notícias desse tipo de tratamento sendo aplicado em diversos hospitais psiquiátricos do Brasil e do mundo.
Os hospitais não nasceram como instituição à prática de atuação da medicina, estes eram instituições de hospedagem para alojar pessoas. Surgiram como instituições religiosas, filantrópicas, para cuidar dos necessitados, dos mendigos, dos miseráveis. As pessoas que eram alojadas nos hospitais eram pessoas paupérrimas com poucas condições econômico-sociais com variados tipos de doenças (LANCETTI; AMARANTE, 2006).
Institucionalização e desinstitucionalização
A proposta de ter desenvolvido este capítulo foi para que o leitor tivesse noção sobre compreensões acerca do processo de institucionalização de pessoas no tratamento na lógica manicomial, e apresentar a desinstitucionalização que tem como proposta o desmonte desse processo, a partir da crítica de Rotelli e Mauri (1990). O estudo de Brito (2004); Costa (2002); Reverbel (1996); Basaglia (1985) e Goffman (1961). Estes autores nos apresentam reflexões sobre as práticas que institucionalizam e violam o direito das pessoas que estejam em sofrimento psíquico.
No meu trabalho, a compreensão sobre a institucionalização e a desinstitucionalização é fundamentada com base no pensamento de Basaglia (1985); Rotelli e Mauri (1990), também apresentarei compreensão de outros autores sobre a temática, como Oliveira et al. (2009); Foucault (1975); Goffman (1961) e Amarante (2003).
Os termos que utilizei na fundamentação teórica deste trabalho indicam qual perspectiva teórica estou considerando para a construção e conclusão da pesquisa, e serão apresentados no desenvolvimento da mesma.
Dividi o capítulo em duas partes, a primeira centra-se nas práticas institucionalizantes que perpetuam a lógica manicomial, e apresento estudos sobre as instituições, em especial, a instituição psiquiátrica que tem como estrutura arquitetônica o hospital psiquiátrico. Na segunda parte do capítulo: desinstitucionalização escrevo sobre este processo na perspectiva apresentada por Rotelli e Mauri (1990).


2.1.1 Institucionalização
Em pesquisa desenvolvida por Brito (2004) “Internação Psiquiátrica Involuntária e a Lei 10.216: Reflexões acerca da garantia de proteção aos direitos da pessoa com transtorno mental”, a autora teve como objetivo estudar o “aspecto da proteção e dos direitos das pessoas com transtorno mental internadas involuntariamente de acordo com o que determina a Lei 10.216 de 6 de abril de 2001”. Através de um estudo de campo, Brito buscou verificar se a aprovação da lei e a participação do Ministério Público na fiscalização das internações involuntárias promoveram mudanças às pessoas com transtorno mental e na prática da emergência psiquiátrica hospitalar.
A autora realizou a pesquisa na emergência de uma instituição psiquiátrica integrada ao Sistema Único de Saúde, no município do Rio de Janeiro. Para a fundamentação teórica da pesquisa, Brito estudou as principais leis brasileiras referentes à saúde mental e utilizou como instrumento de coleta de dados entrevista semi-estruturada, diário de campo e a observação participante.
Participaram da pesquisa: sete médicos psiquiatras do setor de emergência do hospital, sendo: um médico psiquiatra perito do Ministério Público e dois promotores da Promotoria de Cidadania do Ministério Público do Rio de Janeiro. A pesquisadora verificou a atuação do ministério público estadual do Rio de Janeiro no controle e acompanhamento da internação psiquiátrica involuntária (IPI) em relação à organização do cumprimento dos termos estabelecidos pela legislação.
O relatório final da pesquisa De Brito, principalmente o relato das observações realizadas no campo onde ocorre a prática psiquiátrica, está centrado na internação psiquiátrica involuntária, como os profissionais atuam na realização deste procedimento, como a pessoa em crise e seus acompanhantes vêem a internação, em que circunstâncias os médicos optam por realizá-la.
De acordo com os resultados do estudo de campo realizado por Brito (2004), ela concluiu que, no Rio de Janeiro, a internação psiquiátrica ainda continua sendo o principal recurso de tratamento, identificando que a comunicação ao Ministério Público da lei 10.216/01 ainda não garantiu a proteção dos direitos das pessoas que estejam em sofrimento psíquico, não mudou a prática exercida pela psiquiatria, não promovendo uma redução da hospitalização.
Assim como no Rio de Janeiro, a internação psiquiátrica em Santa Catarina vem se constituindo como o principal recurso de tratamento, permanecendo a prática de intervenção de atenção a crise na lógica manicomial. O estudo de Brito afirma a necessidade de que se haja a transformação das práticas que estão sendo desenvolvidas nesta modalidade de serviço em saúde mental.
A Portaria nº 251/GM, de 31 de janeiro de 2002, define “como hospital psiquiátrico aquele cuja maioria de leitos se destine ao tratamento especializado de clientela psiquiátrica em regime de internação.” (BRASIL, 2002b). Considero o termo hospital psiquiátrico no meu trabalho de conclusão de curso de acordo com esta Portaria.
Costa (2002) em sua dissertação de mestrado: “Problematizando para humanizar: uma proposta de transformação do cuidado em uma enfermaria psiquiátrica” realizou um estudo analítico descritivo de uma prática assistencial a partir da abordagem sócio humanística de Paulo Freire. A autora procurou desenvolver com a equipe de enfermagem, processos educativos - reflexivos em relação ao cuidado prestado, buscando alcançar a humanização da assistência psiquiátrica, explorando a condição de trabalho e a educação.
Costa definiu como objetivo geral de trabalho: Desenvolver com a equipe de enfermagem de uma enfermaria de portadores de transtornos psíquicos crônicos, um processo reflexivo acerca do cuidado na perspectiva de alcançar a humanização da assistência, explorando a condição de trabalho e a educação, a partir dos referenciais teóricos metodológicos da Pedagogia Libertadora de Paulo Freire.
Como objetivos específicos, Costa estabeleceu:

a) desenvolver com um grupo de trabalhadores de enfermagem uma reflexão coletiva em  oficinas, sobre aspectos relativos ao cuidado e a organização do trabalho a partir da  metodologia problematizadora;
b) instrumentalizar a equipe de enfermagem da unidade onde se desenvolveu o estudo com conceitos e pressupostos da Reforma Psiquiátrica e a nova forma de cuidado de enfermagem voltado para a condição humana e cidadã;
c) contribuir para a reflexão crítica dos trabalhadores de enfermagem sobre o seu trabalho;
d) avaliar a proposta da prática assistencial a partir do marco referencial e a metodologia  utilizada, com base nos princípios éticos e educativos. (COSTA, 2002, p. 25).

A pesquisa de Costa foi desenvolvida com profissionais de enfermagem de um grande hospital psiquiátrico na Região Sul do país no período de outubro a dezembro de 2001. Como instrumento de coleta de dados, a pesquisadora realizou seis oficinas na qual foram abordados os temas eleitos pelos participantes, para que houvesse a formulação de hipóteses, como contribuição para a humanização do cuidado. Cada oficina teve duração de quatro horas.
Os temas trabalhados em cada oficina foram: 1ª oficina: re-avaliando o início para subsidiar o caminho; 2ª oficina: subsidiando o caminho para as novas mudanças; 3ª oficina: conhecendo o passado, compreendendo o presente e transformar para o futuro; 4ª oficina: buscando caminhos para praticar a humanização; 5ª oficina: conhecer e compreender o sujeito de nosso Cuidado e; 6ª oficina: a valorização do ser humano no processo educativo como possibilidade de transformação.
A pesquisadora analisou os dados a partir do referencial teórico metodológico escolhido, focalizando a educação como possibilidade para a humanização. Ela descreveu que os momentos das oficinas propiciaram uma reflexão para que as ideias e experiências do grupo fossem socializadas, provocando modificações na maneira de pensar e de agir do grupo.
Costa (2002) concluiu que, apesar do progresso nas ações de política pública como as leis, a humanização do SUS não atingiu os setores. Para ela, para que isto aconteça é preciso existir profissionais comprometidos com o ser humano e com a educação, a ausência de um processo educativo permanente gera a alienação, que para a autora é um dos caminhos para a desumanização.
A pesquisa de Costa focalizou o cuidado numa perspectiva histórica, compreendendo e tentando transformá-lo a partir da reflexão de crenças e valores de cada participante. Para ela, ficou evidente nos resultados, o poder institucional, as crenças, valores coletivos e pessoais, mostrando que o saber construído na prática e o saber científico são fatores determinantes no processo de cuidado, sendo a educação, amor e solidariedade, como pré-requisito fundamental do cuidado humanizado (COSTA, 2002).
Compreendo que o trabalho realizado por Costa (2002), contribuiu para o processo de desinstitucionalização, a autora a partir da operacionalização de oficinas buscou desconstruir os conceitos, promovendo a reflexão dos participantes sobre práticas manicomiais no trabalho exercido pela enfermagem às pessoas que permaneciam como moradoras deste hospital.
Apresentando práticas de intervenção desenvolvidas na lógica manicomial que ocorreram na história da saúde mental em Santa Catarina, Costa (2002) assinala que, em 1944 neste estado, no município de Florianópolis foi criado o primeiro ambulatório de saúde mental ligado ao Serviço Nacional de Doenças Mentais. Na primeira metade do século XX, as práticas psiquiátricas se caracterizavam quase que exclusivamente pelo uso de recursos fisioterápicos e por intervenções como a insulinoterapia, eletroconvulsoterapia, e, também, a lobotomia.
Em 1951, surgem os medicamentos neurolépticos utilizados pela psiquiatria, sendo utilizados progressivamente no tratamento do “transtorno mental”.O saber, o controle e poder efetivo da instituição pelos psiquiatras e o uso da medicalização na assistência determina o novo curso do tratamento disponibilizado às pessoas em sofrimento psíquico em Santa Catarina (TEIXEIRA, 1993 apud COSTA, 2002).
“se não fossem os comprimidos tudo seria como antes” (BASAGLIA, 1985, p. 19).
Neste contexto, nesta época, compreendo que, só se pensava no “transtorno mental” e pouco se pensava na vida da “pessoa” em sofrimento psíquico, como essa se sentia e estava incluída na sociedade.
Outro trabalho que aponta práticas de intervenção desenvolvidas no hospital psiquiátrico na lógica manicomial é o artigo publicado por Reverbel (1996) intitulado por: “Desinstitucionalização e a construção de cidadania e a produção de singularidade”, a autora realizou essa pesquisa no Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP/RS).
O estudo foi desenvolvido numa unidade feminina de mulheres com experiência de longo tempo de internação. Participaram da pesquisa 60 mulheres, tendo a maioria idade de 56 anos, com o tempo médio de internação de 25 anos.
A autora utilizou como método de estudo, uma adaptação com fundamento no pensamento de Rotelli e Mauri (1990) no trabalho de desconstrução do manicômio proposto por estes autores, esta transformação é produzida através de gestos elementares. Pensando na transformação das relações de poder entre instituição e pessoas submetidas a estas, Reverbel propôs problematizar a instituição manicomial a partir de gestos elementares do qual ela denominou de vetores que serão indicados a seguir:
Sobre o vetor eliminar os meios de contenção neste hospital, a autora concluiu que a contenção mecânica era uma prática típica, tornou-se uma prática natural, podendo ser entendida como uma prática já institucionalizada;
No vetor estabelecer a relação do indivíduo com o próprio corpo, ela concluiu que a relação do indivíduo com o próprio corpo perpassa o orgânico das vivências corporais da primeira infância, da primeira menstruação, das gestações, dos partos, da sexualidade;
Sobre recuperar a manifestação de afetividade e promover trocas sociais, a autora colocou em questão a ampliação da riqueza de vida das pessoas, de sentido, de sociabilidade, não segregando, suscitar e multiplicar as trocas sociais e as relações, isto se torna possível quando a pessoa que está internada faz algo junto com outra, como por exemplo, funcionário e morador saírem juntos para comprar alimentação ou cigarros;
Sobre valorizar o gênero, a autora passou a pensar a situação de mulheres excluídas, sem poderem viver seus desejos, escolher suas relações de amizade, de lazer e de liberdade;
No vetor reconstruir o direito e capacidade de uso dos objetos pessoais, Basaglia (1985 apud REVERBEL 1996) afirmou que a lógica do manicômio é tornar a pessoa em sofrimento psíquico uma pessoa sem direitos, pode-se fazer tudo ou negar tudo a ela;
Sobre reconstruir o direito e a capacidade de palavra, a autora relaciona esse vetor à capacidade dos profissionais em saúde mental para escutar, sentir e conseguirem estabelecer relações afetivas de compreensão do afeto das pessoas que estejam em sofrimento psíquico;
Em relação a abrir as portas ou o direito de ir e vir, a autora assinala que, para a pessoa sair do Hospital era preciso a autorização do psiquiatra, mostrando o quanto a construção da cidadania e a desinstitucionalização ainda está distante;
Sobre o vetor reconstruir o direito ao trabalho, com referência em Rotelli e Mauri (1990); Reverbel propõe que não se deve dar trabalho a uma pessoa que está internada num hospital psiquiátrico apenas com o objetivo de produzir um resultado ou para haver um reconhecimento do fato de que esta possa estar melhor, trabalhar é um direito dela, e esse espaço de trabalho também deve ser pensado para ajudá-la a viver ou reconstruir sua vida.
A proposta do trabalho de Reverbel foi: “refletir sobre a construção de cidadania das pessoas em sofrimento psíquico através da desinstitucionalização como prática de trabalho da Psicologia, decorrente da produção de saber dos movimentos sociais de saúde no Brasil”. [...]. Ela concluiu que: “por uma sociedade sem manicômios”, a psicologia se constitui como espaço de exercício de cartografia, possibilitando a produção de novos agenciamentos de singularizações levando à mudança de vida, contribuindo à construção de cidadania num plano cotidiano, promovendo transformações nos grandes conjuntos sociais. (Reverbel, 1996, p. 1-21).
Pelo estudo realizado por Reverbel (1996) compreendo de modo claro o uso de práticas coercitivas presentes no hospital psiquiátrico, o cenário onde são desenvolvidas essas práticas foi denominado por Basaglia (1985) de “instituições da violência”.
Costa (2002), quando se refere ao médico psiquiatra Franco Basaglia, indica que ele tem sido um dos atores mais discutidos no mundo em função de seus trabalhos desenvolvidos na Itália sobre a negação da instituição psiquiátrica.
Da experiência de Basaglia em Gorizia, surge uma de suas obras mais conhecidas, o livro: A instituição negada (1985), nesta obra Basaglia relata as relações de violência que foram praticadas no hospital psiquiátrico e a violência global nos novos sistemas sociais.
Costa (2002) cita que Portolese et al. (1979 apud BASAGLIA, 1985), ao prefaciarem a obra de Basaglia (1985) que se tornou um dos referenciais norteadores da Reforma Psiquiátrica no Brasil, intitulada: Psiquiatria Alternativa (1979) descrevem que: Basaglia foi professor da Universidade de Padova durante 13 anos, ao renunciar à carreira acadêmica em 1961 Basaglia relatou:
Éramos adestrados e condicionados a agir de modo a conservar a ordem social na qual estávamos inseridos. Era nos dado e exercício da violência e incorporar no doente a nossa conduta. O paciente vinha à clínica universitária, espécie de ante-sala do manicômio, incorporava a punição implícita no diagnóstico, era usado como objeto de estudo e depois mandado de volta ao manicômio onde estava sendo destruído (PORTOLESE et al., 1979, p.7 apud COSTA, 2002, p. 47).

Sobre práticas que foram instituídas no hospital psiquiátrico que perpetuaram a intervenção na lógica manicomial, Basaglia (1985), em sua obra relatou várias destas como: a concentração das pessoas internadas em grandes salas onde elas não poderiam sair, nem para ir aos sanitários; geralmente o enfermeiro vigilante apertava uma campainha para que um segundo enfermeiro viesse buscar a pessoa para que fosse acompanhada, muitas vezes esse trabalho era tão demorado que muitas pessoas acabavam fazendo suas necessidades fisiológicas, como urinar e evacuar, onde estavam. Quando a pessoa interna reagia a alguma ordem desumana, era entendida como uma ofensa aos médicos ou enfermeiros, ou essa desobediência era entendida como uma manifestação da própria doença mental. No hospital psiquiátrico para resolver o problema de falta de espaço, os catatônicos eram a solução, pois estes não incomodam um ao outro, então dois destes eram colocados na mesma cama.
Antes, nestes hospitais usava-se o “garrote”, que é um sistema muito rudimentar, utilizado para fazer com que a pessoa desmaiasse através da sufocação por um lençol, geralmente molhado, sobre a cabeça da pessoa, torcendo esse lençol no pescoço, ela perdia no mesmo momento os sentidos (BASAGLIA, 1985).
Basaglia (1985, p. 100) afirmou que:

O que caracteriza as instituições é a nítida divisão entre os que têm o poder e os que não o têm. De onde se pode ainda deduzir que a subdivisão das funções traduz uma relação de opressão e de violência entre poder e não- poder, que se transforma em exclusão do segundo pelo primeiro. A violência e a exclusão estão na base de todas as relações que se estabelecem em nossa sociedade     

