A PENHORA E A PATRIMONIALIDADE NA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE À LUZ DA (IN) ALIENABILIDADE/DISPONIBILIDADE DOS BENS APREENDIDOS JUDICIALMENTE E A FRAUDE À EXECUÇÃO¹

 

Anderson dos Santos Guimarães²

Carlos Alberto Braga Diniz Neto²

Christian Barros Pinto³

 

Sumário: Resumo; Introdução; 1. Da Responsabilidade Patrimonial na Execução por quantia certa contra devedor solvente; 2. Da penhora e seus efeitos perante o devedor, credor e terceiros; 2.1. Da (in) alienabilidade/disponibilidade dos bens apreendidos judicialmente e efeitos; 3. Da fraude à Execução; Considerações Finais.

RESUMO

 

O presente artigo tem como principal desígnio entender as correntes doutrinárias e jurisprudenciais que interpretam os efeitos da penhora perante o credor, o devedor e terceiros, analisando a questão da (in) alienabilidade/disponibilidade dos bens penhorados que saem do poder de gozo do executado, para entender se tal alienação é juridicamente proibida, constituindo fraude à execução, dependendo de prova da má-fé do terceiro adquirente, ou sendo sempre inoperante, sem necessidade de tal prova. Procura-se ainda analisar se a alienação constitui apenas um ato ineficaz ou ato nulo (inválido).  Necessário buscar, por meio deste estudo, um esclarecimento, tendo em vista que se a alienação a terceiro for possível, este bem ficará ainda ligado à execução. Neste trabalho faz-se necessário ainda entender a diferença entre a fraude à execução e a fraude contra credores, analisando a culpa subjetiva (boa-fé) do adquirente e a responsabilidade do devedor.

Palavras-chave: Patrimonialidade; Execução; Responsabilidade; Alienação; Efeitos; Fraude.

INTRODUÇÃO

 

A finalidade basilar da execução por quantia certa contra devedor solvente é, suscintamente, a de satisfazer o interesse do credor, decorrente de uma prestação pecuniária, pela expropriação forçada dos bens daquele, como forma de realização coativa do interesse da parte interessada.

Como veremos em tópico subsequente, para que se alcance a finalidade acima mencionada, o processo executivo sujeita o devedor à regra do artigo 591 do Código de Processo Civil, pela qual este responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. Eis a regra básica elucidativa da responsabilidade patrimonial.

O preceito supracitado se ratifica quando se faz a análise dos atos executivos de intromissão do patrimônio do devedor, que tem como intuito a satisfação coercitiva dos interesses do exequente, em especial quanto à penhora: instituto individualizador da responsabilidade patrimonial, referente a uma “sujeição efetiva e específica de um bem à execução” (DIDIER, 2013, p. 552).

Tal como analisaremos em momento futuro, sabe-se que a penhora exerce uma série de efeitos quanto ao executado e seus bens apreendidos judicialmente, que ficarão adstritos à execução, além dos efeitos que também recaem sobre terceiros.

Infelizmente, há hipóteses em que o devedor, com o escopo de tentar se evadir da intromissão do Estado em seus bens, utiliza-se de meios ardilosos e fraudulentos que tentam obstar a satisfação da obrigação por ele assumida.  Um dos principais meios, objeto de análise deste artigo, é a alienação, que também exercerá seus efeitos quanto ao alienante e o terceiro adquirente de boa ou má-fé.

Apesar de os bens do devedor poderem ficar em sua disponibilidade, antecipamos que a alienação de bem apreendido judicialmente constituirá a chamada fraude à execução, visto que caracterizará um ato atentatório contra o próprio credor, ao bom andamento do processo e contra a boa-fé, gerando efeitos prejudiciais ao responsável e ao terceiro adquirente, dependendo da linha teórica que se pretende adotar.

O tema será aprofundado de forma mais clara e detalhada durante os tópicos que se seguem e por final chegaremos a uma conclusão sobre o assunto proposto.

  1. 1.                  DA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL NA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE

Para Fredie Didier (2013, p. 259) “o direito a uma prestação é o poder jurídico conferido a alguém, de exigir de outrem o cumprimento de uma prestação (conduta), que se pode ser um fazer, um não-fazer, ou um dar coisa (dinheiro ou coisa distinta de dinheiro)”. O crédito decorrente de tal prestação abrange tanto um dever quanto uma responsabilidade, ambos para o devedor e seu patrimônio respectivamente, mas não necessariamente de forma cumulativa, visto que são autônomos. Temos aqui dois institutos de diferentes categorias: um do âmbito do direito material e outro do direito processual. Faz-se mister diferenciá-los.