O que há em comum entre as instituições sobre as quais se organiza nossa sociedade é a violência exercida por os “que empunham a faca {o poder}, contra os que se encontram sob a sua lâmina” {o que está numa posição inferior} (BASAGLIA, 1985, p. 100).
As diversas instituições (família, escola, fábrica, universidade, hospital), denominadas por Basaglia de “instituições da violência”, nascem a partir dos graus de aplicação da violência da necessidade daquele que detém o poder de praticar a violência, o poder de quem a pratica, inclui o poder de ocultá-la ou disfarçá-la. A violência e a exclusão estão justificadas por serem necessárias; a violência familiar e a violência escolar são justificadas como consequência da finalidade educativa; a violência carcerária e a violência manicomial são justificadas pela “culpa” e pela “doença” (BASAGLIA, 1985, p. 100).
De acordo com Basaglia (1985), o perfeccionismo técnico-especializado faz com que a pessoa que esteja em sofrimento psíquico aceite a inferioridade social que lhe é imposta. A partir desse pensamento de Basaglia compreendo que, não a diferença entre a terapia do diagnóstico psiquiátrico para a biológica, pois as duas promovem a exclusão, uma pela persuasão das pessoas através de atos terapêuticos, fazendo com que elas se sintam vítimas de sua própria doença; a outra exclui pela inferioridade estabelecida pelas diferenças biológicas que cada pessoa tem.
“O ato terapêutico se revela, nesse ponto, uma reedição revista e corrigida da precedente ação discriminatória de uma ciência que, para se defender, criou “a norma”, cuja infração pressupõe uma sanção por ela própria prevista.” (BASAGLIA, 1985, p. 101).
Discorrendo sobre o conceito de institucionalização, na lógica de Basaglia (1985); sobre a exclusão de pessoas pela instituição psiquiátrica e o uso do diagnóstico para consolidar esta prática, Oliveira et al. (2009), compreendem que a institucionalização significa excluir pessoas através da internação em hospitais ou outras instituições; enquadrá-las em categorias psiquiátricas que estão descritas em manuais, resultando num diagnóstico - prognóstico (doença-cura).
Mas não são apenas as pessoas internadas que podem ser consideradas institucionalizadas; neste sentido, a compreensão de Goffman (1961) acerca das instituições é ampliada pelos autores, além das instituições poderem ser lugares concretos como: quartéis, igrejas, escolas, hospitais; também estas podem ser consideradas construções sociais como: a família, casamento, ações de trabalho (OLIVEIRA et al., 2009).
Oliveira et al. (2009, p. 30) complementa sua compreensão sobre institucionalização afirmando que: todos “nós, na sociedade, somos, de certa forma, institucionalizados, na medida em que nosso comportamento é regido pelas regras das instituições que representamos ou às quais estamos submetidos”.
 Goffman (1961) em sua obra Manicômio, prisões e conventos, descreve a pesquisa de campo que realizou de 1955 a 1956 na instituição: Hospital St. Elizabeths, Washington, D.C. Goffman coletou dados etnográficos em relação a determinados aspectos da vida social das pessoas internas com o objetivo de tentar conhecer como a pessoa internada em instituições vive o seu mundo social, e “chegar a uma versão sociológica da estrutura do eu” (GOFFMAN, 1961, p. 10).
O conceito de instituição total foi definido por Goffman (1961, p. 9) como sendo este: “um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada”. Para Goffman, o fato básico das instituições totais é o controle de muitas pessoas, de suas necessidades humanas pela organização burocrática de grupos completos delas, seja esta ou não uma necessidade ou meio eficiente de organização social nas circunstâncias; a instituição total é parcialmente comunidade residencial e parcialmente organização formal.
Quanto às tendências de ”fechamento”, que Goffman cita, algumas instituições são muito mais ”fechadas” que outras, ou sua característica total é simbolizada por barreiras que impedem à relação interpessoal de pessoas internadas com as pessoas que vivem na comunidade fora da instituição; além disso, estas instituições apresentam barreiras físicas como: portas e janelas fechadas, muros altos, arame farpado, etc. (GOFFMAN, 1961, p. 16).
Alguns estabelecimentos estão abertos a pessoas que tenham um comportamento considerado adequado; outros restringem um pouco mais a sua freqüência; outras como lojas e empresas de prestação de serviço público possuem trabalhadores permanentes, apresentando um serviço e uma corrente contínua a pessoas que buscam este serviço; outras como moradias e fábricas incluem um conjunto mais permanente de participantes; outras fornecem o local para atividades em que o indivíduo tem consciência de ter seu status social; outras instituições proporcionam um local para agremiações de livre escolha para quem deseja participar da mesma; além dessas, outra categoria de instituições é isolada, sendo considerada natural e produtiva (como sanatórios para tuberculosos, hospitais psiquiátricos e leprosários), devido a seus participantes reunirem vários aspectos em comum (GOFFMAN, 1961, p. 16).
As instituições totais podem ser agrupadas em cinco tipos:
1) há instituições criadas para cuidar de pessoas deficientes e consideradas inofensivas, como instituições para pessoas deficientes visuais, idosos, órfãos e indigentes;
2) outras para cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e, consideradas uma ameaça involuntária à sociedade, como sanatórios para tuberculosos, hospitais psiquiátricos e leprosários;
3) há instituições que são organizadas para proteger a comunidade contra pessoas que são consideradas perigo intencional a sociedade, como cadeias, penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra, campos de concentração;
4) outras instituições que são estabelecidas para realizar de modo mais adequado alguma tarefa de trabalho, essas instituições se justificam apenas por seus fundamentos, como quartéis, navios, escolas internas, campos de trabalho, colônias e grandes mansões (quando há moradia para empregados);
5) há os estabelecimentos para refúgio do mundo, que muitas vezes servem também como locais de instrução para pessoas religiosas, como abadias, mosteiros, conventos e outros claustros. (GOFFMAN, 1961).
De acordo com Goffman (1961, p. 23) as instituições totais criam “e mantêm um tipo específico de tensão entre o mundo doméstico e o mundo institucional, e usam essa tensão persistente como uma força estratégica no controle de homens”.
Sobre o conceito de instituição, Rotelli e Mauri (1990, p. 29) entendem a instituição como sendo: “o conjunto de aparatos científicos, legislativos, administrativos, de códigos de referência e de relações de poder que se estruturam em torno do objeto “doença”.
Nesta compreensão, concordo com Rotelli e Mauri (1990), que entendem o objeto “doença” como sendo “a existência-sofrimento do indivíduo”.
Considero para o meu trabalho científico de conclusão de curso, para entender a instituição psiquiátrica, o conceito de instituição posto por Rotelli e Mauri partindo do conceito da lógica manicomial de Oliveira et al. (2009), que já apresentei neste trabalho no capítulo: “A constituição histórica da doença mental e o surgimento da psiquiatria”.
Compreendo que a instituição psiquiátrica, o manicômio está historicamente em todos nós, por ser este por excelência o local de tratamento da doença mental. O manicômio não se limita a portas fechadas, este está presente em todos os locais da sociedade e como já dito, na lógica manicomial que cada um de nós carrega em sua existência.
Refletindo a partir dos trabalhos desenvolvido pelos autores que foram apresentados neste capítulo sobre as práticas exercidas no hospital psiquiátrico sobre a falta de possibilidades da pessoa em sofrimento psíquico praticar o seu exercício de cidadania; para discutir o processo de desinstitucionalização - os estudos apresentados indicaram-me que, fazendo parte como instituidora da loucura, o hospital psiquiátrico e as práticas de tratamento de pessoas que estejam em sofrimento psíquico desenvolvidas nestes locais têm sido utilizados há séculos, e ainda hoje na contemporaneidade permanece em nossa sociedade heranças de métodos e práticas de tratamentos, atualmente considerados inadequados (não só no Brasil, mas no mundo). São práticas criticadas por diversos segmentos da sociedade como: instituições acadêmicas, profissionais e usuários dos serviços de saúde mental e em outros ramos de atuação articulados à saúde mental, e por uma parte da sociedade também, esses métodos e práticas de tratamento da pessoa que esteja em sofrimento psíquico foram utilizados num passado próximo e ainda estão presentes contrapondo as novas perspectivas em saúde mental que se propõe atualmente.
Para Foucault (1993, p. 52): os “grandes hospícios, as casas de internamento, obras de religião e de ordem pública, de auxílio e punição, caridade e previdência governamental são um fato da era clássica: tão universal quanto ela e quase contemporâneos de seu nascimento”.
Diante dessa problemática de práticas de intervenção que institucionalizam pessoas, a minha compreensão como pesquisador acerca de práticas de intervenção na lógica manicomial é de que, a instituição psiquiátrica rompe com a vida pessoal, familiar e social de quem esteja em sofrimento psíquico, apropria-se do projeto de vida dela; é a instituição quem delimita o espaço físico onde ela circulará; é a instituição quem dá as normas de como a pessoa tem que se comportar, de como ela deve se vestir, de quais objetos ela pode usar; de como deve ser a rotina diária dela; é a instituição quem responde por esta pessoa, além de romper com a subjetividade, com a identidade, com sua corporalidade. A prática de amarrar uma pessoa ou isolá-la numa sala, impedi-la de utilizar um objeto, etc., são ações cotidianas presentes no hospital psiquiátrico, que com o passar do tempo se tornaram uma lógica do qual neste trabalho de conclusão de curso denomino de práticas de intervenção que são desenvolvidas na lógica manicomial.
Costa (2002) considera a prática uma experiência dinâmica, seu processo está sujeito a transformações, as experiências se alteram de acordo com a realidade que se apresenta.
Os atos presentes nos atores que fazem o modo de funcionar e que constituem a instituição citado por Costa (2002), compreendo que são atos tão naturalizados por estes atores que a crítica a este processo não é mais realizada; essas práticas de intervenção historicamente desenvolvidas na lógica manicomial são vistas como adequadas, tendo em vista que eram entendidas como a única solução para a “dita doença mental”. Essas práticas presentes no hospital psiquiátrico estão sujeitas a transformações como assinala Costa (2002), mas compreendo que a realidade que se apresenta a essas práticas torna-se uma barreira a dinâmica para que ocorra a transformação das mesmas, pois estas operam como uma lógica.


2.1.2 Desinstitucionalização
Na Itália, a reforma psiquiátrica (Lei 180) proposta por Basaglia foi aprovada pelo parlamento italiano em maio de 1978 (ROTELLI; MAURI, 1990). Essa lei que inclui a desinstitucionalização sancionou as inovações: a eliminação da intervenção psiquiátrica e a construção de serviços de comunidade inteiramente substitutivos da intervenção no manicômio (ROTELLI; MAURI, 1990).
Concordo com Rotelli e Mauri (1990) de que, não há dúvida de que a lei 180, em sentido formal, é um dos mais altos atos de desinstitucionalização.
No meu trabalho científico compreendo a desinstitucionalização a partir da proposição de Rotelli e Mauri (1990, p. 29-32), sendo a desinstitucionalização “o processo crítico-prático para a reorientação de todos os elementos constitutivos da instituição” (conjunto de aparatos científicos, legislativos, administrativos, de códigos de referência e de relações de poder), para o objeto: “a existência-sofrimento” das pessoas em sofrimento psíquico e a relação destas com o seu “corpo social”, e não a relação para com o objeto “doença/cura”.
O processo social complexo de desinstitucionalização é configurado pela articulação de várias dimensões inter-relacionadas, envolvendo movimentos de atores sociais, conflitos; neste sentido, o objeto do conhecimento no processo é transcendido, sendo assim, nenhum método cognitivo ou teoria podem apreender este objeto em sua complexidade e totalidade (AMARANTE, 2003).
A desinstitucionalização é um trabalho prático de transformação para desmontar a solução para o problema da doença mental sustentada pela psiquiatria no manicômio. A cura do problema terapêutico da doença mental não é mais a cura do mesmo, mas sim o modo de ser da pessoa na sua vivência com esse sofrimento. A desinstitucionalização deve ser sobretudo compreendida como um trabalho terapêutico, voltado para a reconstituição das pessoas, enquanto pessoas que sofrem, como sujeitos; cuidar delas significa transformar o modo de viver e sentir o sofrimento delas (ROTELLI; MAURI, 1990).
O objetivo principal da desinstitucionalização é transformar as relações de poder entre instituição e os atores que a constituem: gestores, trabalhadores e os usuários dos serviços de saúde mental. No trabalho de desconstrução do manicômio, esta transformação deve ocorrer internamente e Rotelli e Mauri (1990) propõe o que definem como gestos elementares para que ocorra essa transformação: eliminar os meios de contenção; restabelecer a relação do indivíduo com o próprio corpo; reconstruir o direito e a capacidade de uso dos objetos pessoais; reconstruir o direito e a capacidade de palavra; eliminar a ergoterapia; abrir as portas; produzir relações, espaços e objetos de interlocução; liberar os sentimentos; restituir os direitos civis eliminando a coação, as tutelas jurídicas e o estatuto de periculosidade; reativar uma base de rendimentos para poder ter acesso aos intercâmbios sociais.
Sobre a caracterização do processo de desinstitucionalização, Rotelli e Mauri (1990, p. 35), atribuem a este processo três aspectos:

a) A construção de uma nova política de saúde mental a partir da base e do interior das estruturas institucionais através da mobilização e participação, também conflitiva, de todos os atores interessados;
b) A centralização do trabalho terapêutico no objetivo de enriquecer a existência global, complexa e concreta dos pacientes, de tal forma que eles, mais ou menos “doentes”, sejam sujeitos ativos e não objetos na relação com a instituição. A palavra de ordem é: do manicômio, lugar zero dos intercâmbios sociais, à multiplicidade extrema das relações sociais;
c) A construção de estruturas externas que são totalmente substitutivas da internação no manicômio, exatamente porque nascem do interior de sua decomposição e do uso e transformação dos recursos materiais e humanos que estavam ali depositados.

Nestas características Rotelli e Mauri (1990) reafirmam a transformação interna que deve ocorrer no manicômio, tendo como centro a pessoa e não sua doença, e apontam para a importância e necessidade da construção de uma rede de serviços substitutivos de qualidade que substitua de modo efetivo a internação psiquiátrica em manicômio.
Com base na experiência de Trieste, Rotelli e Mauri (1990, p. 46), entendem que não se desinstitucionaliza dividindo os “agudos dos crônicos”, o parâmetro não é a forma “de doença”; o ser humano deve ser compreendido em sua totalidade, tentando reconstruir a vida deste indivíduo e desconstruir a cronicidade atribuída; a demanda deve ser assumida como uma totalidade indivisível.
Desinstitucionalização não é desospitalização, desospitalização é caracterizada a partir de um entendimento administrativo, sendo um programa de racionalização financeira e administrativa para resolver a crise fiscal dos sistemas hospitalares, operando como uma política de altas para usuários que utilizam estes serviços, buscando a redução mais ou menos gradual do número de leitos. Em alguns casos, a desospitalização provoca o fechamento mais ou menos brusco de hospitais psiquiátricos (ROTELLI; MAURI, 1990).


2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE MENTAL
Neste capítulo apresento as estratégias de políticas públicas em saúde mental que foram e estão sendo implantadas no Brasil. Discorrerei sobre a reforma psiquiátrica brasileira com base no relatório da Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas (BRASIL, 2005). A Lei 10.216/2001 também constitui a fundamentação teórica deste capítulo. Também fiz uma síntese das conferências que ocorreram no Brasil.
A partir dos novos conceitos acerca da reforma psiquiátrica, no Brasil, a implantação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); dos serviços residenciais terapêuticos (SRTs); dos leitos para internação psiquiátrica em hospitais gerais, de urgência e de emergência; bem como o programa de volta para casa; o Programa Nacional de Avaliação de Serviços Hospitalares (PNASH) são estratégias de políticas públicas em saúde mental.
Os serviços substitutivos e os programas de auxílio à desinstitucionalização provocaram fortes mudanças significativas na saúde mental em nosso país; mas o número desses dispositivos em muitas regiões do Brasil é insuficiente, além de muitos desses dispositivos desinstitucionalizantes não funcionarem de acordo com o que determina o Ministério da Saúde. No decorrer desse capítulo apresentarei serviços substitutivos e programas de estratégia de auxílio à desinstitucionalização; e a presença destes no Estado de Santa Catarina.
Ao iniciar este capítulo sobre políticas públicas em saúde mental, é importante entender o que são políticas públicas.
Para Teixeira (2002, p.2):
“Políticas públicas são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado”. No campo da saúde mental, essas diretrizes, ações e procedimentos que mediam a relação do estado com os atores sociais em nossa sociedade, são pensados e direcionados a promoção para uma melhor qualidade de saúde mental no território. (BRASIL, 2003b).


2.2.1 A reforma psiquiátrica no Brasil
A reforma psiquiátrica no Brasil inicia-se entre 1978 a 1991, período contemporâneo ao surgimento do movimento sanitário, o qual buscou a mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, defesa da saúde coletiva, equidade na oferta dos serviços, e protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado (BRASIL, 2005). A Reforma Psiquiátrica brasileira foi inscrita num contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar, na crise do modelo de assistência centrada no hospital psiquiátrico (BRASIL, 2005).
A reforma psiquiátrica é um processo político e social complexo, que envolve os governos: federal, estadual e municipal, universidades, associações formadas por pessoas que estejam em sofrimento psíquico, seus familiares, além dos movimentos sociais como o movimento antimanicomial.  A Reforma Psiquiátrica é compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais (BRASIL, 2005).
A crítica à terapêutica utilizada pela instituição psiquiátrica a pessoas em sofrimento psíquico, realizada pelo movimento italiano, conquistou adesão à proposta de desinstitucionalização em vários países no mundo, e também no Brasil, no momento em que aconteciam mudanças pós-ditadura militar. O processo de redemocratização do país possibilitou a expressão de movimentos sociais entre eles o Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) oriundo de outras ações no campo da saúde, conhecido como o processo de Reforma Sanitária (NABUCO, 2006).
No ano de 1987, em Bauru-SP no II Congresso Nacional do MTSM, com o lema: "Por uma sociedade sem manicômios”, o MTSM passa a se denominar o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA), e tornou-se um fator social que busca mudanças assistenciais na área da saúde mental brasileira (NABUCO, 2006).
Outro acontecimento importante para o avanço da reforma psiquiátrica no Brasil ocorreu na cidade de Santos (SP), em 1989, houve uma intervenção da Secretaria Municipal de Saúde no hospital psiquiátrico: a Casa de Saúde Anchieta, onde ocorriam maus-tratos e mortes de pessoas em sofrimento psíquico. Esta intervenção teve repercussão nacional e fortaleceu a possibilidade de construção de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico. A experiência do município de Santos, em relação ao tratamento as pessoas em sofrimento psíquico torna-se um marco no processo da Reforma Psiquiátrica brasileira (BRASIL, 2005).
Em 1992 a 2000 no Brasil ocorre a implantação da rede extra-hospitalar; neste período os movimentos sociais pressionaram os governos de vários estados, que acabaram por aprovar as primeiras leis que determinam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental (BRASIL, 2005).
A construção de uma política pública de saúde mental tornou-se objeto das reivindicações propostas pelo MNLA, o poder público brasileiro pressionado por este movimento e por movimentos internacionais, passou a organizar conferências de saúde mental pondo em pauta os questionamentos dos usuários, dos familiares, dos profissionais que atuam neste campo (BRASIL, 2005). As conferências de saúde mental realizadas no Brasil foram de extrema importância no processo de mudança no cenário da saúde mental brasileira.
Em 1986, na VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) em Brasília, aprova-se a reestruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, entra em vigência a nova constituição federal propondo que: Saúde é direito de todos e dever do Estado (REVERBEL, 1996).
Em 1987 ocorre a I Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) no Rio de Janeiro, afirmando a implantação da Reforma Sanitária Brasileira tendo como base os princípios da VIII CNS, onde se aprovou a redução progressiva de leitos em hospitais psiquiátricos, além dos serviços substitutivos (REVERBEL, 1996).
Em 1990 é proposta na conferência de Caracas (declaração emitida pela Organização Pan-Americana da Saúde, regional da Organização Mundial de Saúde para as Américas) a reestruturação da atenção psiquiátrica nos países das Américas (OLIVEIRA et al, 2009).
Em 1992, na IX Conferência Nacional de Saúde (Brasília), a saúde é entendida como qualidade de vida (REVERBEL, 1996).
Na II Conferência Nacional de Saúde Mental (Brasília), que ocorreu em dezembro de 1992, teve como tema "A Reestruturação da Atenção em Saúde Mental" e como conceitos acionadores a Atenção Integral em Saúde e a Cidadania, além de ser considerada como fundamental neste processo a desinstitucionalização, surgindo os diversos dispositivos para possibilitar este processo (REVERBEL, 1996).
Em 2001, ano em que foi aprovada a Lei nº 10.216, ocorre a III Conferência Nacional de Saúde Mental (Brasília) com o tema: Saúde Mental: “Cuidar, sim. Excluir, não: efetivando a Reforma Psiquiátrica com acesso, qualidade, humanização e controle social”. Esta conferência foi fundamental para impulsionar a Política Nacional de Saúde Mental, sobretudo com o respaldo da lei federal da reforma psiquiátrica (BRASIL, 2002d). Entre a segunda e a terceira conferência de saúde mental houve um intervalo de nove anos.
Em 2010, fruto da reivindicação de movimentos sociais, usuários, familiares, profissionais de saúde mental; um marco de manifestação social ocorreu em 30 de setembro de 2009, cerca de 2300 pessoas marcharam em Brasília por uma Reforma Psiquiátrica Antimanicomial (CFP, 2010). A partir desse movimento social, o Ministério da Saúde realizou em Brasília a IV Conferência Nacional de Saúde Mental (27 de junho a 01 de julho) – Intersetorial que apresentou como tema: “Saúde Mental, direito e compromisso de todos: consolidar avanços e enfrentar desafios” (BRASIL, 2010a).
Sobre o dispositivo legal que regulamenta a reforma psiquiátrica no Brasil, a lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos da pessoa com transtorno mental e que redireciona o modelo assistencial em saúde mental em nosso país, promoveu um grande avanço nas políticas públicas de saúde mental.
A aprovação da lei 10.216 foi resultado de grande mobilização da sociedade, especialmente representada pelo Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. Após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei, originalmente proposta pelo deputado Paulo Delgado (1989) foi sancionada. O que se aprovou foi um projeto substitutivo do senador Sebastião Rocha ao Projeto de lei de Delgado, retirou-se do projeto original, a proposta de extinção progressiva dos manicômios no Brasil (OLIVEIRA et al. 2009). O que mudou na lei foi a cláusula da extinção dos manicômios para um redirecionamento na assistência em saúde mental (NABUCO, 2006).
A lei 10.216 nos artigos 4º ao 9º estabelece critérios para a internação psiquiátrica, bem como os tipos de modalidades dessas internações que podem ser: voluntária, involuntária ou compulsória. No art. 6º, são conceituados esses tipos de modalidades como:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário. A pessoa que consente voluntariamente sua internação deverá assinar no momento da mesma uma declaração de que optou por esse regime de tratamento. O fim desta modalidade de internação dar-se-á por solicitação escrita da pessoa que se submeteu a este modo de tratamento, ou por determinação do médico assistente.
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro, como a família, por exemplo. No prazo de setenta e duas horas, essa modalidade de internação deverá ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento, devendo esse mesmo procedimento ser realizado quando ocorrer à alta da pessoa. O fim dessa modalidade de internação dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. Este tipo de internação é determinado pelo juiz competente, que deve considerar as condições de segurança do estabelecimento, à salvaguarda da pessoa que foi internada e dos demais internados e funcionários. (BRASIL, 2002c).
Sobre modalidades de internação psiquiátrica, a Portaria/SAS nº 2391 de 26 de dezembro de 2002 regulamenta o controle das internações psiquiátricas involuntárias (IPI) e voluntárias (IPV) de acordo com o disposto na Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, e os procedimentos de notificação da comunicação das IPI e IPV ao Ministério Público pelos estabelecimentos de saúde, integrantes ou não do SUS.
No art. 3º, parágrafo III desta Portaria é caracteriza-se outra modalidade, diferente das três modalidades definidas pela Lei 10.216. A Portaria criou a modalidade:
Internação Psiquiátrica Voluntária que se torna Involuntária (IPVI). Ocorre quando a pessoa internada voluntariamente decide por fim na internação, passando a se caracterizar como internação involuntária quando a equipe decide manter essa internação. É indicado no art. 7º desta Portaria que o estabelecimento de saúde envie ao Ministério Público o Termo de Comunicação de Internação Involuntária assinado pela pessoa que foi internada, até 72 horas após a manifestação contrária da mesma que se internou voluntariamente.
Depois de um ano e oito meses de aprovação da Lei da reforma psiquiátrica brasileira, surgiu a Portaria/SAS nº 2391 que descaracteriza a modalidade de internação voluntária citada pela Lei 10.216, pondo em questão o direito de escolha da pessoa, se deseja por fim no tratamento por ela escolhido, regulamentando o poder de “persuasão” (termo utilizado por esta portaria) e de decisão para terminar o tratamento ou não de acordo com a avaliação da equipe responsável.
Discorrendo sobre a reforma psiquiátrica no Brasil, Amarante (2003), fez crítica acerca do entendimento de alguns autores sobre o processo de reforma psiquiátrica. Muitos desses autores a compreendem como uma reestruturação do modelo assistencial psiquiátrico; outros autores compreendem a reforma psiquiátrica a partir do processo iniciado por Basaglia (1985), descuidando-se da clínica privilegiando apenas a relação e as transformações sociais e políticas. Amarante (2003, p. 47) defende “uma concepção de reforma psiquiátrica que transmita o sentido de superação da idéia de metamorfose, [...] que supere a noção de uma simples reforma administrativa ou técnica do modelo assistencial psiquiátrico”.
O atual pensamento sobre o modelo de tratamento psiquiátrico nasce a partir do conceito de reforma sanitária (um processo de transformação estrutural) desenvolvido por Teixeira et al. (1989), e também surge através da noção de processo social complexo desenvolvido por Rotelli e Mauri (1990). A partir dessas noções, Amarante (2003), dividiu a reforma psiquiátrica em quatro dimensões:
A primeira dimensão refere-se ao campo epistemológico ou teórico-conceitual, sendo esta dimensão “o conjunto de questões que situam no campo da produção dos saberes, que dizem respeito à produção de conhecimentos, que fundamentam e autoriza o saber/fazer médico-psiquiátrico” (AMARANTE, 2003, p. 48). Nesta dimensão é posto em questão as verdades produzidas pelas ciências, tal como o próprio conceito de ciência (AMARANTE, 2003).
Na segunda dimensão: técnico-assistencial manifesta-se o modelo assistencial que é “possibilitado por uma teoria que considere a loucura uma incapacidade da Razão e do Juízo” (AMARANTE, 2003, p. 51). Neste sentido, o modelo de institucionalização psiquiátrica é compreendido e legitimado com base na tutela, na custódia, na disciplina e na vigilância (AMARANTE, 2003).
Na terceira dimensão, denominada de jurídico-política, propõe-se “rediscutir e redefinir as relações sociais e civis em termos de cidadania, de direitos humanos e sociais” (AMARANTE, 2003, p. 57). Nesta dimensão discute-se a ideologia psiquiátrica que se tornou senso-comum que, relaciona a loucura à incapacidade da pessoa construir relações interpessoais e simbólicas (AMARANTE, 2003).
A quarta dimensão denominada de sociocultural é constituída do “conjunto de ações que visam transformar a concepção da loucura no imaginário social, transformando as relações entre sociedade e loucura” (AMARANTE, 2003, p. 57). Nesta dimensão é expresso o objetivo fundamental da reforma psiquiátrica, a transformação da representação social da loucura na sociedade (AMARANTE, 2003).
Em relação ao atual contexto em que se apresenta a saúde mental no Brasil, para Dimenstein e Liberato (2009) atualmente, vive-se um novo momento da Reforma Psiquiátrica no Brasil, está ocorrendo a diminuição das internações psiquiátricas e consultas ambulatoriais convencionais. 63,35% dos recursos do SUS estão sendo destinados às ações extra-hospitalares. Nos últimos 5 anos houve diminuição do número de leitos psiquiátricos e uma mudança no modo de administrar os hospitais havendo a redução daqueles de grande porte (com mais de 400 leitos). Em 1991 as internações psiquiátricas consumiam a maior parte das verbas de internações do SUS; os leitos para pessoas em sofrimento psíquico ocupavam 20% da capacidade hospitalar instalada no país; a taxa de re-internação era considerada altíssima: 70%. Dos 90 mil leitos psiquiátricos do SUS, cerca de dez mil eram remunerados sem estarem ocupados, serviam para internações fantasmas. A partir deste período foram desativados mais de 50% dos leitos; o tempo médio de internação caiu de 100 para 40 dias e a taxa de mortalidade teve uma redução significativa (DIMENSTEIN; LIBERATO, 2009).
De acordo com dados estatísticos do Ministério da Saúde, analisando a desospitalização no Brasil, em 2001 havia 52.962 leitos em hospitais psiquiátricos, no ano de 2009 foram reduzidos para 35.604. Em 2001, havia 246 hospitais psiquiátricos de grande porte (com até mil leitos), no ano de 2008 esse número reduziu para 205 hospitais psiquiátricos em funcionamento em nosso país (BRASIL, 2009a).
Sobre os movimentos contrários a reforma psiquiátrica no Brasil, como: A Associação Brasileira de Psiquiatria e a Federação Brasileira de Hospitais; a Associação de Familiares de Doentes Mentais (AFDM), essas instituições resistem à extinção dos manicômios, se posicionam contra resoluções internacionais e experiências bem sucedidas de desinstitucionalização que ocorreram em outras partes do mundo (NABUCO, 2006).
Corroborando com esses movimentos, Martines e Silva (2007) consideram que os hospitais para tratamento de pessoas em sofrimento psíquico são extremamente necessários, principalmente para atender os denominados de “oligrofênicos”. Estes autores defendem que haja uma “política” não para a desinstitucionalização propriamente dita, mas uma “política” de desospitalização.
Neste movimento dos contrários a lei da reforma psiquiátrica, recentemente Gullar (2009) publicou um artigo na Folha de São Paulo intitulado: "Uma lei errada: Campanha contra a internação de doentes mentais é uma forma de demagogia". Neste artigo o poeta brasileiro cita sua experiência familiar relacionada aos seus dois filhos que utilizam o serviço prestado pelo hospital psiquiátrico, Gullar se mostra contrário a Lei nº. 10.216/2001. E, finaliza o artigo com a frase: "É hora de revogar essa lei idiota que provocou tamanho desastre" (GULLAR, 2009, p. 3).
Para que ocorra a reforma psiquiátrica de acordo com o que propõe a desinstitucionalização de Rotelli e Mauri (1990), é preciso “estabelecer rupturas com conceitos tais como o de doença, de terapêutica, de cura, de ciência, de técnica” (AMARANTE, 2003, p. 60).
Os serviços substitutivos como os centros de atenção psicossocial, devem ser um “serviço inovador”, um espaço de produção de novas práticas sociais para lidar e compreender a pessoa em sua vida, compreender o sofrimento psíquico delas, assim, construir novos conceitos, novas formas de inventar a vida e novos modos de realizar a promoção de saúde mental no território (AMARANTE, 2003). O termo território neste sentido e no meu trabalho científico está sendo entendido de acordo com a geografia humana e política, sendo o território “a construção da base material sobre a qual a sociedade produz sua própria história” (SANTOS, 2002, apud AMARANTE, 2003, p. 60).


2.2.2 Os serviços substitutivos – Centro de Atenção Psicossocial (CAPs)
O primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), serviço substitutivo de saúde mental, antes denominado de Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) surgiu no Brasil em março de 1986, na cidade de São Paulo: Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira (o CAPS da Rua Itapeva). Este serviço é regulamentado pela portaria/GM nº 336 - De 19 de fevereiro de 2002, integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS) que busca organizar a assistência nos serviços substitutivos.
O funcionamento e a complexidade dos CAPS foram ampliados, para dar  atendimento integral às pessoas que estão em sofrimento psíquico, oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial, para substituir o modelo hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo o exercício da cidadania e da inclusão social e das famílias de quem está em sofrimento psíquico. Esse serviço de promoção da saúde mental deve acolher essas pessoas, promovendo a integração social e familiar, auxiliá-las na busca de sua autonomia, oferecer-lhes atendimento médico e psicológico; buscar integrá-las ao ambiente social e cultural, inseri-las na comunidade em que residem (BRASIL, 2002a).
Os CAPS diferenciam-se pelo seu porte e clientela sendo: CAPS I, podendo ser implantado em municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes; CAPS II, podendo ser implantado em municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes; CAPS III, podendo ser implantado em municípios com população acima de 200.000 habitantes; Serviço de atenção psicossocial para atendimentos a crianças e adolescentes (CAPSi), podendo ser implantado em municípios com população de cerca de 200.000 habitantes e; Serviço de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas (CAPSad II), podendo ser implantado em municípios que tenha população superior a 70.000 habitantes (BRASIL, 2009c).
Os profissionais e a estrutura dos CAPS I, II, III, CAPS i II e CAPS ad II deverão estar preparados para o acompanhamento dos usuários que participam de modo intensivo, semi-intensivo e não-intensivo.
 Define-se como atendimento intensivo: o atendimento destinado aos usuários que, devido ao seu quadro clínico atual, demandam acompanhamento diário; atendimento semi-intensivo é o tratamento destinado aos usuários que precisam de acompanhamento freqüente, de acordo com o seu projeto terapêutico, mas não precisam estar diariamente no CAPS; atendimento não-intensivo é o atendimento que, de acordo com o quadro clínico da pessoa, o atendimento pode ter uma freqüência menor (BRASIL, 2002a).


2.2.3 Serviços residenciais terapêuticos (SRTs)
Os serviços residenciais terapêuticos, ou residência terapêutica, ou simplesmente "moradia” são importantes dispositivos legais do Ministério da Saúde para a promoção e efetivação da desinstitucionalização em nosso país, apesar de ser uma experiência recente.
No início dos anos 90, experiências de sucesso nas cidades: Campinas, Ribeirão Preto, Santos (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS) demonstraram a efetividade no processo de reinserção de pessoas em sofrimento psíquico na comunidade (BRASIL, 2010b).
Estas experiências serviram como subsídio para a elaboração da PORTARIA Nº 106, DE 11 DE FEVEREIRO DE 2000, que institui os Serviços Residenciais Terapêuticos; definidos como moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, que deverão ser casas de cuidado às pessoas que estejam em sofrimento psíquico e que sejam egressas de internações psiquiátricas de longa permanência e que não possuam suporte social e laços familiares (BRASIL, 2000).
As residências também podem acolher egressos de internação de Hospital de Custódia, pessoas que estão em tratamento psiquiátrico; usuários do CAPS que tenham problemas na moradia e moradores de rua que estejam em sofrimento psíquico severo, quando inseridos em projetos terapêuticos especiais acompanhados nos CAPS (BRASIL, 2002a).
A cada transferência de uma pessoa do hospital psiquiátrico para o SRT deverá haver a redução de igual número de leitos no hospital de origem (BRASIL, 2009d), realocando o recurso da AIH (recursos financeiros da Autorização de Internação Hospitalar) correspondente para os tetos orçamentários do estado ou município que se responsabilizará pela assistência ao usuário e pela rede substitutiva de cuidados em saúde mental (BRASIL, 2000).
As residências terapêuticas devem ser de natureza pública; mas dependendo do critério do gestor municipal/estadual de saúde, esses serviços poderão funcionar em parcerias com organizações como ONGs de saúde, de trabalhos sociais ou de pessoas físicas nos moldes das famílias de acolhimento, devendo sempre estar supervisionadas por um serviço ambulatorial especializado em saúde mental (BRASIL, 2000).
Há dois grandes tipos de residências terapêuticas que são: SRT I, o suporte desta moradia busca a inserção dos moradores na rede social existentes: trabalho, lazer, educação, etc. Este é o tipo mais comum de moradia, onde é necessária apenas a ajuda de um cuidador (pessoa que recebe capacitação para este tipo de apoio aos moradores) (BRASIL, 2002b).
Já no tipo de SRT II, Em geral, são cuidadas pessoas que necessitam de cuidados intensivos (monitoramento 24hs), pessoas idosas com alguma doença ou dependentes físicos. É trabalhado a reapropriação do espaço residencial como moradia e na inserção dessas pessoas na rede social existente. Este tipo de SRT pode diferenciar-se em relação ao número de moradores e ao financiamento (BRASIL, 2002b).
O objetivo central de implantar residências terapêuticas é a moradia, o morar, o viver na cidade. Tais residências não devem ser compreendidas precisamente como serviços de saúde, devem ser entendidos como espaços de morar, de viver, articulados à rede de atenção psicossocial de cada município. Essas moradias devem possibilitar que seus moradores tenham seu quarto privativo, os pertences à mão, uma cozinha para servir o seu café, a possibilidade de escolher com quem dividir o espaço, escolher à hora do banho e de levantar da cama, entre outros (BRASIL, 2000).
No máximo cada residência deve abrigar oito pessoas, podendo ser até três pessoas por dormitório, além de ter que contemplar cômodos que seriam necessários em qualquer residência. Cada morador de residência terapêutica deverá ter projeto terapêutico individual que contemple a singularidade, a inclusão social e o direito a cidadania (BRASIL, 2002c).
O cuidador que trabalha em SRT deverá agir como um facilitador às pessoas moradoras da residência, auxiliá-las em tarefas do dia a dia como: no pagamento de contas, na inclusão profissional, na administração do próprio dinheiro, na inclusão na comunidade, etc. Esse auxílio prestado pelo cuidador deve sempre buscar promover a independência dos moradores, na tentativa de que estes consigam gerenciar suas vidas, os levando a sua inclusão social, podendo exercer seu papel de cidadão com direitos e deveres a serem respeitados (BRASIL, 2002b).
“Para quem precisa de cuidados em saúde mental, o melhor é viver em sociedade”. (BRASIL, 2004, p. 1).
Este novo modo de pensar o tratamento destinado às pessoas em sofrimento psíquico é confirmado pelo relato de um morador de SRT: "Uma casa... é o habitar da cidade. É você poder habitar a cidade, tendo um lugar para voltar... para voltar no fim do dia. Eu habito esta cidade!" (BRASIL, 2004, p. 13).


2.2.4 O Programa De Volta Para Casa
O Programa De Volta Para C basa disponibiliza uma ajuda de custo às pessoas que estejam em sofrimento psíquico egressas de longo período de internação psiquiátrica (superior a dois anos ininterruptos em hospitais psiquiátricos ou de custódia). Os documentos que regulamentam este Programa são: Lei nº 10.708, de 31 de julho de 2003 e a Portaria nº 2077/GM, de 31 de outubro de 2003.
O programa tem como objetivo a inserção social das pessoas que estejam institucionalizadas em hospitais psiquiátricos, possibilitando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, que facilitem o convívio social, assegurando o exercício pleno dos direitos civis, políticos e de cidadania.  O foco do programa são as pessoas que estejam em sofrimento psíquico relacionados às psicoses, depressão, dependência química, entre outros (BRASIL, 2003a).
Atualmente, o pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial do “De Volta Para Casa” é de R$ 320,00, com duração de um ano, Podendo ser renovado, a partir da avaliação de equipe municipal e de parecer da Comissão de Acompanhamento do Programa: CAP-SES e CAP-MS. O auxílio ajuda as pessoas no retorno à moradia com sua família, em repúblicas, ou em residências terapêuticas. O benefício é depositado diretamente em conta bancária aberta no nome do usuário; mesmo nos casos em que a pessoa não tenha autonomia, a conta é aberta em nome do beneficiário, com a ajuda de um representante legal. O usuário recebe o auxílio até conseguir ter sua independência através de um trabalho (BRASIL, 2009b).
Para aderir ao programa é necessário que o município tenha atendimento básico em saúde mental. A equipe de saúde do local que irá aderir ao projeto também deverá realizar uma avaliação acerca da demanda do município (BRASIL, 2009b).
No Brasil, atualmente 3346 pessoas são beneficiadas com o Programa De Volta Para Casa (BRASIL, 2009b).


2.2.5 Rede de serviços substitutivos de saúde mental em Santa Catarina
De acordo com dados do Ministério da Saúde, em Santa Catarina há 6.052.587 habitantes. A rede de serviços substitutivos deste estado para atender a demanda dessa população é constituída de: 68 CAPS (percentual de 0,80 por cada 100 mil habitantes). O estado ocupa a sétima posição em números de CAPS no Brasil; sendo: 40 CAPS I, 13 CAPS II, 01 CAPS III, 06 CAPSi e 08 CAPS ad II (BRASIL, 2003c).
Em Florianópolis há um CAPS II, localizado no bairro Agronômica, o CAPS II (Centro de Atenção Psicossocial II Ponta do Coral), um CAPSi localizado no bairro Morro da Cruz e; dois CAPSad II localizados um no bairro Estreito (continente) e outro no bairro Pantanal.
De acordo com a portaria/GM nº 336 de 19 de fevereiro de 2002 que regulamenta a instalação dos CAPS; pela população de Florianópolis, 396.723 habitantes (PMF, 2010), já deveria haver CAPS III neste município. E a lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001, no art. 3 determina que: é responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, devendo haver a participação da sociedade e da família.
Em Santa Catarina há um único CAPS III registrado no Ministério da Saúde localizado na cidade de Criciúma, e outro implantado no município de Joinville, mas não consta em registros do Ministério da Saúde. Com a implantação do CAPS III em Florianópolis e em outras cidades de SC, muitas internações psiquiátricas que são realizadas em hospitais especializados seriam evitadas.
O CAPS III funciona 24 horas, realiza acolhimento noturno, funciona aos feriados e finais de semana, com no máximo cinco leitos, para eventual repouso e/ou observação. A permanência de uma mesma pessoa no acolhimento noturno fica limitada a sete dias corridos ou dez dias intercalados em um período de 30 dias (BRASIL, 2002a).
Sobre a implantação de leitos em hospitais gerais, em Santa Catarina há 738 leitos do SUS para internação psiquiátrica, incluindo os hospitais psiquiátricos especializados distribuídos em quatro estabelecimentos de saúde (o maior número de leitos concentra-se nestes hospitais). (BRASIL, 2009a). Três desses hospitais psiquiátricos estão localizados na Região da Grande Florianópolis e um destes na cidade de Criciúma (BRASIL, 2009a).
Em relação aos serviços substitutivos residências terapêuticas (SRTS) existentes no Brasil, Santa Catarina junto com o estado do Rio Grande do Norte ocupa a décima oitava posição, cada um desses estados têm três residências terapêuticas registradas no Ministério da Saúde (BRASIL, 2009d).
Em Santa Catarina as implantações dos SRTs não estão progredindo; as três moradias em funcionamento em SC estão localizadas na região da grande Florianópolis no município de São José; moram nestas residências 23 pessoas. Essas três residências são na verdade, um projeto terapêutico estratégico, denominadas de pensões protegidas que estão sob a gestão do IPQ (Instituto de Psiquiatria/SC), quando deveriam ser geridas pelo município; não sendo, portanto, um programa de estratégia em política pública em saúde mental (SC, 2008).


2.3 O MOVIMENTO NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL (Mnla) NO BRASIL
Neste capítulo apresento o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial com referência no artigo de Lüchmann e Rodrigues (2007): “O movimento antimanicomial no Brasil”.
Com a finalidade de registrar a representação de movimento social, que favorece a luta pela transformação das práticas desenvolvidas no hospital psiquiátrico e das compreensões sobre a loucura em nosso país, Lüchmann e Rodrigues (2007), consideram este movimento como um importante ator social promotor de reflexões, de mudanças sociais, como o modo de agir e pensar das pessoas e dos governos em relação a presença da pessoa em sofrimento psíquico no território onde esta vive.
Para Lüchmann e Rodrigues (2007, p. 1) “o movimento antimanicomial constitui-se como um conjunto (plural) de atores, cujas lutas e conflitos vêm sendo travados a partir de diferentes dimensões sócio-político-institucionais”. Este movimento articula-se, em diferentes momentos, nas relações sociais, buscando transformações das relações e concepções pautadas na discriminação e no controle do "louco" e da "loucura" em nosso país. (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007, p. 1).
Para Melucci (1996 apud LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007, p. 2), os movimentos sociais são os profetas do presente:

Anunciam a mudança possível, não para um futuro distante, mas para o presente da nossa vida. Obrigam o poder a tornar-se visível e lhe dão, assim, forma e rosto. Falam uma língua que parece unicamente deles, mas dizem alguma coisa que os transcende e, deste modo, falam para todos.

O movimento da luta antimanicomial busca interferir no plano da sociabilidade e da institucionalidade, denúncias públicas, questionamentos e reflexões, busca ampliar a política, recriando o conceito de cidadania (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007).
É no contexto da abertura do regime militar que surge no Brasil o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, que realiza denúncias sobre o governo militar, principalmente em relação ao sistema nacional de assistência psiquiátrica. Este movimento reivindicou aumento de salário, redução de número excessivo de consultas por turno de trabalho, criticou a existência dos manicômios e a prática sobre o uso do eletrochoque, buscando melhores condições de assistência à população e a humanização dos serviços; em 1978, este movimento inicia uma greve que duraram oito meses, alcançando importante repercussão na imprensa (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007).
Em outubro de 1978, foi realizado no Rio de Janeiro o V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, passou-se a discutir sobre política, não apenas no âmbito da saúde mental, mas o debate sobre o regime político nacional entra em destaque. Neste período, no Brasil estiveram presentes no I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e Instituições que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro: Franco Basaglia, Felix Guattari, Robert Castel e Erving Goffman (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007).
Em 1979, em São Paulo, ocorre o I Encontro Nacional do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, buscando a articulação com outros movimentos sociais. Neste mesmo período, em Belo Horizonte, ocorre o III Congresso Mineiro de Psiquiatria que junto com o MTSM, apresenta propostas de outros meios de trabalho em assistência psiquiátrica (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007).
Em 1987 foram realizados dois eventos importantes para a melhoria da saúde mental no Brasil: a I Conferência Nacional de Saúde Mental e o II Congresso Nacional do MTSM, que ocorre em Bauru/SP, neste evento estão presentes associações de usuários e familiares, como "Loucos pela Vida" de São Paulo e a Sociedade de Serviços Gerais para a Integração Social pelo Trabalho (SOSINTRA) do Rio de Janeiro, entre outras. Neste II Congresso, cria-se como um documento de fundação do movimento antimanicomial: Manifesto de Bauru.
O mais importante desse momento na história é que, outros atores sociais se juntam à luta pela transformação das estratégias de políticas públicas em saúde mental e principalmente para que ocorressem mudanças nas práticas psiquiátricas, instalando-se o lema do movimento: “por uma sociedade sem manicômios”. Segundo Lüchmann e Rodrigues (2007), atualmente, esta discussão é retomada “em Santa Catarina, sob a égide "por uma vida sem manicômios", já que a sociedade pode também ser o manicômio” (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007, p. 4).
Entre 1987 e 1993, o movimento foi se ampliando; no ano de 1993 o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental tornou-se o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA) (LÜCHMANN, RODRIGUES, 2007).
Em Salvador/Bahia, é organizado o I Encontro Nacional da Luta Antimanicomial, onde é elaborada a carta sobre os direitos dos usuários e familiares dos serviços de saúde mental. O Relatório Final deste I Encontro do movimento assinala que:

O movimento da luta antimanicomial é um movimento social, plural, independente, autônomo que deve manter parcerias com outros movimentos sociais. É necessário um fortalecimento através de novos espaços de reflexões para que a sociedade se aproprie desta luta. Sua representação nos conselhos municipais e estaduais de saúde, nos fóruns sociais, entidades de categorias, movimentos populares e setores políticos seriam algumas formas de fortalecimento (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007, p. 5).

No 5º encontro do MNLA (2002), se evidenciou as diferenças e disputas no interior do próprio movimento. Os conflitos no movimento geraram: a constituição de um colegiado nacional com dois representantes de cada Estado, o estabelecimento dos encontros de dois para três anos, a continuidade dos encontros de usuários e familiares para três anos, e a realização de feiras culturais nos períodos em que não há os encontros. Este 5º Encontro terminou sem a deliberação da composição da próxima Secretaria Executiva Nacional e os representantes para a Comissão Intersetorial de Saúde Mental (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007).
Da I plenária nacional para a II, houve conflitos entre algumas lideranças do movimento, resultando na divisão e fundação em março de 2003 da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA) por parte de ex membros do MNLA. Foi realizado em dezembro de 2004 o primeiro encontro nacional da RENILA no estado do Ceará (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007).
A partir da compreensão que faço através do artigo de Lüchmann e Rodrigues (2007), considero como os autores, o MNLA um ator social político importante nas discussões dos conceitos, na divulgação, na mobilização para que ocorram práticas transformadoras. O MNLA funda uma reflexão profunda e crítica as práticas exercidas pela psiquiatria, contribuindo de modo significativo para a consolidação de novas políticas de saúde mental em nosso país.


3 MÉTODO
Neste capítulo apresento o método que utilizei nesta pesquisa para o estudo de práticas de intervenção desenvolvidas na lógica manicomial. Todos os procedimentos referentes ao método que desenvolvi como o tipo de pesquisa e os instrumentos que foram utilizados serão apresentados a seguir.

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa que realizei caracteriza-se como estudo exploratório/qualitativo, pois este tem como objetivo, segundo GIL (2002): proporcionar maior familiaridade com o problema; seu objetivo principal é o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. O planejamento da pesquisa exploratória é bastante flexível, possibilitando a consideração dos mais variados aspectos relativo ao fato estudado. Geralmente envolvem: levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências com o problema pesquisado; e análise de exemplos que “estimulem a compreensão” (SELLTIZ et al. 1967, apud GIL, 2002 p. 63). Na maioria dos casos, a pesquisa exploratória assume a forma de pesquisa bibliográfica ou de estudo de caso. Esta pesquisa é de natureza qualitativa, pois tem a finalidade de conhecer melhor o fenômeno a ser estudado, possibilitando o levantamento de hipóteses, o estudo qualitativo é o mais utilizado nas ciências sociais e busca descrever e compreender o fenômeno estudado a partir do contexto em que este se apresenta. (NEVES, 1996).
Para Paulilo (1999, s/p), o estudo qualitativo tem como fonte de pesquisa “valores, crenças, hábitos, atitudes, representações, opiniões e é adequado a aprofundar a complexidade de fatos e processos particulares e específicos a indivíduos e grupos. [...] para a compreensão de fenômenos caracterizados por um alto grau de complexidade interna”.
O delineamento que escolhi para o desenvolvimento dessa pesquisa é do tipo estudo de caso, considerei ser o mais adequado para a compreensão da problemática que propus estudar. Entendo o estudo de caso de acordo com Gil (2002), que o considera como sendo o delineamento de pesquisa mais utilizada nas ciências biomédicas e sociais. Consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, permitindo um amplo e detalhado estudo a cerca do conhecimento pesquisado. Os resultados desse tipo de estudo, em geral, são apresentados em aberto, na condição de hipóteses, não de conclusões. Para esse mesmo autor, o estudo de caso é encarado como o delineamento mais adequado para a investigação de um fenômeno contemporâneo no contexto em que esse fenômeno se encontra, onde os “limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente percebidos” (Yin, 2001 apud Gil, 2002).

3.2 PESSOAS PARTICIPANTES
Participaram dessa pesquisa duas pessoas, uma do sexo feminino (47 anos de idade), identificada no trabalho como P1, e outra do sexo masculino, o seu marido (54 anos de idade), identificado no trabalho como P2, residentes na região da grande Florianópolis.
Para a aplicação da pesquisa, esclareci ao casal a finalidade e a necessidade da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (APÊNDICE A).

3.3 EQUIPAMENTOS E MATERIAIS
Na coleta de dados utilizei computador portátil, fones de ouvido, microfone e roteiro de entrevista e diário de campo em formato digital.

3.4 SITUAÇÃO E AMBIENTE
Realizei as duas entrevistas com P1 e com P2 na casa dos mesmos, para que pudesse ter relação mais próxima com eles e seu ambiente familiar. Solicitei ao casal que as entrevistas ocorressem num cômodo que fosse silencioso, com pouco ruído, e que durante a gravação das entrevistas não houvesse participação de terceiros. A situação ambiente onde fiz as entrevistas não ocorreu em cômodo isolado e em alguns momentos houve a participação de terceiros, descrevi essa situação no diário de campo.

3.5 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
Considerei a entrevista como sendo um dos instrumentos mais indicados para este estudo, por ser “um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social.” (MARCONI, LAKATOS, 2003, p. 194).
Utilizei a entrevista informal (APÊNDICE B), Gil (1999, p. 118), define este tipo de entrevista como sendo o “menos estruturado possível e só se distingue da simples conversação porque tem como objetivo básico a coleta de dados”. O objetivo desse tipo de entrevista é a “obtenção de uma visão geral do problema pesquisado, bem como a identificação de alguns aspectos da personalidade do entrevistado” (GIL, 1991, p. 118).
Entrevistas informais ou não dirigidas são utilizadas na investigação de certos problemas psicológicos, deixei que as pessoas participantes da pesquisa expressassem livremente suas opiniões, atitudes, emoções, fatos e motivações que constituem o seu contexto em relação ao objeto de pesquisa (GIL, 1999).
Na aplicação das entrevistas na coleta de dados utilizei o método: história de vida, por esse método “pode-se captar o que acontece na intersecção do individual com o social, assim como permite que elementos do presente fundam-se a evocações passadas”. A história de vida é uma retrospectiva sobre a pessoa que é o ator da pesquisa, sendo o “tempo presente que torna possível uma compreensão mais aprofundada do momento passado” (PAULILO, 1999, s/p).
O que é fundamental na compreensão da história de vida é como a pessoa narra sua vida e como ela a reconstrói em sua narração (BOSI, 1994 apud PAULILO, 1999). Na história de vida quem interpreta os fenômenos que fizeram parte de sua vida é a própria pessoa, expressando essa interpretação através de sua narrativa.
A história de vida caracteriza-se por uma cronologia própria, lembranças, seletividade, incluem depoimentos, entrevistas, biografias, autobiografias (QUEIROZ, 1988 apud PAULILO, 1999).
Haguette (1987 apud PAULILO 1999) compreende que a história de vida é um método que dá sentido ao “processo em movimento” requerendo uma relação próxima a experiência de vida da pessoa, possibilitando que a problemática e objetivos propostos pela pesquisa sejam considerados e estudados a partir do referencial de quem vivencia a experiência, de acordo com suas suposições, sua visão de mundo, suas emoções.

3.6 PROCEDIMENTOS
Selecionei os participantes dessa pesquisa por meio de amostragem de acessibilidade ou conveniência, esse tipo de seleção constitui “o menos rigoroso de todos os tipos de amostragem” (elementos que compõe o universo do problema de pesquisa), sendo destituído “de qualquer rigor estatístico” (GIL, 1999, p. 103).
Selecionei os participantes do qual tive acesso, tendo em vista que, de algum modo estes pudessem representar o universo da problemática de pesquisa. Este tipo de amostragem é aplicado em estudos exploratórios ou qualitativos, não requerendo resultados precisos. As pesquisas sociais possuem um universo composto de diversos elementos e tão variáveis, diante desse universo, torna-se impossível inferir sobre esses elementos em sua totalidade (GIL, 1999).
Realizei contato direto com os participantes da pesquisa, por meio de telefone e pessoalmente. Selecionei uma pessoa que viveu a situação de internação psiquiátrica, que esteve várias vezes internada em hospital psiquiátrico. Para que a pesquisa fosse rica em detalhes e pudesse ser consistente, convidei o esposo de P1 a participar, contribuindo com seus relatos sobre a história de vida de sua esposa, intensificando o estudo da problemática em questão.

3.7 ANÁLISE DOS DADOS
As entrevistas foram gravadas em áudio. Fiz a análise dos dados a partir da transcrição na íntegra. Compreendi o conteúdo analisado através da bibliografia estudada. Organizei os dados em categorias a partir dos objetivos do estudo, buscando responder a pergunta e os objetivos propostos. Transcrevi e categorizei cada entrevista individualmente.
Na análise tentei aproveitar o máximo possível do material que foi coletado. Utilizei como método a análise de conteúdo que consiste em técnica de análise das comunicações a fim de obter e, sistematizar, a partir da descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a avaliação de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das variáveis destas mensagens. (BARDIN, 1977).
Bardin organiza a análise de conteúdo em três fases: pré-análise; exploração do material e tratamento dos resultados.

a) Pré-análise: é a Fase de organização propriamente dita do conteúdo transcrito, corresponde “a um período de intuições, mas, tem por objetivo tornar operacionais e sistematizara as idéias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise” Essa fase é flexível, permitindo a introdução de novos procedimentos no decorrer da análise, mas essa flexibilidade deve ser sistematizada de modo preciso através da  escolha dos documentos a serem submetidos à análise; na formulação das hipóteses e dos objetivos sendo a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final do conteúdo analisado (BARDIN, 1977, p. 94).
b) Exploração do material: é “a administração sistemática das decisões tomadas [...] Esta fase longa e fastidiosa, consiste essencialmente de operações de codificação, desconto ou enumeração, em função de regras previamente formuladas” (BARDIN, 1977, p. 100).
c) Tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. A partir da seleção dos resultados significativos e fiéis, o pesquisador pode propor inferências e adiantar interpretações buscando responder os objetivos almejados pelo projeto, além de outros objetivos que digam respeito a outras descobertas inesperadas que sejam relevantes a conclusão do trabalho de pesquisa (BARDIN, 1977).

A organização da codificação do material a ser interpretado compreende três escolhas, quando for análise quantitativa ou categorial: recorte - escolha das unidades; enumeração - escolha das regras de contagem; e classificação e a agregação - escolha das categorias (BARDIN, 1977).

Tratar o material é codificá-lo. A codificação corresponde a uma transformação — efetuada segundo regras precisas — dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão, Susceptível de esclarecer o analista acerca das características do texto, que podem servir de índices (BARDIN, 1977, p. 101).

3.8 DIÁRIOS DE CAMPO
Para o registro das duas entrevistas com as pessoas participantes, utilizei diário de campo em formato digital, disponibilizado no meu notebook. Relatei fatos que considerei serem relevantes na descrição dos procedimentos empregados no estudo. Dificuldades que tive na coleta de dados; relatos dos participantes que não tinham sido registrados de outro modo.
Em 5/8/2010 (numa quinta-feira), fiz o primeiro contato com a pessoa que escolhi convidar a participar da pesquisa de TCC, P1 uma mulher (47 anos de idade), usuária de um CAPS da região da grande Florianópolis. Neste dia só foi possível falar com o marido e um dos filhos da mesma, pois segundo informação deles, ela havia tomado remédios e estava dormindo.
Em 2009, pelo Estágio Básico Observação do Desenvolvimento Psicológico Humano (estágio da quarta fase do curso de psicologia da UNISUL, que fiz no ano citado) realizei um trabalho com P1 para compreender a relação que ela estabelecia com o CAPS. Com este trabalho fiquei conhecendo um pouco da história de vida dela e sobre as diversas internações psiquiátricas que ela teve. Como eu já havia tido um contato com P1, foi a primeira pessoa que pensei em convidar a participar dessa pesquisa.
Em 7/8/2010 (sábado) pela manhã, fiz o segundo contato, falei direto com P1 pelo telefone, expliquei que a pesquisa seria sobre a experiência que ela teve quando esteve internada em um hospital psiquiátrico na região da grande Florianópolis. Já de início ela aceitou participar e combinei que no período da tarde desse mesmo dia, iria a sua casa para encontrá-la, ela me ensinou o endereço e lá estive à tarde. P1 mora num município da região da grande Florianópolis.
Quando cheguei ao ponto mais próximo da casa de P1, ela já estava a minha espera. Do ponto de ônibus gastamos cerca de 10 min para a casa da mesma. Durante esse percurso íamos conversando, onde ela relatou que nesses últimos dias não esteve bem de saúde, teve várias crises relacionadas ao transtorno de humor que sofre (transtorno afetivo bipolar), não estava indo ao CAPS. A equipe do CAPS estava realizando atendimento em sua residência.
Ao chegar à casa do casal P2 seu marido (54 anos de idade) que já me conhecia, me recebeu, os seus três filhos homens, que não conhecia, também estavam presentes dois filhos gêmeos de 18 anos e um filho de 23 anos que mora em frente à casa do casal (eles tem mais um filho homem de 20 anos de idade casado que mora no Rio Grande do Sul); além dela me apresentar aos seus filhos, também me apresentou aos seus dois cachorrinhos de estimação, que depois foram retirados da sala para que pudéssemos conversar sem interferência destes. Havia pouco barulho e movimento de pessoas no ambiente da casa e na vizinhança.
Comecei a conversar com o casal (os filhos também ainda estavam presentes) sobre assuntos não relacionados à pesquisa como rotinas do dia a dia, o tempo, etc. Depois apresentei como seria a pesquisa que realizaria com ela e com um dos seus familiares, expliquei sobre a finalidade do termo de consentimento livre e esclarecido, pedi a ela que se pudesse ler em voz alta para que eu, seu marido e filhos pudéssemos acompanhar, P1 pediu para que um dos seus filhos buscasse os seus óculos para que ela pudesse ler melhor. Começou a ler, mas ficou um pouco ansiosa e pediu a um dos seus filhos para continuar lendo o termo. Ao terminar de ler o documento tanto ela quanto o seu marido concordaram em participar da pesquisa.
De novo, esclareci sobre a finalidade do termo de consentimento livre e esclarecido, percebi que o casal estava consciente sobre a participação deles na pesquisa. As duas vias do termo foram assinadas por eles com auxílio dos filhos; uma com a assinatura dela e outra com a assinatura do marido ficaram comigo e as outras duas com eles. P1 falou que sempre que é para assinar algum documento fica um pouco ansiosa, mesmo que seja uma coisa simples, fica com as mãos tremendo; deixou para assinar depois a via que ficou com ela.
Durante toda a minha permanência na casa, quando percebia que a ansiedade de P1 aumentava, tive atitude de acolhimento, demonstrando compreender a sua ansiedade, assim percebi a ansiedade ser atenuada.
Depois solicitei ao casal um lugar mais reservado para a gravação das entrevistas, eles falaram que não haveria problema em a entrevista ser realizada naquele local mesmo (sala), pois ninguém mais iria a casa. Sabia que a entrevistada não teria receio de falar na frente do marido ou dos filhos sobre a sua experiência nas situações de internação psiquiátrica, e também senti que não haveria problema pelo clima amistoso presente naquele ambiente, aceitei realizar a entrevista sem ser num lugar muito reservado. Como utilizei meu notebook equipado com microfone e fones de ouvido para gravar as entrevistas, fomos para a mesa na cozinha para que eu pudesse realizar a gravação com mais comodidade.
Nas entrevistas utilizei o roteiro em formato doc no notebook, que me orientou durante toda a gravação. Primeiro realizei a entrevista com P1, depois com P2. No início da entrevista com ela estavam presentes na cozinha da casa, eu, ela, o seu marido e um dos seus filhos gêmeos; depois esse filho saiu da cozinha. Percebi que a presença desse filho e a presença do marido durante todo o trabalho com ela não trouxe prejuízos na realização da entrevista com ela. No entanto, trouxe prejuízo na entrevista com ele, senti que o marido ficou com receio de falar abertamente na frente da esposa sobre o seu sofrimento em relação a ela, talvez com medo que ela ficasse com algum sentimento ruim em relação a ele, pois ele me falou em outro momento em que ela não estava por perto que ela ainda pensa em trabalhar como babá, mas ele não acredita que ela tenha mais condições para tal.
A gravação da entrevista que realizei com ela duraram 39 min e 25 seg. e a gravação da entrevista com ele, 06 min e 14 seg.
Durante a realização da entrevista P1 demonstrou estar bem consciente do que estava falando. Em alguns momentos, e com mais intensidade, expressou forte emoção (expressar com lágrimas nos olhos) ao falar sobre sua experiência vivida no hospital psiquiátrico; principalmente no momento durante a entrevista que perguntei se ela já havia sido amarrada - ela respondeu que sim, e isso a machucava muito. Depois que terminei a entrevista com ela, o casal me ofereceu um café com leite, aceitei. Enquanto ela foi fazer o café, fui entrevistando o marido dela (pois ela teria de estar às 15h40min na manicura).
Durante a entrevista com o marido, em alguns momentos percebi que ele sentiu receio de falar mais abertamente sobre o sofrimento que estava passando com a esposa, pois ela estava fazendo o café na cozinha, os dois sempre permaneceram juntos. Depois que realizei a entrevista com o marido dela, tomei o café com leite com o casal, onde ela me falou: “como se lembrar dessas coisas mexe com a pessoa” (sic). Relatou-me que quando esteve internada em fevereiro deste ano, estava fazendo um desenho (não me lembro se ela falou o que estava desenhando) na atividade de terapia ocupacional no hospital psiquiátrico, aquele desenho começou a mexer com ela, que passou a se lembrar de coisas que aconteceram em sua infância, o terapeuta ocupacional explicou para ela que isso era comum, pois ela estava desenhando coisas representativas e lembranças viriam à tona.
Permaneci na casa desta família por cerca de uma hora e meia; depois o casal junto com o seu filho de 23 anos foram me deixar no ponto de ônibus. Fui ao lado do marido de P1, conversando com ele (o seu filho estava empurrando uma bicicleta a nossa frente com ela ao lado e o seu marido empurrando outra bicicleta ao meu lado atrás deles). P2 me falou que já estava a três anos na perícia por um problema na mão, me disse que isso era bom, pois podia ficar em casa cuidando dela, assinalando que “não é fácil” (sic).
Quando chegamos próximo ao ponto, o ônibus chegou ao mesmo instante. Agradeci de novo o casal por terem participado da pesquisa e voltei para casa.
Do deslocamento, o tempo que fiquei na casa dessa família, até o retorno do campo, foram cinco horas de trabalho.


4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Neste capítulo apresento os dados coletados na pesquisa e a análise que fiz dos mesmos.
Na análise como em todo o trabalho, os participantes são identificados como: P1 (esposa) e P2 (marido).
Organizei as categorias e subcategorias do conteúdo de cada uma das duas entrevistas de modo distinto pelos respectivos objetivos específicos da pesquisa.
Na análise dos dados, os relatos de cada um dos participantes são apresentados de modo integral, articulados com a fundamentação teórica da pesquisa.

4.1 I OBJETIVO
Caracterizar práticas de intervenção de atenção à crise que podem ter sido desenvolvidas na lógica manicomial em hospital psiquiátrico, a partir do relato de uma pessoa que tenha vivido essa situação.
A partir do objetivo acima proposto constituí a categoria: Institucionalização na lógica manicomial, que descreve características de intervenção de atenção a crise que foram desenvolvidas na lógica manicomial. As respostas contidas na transcrição da entrevista realizada com P2 não respondem a este objetivo. Mas na participação de P2. Durante a entrevista com P1, e pelo que pude perceber no campo e que registrei no diário de campo, o marido faz menção sobre o tratamento que foi realizado com sua esposa, entendo que essa intervenção foi realizada na lógica manicomial.

4.1.1 Institucionalização na lógica manicomial
O que Oliveira (2009, p. 53) denomina de lógica manicomial não está relacionado apenas ao estado de confinamento de pessoas que estejam em sofrimento psíquico em hospitais psiquiátricos, essa lógica refere-se às diversas posturas de profissionais, da comunidade frente aos usuários “dos serviços públicos ou privados de saúde mental, e que norteiam relações institucionais, interprofissionais e interpessoais”. No contexto dessas relações, a identidade da pessoa em sofrimento psíquico é objetivada, passando a ser reconhecida num contexto separado, categorizada como doente mental (OLIVEIRA, 2009).
Utilizo o termo “lógica manicomial” na perspectiva de Oliveira (2009, p. 53), por entender que é “o manicômio o centro histórico de localização do paciente psiquiátrico e por ter se desenvolvido nestes ambientes a prática clínica que fundamenta o conhecimento psiquiátrico sobre a doença mental”.
A lógica manicomial está relacionadas às mais diversas características que estão presentes no manicômio como: a organização do aparato arquitetônico no hospital psiquiátrico, o espaço onde as pessoas eram ou são confinadas; a contenção mecânica para imobilizar pessoas ainda é utilizada, e os motivos para esse procedimento: a punição como prática terapêutica institucionalizada é o tratamento terapêutico sob a lógica manicomial (regras, isolamento familiar e social, espaços delimitados, etc.); o dia a dia no hospital psiquiátrico sob a lógica manicomial está submetido a regras para a manutenção da ordem no manicômio; a relação das pessoas internadas com o seu corpo e com seus objetos pessoais é gerenciada pelos profissionais que trabalham no hospital; a relação da pessoa internada com os profissionais e demais pessoas que estejam internadas, cada pessoa internada estabelece uma relação comum, mas ao mesmo tempo peculiar com essas pessoas. Essas características presentes no hospital psiquiátrico e que identifiquei no relato de P1 e P2 apresentarei nas subcategorias a seguir.

4.1.2 Organização do aparato arquitetônico no hospital psiquiátrico
Reconheço a função do hospital psiquiátrico do século XIX do qual Foucault (1997, p. 48) assinala como sendo o “lugar de diagnóstico e de classificação, retângulo botânico, onde as espécies de doenças são repartidas em pátios cuja disposição faz pensar numa grande horta”.
Quando P1 disse:
 “Era todo mundo junto, embora que hoje também é mais até menos do que antes, que antes que era tudo numa ala só, aquela coisa, parecia com um tratamento assim que jogava um monte de animal...” (sic).
Nesse relato, na situação de internação psiquiátrica que ela viveu , constatei o hospital psiquiátrico funcionando como um “espaço fechado para um afrontamento; lugar de uma luta; campo institucional, onde se trata de vitória e de submissão” (FOUCAULT, 1997, p. 48).
O monte de animal que P1 se refere, entendo que ela relaciona a estar internada junto com pessoas com diagnóstico diferente do sofrimento psíquico que ela tem (transtorno bipolar), como ela afirma:
 “Antes tu andava ali junto com...” (sic).
Percebi na entrevista realizada com P1 que ela tinha receio de ficar junto com os ditos loucos ou esquizofrênicos que estivessem vivendo um sofrimento psíquico mais grave que o dela. Compreendendo com base no pensamento de Foucault (1997), no espaço onde P1 ficou internada, as pessoas que estavam internadas eram reconhecidas como perigosas, improdutivas, incapazes de se relacionarem de maneira amistosa com outras pessoas, sendo o tratamento sob uma tutela permanente. Parece que P1 Não se reconheceu como sendo mais uma daquelas pessoas que estão internadas em situação de sofrimento psíquico; ela reconhece que essas outras pessoas internadas estavam num estado de grave sofrimento psíquico, mas o que senti no que ela falou, ela não se sentiu fazendo parte daquele grupo de pessoas.

4.1.3 Contenção mecânica
Campos (2009) realizou recentemente uma revisão bibliográfica sobre o manejo das situações de crise e urgências psiquiátricas, constatou que em qualquer lugar do mundo: Brasil, Índia, EUA etc. conter alguém em crise é um procedimento corriqueiro, habitual e uma prática naturalizada.
O uso da contenção mecânica utilizada pela psiquiatria é justificada por ser o meio para evitar comportamentos violentos das pessoas que estão num estado considerado perigoso, de alto risco para si mesma e para a equipe médica, esse procedimento é caracterizado pela restrição dos movimentos ou isolamento da referida pessoa, devendo ser o último recurso utilizado para controlar comportamentos violentos que outro procedimento não tenha provocado efeito (RANIERI, 1999).
De acordo com o que P1 relatou, compreendi que às vezes em que ela foi amarrada, não foi porque ela estava pondo a vida dela em risco, ou era uma ameaça à equipe e a outras pessoas que estavam internadas, ficou claro que ela sofreu uma punição moral para que não reclamasse de algum procedimento ou para que ela não tentasse fumar cigarros fora do horário estabelecido pelo hospital.
O procedimento que foi realizado com P1 contrapõe a justificativa para o uso da contenção mecânica utilizada pela psiquiatria como recurso terapêutico como apresentei anteriormente com fundamento em Ranieri (1999).
Em relação a como fazer a contenção mecânica, Costa (2009), afirma que essas técnicas e os cuidados para essa intervenção são de domínio da enfermagem. A contenção mecânica consiste na utilização de equipamentos, tais como: faixas para MMSS ou MMII, e faixas específicas para tórax, que são presas na estrutura da cama. Contenção Admitida caracteriza-se na posição deitada em decúbito dorsal ou supina com quatro ou cinco pontos de apoio. A contenção dos braços também pode ser utilizada durante uma perfusão endovenosa. Toda pessoa que esteja sob contenção mecânica deve estar sob monitoração clínica integral (COSTA, 2009).
Os procedimentos para a contenção mecânica devem ser registrados no prontuário e deve descrever a situação que foi preciso utilizá-la, o tempo de início e de término e as condições em que a pessoa estava antes, durante e após o período de contenção. Esses procedimentos devem ser discutidos e explicados a família ou responsável (COSTA, 2009).
 P1 durante a entrevista não deu detalhes de como ela foi amarrada e, também não explorei os detalhes desse procedimento. Como notei que ela ficou bastante emocionada quando perguntei se ela tinha sido amarrada, evitei ir afundo nos detalhes.
Como justifiquei anteriormente, no caso de P1, não investiguei com precisão como foi realizada a contenção mecânica com ela. Não posso detalhar quais os riscos que P1 esteve submetida. Mas, com base em Costa (2009), posso afirmar que os riscos no uso da contenção mecânica existem.
Os principais riscos de se realizar a contenção mecânica estão relacionados à imobilidade, ao atrito provocado pelos equipamentos utilizados (como faixas para contenção); e complicações respiratórias ou exacerbação da agitação (COSTA, 2009).
P1 em seus relatos confirmou a lógica da punição moral para que ela fosse contida, pois ela queria resistir à ordem do médico psiquiatra e de outros profissionais da equipe, que não aceitavam que ela escolhesse quando ela iria fumar:
“Dezembro eu fui internada, eu fui amarrada de novo, porque eles queriam tirar o cigarro, e eu não fico sem cigarro.” [...] “eu queria fumar, e não dava o cigarro e daí me amarraram” [...]  “eu fiz tipo um motim, quis fazer um motim né (sorrir), aí onde eles me amarraram, amarraram eu e mais duas” (sic).
Concordo com Basaglia (1985), apresentando como exemplo a experiência de P1; quando ela resolveu reagir contra a ordem do psiquiatra ou da equipe responsável do hospital de onde ela esteve internada, a atitude dela foi entendida como uma ofensa aos médicos ou enfermeiros, ou parece que o que eles consideram como desobediência era entendida pelos mesmos como uma manifestação da doença mental dela.
Reverbel (1996), pensando na transformação das relações de poder entre instituição e pessoas em sofrimemto psíquico que estão sendo submetidas a práticas desenvolvidas na lógica manicomial, realizou uma análise no Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP/RS). Em relação a contenção mecânica, ela concluiu que essa prática era típica e naturalizada.
Compreendo a partir do que Reverbel apresenta a prática de se realizar a contenção mecânica no HPSP como sendo uma prática já institucionalizada. Também pude fazer essa análise e compreensão no caso de P1.
No relato de P1, pude confirmar a contenção mecânica pelo amarrar como sendo uma prática já institucionalizada no hospital onde ela esteve internada:
“Amarrada fui. [...] é muito triste, parece um cachorro, um animal, nem os meus cachorros aqui em casa são amarrados do jeito que a gente é mobilizado [...] mas segundo eles era pro bem da gente” (sic).
A internação mais recente que P1 foi submetida ocorreu em fevereiro de 2010. A partir desse dado posso afirmar, tendo como referência o estudo realizado por Campos (2009); Ranieri (1999); Reverbel (1996) que, a contenção mecânica permanece como uma prática usual, não apenas para conter pessoas consideradas perigosas ou que estejam em situação de risco de vida ou ameaçando a vida de outras pessoas.
A partir da análise dessa subcategoria, compreendo que, ainda hoje, o tratamento no hospital psiquiátrico permanece presente práticas de intervenção à atenção a crise na lógica manicomial.

4.1.4 A punição como prática terapêutica institucionalizada
No Brasil, no século XX, o movimento higienismo, denominado de Higienismo Mental, tinha como proposta a prevenção das doenças. A medicina passou a problematizar não apenas a patologia, mas também as maneiras de ser do indivíduo que produz o estado patológico (OLIVEIRA, 2009).
O higienismo é caracterizado pela eugenia, que busca através da ciência a purificação das raças. Na perspectiva desse movimento, os psiquiatras brasileiros passaram a praticar o tratamento psiquiátrico não só abordando a dita doença mental, passaram a intervir profundamente na subjetividade das pessoas, nas dimensões da vida social, na educação, no lazer, no direito, na cultura. A lógica do pensamento clínico passou a ser utilizada aos fenômenos do dia a dia (OLIVEIRA, 2009).
Em relação a perspectiva da prática de trabalho exercida pela psiquiatria, concordo com Oliveira (2009) de que:

Os problemas sociais são identificados como doentios e sua solução passa pela terapêutica, que na medicina tem como principal representação a medicalização. Tudo na sociedade, sob a ótica da higiene mental e sua lógica clínica, pode ser objeto do olhar diagnóstico, da perspectiva prognóstica e da intervenção terapêutica. Submetem-se ao escrutínio clínico as maneiras de viver, de vestir-se, de falar, de caminhar, de relacionarem-se, as formas humanas de existir e vêem-se estas como passíveis de medicalização quando consideradas inadequadas ou anormais (OLIVEIRA, 2009, p. 53).

No estudo realizado com P1, no hospital onde ela esteve internada, pude identificar o tratamento em que ela foi submetida sendo realizado e compreendido pela equipe como doentio, conforme indicou Oliveira (2009). A lógica do comportamento de fumar de P1 sendo considerada como parte do sofrimento psíquico é confirmada neste relato:
“Por eles não liberar cigarro normal pra quem tem né! Porque pra quem não tem tu entende, agora quem tem eles deixar sem cigarro é uma tortura” [...] “por isso até que eu fui amarrada, porque eles quiseram tirar o cigarro” (sic).
Entendo que o comportamento de fumar de P1 na terapêutica praticada na internação psiquiátrica foi compreendido pelos profissionais como sendo um comportamento conseqüente da doença mental dela.
Concordo com Goffman (1961, p. 23) de que, as instituições totais criam “e mantêm um tipo específico de tensão entre o mundo doméstico e o mundo institucional, e usam essa tensão persistente como uma força estratégica no controle de homens”.
Essa tensão para exercer o controle de pessoas como indica Goffman (1961) foi confirmada por P1:
“Parece que o organismo ali dentro tá preparado pra receber cinco cigarros, se tirou um, já faz a falta, e é nisso que a gente sofre muito lá”. [...] “eu e o meu cigarro é terrível”. [...] ”esperando a hora do almoço pra ti saber que vai almoçar vai ganhar um cigarro” (sic).
O sofrimento e ansiedade que P1 viveu durante o período que esteve internada por ter acesso ao cigarro limitado, ficou evidente neste relato. Segundo P1, quando fica sem fumar ela fica mais ansiosa e por estar internada em um ambiente onde a liberdade é limitada, essa tensão aumenta.
Em relação ao que P1 relatou sobre o seu comportamento de fumar, a ansiedade que ela sente quando o cigarro é retirado, além do controle estabelecido no hospital psiquiátrico para a retirada do cigarro das demais pessoas que estão internadas como uma punição moral apresenta o que Carrano (2001) escreveu sobre a restrição para que as pessoas não fumem quando estiverem internadas:

Mordem-se, arranham-se por uma xepa... homens, numa disputa dessas! Seres humanos ou fera? Em grunhidos lutam pelo grande prêmio: a guimba. Que os falsos moralistas e insensíveis engulam suas falsidades, mas a grande realidade é que seria um ato de caridade trazer cigarros para esses homens.
Não trazer bolachinhas e doces. Eles necessitam cigarros. Muitos podem achar absurdo. Mas vê-los agindo como cães agredindo-se por um osso na certa mudaria seu parecer. Esses tipos de instituições poderiam ter convênios com fábricas de cigarros e os refugos de cigarros dessas fábricas poderiam ir para esses esquecidos. Mas a falsa moralidade de uma cidade também falsa nunca iria permitir um convênio desse tipo. Preferem deixá-los como estão, escondidos, rasgando suas carnes por umas xepas de cigarros. Estaria mais de acordo com regras da nossa moralidade: cigarro provoca câncer (CARRANO, 2001, p. 74-75).

Sobre o que Carrano (2001) escreveu em relação ao controle para que as pessoas não tenham a escolha para fumar cigarro quando estejam internadas, P1 não citou ter presenciado brigas de pessoas que estavam internadas por causa de xepas de cigarro, ela demonstrou em seus relatos forte sentimento de ansiedade quando ela é controlada, não podendo escolher quando fumar. No discurso dela ficou clara a prática da terapêutica punitiva que ainda parece ser comum no hospital onde ela esteve internada.
Nas dimensões definidas por Amarante (2003, p. 51) para se pensar a reforma psiquiátrica brasileira, na dimensão técnico-assistencial, que é “possibilitado por uma teoria que considere a loucura uma incapacidade da Razão e do Juízo”. Nesta lógica, o modelo de institucionalização psiquiátrica é compreendido e legitimado com base na tutela, na custódia, na disciplina e na vigilância (AMARANTE, 2003).
Os elementos apontados por Amarante (2003, p. 51): “tutela, na custódia, na disciplina e na vigilância”, no relato de P1 ficou claro que esses elementos fizeram parte da experiência dela no hospital psiquiátrico:
“Não existe liberdade lá dentro [...] mesmo, porque até pra mim ir no banheiro tem alguém me vigiando; até pra mim escovar o dente eu só posso escovar se pedir pra, pra enfermeira porque eu não tenho escova de dente nem pasta tenho que pedir pra ela, não fica a meu acesso” (sic).
O tratamento com base na tutela do qual percebi no discurso de P1, já tinha sido questionado por Foucault, (1975), ele afirmou que, o hospital psiquiátrico atua como um tribunal assistido por todo o tempo, o louco tinha que ser vigiado. Pelo relato de P1, essa vigilância ocorreu durante as internações psiquiátricas que ela foi submetida.
Reforço minha crítica ao modelo de tratamento na lógica manicomial a partir de Oliveira (2009), a pessoa em sofrimento psíquico que esteja internada em hospital psiquiátrico é considerada por natureza uma pessoa improdutiva, perigosa e incurável.
“A periculosidade confirma a necessidade da exclusão e a improdutividade afirma a idéia da dependência que, aliada à idéia da incurabilidade, produz a eterna tutela e a perene impossibilidade de autonomia” (OLIVEIRA, 2009, p. 54).
Ainda sobre o tratamento com base na tutela e no controle punitivo, apresento outra citação de P1:
“Se durante a noite eu me incomodasse com alguma coisa no dente, eu quisesse escovar o dente não tinha como” (sic).
Nesta fala de P1, confirma-se o assujeitamento de pessoas de quem esteja internado em hospital psiquiátrico, conforme o pensamento de Foucault (1997, p. 54), pelo simples fato da pessoa estar internada, ela “torna-se um cidadão sem direitos, entregue à arbitrariedade do médico e dos enfermeiros que podem fazer” dela “o que quiserem sem possibilidade de apelo”.
Em relação à limitação da liberdade da pessoa que esteja confinada em hospital psiquiátrico, Reverbel (1996) percebeu no Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP/RS) que, para que a pessoa saísse dos limites do Hospital era preciso a autorização do médico psiquiatra. Reverbel percebeu o quanto a construção da cidadania e a desinstitucionalização ainda está distante.
O que Reverbel (1996) percebeu no HPSP, eu também pude perceber no relato de P1, que a autorização para sair do prédio do hospital dependia da autorização do enfermeiro ou do médico:
 “Saída só com a visita; ou não ser quando aparece assim como sair pra fora da enfermaria com o terapeuta né, pra fazer a caminhada, pra fazer, aí sai, do contrário não sai pra nada” (sic).
Carrano (2001, p. 68), sobre o acesso ao mundo fora do hospital por quem está internado em hospital psiquiátrico, disse que:
“Era um martírio ficar num lugar desse um dia, que dirá como o Rogério... cinco meses! Visitas só daqui a quinze dias, por quê? Deve ser para agente se acostumar a ficar aqui. Nem com anos e anos vou me acostumar num lugar nojento como esse”.
Em seu relato, P1 não citou esse tempo/intervalo para receber visitas, após 48 horas de internação, no hospital psiquiátrico onde esteve internada, ela poderia receber visitas todos os dias. A principal crítica que destaco no que ela e Carrano (2001) mostram é a lógica do isolamento, a pessoa é confinada para “aprender” a se comportar “normal” na sociedade, mas ela é afastada dessa sociedade. Então, como querer que essa pessoa consiga lidar com seu sofrimento psíquico estando na situação da vida cotidiana com outras pessoas e como querer que essas outras pessoas reconheçam e sejam solidárias com o sofrimento do outro?
A análise que realizei na subcategoria anterior sobre contenção mecânica, tem relação estreita com a análise feita nesta subcategoria. Pelo que P1 demonstrou, compreendo que o tratamento que foi disponibilizado onde ela esteve internada foi aplicada à terapêutica da punição moral.  O objetivo da equipe do hospital ter realizado a contenção mecânica, não é justificado por ela estar numa situação em que ela tenha posto sua vida e de outras pessoas em risco. O procedimento de contê-la para que ela não fumasse pelo que pude confirmar nos seus relatos, teve o objetivo de puni-la para que a mesma não desobedecesse ao poder de ordem dos profissionais e para que as regras no hospital psiquiátrico permaneçam inquestionáveis, perpetuando a lógica manicomial institucionalizada no manicômio.

4.1.5 O dia a dia no hospital psiquiátrico
Pelo que P1 falou na entrevista, identifiquei as regras, rotinas estabelecidas no hospital psiquiátrico, a liberdade de escolher a hora de se alimentar, fazer higiene pessoal, escolher suas roupas e objetos para usar, na lógica manicomial essas escolhas não fazem parte do direito de quem está internado. Nessa lógica entendo que a liberdade de escolha da pessoa que está internada é apropriada e institucionalizada nesse ambiente, conforme ela descreveu na rotina que vivera:
“Levantar de manhã, tomar café, fazer as necessidades né, higiene, tomar café [...] ficar na cama [...] pra poder o tempo passar.” [...] “Tinha dias que tinha atividade né, tinha terapia em grupo” [...] “O terapeuta mesmo em grupo era uma vez por semana” [...] “eu poderia até vamos supor três horas da tarde resolver escovar os meus dentes, não posso, porque tem de ser no horário [...] deles, exato, que seria no caso de manhã, às oito e meia da manhã, ao meio dia, e às seis da tarde, às sete da tarde” [...] “a gente comia nos horários que a comida era lá no caso, sete e meia da manhã o café; onze horas o almoço [...]; duas e meia o lanche e as cinco a janta” (sic).
Sobre a ociosidade no cotidiano no hospital psiquiátrico, Carrano (2001) relatou o que viveu:
“Fim de tarde... - bom apenas para coçar, curtindo o peso do nosso martírio de não fazer nada. A ociosidade era tediosa.[...].
Sentia-me um animal ferido e acuado, preso naquele quarto”. (CARRANO, 2001, p. 102).
O modelo de tratamento na lógica manicomial deixa a pessoa em condições inoperantes como citou Carrano (2001) e essa situação foi confirmada no relato anterior de P1 e na fala dela adiante essa situação foi citada de novo:
 “Ficava ociosa porque não tinha nada pra fazer, muitos dias não tinha, tinha dias que tinha” (sic).
A partir do que apresentou P1, concordo e compreendo que: a lógica manicomial produz “o ócio forçado, o autoritarismo médico e do pessoal de enfermagem, a fuga dos amigos, a destituição das propriedades, a exclusão da vida social, o ambiente nosológico das enfermarias, das clínicas e dos ambulatórios, a perda de perspectiva fora da realidade institucional” (OLIVEIRA, 2009, p. 55).
Analisando as citações acima, tanto de P1 Quanto de Carrano (2001) a ociosidade, o isolamento da vida social e familiar, a perda da autonomia de quem está vivendo a situação de internação psiquiátrica são consequências do modelo de tratamento em saúde mental que permanecem sendo praticadas na lógica manicomial.

4.1.6 Relação com o corpo e objetos pessoais 
A partir do Iluminismo, a ética da psiquiatria moderna lança o direito do psiquiatra de controlar o corpo e as atitudes das pessoas em sofrimento psíquico, esse controle é respaldado na abordagem científica e no corporativismo profissional psiquiátrico (OLIVEIRA, 2009).
O controle exercido pelas regras vigentes do qual Oliveira (2009) se refere esteve presente no tratamento que foi realizado com P1 e ela confirmou:
 “A única coisa que eu posso ter lá dentro meu no caso é a parte do quite higiene, no caso pasta de dente, xampu, escova [...] eu não podia usar roupa minha, tinha que ser roupa do hospital; chinelo eu usava até o meu” (sic).
Concordo e compreendo que a lógica de tratamento que P1 foi submetida possibilita que se tire da pessoa classificada “como doente mental o direito a propriedade e outros direitos, como até mesmo o de ter e escolher seu vestuário, o que é freqüente nas instituições totais” (OLIVEIRA, 2009, p. 54).
P1 esteve internada numa instituição total que é definida por Goffman (1961, p. 9) como sendo esta: “um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada”.
Na análise dessa subcategoria, posso afirmar que a relação de P1 com o seu corpo e objetos pessoais esteve sob controle dos profissionais que cuidaram dela na internação psiquiátrica, confirmando a “vida fechada e formalmente administrada” como citada por Goffman (1961, p. 9).

4.1.7 Relação com os profissionais na internação psiquiátrica  
A lógica manicomial além de atingir o usuário, atinge ao mesmo tempo os profissionais que são institucionalizados sob seus princípios, esses profissionais “aceitam a idéia da assimetria de poder como legítima e interessante”, não se permitindo olharem para as pessoas que estejam em sofrimento psíquico como pessoas “dotados de humanidade tanto quanto eles mesmos” (OLIVEIRA, 2009, p. 56).
De acordo com P1, em relação aos profissionais que atuaram em suas internações psiquiátricas ela descreveu que:
 “Eles sempre foram sempre bem atenciosos assim, não posso reclamar, não tenho reclamação a fazer” (sic).
Quando ela respondeu sobre o que falta na assistência em saúde mental de um modo geral, a opinião dela sobre a atuação de profissionais que trabalham na área da saúde mental é entendida assim:
 “Acho que falta profissionalismo, eu acho que falta aquele profissional que trabalhe com amor” (sic).
Sobre o amor e a atenção que P1 citou em relação aos profissionais que atuam na área da saúde mental, concordo com Reverbel (1996) de que essa relação de afeto implica reconstruir o direito e a capacidade de palavra, os profissionais deveriam estar disponíveis para escutar, sentir e conseguirem estabelecer relações afetivas de compreensão do afeto da pessoa em sofrimento psíquico.
Compreendo que a lógica manicomial além de afetar o usuário dos serviços de saúde mental, os profissionais que atuam nestes serviços são atingidos também. Esses profissionais estabelecem uma relação de poder sobre a pessoa em sofrimento psíquico, sem perceber eles desenvolvem práticas manicomiais que foram naturalizadas na institucionalização dessas pessoas.
Pelo que P1 falou na entrevista, o convívio dela com os profissionais que trabalharam no hospital psiquiátrico onde ela esteve internada foi amigável.

4.1.8 Relação com outras pessoas que estavam internadas na internação psiquiátrica   
De acordo com P1, no hospital onde esteve internada, ela afirmou ter tido uma boa relação com as demais pessoas que compartilharam o mesmo espaço que ela, disse não ter tido problemas com elas:
 “Até que eu não tinha assim muito atrito assim sabe, eu, que eu ficava na minha [...] eles diziam que comigo não dava pra brincar e, que eu também não era de muita conversa, mas no total assim bem” (sic).
Quando P1 citou que com ela não dava para brincar, sempre que ela ficava internada ela procurava ficar mais reservada a sua vida e pouco buscava participar da vida das demais pessoas que estavam juntas com ela na mesma unidade. Nas internações psiquiátricas vividas por ela, conheceu pessoas que hoje tem relação de amizade, principalmente com as pessoas que são usuárias do CAPS, o qual ela também é usuária:
 “A última internação, aliás, as duas últimas agora foi pessoas que eu tenho até relação até hoje, são pessoas do CAPS que no caso é duas pacientes” (sic).
Analisando o relato de P1 sobre sua relação com as pessoas que estiveram internadas com ela, sua relação interpessoal com essas pessoas acontecia de modo discreto. Parece que ela mantia uma relação distante das demais pessoas e selecionava as que ela teria uma relação mais próxima.
A estratégia estabelecida por P1 para se relacionar com as pessoas no hospital psiquiátrico parece também ter relação com medos que ela sentiu por estar num ambiente com pessoas com sofrimento psíquico mais grave que o dela. Em Carrano (2001), esses medos também podem ser identificados, em sua autobiografia, quando esteve internado em hospital psiquiátrico, especialmente pela primeira vez, Carrano escreveu sobre seus medos como: medo de pessoas em sofrimento psíquico mais grave que o dele, como pessoas em sofrimento catatônico; medo de ficar no mesmo estado das demais pessoas que estavam internadas; medo de não sair mais do hospital; e principalmente, Carrano tinha medo das aplicações de eletrochoque.
Pelo que P1 relatou, não teve muitos conflitos com as pessoas que estiveram com ela na internação psiquiátrica. Os sentimentos de P1 decorrentes da situação de internação psiquiátrica que ela viveu serão apresentados mais adiante no objetivo III, na subcategoria: sentimentos decorrentes da internação psiquiátrica.

 

4.2 II OBJETIVO
Descrever a partir do relato do entrevistado como ocorreu sua internação psiquiátrica.
Neste objetivo criei a categoria: O início da institucionalização na internação psiquiátrica na lógica manicomial. Apresento como foi o começo e o percurso da vida institucionalizada. Essa categoria se desdobra em duas subcategorias: o momento da entrada no hospital psiquiátrico descreve como ocorreu a primeira internação e o tempo e as várias internações; participação da família na vida dessa pessoa nas internações, subcategoria que descreve como foi a participação do marido e dos filhos durante as internações.

4.2.1 O início da institucionalização na internação psiquiátrica na lógica manicomial
Em relação a postura e ao poder de médicos psiquiatras que trabalham em hospital psiquiátrico, concordo com Foucault (1997, p. 48):

O grande médico de hospício — quer se trate de Leuret, Charcot ou Kraepelin — é ao mesmo tempo aquele que pode dizer a verdade da doença pelo saber que detém sobre ela, e aquele que pode produzir a doença na sua verdade e submetê-la na realidade, pelo poder que a sua vontade exerce sobre o próprio doente.

P1 descreveu como ocorreu sua primeira internação psiquiátrica, indicando o poder exercido pelo médico em relação a sua doença. Ela diz ter sido internada pela primeira vez quando tinha aproximadamente 15 anos, no dia 14 de agosto de 1981, pela idade de P1 (47 anos), e pela data que ela verificou durante a entrevista em um documento onde estão registradas as internações, P1 foi internada a primeira vez quando tinha 17 anos. Depois ela relatou que esteve internada em 1983; depois disse só ter sido internada em 2008, a partir dessa data teve seis internações, a mais recente foi em fevereiro de 2010. No total P1 confirmou ter sido internada “onze” vezes (sic), sempre no mesmo macro hospital psiquiátrico na região da grande Florianópolis no estado de SC.
Sobre a vontade voluntária ou involuntária da pessoa buscar a internação num hospital, Goffman (1961, p. 113), afirma que: um “grupo relativamente pequeno de pré-pacientes vai ao hospital por vontade própria, seja porque tem uma idéia de que será bom para eles, seja porque há um acordo com as pessoas significativas de sua família”.
Quando P1 responde se a primeira vez que ela foi internada foi pela vontade própria dela ou não, onde será apresentado na fala dela logo adiante como aconteceu esse momento e identifiquei o que citou Goffman (1961) no caso de P1, até mesmo pela idade dela na primeira internação, seu pai teve uma participação decisiva neste processo:
“Eu era uma menina, no caso né, era mocinha e daí papai, pai falava, o médico disse e o pai concordava” [...] “A primeira internação eu me deu crise, eu tinha umas crise que segundo o médico era crise convulsiva, ih... E era uma crise que eu me debatia, que hoje eu tenho essa crise ainda” [...] “tratou bem, inclusive eu me lembro dele que era o doutor fulano né, ele disse que eu ia ficar por uns dias até eu melhorar [...] só que foi voltado a internar de novo e assim foi consecutivamente” (sic).
Compreendendo a situação de internação psiquiátrica vivida por P1, concordo com Goffman (1961, p. 115), uma “vez que o pré-paciente voluntariamente entra no hospital, pode passar pela mesma rotina de experiências dos que entram contra a vontade”, pelos relatos dela ela passou por essa mesma rotina.
Analisando como ocorreu a primeira internação psiquiátrica de P1 a partir de Foucault (1997), parece que o médico psiquiatra que atendeu P1, em relação ao sofrimento psíquico e a singularidade dela, pelo que ela descreveu, o psiquiatra demonstrou um saber absoluto dos quais fez com que ela não duvidasse e reconhecesse que era uma doença o que ela estava vivendo tornando-a impotente a exercer seus direitos.
A partir da ciência do saber psiquiátrico é permitido chamar de doença a loucura, sendo o psiquiatra qualificado para intervir e diagnosticar uma loucura, sendo o louco impedido de ser um doente como os outros, sendo denominado de doente mental (FOUCAULT, 1997).
Pelo que P1 demonstrou em seu relato, até mesmo pela sua idade, ela aceitou a condição de ser uma “doente mental”, não tendo possibilidade de escolher se aceitava ser internada ou não. O médico psiquiatra indicou a internação ao pai de P1, ele parece ter acreditado que aquele seria o melhor tratamento, concordando com a internação da filha. Parece que tanto o pai quanto P1, aceitaram a verdade apresentada pelo psiquiatra sem questioná-la, afirmando uma verdade absoluta sobre o seu sofrimento psíquico.

4.2.2 Participação da família na vida de P1 e  nas internações
Na análise dessa subcategoria incluí a categoria: participação de P2 nas internações vividas por P1, que criei na categorização na transcrição da entrevista realizada com o mesmo, que descreve a participação de P2 e dos seus filhos na vida de P1. Essa categoria é composta de duas subcategorias: Participação de P2 nas internações vividas por P1, que são relatos da participação do marido; compreensão de P2 sobre a participação de seus filhos nas internações vividas por P1 são relatos de P2 sobre a participação dos seus filhos nas internações vividas pela mãe.
Atualmente a participação da família no tratamento de pessoas que estejam em sofrimento psíquico é compreendida como sendo indispensável e evidências atuais demonstram a eficácia das intervenções realizadas nas famílias, essas intervenções promovem melhora do quadro clínico, diminui recaídas e consequentemente, reduz o número de internações psiquiátricas. Pesquisas epidemiológicas e experiências terapêuticas confirmam essa idéia, apontam à necessidade de se desenvolver estratégias de participação da família no tratamento dessas pessoas, especialmente no tratamento daquelas com diagnóstico de esquizofrenia (MELMAN, 2002).
Para que haja melhor qualidade de vida nas relações sociais e no crescimento pessoal de quem esteja em sofrimento psíquico, a rede de apoio aos usuários de saúde mental é responsável por disponibilizar suporte que atenda as necessidades deles e de suas famílias. Deve-se considerar que o vínculo da família com essas pessoas é difícil, devido a diversos fatores como: a falta de conhecimento sobre o sofrimento psíquico do seu ente querido, problemas de ordem social (como a relação que as pessoas da sociedade estabelecem com a pessoa que esteja em sofrimento psíquico), financeiros e políticos. Quem convive diariamente com uma pessoa em sofrimento psíquico severo, sabe que a relação com ela não é fácil, ter de cuidar dela “impõe uma série de encargos físicos, emocionais, econômicos e sociais” (MELMAN, 2002, p. 1).
Sobre a experiência de P1 e sua família nas internações psiquiátricas que ela sofreu, na frase a seguir ela comentou sobre o sofrimento da família em relação à experiência dela:
“A família em si sofre” (sic).
O que ela relatou confirma que o peso para quem vive e sente o sofrimento psíquico, esse sofrimento também é sentido pela família. A família “com raras exceções, recebe pouca atenção do sistema de saúde, não é chamada à participação, uma vez que a prática psiquiátrica “adota” ou tutela o doente, tirando-o do convívio social e familiar” (PEREIRA, 2003, p. 3).
Os encargos citados por Melman (2002): físicos, emocionais, econômicos e sociais, são identificados no que relatou P2:
“Tem hora que eles falam coisa que já tá estressado, tu fala o que não deve de falar, é de momento, depois passa [...] Eu sempre estive lá, [...] eu ia duas vezes por semana, eu ia; eu só não ia mais por causa das condições do ônibus né, gasta muito [...] mas duas vezes por semana era sagrado de ir lá” (sic).
No contexto apresentado por P2, são as famílias de baixa renda, em estado de crise ou permanente desestruturação, que buscam o serviço de saúde mental. Em geral, os familiares trazem aos profissionais e serviços de saúde uma diversidade de fenômenos complexos, além dos problemas na rede causados pela crise psiquiátrica, os familiares apresentam todas as suas dificuldades existenciais, a falta de assistência em saúde mental de qualidade e eficácia intensifica os dramas vividos por essas famílias, que na maioria dos casos, estão vulnerabilizadas devido à pobreza e exclusão/destituição social que vivem (SAÚDE MENTAL E CIDADANIA, 2010).
O marido de P1 não tem condições para visitar mais vezes a esposa durante a semana por falta de condições financeiras e a rede de saúde não dá suporte a essa necessidade das famílias que utilizam os serviços de saúde mental.
A dificuldade financeira citada por P2, bem como o drama das famílias quando tem um familiar na situação de internação psiquiátrica é ressaltada por Pereira (2003, p.3):

A sobrecarga proveniente das dificuldades decorrentes da baixa renda das famílias não as deixa suportar o convívio com a psicose, tanto por fatores de ordem emocional, como também por motivos financeiros, devido ao fato de terem que prover as necessidades de um adulto improdutivo e carente de cuidados especiais.

Quando P1 estava internada, ela afirmou que a pessoa que a visitava com frequência era o seu marido. Das internações que ela viveu, o seu marido participou de uma única reunião para familiares no hospital psiquiátrico onde ela esteve internada.
Sobre o modelo tradicional de intervenção de atenção a crise, que no meu entendimento não busca facilitar a participação da família no tratamento do seu ente que esteja em sofrimento psíquico, concordo com Pereira (2003, p. 2) quando afirma que com raras exceções, essa lógica de intervenção “vem mantendo a família distante do processo de assistência psiquiátrica, o que contribui para que a mesma tenha uma representação patogênica ou culposa, objeto de introjeções e projeções”.
P1 têm dois filhos gêmeos de 18 anos de idade, das onze internações que ela sofreu um desses dois filhos foi visitá-la uma única vez em 2009; e o outro filho dela de 23 anos de idade foi visitá-la uma única vez em toda a sua história de internações.
De acordo com P1, seus filhos nunca aceitaram ela ter sido internada em hospital psiquiátrico, segundo ela, eles dizem que o hospital em que ela sempre é internada é um hospital para loucos.
Contrapondo com a posição dos filhos comentada por P1, que parecem não aceitar que ela seja internada em hospital psiquiátrico, Ferreira (1996 apud PEREIRA, 2003, p. 3), afirma que:
“o hospital psiquiátrico ainda representa o “protetor” que mantém afastado do convívio familiar o “fantasma da loucura”.”.
Pelo que P1 comentou em relação à posição dos seus filhos, eles parecem ter muita vergonha do estigma que a mãe deles e eles irão sofrer por ela ter sido internada em um hospital com características manicomiais e de lá ela sair ou já ter o status na comunidade onde a família vive, de uma pessoa louca, perigosa e improdutiva.
A partir dos relatos de P1 e P2 identifiquei que, no hospital psiquiátrico onde ela esteve internada não houve intervenção familiar integrada ao tratamento dela; se há uma intervenção familiar eficaz neste hospital, não foi possível identificar no relato de ambos.
Pelo que verifiquei em pesquisas, alguns desses estudos foram citados no meu trabalho, pelo estudo de caso realizado com P1, o modelo de tratamento oferecido em hospital psiquiátrico confronta com a proposta de tratamento em saúde mental disponíveis nos centros de atenção psicossocial. A lógica manicomial não busca estabelecer uma interação com a família da pessoa que está internada; não estabelece comunicação eficaz entre profissionais, usuários e família; não busca compreender o contexto no qual se insere a história de vida da pessoa; não desenvolve esforços educativos junto a esse grupo de trabalho, não facilitando a reintegração da pessoa na rede de relações sociais onde ela pode estar sendo estigmatizada ou sendo excluída da vida em sociedade.
Sobre a participação dos filhos nas internações psiquiátricas que P1 viveu P2 afirmou que:
“Os filhos... Eles não aceita..., são novos..., talvez sem experiência [...] Todos os quatro não aceita” (sic).
Concordo com Pereira (2003), tomando o caso de P1 como exemplo, a dificuldade de relacionamento entre filhos para com a mãe, decorre da representação social que eles têm em relação ao sofrimento psíquico dela, surgindo no núcleo familiar condutas como agressão, depreciação e abandono, demandando grande necessidade de se contar com o suporte do serviço de saúde mental, que pelo caso apresentado, um suporte de qualidade na modalidade de internação psiquiátrica a essa família não foi disponibilizado.
P1, durante a entrevista, fez um comentário geral sobre o que ela pensa sobre o motivo das pessoas não irem visitá-la no hospital:
“Ninguém quer ir lá te visitar” (sic).
Além dela está falando das pessoas que ela conhece, ela se referiu às pessoas da sociedade de um modo geral, que não querem visitar quem esteja internado em hospital psiquiátrico.
Compreendo a percepção de P1 concordando com Lüchmann e Rodrigues (2007, p. 4) em Santa Catarina esses autores trazem o lema: “por uma vida sem manicômios”, já que “a sociedade pode também ser o manicômio”.
Quando ela relata que as pessoas não querem visitar quem está internado em hospital psiquiátrico, a sociedade catarinense aparece como sendo o próprio manicômio, como foi referido pelos autores.
Compreendo que a participação efetiva da família na vida de uma pessoa que esteja em sofrimento psíquico depende de vários fatores, como: a dinâmica de funcionamento da família, a relação que essa família estabelece com o seu ente e o saber sobre o sofrimento deste; e de como a pessoa em sofrimento psíquico se posiciona frente às dificuldades que ela tem na vida.
No caso em estudo, parece que o principal obstáculo para que a participação da família aconteça de modo a ajudar a recuperar a saúde de P1, decorre da falta de serviços de assistência em saúde mental que funcionem a partir de uma intervenção que compreenda a pessoa de modo integral e não reduzindo a intervenção apenas ao sofrimento psíquico. Pelo que verifiquei a assistência prestada a P1 não considerou a pessoa levando em conta o contexto em que ela vive em seus relatos, parece que o objeto da intervenção realizada com ela foi o seu sofrimento psíquico, apenas objetivando a remissão dos sintomas; com isso, a família de P1 e a rede social do qual ela faz parte, houve poucas possibilidades para que acontecesse a articulação entre rede de saúde, usuário/família/redesocial/profissionais, não ocorrendo a promoção de saúde no território.


4.3 III OBJETIVO
Descrever a percepção da pessoa sobre sua vida antes e depois dela ter vivido a situação de internação psiquiátrica.
Neste objetivo criei a categoria: Mudanças que ocorreram no hospital psiquiátrico que é apresentado na percepção de P1 sobre como era a estrutura arquitetônica; a relação com os profissionais no hospital psiquiátrico e como ela considera as mudanças ocorridas para os dias de hoje e a importância desse tipo de intervenção.
Nessa categoria há quatro subcategorias: a permanência ou o rompimento da lógica manicomial? Relatos de P1 sobre mudanças na estrutura, vestuário e relação com os profissionais; experiência no serviço substitutivo – CAPS, subcategoria que descreve a percepção de P1 sobre o tratamento que ela realiza no CAPS comparando com o tratamento vivido no hospital psiquiátrico; sentimentos decorrentes da internação psiquiátrica: descreve os sentimentos de P1 em relação às experiências de internação psiquiátrica e o que ela apresentou sentir nos dias de hoje; a cristalização da existência do tratamento no hospital psiquiátrico como recurso necessário, a percepção de P1 sobre a importância das internações no tratamento em saúde mental.
Em relação à entrevista que realizei com P2, neste objetivo criei a categoria: o sofrimento da família nas internações de P1, que é composta de duas subcategorias: Sentimentos de P2 em relação às internações psiquiátricas vividas por P1, relatos dos sentimentos de P2 sobre o  sofrimento vivido com a esposa; a cristalização da existência do tratamento no hospital psiquiátrico como recurso necessário, relatos de P2 em relação ao tratamento que foi oferecido a esposa no hospital psiquiátrico.
Mudanças que ocorreram no hospital psiquiátrico:

4.3.1 A permanência ou o rompimento da lógica manicomial?
Concordo com Campos (2009), de que a hegemonia da Lógica do paradigma do tratamento no hospital psiquiátrico indica que qualquer análise histórica sobre a saúde mental no mundo e das políticas acerca desta, ainda é evidente a hegemonia do manicômio, essa hegemonia pode ser confirmada bastando se analisar os documentos recentes da OMS sobre a saúde mental no mundo e as posições e propostas deste órgão para lidar com os fenômenos relacionados à saúde mental. Vários países não apresentam sequer legislação sobre saúde mental ou quando as tem, esta está constituída nos preceitos do século XIX, tutelando, criminalizando, subtraindo direitos da pessoa que esteja em sofrimento psíquico ao invés de protegê-la.
Na maioria dos países o tratamento na lógica manicomial é a primeira porta de entrada, o Brasil está incluído nessa realidade, os serviços de base comunitária são insuficientes ou não funciona na lógica da desinstitucionalização, esse problema é frequente especialmente em atendimento de urgência e de casos graves. As iniciativas de reabilitação e inclusão social ainda estão na lógica da desospitalização (CAMPOS, 2009).
Sobre a reforma psiquiátrica no Brasil e os serviços de base comunitária e a desinstitucionalização, Oliveira (2009, p. 59) afirma que:

A RP, neste sentido, focou predominantemente sua atenção, durante a maior parte de sua história, na legislação e na consolidação de uma rede de serviços substitutivos ao modelo manicomial. Privilegiou, nesta caminhada, quase que com exclusividade, o desenvolvimento dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, o que de certo ponto de vista pode ter prejudicado o avanço e a ampliação de um modelo de cuidado em rede. Desta forma, fortaleceu-se uma necessária instalação de centros estratégicos de apoio às pessoas com transtornos psíquicos, mas corre-se o risco de perder de vista a discussão central da desinstitucionalização. A desinstitucionalização é, ainda, um conceito necessário para pensar a re-estruturação da cidadania e garantir o não recrudescimento ao sistema de violência institucional típico dos modelos baseados na lógica manicomial.

Durante a entrevista, quando P1 começou a falar do início das internações psiquiátricas e falou sobre o hospital psiquiátrico de antes e o hospital psiquiátrico na atualidade, ela deixou evidente a experiência da violência institucional típica do paradigma manicomial:
“Hoje o hospital psiquiátrico é completamente diferente, pra quem já teve no hospital psiquiátrico há, vamos botar, 15 anos atrás, quem tá no hospital psiquiátrico hoje é uma diferença enorme, porque antes tu andava ali junto com [...] era todo mundo junto, embora que hoje também é mais até menos do que antes, que antes que era tudo numa ala só, aquela coisa, parecia com um tratamento assim que jogava um monte de animal” [...] “então aquele tipo de pessoa [...] que a gente dizia que era os louco! [...] mas eu vi a diferença grande é nisso assim, então, porque não é mais aquele monte de gente jogada, aquele monte de gente de uniforme [...]aquela roupa que era um camisolão azul, um camisolão rosa; eu usei aqueles camisolão, eu cheguei a usar aquilo, hoje em dia não tem mais, a única coisa que tem lá é chorte, que é tudo igual o chorte, mas mesmo assim eles querem acabar com isso” (sic).
As características que foram apresentadas por P1 do ambiente físico e sobre o tratamento disponibilizado no estabelecimento de saúde mental onde ela viveu a situações de internação psiquiátrica; principalmente as características que ela descreve sobre como era o hospital no passado, fez pensar no antigo Hospital Colônia (MG), um dos mais assustadores da história dos manicômios do Brasil, esse hospital foi transformado no Museu da Loucura.
De acordo com a descrição de Moura (2009), a estrutura do hospital foi restaurada e adaptada para que nele funcionassem atividades culturais; neste museu são guardados documentos, fotografias, registros sonoros e aparelhos que foram utilizados para a realização de eletrochoque e lobotomia. Neste ambiente morreram mais de 60 mil pessoas, que foram vítimas de tratamentos agressivos, além de superlotação e descaso por parte dos governos e da sociedade que não deram atenção a essa realidade. Relatos de pessoas que viveram e de pessoas que presenciaram a violência praticada no hospital colônia denunciaram a comida que era servida crua e no chão, todas as pessoas dormindo juntas no chão sujo de fezes, urina e ratos (MOURA, 2009).
No Colônia ocorria cerca de 60 óbitos por semana, chegando ao número de mais de 700 por ano. Os cadáveres das pessoas eram utilizados pelas faculdades de Medicina de todo o país (MOURA, 2009).
Em 1979, a história do Hospital Colônia de Barbacena começou a mudar após a visita do psiquiatra italiano Franco Basaglia, este médico comparou esse estabelecimento aos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, esse acontecimento marcou a defesa dos direitos humanos e da cidadania das pessoas em sofrimento psíquico que vivia nos manicômios no Brasil (MOURA, 2009).
Em 1989, outro acontecimento importante que impulsionou a Reforma Psiquiátrica brasileira foi o fechamento da Clínica Anchieta, em Santos (SP), começou-se a desmascarar as instituições da violência da qual se refere Basaglia (1985) (MOURA, 2009).
P1, não deixou dúvida de que ela viveu as internações psiquiátricas em um hospital onde foi praticado o tratamento na lógica manicomial. Por outros relatos dela sobre as internações mais recentes que ela teve, mesmo quando ela cita algumas mudanças que houve, essa lógica de tratamento ainda permanece no hospital. As mudanças que ocorreram no hospital psiquiátrico que foram apresentadas por P1 com mais ênfase são:
“Eles fizeram reformas [...] no prédio assim né, de ambiente [...] hoje não a gente tem enfermaria, tem... são menos pessoas junto né, mas mesmo assim, ainda precisa melhorar muito” (sic).
Identifiquei a hegemonia do manicômio presente no discurso de P1; quando ela fala sobre o hospital onde ela esteve internada, pelo relato, parece que só houve mudanças significativas no aparato arquitetônico, pois a mesma dá ênfase nas mudanças estruturais que houve no ambiente do hospital, não cita ações para a desinstitucionalização, como a reabilitação e a inclusão social, mudanças na intervenção no tratamento terapêutico existente, não percebi esses elementos presentes no discurso de P1.
Analisando a percepção de P1 sobre mudanças que ocorreram no hospital psiquiátrico, a lógica da desospitalização é a base das mudanças que houve no modo de funcionar deste hospital. A partir de um entendimento administrativo, a desospitalização contrária a desinstitucionalização, tem como objetivo a redução de leitos nos hospitais psiquiátricos, a operação é para retirar as pessoas das instituições para diminuir o gasto financeiro do governo com este serviço; não promovendo a reconstrução de saberes e práticas, não pondo em questão a relação que a sociedade estabelece em relação à pessoa que esteja em sofrimento psíquico; tampouco, resgata a dignidade destas como é proposto pelo pensamento de Rotelli e Mauri (1990) quando discorrem sobre desinstitucionalização.
Além de P1 ter citado mudanças na estrutura do hospital psiquiátrico, ela fez referência a mudanças ao afeto de profissionais em relação a ela, essa percepção se confirmou neste outro relato dela:
“Hoje eles são mais carinhoso né, hoje eles são mais atencioso, e antes parece que tava jogando um monte de animal lá dentro daquela selva... quem puder bater bate, quem puder correr corre [...] o hospital psiquiátrico de antes era muito triste” (sic).
Em relação às mudanças que precisariam acontecer no hospital psiquiátrico, quando P1 responde sobre o que ela viveu nas internações, ela falou que:
“Tem coisas que precisam ser mudadas, mas mesmo eu não sei a mudança” (sic).
Ela deixou claro que não tem consciência plena do que deve ser mudado no tratamento disponibilizado nos estabelecimentos de saúde mental. Durante a entrevista nenhuma vez ela citou que essas mudanças que ocorreram hoje são apoiadas pela Lei 10.216 aprovada em 2001, e não demonstra ter conhecimento da luta e conquistas dos movimentos que defendem a desinstitucionalização no Brasil e no mundo.

4.3.2 Experiência no serviço substitutivo – CAPS
O objetivo do CAPS é dar atenção intensiva e semi-intensiva e integral de acordo com a particularidade de cada usuário. Esse serviço disponibiliza tratamento a pessoas que estejam em intenso sofrimento psíquico, com a proposta de realizar a reabilitação e a ressocialização por meio de diversas atividades terapêuticas gerenciadas por uma equipe multiprofissional, em regime de funcionamento diário (ULIANA, 2010).
P1 realiza tratamento no CAPS desde 29 de abril de 2008; atualmente sua frequência neste serviço é de três vezes por semana, na data em que foi realizada a entrevista (7/8/2010) fazia três semanas que ela não frequentava devido ter tido episódios de crise naquela semana. Relatou que já houve períodos que ela freqüentava o CAPS diariamente.
Sobre a percepção dela em relação ao tratamento disponibilizado a ela no CAPS, ela afirmou que:
“Não posso reclamar porque falando diretamente ao CAPS, dos profissionais de lá, eles tem vindo aqui em casa [...] o que tu precisar liga, vem aqui [...] a psicóloga ligou pra saber como é que eu tava, já marcou pra segunda-feira vir aqui em casa, pra não me preocupar [...] eu não posso me queixar que eles estão me tratando muito bem” [...] “no CAPS, eu vejo o que é a pessoa trabalhar com carinho, botar, não botar só o salário do mês na frente, e sim botar, não eu tô tratando do ser humano, eu tô tratando de pessoas que precisam de um carinho, que nada melhor, eu já disse isso, e torno a dizer às vezes um abraço faz a diferença” (sic).
Percebi que P1 se sente acolhida pelo CAPS do qual ela freqüenta, o acolhimento realizado por esse serviço implica em “dar atenção, acolher, receber, considerar”. No CAPS, o acolhimento é o início do “estabelecimento de uma relação do usuário e família com os profissionais e serviço, ou seja, um processo humanizado” (SILVA; MONTEIRO; SOARES, 2010, p. 1).
Sobre o acolhimento realizado pelo CAPS, P1 demonstrou que houve um “estabelecimento de uma relação do usuário e família com os profissionais e serviço” (SILVA; MONTEIRO; SOARES, 2010, p. 1).
Compreendo que P1 além de ter se sentido acolhida no CAPS, a mesma indicou que o tratamento oferecido por esse serviço foi realizado para o resgate da vida social dela, e a equipe desses profissionais de saúde pareceu trabalhar em conjunto e pelo que ela demonstrou, houve uma preocupação desses profissionais em relação à participação da família em sua vida.

4.3.3 Sentimentos decorrentes da internação psiquiátrica
Para Goffman (1961), quando a pessoa chega à primeira vez no hospital psiquiátrico, ela apresenta uma concepção de si mesma, essas concepções são possíveis por algumas disposições sociais estáveis que ocorreram em sua vida. Ao entrar na instituição essas disposições são desconstruídas, há uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu.
O eu da pessoa que entra em um hospital psiquiátrico “é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado” (GOFFMAN, 1961, p. 23). Goffman denomina esse processo de a carreira moral do internado que ao ingressar em uma instituição total, essa pessoa sofre mudanças radicais, “uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ela”. Os “processos pelos quais o eu da pessoa é mortificado são relativamente padronizados nas instituições totais. [...] A barreira que as instituições totais colocam entre o internado e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu” (GOFFMAN, 1961, p. 23).
Tanto na entrevista realizada com P1 quanto na entrevista realizada com P2, identifiquei sentimentos relacionados à experiência de internação psiquiátrica vivida por P1. Os relatos de P1 e P2 que expressam esses sentimentos serão apresentados em seguida e confirmam a ruptura da vida de quem entra em uma instituição total, a mutilação do eu do qual se refere Goffman (1961).
Na entrevista, quando P1 respondeu como foi sua primeira experiência na internação psiquiátrica ela declarou que:
“Ai, foi um terror, era horrível” (sic).
No decorrer da entrevista, ao responder outras perguntas, outros sentimentos foram demonstrados:
“É muito traumatizante uma internação no hospital psiquiátrico. Olha... é uma cruz que tu carrega” (sic).
Os sentimentos apresentados por P1, foram constatados por Daniel et al. (2010) no relato de pessoas que viveram a primeira situação de internação psiquiátrica. Essas pessoas estavam internadas em uma emergência psiquiátrica vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), na cidade do Rio de Janeiro.
Os autores denominaram duas grandes categorias para organizar esses sentimentos:
a) Negativo/positivos, os sentimentos negativos que foram identificados foram: medo do outro; culpa; frustração; enganado; difícil - os sentimentos positivos identificados foram: calmo, feliz. Na categoria negativo/positivo, os autores identificaram vinte e dois tipos de reações frente à primeira internação psiquiátrica, cada pessoa em sofrimento psíquico reage de forma e intensidade diferente diante de determinada situação, devido à cultura, o meio e o modo em que essas pessoas constroem suas vidas; além dos fatores relacionados ao gênero. Os sentimentos negativos são aqueles que estão relacionados a situações desagradáveis; já os sentimentos positivos são aqueles sentimentos em que as pessoas expressam conforto, gerando sensações agradáveis. Os sentimentos positivos em relação à internação psiquiátrica foram menos demonstrados que os sentimentos negativos, mas é relevante ressaltá-los, pois indicam a outra face da internação em psiquiatria (DANIEL et al., 2010).
b) Na categoria Visão da loucura – ser ou não ser maluco, indica que as pessoas percebem e compreendem a loucura no outro e como esse outro percebe a loucura em si mesmo (DANIEL et al., 2010).

Quando P1 citou que “foi um terror”, analisando esse sentimento a partir do estudo de Daniel et al. (2010), o “terror” é acompanhado de “medo do outro; culpa; frustração; enganado; difícil”.
Quando ela expressa que está internada no hospital psiquiátrico “é uma cruz que tu carrega”, neste sentimento a percepção dela está influenciada pelo preconceito que ela construiu durante a sua vida. Tanto ela quanto as demais pessoas se preocupam sobre o que a sociedade pensa a seu respeito, concordo com a compreensão de Daniel et al. (2010, s/p), as pessoas em sofrimento psíquico, como P1, entendem que “transgrediram as suas leis, ultrapassando a barreira do ser normal, habitual”.
Na entrevista, quando P1 falou sobre as experiências de internação psiquiátrica, afirmou que quando sai do hospital tem a sensação de:
“Alívio de ter saído [...] é muito difícil tá lá dentro, é muito angustiante, é muito triste, é muito... é um sofrimento assim; a família em si sofre, a gente gasta e nada tá bom, não só a parte financeira, mas a parte de estímulo teu é... machuca [...] Lá é muito pesado, eu não gosto daquele clima lá, que lá me faz mal” (sic).
A internação psiquiátrica parece ser na maioria dos casos e confirmado no caso de P1, um recurso indesejado por quem está em sofrimento psíquico, "podendo ser traumatizante, revestido de estigma, preconceito, medo e ansiedade, com extensão aos seus familiares e comunidade" (DANIEL et al. 2010).
Quando P1 falou sobre o que passou no hospital psiquiátrico, é perguntado se “tem alguma coisa assim que eu não perguntei e que tu gostarias de falar?” Ela assinalou:
“A solidão né que a gente sente lá dentro né, uma coisa doída, porque tu fica, o tempo que tu fica lá dentro quando tu sai a impressão é que tu tá pisando em terra diferente, recebendo um ar diferente pra respirar, é diferente” (sic).
Os sentimentos apresentados por P1, concordo com Daniel et al. (2010), as pessoas em sofrimento psíquico, que foram internadas, como no caso de P1, expressam sentimentos de angústia, solidão, medo; demonstram pouca motivação para continuar a vida. P1 demonstrou ter esses sentimentos após ter sido internada, quando falou sobre o seu atual estado de saúde mental ela afirmou que:
“Eu não tô bem; eu sei que eu tô, tá faltando alguma coisa; só que eu não tô conseguindo achar o que é; como eu falei, eu tô saindo de uma crise agora e... m deixou muita dúvida no ar; meche muito comigo; então, o que me segura é o amor que eu tenho pela vida dos meus filhos, e pela vida do meu marido, porque eu tenho aquela insegurança muito grande de uma hora pensar em fazer besteira e fazer, só que ao mesmo tempo eu penso neles, e eu sei o que vai acontecer com eles; [...] é muito difícil; se eu disser pra ti que tô bem, eu tô mentindo” (sic).
Concordo com Daniel et al. (2010, s/p), quando são verificados casos como o de P1, as pessoas que foram internadas em hospital psiquiátrico “têm medo de nunca mais retornarem a uma vida “normal”, segundo a sociedade e que esse fato acaba se confirmando com a possibilidade de novas internações [...], se a primeira internação for bem acompanhada, talvez o prognóstico seja menos doloroso”.
Em relação aos sentimentos de P2 sobre as internações psiquiátricas que sua esposa viveu, quando ele fala como ele percebe a vida de P1 antes e depois dela ter passado pelo hospital, ele relatou que:
 “A vida antes e depois dela é... É complicado, não é fácil, só quem tá convivendo com problema é que sabe, é dramático” (sic).
Prosseguindo na entrevista, sobre a relação dele com ela, relatou que:
“Nossa relação hoje não é boa não, é boa a relação, tem hora que estressa né, tem hora que estressa, é complicado tem hora, tem hora que é complicado porque não é fácil” (sic).
Identifiquei no relato de P2 sofrimento psíquico devido à situação que ele vive com sua esposa, ele diz que fica “preocupado”, e até hoje, pelo que ele expressa: “eu sou uma pessoa assustada”; ele disse que “se apavoro com grito”, se apavora se passar uma moto correndo perto da casa deles; afirma ficar “estressado”, demonstrando ter esses sentimentos pelo sofrimento que ele sente na convivência com a esposa (sic).
Concordo com Melman (2002), uma família excessivamente crítica e geradora de um ambiente estressante é desfavorável para o tratamento não só de quem esteja em sofrimento psíquico, mas para todos os tipos de adoecimento. Os familiares podem mostrar tendências para a superproteção e ou hiperenvolvimento, intensificando de modo exagerado os conflitos na relação familiar.
Pelo que P2 relatou, suas expectativas são pessimistas em relação à possibilidade de melhora de sua esposa. P2 demonstra que após fracassos no tratamento da esposa, ele parece estar sem esperança, não acreditando na transformação da realidade que vive com ela, por essa vida se manter insatisfatória por longos períodos na relação familiar deles.
Sobre a atitude dos filhos não gostarem de ir visitar a mãe quando ela está internada no hospital, devido ao fato de não aceitarem a mãe ser internada num hospital para loucos, P2 disse que compreende, “mas a compreensão” para ele tem um limite, “tem hora que tu compreende, mas tem hora que tu não agüenta” (sic).
Ainda sobre o sofrimento de P2, ele desabafou dizendo:
“Eu tô doente também [...] Sinto doente, se eu não fosse um cara forte, experiente, eu já tinha abandonado tudo, ido embora” (sic).
Complementou o relato sobre o seu sofrimento e de sua família afirmando que:
“Eu lido porque eu sei o que é, não sei completamente” (sic).
P2 neste relato fez referência aos filhos não saberem lidar com a situação de quando a mãe deles é internada em hospital psiquiátrico.
De acordo com Pegoraro e Caldana (2006, s/p), na literatura, o termo “sobrecarga familiar”, oriundo do inglês “family burden” – representa o impacto provocado pela presença da pessoa que esteja em sofrimento psíquico no ambiente onde ocorre a relação familiar, essa relação envolve aspectos econômicos, práticos e emocionais.
Quando P2 afirmou que: “eu tô doente também”, a sobrecarga familiar do qual se refere Pegoraro e Caldana (2006) parece estar presente na relação familiar dessa família.
Concordo com Melman (2002, p. 132) de que é comum que os membros da família apresentem “algum grau de resistência a modificar suas concepções e valores sobre o fenômeno do adoecer mental”.
Na análise dessa categoria compreendi que os vários sentimentos que surgem e são provocados a surgir na vida de quem esteja vivendo a situação de internação psiquiátrica, interferem não só no jeito de ser de quem esteja nessa situação, mas os sentimentos de medo, insegurança, angústia, solidão, fazem parte e interferem na qualidade de vida dos familiares. Constatei esses sentimentos no estudo de caso realizado com P1, ficando evidente o sofrimento e consequências que a intervenção institucionalizada na lógica manicomial provocou e ainda provoca nas pessoas que são submetidas a esse modelo de tratamento.
4.4.4 A cristalização da existência do tratamento no hospital psiquiátrico como recurso necessário
Tanto na entrevista realizada com P1 quanto na realizada com P2, criei essa subcategoria, incluindo nessa análise o relato de P2.
Mesmo com as mudanças que houve na saúde mental no Brasil e com a aprovação da Lei 10.216 de 2001 nos dias atuais, parece não ser possível pensar sobre o tratamento de pessoas que estejam em sofrimento psíquico sem levar em consideração o hospital psiquiátrico, concordo com Melman (2002, p. 1) que o hospital psiquiátrico “ainda representa em quase todas as partes do planeta o eixo e a base da atenção” em saúde mental, “consumindo a maior parte dos recursos humanos e materiais destinados à assistência” a saúde das pessoas.
De acordo com Foucault (1997, p. 53-54), no começo do século XIX Esquirol estabeleceu cinco razões para justificar o isolamento dos loucos:

1) assegurar sua segurança pessoal e a de suas famílias;
2) liberá-los das influências externas;
3) vencer suas resistências pessoais;
4) submetê-los à força a um regime médico;
5) impor-lhes novos hábitos intelectuais e morais.

Nessa lógica de tratamento o poder é para “dominar o poder do louco, neutralizar os poderes exteriores que podem se exercer sobre ele; estabelecer sobre ele um poder de terapêutica e de formação — de “ortopedia”.” (FOUCAULT, 1997, p. 53-54).
No relato de P1 a lógica de isolamento estabelecida por Esquirol para conter a periculosidade do louco ou para manter a segurança dele e da família está presente e cristalizado no discurso dela:
“Era uma saída de repente da médica me internar pra mim não fazer besteira aqui fora né, mas porque quando tá lá dentro tá protegida, e evitar a loucura da gente” (sic).
Neste relato P1 confirmou o pensamento de Stockinger (2007) de que o isolamento de pessoas em hospitais psiquiátricos consolida não só com o objetivo de experimentar um modelo de tratamento, mas o isolamento das pessoas que estejam em sofrimento psíquico surge como condição médica necessária. A condição que P1 relata ter vivido parece que o isolamento dela no hospital psiquiátrico como recurso de tratamento ainda é um método necessário e é entendida por ela como sendo uma prática natural e mais indicada para o seu caso.
P2 quando é perguntado sobre o que ele pensa em relação ao tratamento que sua esposa viveu no hospital psiquiátrico, confirma a mesma lógica do pensamento de P1, respondeu que:
“É bom porque lá tem mais segurança em, tem mais segurança do que em casa em, por isso quando ela tá mal mesmo, que ela pede ajuda, pensa em fazer bobagem, a gente corre pra levar pra lá; porque tu não tem sossego em casa” (sic).
Tanto P1 quanto P2 reforçam a lógica de intervenção manicomial estabelecida por Jean Antenon, esse pesquisador das doenças infecto-contagiosas, reforçou essa prática de tratamento que era realizada as pessoas em sofrimento psíquico, dizendo que: “era necessário isolar para melhor tratar” (STOCKINGER, 2007, p. 25).
P1 ao ser perguntada se é a favor da existência do hospital psiquiátrico respondeu que:
“Eu não sou contra Geo... Porque chega uma certa hora do problema da gente, que a gente não tem mais autoria, de autoridade de dizer não eu quero, então lá é uma segurança; eu que tentei muitas vezes o suicídio, lá foi uma segurança, porque lá eu não tinha o que, com que e como fazer” (sic).
Em relação à percepção de P1 sobre esse modelo de intervenção, Campos (2009, p. 3), contrapõem a representação que P1 faz em relação ao hospital psiquiátrico:
Os paladinos do Hospício vêm nos dizer, agora, que o Hospício é necessário - o hospício, no seu discurso atual é nomeado de Hospital Especializado de Psiquiatria - uma impostura. Eles advogam que sua função, discurso corrente, é cuidar dos casos graves, com comorbidades clínicas ou dependência de substâncias, portadores de graves crises sintomáticas ou quadros neuropsiquiátricos graves e com alto risco de suicídio ou violência. Todos sabem que esta função o Hospício nunca exerceu.

Para P1 esse aparato institucional parece ser um recurso eficiente e seguro para o tratamento de pessoas em crise.
No caso de P1, na maioria das vezes em que foi internada, o principal motivo para  recorrer a esse recurso é que quando tenta o suicídio a segurança para ela e para o marido para que não concretize o fato está na internação psiquiátrica, pois às vezes ela mesma relata se sentir mais segura e protegida no ambiente hospitalar, mesmo afirmando que não gostaria de ser internada nesse local.
Para que P1 pudesse ter um tratamento mais digno quando ela estivesse em crise aguda, deveria haver suporte da rede de serviços substitutivos, na modalidade CAPS III. Esse serviço de saúde mental funciona 24 horas, realizando acolhimento noturno, incluindo  feriados e finais de semana, com no máximo cinco leitos, para eventual repouso e/ou observação. A permanência de uma mesma pessoa no acolhimento noturno fica limitada em sete dias corridos ou dez dias intercalados em um período de 30 dias (BRASIL, 2002a).
Além da criação de serviços substitutivos como os CAPS, também devem estar disponibilizados na rede de serviços substitutivos Residências Terapêuticas (SRTs), emergências psiquiátricas, leitos em hospitais gerais e a criação de leis, portarias, programas do governo que regulamentem esses serviços.
P1 em seus relatos indicou a crença da existência do hospital psiquiátrico como recurso necessário, reforçando o tratamento psiquiátrico na lógica da tutela e da periculosidade, demonstrando a existência da lógica manicomial no tratamento realizado com ela:
“Eu vejo o hospital psiquiátrico, eu vejo nesse lado assim, porque em casa, por mais cuidado que seje, ainda tem os riscos, existe muito risco” (sic).
Sobre essa afirmação de P1, parece que prevalece em seu pensamento o fundamento da crença perpetuada por Esquirol da prática pineliana de que o tratamento aos alienados deveria ter como local exclusivo o manicômio (STOCKINGER, 2007).
Conccordo com Basaglia (1985), de que não há diferença entre a terapia do diagnóstico psiquiátrico para a biológica, pois as duas promovem a exclusão, uma pela persuasão das pessoas através de atos terapêuticos, fazendo com que elas se sintam vítimas de sua própria doença; a outra exclui pela inferioridade estabelecida pelas diferenças biológicas que cada pessoa tem.
Na análise dessa subcategoria, os relatos de P1 e P2 fez refletir como Basaglia (1985), ela parece se sentir vítima de sua própria doença. A cristalização da existência do tratamento no hospital psiquiátrico como recurso necessário, está na lógica do pensamento de P1 como no pensamento de P2. É importante considerar que essas pessoas têm pouco esclarecimento sobre seus direitos enquanto usuário e familiar.
A cristalização da existência do tratamento no hospital psiquiátrico como recurso necessário não é uma lógica singular dos dois participantes da pesquisa, a lógica do tratamento no manicômio vem se mantendo ao longo do tempo em todo o mundo, e se torna difícil transformar essa lógica em poucos anos, pois ainda hoje muitas teorias e principalmente práticas no dia a dia sistematizam e contribuem na manutenção do tratamento no manicômio.


4.4 IV OBJETIVO
Verificar se a pessoa que viveu a situação de internação psiquiátrica teve esclarecimento sobre os seus direitos enquanto usuária do serviço de saúde mental.
Nas respostas de P1 as perguntas realizadas, ela não demonstrou ter conhecimento da Lei 10.216; relata que houve mudanças no hospital psiquiátrico onde viveu a situação de internação psiquiátrica, mas não atribui as mudanças que ocorreram à existência de leis ou a partir dos movimentos antimanicomiais que aconteceram no Brasil e no mundo.
Nas respostas contidas na transcrição da entrevista realizada com P2, ele não cita ter esclarecimento sobre os direitos da esposa enquanto usuária dos serviços de saúde mental, e nem dos seus direitos enquanto um  membro familiar que acompanha a esposa no tratamento em saúde mental que ela realiza.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No estudo que realizei, foi possível caracterizar práticas de intervenção de atenção a crise, desenvolvidas na lógica manicomial no hospital psiquiátrico onde P1 esteve internada. O tratamento em saúde mental na lógica manicomial que verifiquei na história de vida de P1 trouxe a tona diversas características manicomiais que estiveram presentes nas práticas de intervenção de atenção a crise, se destacam:
a) A organização do aparato arquitetônico, o confinamento de várias pessoas ao mesmo tempo e num espaço físico reduzido, não proporcional a grande quantidade de pessoas, consideradas características de uma instituição manicomial;
b) A contenção mecânica, a prática de amarrar foi utilizada, os motivos para que os profissionais em saúde mental realizassem esse procedimento foi na lógica da punição moral, se estabelecendo como uma prática terapêutica institucionalizada;
c) O dia a dia no hospital psiquiátrico sob a lógica manicomial foi constatado na experiência de P1, onde relatou estar submetida a regras, isolamento familiar e social, espaços delimitados, essas características integram esse modelo de tratamento, com finalidade de manutenção da ordem no manicômio;
d) A relação que P1 estabeleceu com o seu corpo e com os seus objetos pessoais foi gerenciada e vigiada pelos profissionais que trabalham no hospital;
e) O relacionamento que P1 estabeleceu com os profissionais e demais pessoas que estiveram internadas, também sinalizam para a institucionalização.
Essas características presentes no hospital psiquiátrico e que foram confirmadas no estudo que realizei marcam a institucionalização na lógica manicomial na história de vida de P1.
No segundo objetivo de pesquisa, verifiquei como ocorreu a primeira internação psiquiátrica de P1. Compreendo que devido à menoridade na ocasião de sua primeira internação, ela aceitou a condição de ser uma “doente mental”, não tendo possibilidade de escolher se aceitava ser internada ou não. O médico psiquiatra exerceu o seu poder institucional e o seu saber médico, tanto seu pai quanto P1, aceitaram essa verdade sobre seu sofrimento psíquico.
Pela análise da percepção de P1 E P2, o modelo de tratamento oferecido na experiência de internação psiquiátrica em estudo, se confronta com a proposta de tratamento em saúde mental disponíveis na rede de serviços substitutivos. O tratamento na lógica manicomial presente nas internações psiquiátricas de P1 parece não ter possibilitado meios de interação com sua família; não havendo comunicação eficaz entre profissionais, usuários e familiares; as práticas terapêuticas a que foi submetida não incluiu o contexto no qual se insere sua história de vida.
É possível afirmar que as características do tratamento em saúde mental que P1 foi submetida estiveram sob a lógica do tratamento manicomial, confirmando que o início da institucionalização na internação psiquiátrica na história de vida dela foi e ainda permanece na lógica manicomial.
No terceiro objetivo do estudo, identificar a percepção de P1 sobre sua vida antes e depois dela ter vivido a situação de internação psiquiátrica, percebi que, o tratamento na lógica manicomial é a primeira porta de entrada, pois no Brasil, os serviços de base comunitária são insuficientes ou não funcionam na lógica da desinstitucionalização. A lógica da desospitalização é a base das mudanças que houve nos hospitais psiquiátricos em nosso país, e esse modo de funcionar pude perceber na percepção apresentada por P1 Em relação ao hospital onde esteve internada.
Constatei que os vários sentimentos que surgiram e foram provocados a surgir em P1, sentimentos de medo, insegurança, angústia, solidão, fazem parte e interferem tanto na qualidade de vida do usuário quanto na dos seus familiares. Esses sentimentos confirmam o sofrimento e conseqüências que a intervenção institucionalizada na lógica manicomial provocou em P1 e poderá provocar os mesmos efeitos em pessoas que estejam submetidas a esse modelo de tratamento.
No estudo que realizei compreendi que a cristalização da existência do tratamento no hospital psiquiátrico como recurso necessário, está tanto na lógica de pensamento de P1 Quanto no pensamento de P2. É preciso dizer que essas pessoas demonstraram ter pouco esclarecimento sobre seus direitos enquanto usuário e familiar sobre os serviços de saúde mental.
Penso que a cristalização da existência do tratamento no hospital psiquiátrico como recurso necessário, não seja uma lógica exclusiva do pensamento dos dois participantes da pesquisa, a lógica do tratamento no manicômio permanece ao longo do tempo, pois ainda hoje, há várias teorias e principalmente práticas presentes no dia a dia dos serviços de saúde mental que sistematizam e contribuem na manutenção do tratamento no manicômio.
Pelo que P1 cita em relação às mudanças que aconteceram no hospital psiquiátrico onde esteve internada, essas mudanças não promoveram a desinstitucionalização, não havendo a transformação das práticas que foram e, ainda hoje são desenvolvidas nos manicômios.
Para Rotelli e Mauri (1990), a desconstrução do manicômio deve ocorrer internamente, estes autores propõem que a desinstitucionalização seja objetivada a partir do que eles definem como gestos elementares: eliminar os meios de contenção; restabelecer a relação do indivíduo com o próprio corpo; reconstruir o direito e a capacidade de uso dos objetos pessoais; entre outros. No hospital psiquiátrico onde P1 esteve internada, esses gestos elementares do qual Rotelli e Mauri citam não foram constatados, não acontecendo o objetivo principal da desinstitucionalização que é transformar as relações de poder entre instituição e gestores, trabalhadores e os usuários dos serviços de saúde mental.
No quarto e último objetivo específico da pesquisa, verifiquei que os participantes não tiveram esclarecimento sobre os seus direitos enquanto usuário e familiar do serviço de saúde mental. P1 Não demonstrou ter conhecimento da Lei 10.216/2001; só citou que houve mudanças no aparato arquitetônico no hospital psiquiátrico, mas não atribuem as mudanças que ocorreram como conseqüência de mudança nas leis ou a partir dos movimentos antimanicomiais que aconteceram no Brasil e no mundo. Identifiquei que o serviço de saúde mental não ofereceu informações suficientes que possibilitasse que ela tivesse conhecimento claro sobre o tratamento que a mesma foi submetida. Em P2 também foi constatado essa falta de esclarecimento.
Quando o projeto de pesquisa foi elaborado, pretendia realizá-lo com pessoas que estivessem internadas em hospital psiquiátrico (estudo de campo), como não foi possível estabelecer parceria com uma instituição psiquiátrica; e por sugestão da banca que avaliou o método no tcc I, optei pela realização de um estudo de caso com uma pessoa que tenha vivido a experiência de ter sido internada em hospital psiquiátrico. A mudança que foi realizada no método do projeto de pesquisa não prejudicou o desenvolvimento do mesmo, consegui desenvolver as etapas do estudo antes dos prazos previstos para a conclusão da elaboração e conclusão do projeto. Por eu já ter realizado trabalho de estágio básico com P1 em 2009, isso também facilitou o desenvolvimento do estudo.
Pela análise do caso em estudo, pude caracterizar e compreender práticas de intervenção de atenção a crise, as quais foram desenvolvidas na lógica manicomial no hospital psiquiátrico em que P1 esteve internada por várias vezes. O estudo aponta a necessidade de se aprofundar através de novas pesquisas a discussão sobre o modelo de intervenção de atenção a crise.
A pesquisa deu visibilidade à falta de possibilidade das pessoas que estejam em sofrimemto psíquico puderem exercer sua cidadania e indica a necessidade de que a política de saúde mental vigente seja acessível a todos os cidadãos.
No estudo a crítica que faço é para que o tratamento terapêutico em saúde mental fosse realizado “no objetivo de enriquecer a existência global, complexa e concreta” dos usuários, que estes “sejam sujeitos ativos e não objetos na relação com a instituição. Além disso, indico a necessidade de que haja a “construção de estruturas externas que” sejam de fato “substitutivas da internação no manicômio” (ROTELLI; MAURI, 1990, p. 35).
Não sou contra a internação psiquiátrica, sou contra a internação psiquiátrica em hospital psiquiátrico que ainda hoje é presente práticas de intervenção que são desenvolvidas na lógica manicomial. Muitas vezes a internação pode ser necessária, quando for o último recurso a se apelar, que este ocorra de acordo com o que determina a lei 10.216. A ocorrência da internação psiquiátrica deve ser para acolher e ajudar a pessoa e não apenas ter como objetivo a remissão dos sintomas.
Após nove anos da aprovação da lei 10.216/2001 a avaliação que faço sobre o tratamento em saúde mental disponibilizado no Brasil é a mesma que Carrano (2001, p. 175-176) fez após dez anos de lançamento do seu livro Canto dos Malditos:

Não conseguimos atingir os nossos objetivos mais básicos: a verdadeira humanização do “tratamento psiquiátrico” em nossa sociedade. Para nós, ainda é uma utopia. Sabemos que é muito difícil mudar a cultura manicomial predominante em nossas comunidades, começando por quem prepara os futuros profissionais na área da saúde mental. Alguns desses professores da área de psiquiatria, psicologia e saúde mental estagnaram no tempo. Continuam passando aquela psiquiatria moralizante, punitiva, sedativa e teimam em manter uma vigilância ditatorial em cima dos pacientes. Afastam-se e ignoram as verdadeiras necessidades do ser que ali está, procurando, clamando por ajuda. Perderam a sensibilidade, nunca lhes disseram que a sensibilidade tem de ser cultivada, adubada.
Engessaram-se no sistema arcaico, presos a teorias e teses que há décadas não são revisadas ou sequer cogitadas. A psiquiatria estagnou.

O estudo suscitou reflexões em mim e a partir destas, sugiro a importância de que haja pesquisas orientadas para colaborar com o trabalho de assistência dos serviços de saúde mental, principalmente na modalidade de internação psiquiátrica. Passei a pensar como a estrutura da rede de saúde mental em Santa Catarina (ou em outros estados) deveria ser e funcionar para que o tratamento em saúde mental seja garantido respeitando a singularidade e relações interpessoais de cada usuário quando este estiver em situação de crise. Futuros estudos também podem ser realizados com a proposta de colaborar a respeito do preparo do SAMU para atender pessoas que estejam em situação de crise.
No estudo, senti carência de trabalhos acadêmicos que abordem especificamente a atenção em crise às pessoas que estejam em sofrimento psíquico, surgindo outras perguntas que podem ser levadas adiante em outros trabalhos acadêmicos:
Como atender o usuário de saúde mental em crise, sem que a intervenção realizada venha  trazer sofrimento para ele durante e após ele ter vivido essa situação?
O que faz com que pessoas que viveram a situação de internação psiquiátrica mantenham a crença na eficácia do modelo de tratamento no manicômio?
Aqui deixo estas sugestões de problemas de pesquisa que poderão ser desenvolvidas em outras pesquisas.


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APÊNDICES
 
APÊNDICE A – Termo de consentimento livre esclarecido
Declaro que aceitei participar por minha vontade própria da pesquisa de trabalho de conclusão de curso (TCC II) com o tema: “A permanência do tratamento em saúde mental no hospital psiquiátrico na lógica manicomial: relato de uma experiência”, realizada pelo estudante da 10ª fase do curso de Psicologia da UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina): Geofilho Ferreira Moraes, que tem como orientadora a professora Deise Maria do Nascimento.
O objetivo geral dessa pesquisa é “Compreender práticas de intervenção de atenção a crise que podem ter sido desenvolvidas na lógica manicomial, na modalidade de internação psiquiátrica.”.
A relevância social do projeto está em  contribuir com a discussão da necessidade de desenvolvimentos de novas práticas e estratégias na modalidade de serviço de saúde mental: internação psiquiátrica, ao fazer a  crítica de práticas hospitalares desenvolvidas em hospitais psiquiátricos que perpetuam a intervenção na perspectiva do modelo de intervenção na lógica manicomial, que podem cristalizar o sofrimento psíquico  de pessoas,  e discutir  políticas públicas que promovam a desinstitucionalização.
A coleta de dados será feita através de entrevista com uma pessoa que durante a sua vida tenha vivido a situação de internação psiquiátrica. A entrevista terá aproximadamente 01h00min.
Esse termo de consentimento livre e esclarecido constitui-se em duas vias, sendo uma retida pela pessoa participante da pesquisa ou seu representante legal e a outra via sendo arquivada pelo pesquisador.
Afirmo que compreendi de modo claro e objetivo, a partir das informações dadas pelo pesquisador, todas as informações sobre a pesquisa da qual estou participando.
Declaro que:
( ) Concordo com a gravação da entrevista em áudio;
( ) Não concordo com a gravação da entrevista em áudio.
Tenho certeza que tudo que relatei e os dados a meu respeito estão sob sigilo, somente o pesquisador e sua professora orientadora terá acesso às minhas informações.
Concordo que, os dados coletados sobre mim poderão ser utilizados para publicações em congressos, palestras e periódicos científicos, desde que eu não seja identificado.
Está claro para mim que, para a minha participação nesta pesquisa, só será preciso responder as perguntas da entrevista.
Os riscos e desconfortos que podem ocorrer durante minha participação neste tipo de pesquisa são mínimos. Caso ocorra algum tipo de risco (sentir-mal-estar físico ou psicológico), fui informado pelo pesquisador que este prestará acolhimento psicológico; comunicará imediatamente por telefone ou pessoalmente ao familiar mais próximo da minha pessoa sobre o estado que estou; caso sendo ainda necessário, este chamará a equipe do SAMU ou o serviço de socorro mais adequado para prestar atendimento ou auxiliá-lo a ajudar-me.
O principal benefício de minha participação nesta pesquisa será contribuir para o desenvolvimento do conhecimento em psicologia e áreas afins acerca do tema e objetivos propostos pelo estudo.
Neste documento, terei acesso aos resultados da pesquisa através dos contatos disponibilizados pela professora orientadora e pelo pesquisador.
Declaro que fui informado de que posso me recusar a responder qualquer uma das perguntas da entrevista que não queira responder e, que posso me retirar do estudo a qualquer momento, sem penalização alguma e sem prejuízo ao meu cuidado.
Declaro ainda que para participar dessa pesquisa não receberei pagamento de nenhuma espécie.


Nome do entrevistado:
RG:
Local e data:
Assinatura:


Contato da professora orientadora responsável: Deise Maria do Nascimento, telefone: 48-9962-3371, e-mail: [email protected]
Contato do pesquisador: Geofilho Ferreira Moraes,telefone: 48-8458-2913, e-mail: [email protected], endereço: Rodovia Virgílio Várzea, 658, bloco 46 ap. 2, Monte Verde, CEP: 88032-000, Florianópolis Santa Catarina.
 
APÊNDICE B – Roteiro de entrevistas
Observação: As perguntas estão elaboradas de modo não focal, para que a pessoa possa refletir a cerca de sua experiência na internação psiquiátrica. Os elementos apresentados entre parênteses nas perguntas, são para orientar-me, caso o relato da pessoa não dê dados suficientes para responder as perguntas do modo em que estas estão sendo realizadas.

Participante 1

UNISUL
Data da entrevista:
Dados do participante:
Idade:
Sexo:
Estado civil:
Naturalidade:
Escolaridade:

1. Você poderia falar desde quando você começou a utilizar os serviços de saúde mental? (como ocorreu sua internação psiquiátrica; voluntária ou involuntária; quantas vezes já foi internado; o período de tempo entre uma internação e outra; não teve outra opção de tratamento fora do hospital)?

2. Você poderia descrever como foi o seu dia a dia no hospital que esteve internada (o que fasia durante o dia; se realizou alguma atividade dentro ou fora do hospital; como ocorreu no hospital a sua relação com o seu corpo e o uso de seus objetos pessoais)?

3. Como é que foi o seu relacionamento com os funcionários do hospital que esteve internado (como eles te trataram; e como você viu o tratamento dos funcionários com as demais pessoas que estiveram internadas com você; e como é que foi o seu relacionamento com os demais usuários)?

4. Você poderia falar como está sua vida hoje (familiar; social; estado de saúde)?

Participante 2

UNISUL
Data da entrevista:
Dados do participante:
Idade:
Sexo:
Estado civil:
Naturalidade:
Escolaridade:


1 Você poderia falar como foi sua participação na vida desta pessoa (grau de parentesco; o processo de internação desta pessoa;como você vê a vida desta pessoa antes e depois da passagem desta pessoa pelo hospital)?

2 Você poderia falar como é a sua relação com esta pessoa hoje e com as demais
Pessoas?