Quando contraída uma obrigação e não satisfeita a vontade do credor, surge para a parte contrária uma dívida. Ao mesmo, surge a possibilidade de sujeição do patrimônio do devedor inadimplente, ou terceiro em alguns casos, como garantia da concretização do crédito. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior (2011, p. 185), a obrigação, como dívida, é objeto do direito material e a responsabilidade, como sujeição dos bens do devedor à sanção, que atua pela submissão à expropriação executiva, é uma noção absolutamente processual. Daniel Assumpção (apud DINAMARCO, p. 798) as diferencia discorrendo que a obrigação é estática, gerando uma mera expectativa de satisfação, enquanto a responsabilidade patrimonial é dinâmica, representada pela forma jurisdicional de efetiva satisfação do direito.

Analisaremos mais a risca o instituto da responsabilidade patrimonial, pois é objeto central de nosso trabalho. O define Didier (2013, p. 259) como o “estado de sujeição do patrimônio do devedor, ou de terceiros responsáveis, às providencias executivas voltadas à satisfação da prestação devida”.  Theodoro Júnior (2011, p. 186) o conceitua como a “possibilidade de algum ou de todos os bens de uma pessoa serem submetidos à expropriação executiva, pouco importando seja ela devedora, garante ou estranha ao negocio jurídico substancial”.  De maneira diversa, Marcelo Abelha (2009, p. 68) afirma que , quando o adimplemento não acontece, a responsabilidade patrimonial deixa de ser uma simples expectativa e passa a ser um direito, havendo portanto poder e sujeição, nascidos no direito obrigacional, que se concretizam com o inadimplemento.

Fica evidente que não mais se aplica no ordenamento brasileiro a responsabilidade pessoal pela qual o devedor inadimplente poderia responder a satisfação da dívida com o corpo. Apenas no caso de prisão civil por dívida de alimentos é que há exceção a tal princípio. No resto, aplica-se a regra presente no artigo 591 do Código de Processo Civil, que explicita a opção pela responsabilidade patrimonial no sistema processual brasileiro: “Art. 591.  O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”. Porém, assegura Marinoni (2007, p. 253) que a regra não é precisa nem absoluta, visto que: “i) há bens do devedor não sujeitos à penhora e, portanto, à execução; e ii) há bens de terceiros que se sujeitam por determinação legal à execução”.

Pode-se afirmar, portanto, que a responsabilidade patrimonial serve de garantia à satisfação dos interesses do sujeito ativo da relação obrigacional frustrada, que limitará a disponibilidade dos bens do devedor, pois servirão como meios realizados pelo órgão jurisdicional para satisfação do crédito de maneira coativa.

Ocupamo-nos aqui apenas com os meios referentes à tutela repressiva, objeto de nosso estudo, visto que a responsabilidade patrimonial ocorre durante o estado de inadimplência do sujeito passivo e o meio que nos propomos a analisar só será útil após a ocorrência de lesão.

Passaremos a analisar, no tópico seguinte, um dos meios, disponibilizados pela tutela jurisdicional executiva de satisfação de obrigação de dar quantia certa por devedor solvente, de intromissão do Estado no patrimônio do devedor como garantia de satisfação do interesse do credor: a Penhora, instituto decorrente da responsabilidade patrimonial.

  1. 2.                   DA PENHORA E SEUS EFEITOS PERANTE O DEVEDOR, CREDOR E TERCEIROS

Como já explanado no item anterior, é consequência da responsabilidade patrimonial a sujeição do patrimônio do devedor à intromissão do Estado, com o intuito de satisfazer o crédito do interessado quando persistente o inadimplemento da obrigação assumida pelo devedor, por meio de expropriação do bem.

Para atingir a finalidade supracitada a tutela jurisdicional executiva dispõe de meios coercitivos que identificarão os bens a serem expropriados, tais como a penhora.

O instituto em estudo “constitui o ato executivo de identificação do bem do patrimônio do executado que se sujeitará à expropriação” (ABELHA, 2009, p. 338). Em outras palavras, constitui um meio pelo qual se identifica os bens a serem expropriados e os vincula a relação processual para fins de garantir a satisfação do crédito, tornando concreto, portanto, a responsabilidade patrimonial. A penhora, segundo Araken de Assis (2012, p. 697), “é o ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os atos de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo”. Mais simplificadamente, Elpídio Donizetti (2011, p. 955) a define como “o ato pelo qual se apreendem bens para emprega-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exequendo”. Depreende-se de todas essas definições que a penhora é basicamente um ato preparatório da posterior expropriação, que restringem os bens individualizados do executado à execução.

Para que alcance suas finalidades, a penhora dispõe de alguns efeitos que, pelo artigo 664, surgem da apreensão do bem. Vale frisar que se dividem em duas categorias: efeitos materiais e efeitos processuais.

Quanto ao plano material, um de seus efeitos é a alteração da posse. A penhora, segundo Didier (2013, p. 556), tem por efeito a perda da posse direta do bem pelo devedor, embora não fique privado da posse indireta nem de seu domínio. A perda da posse direta se dá pelo depósito do bem para a conservação e garantia da satisfação do credor. Humberto Theodoro Júnior (2011, p. 276) classifica a perda da posse como efeito imediato para o devedor. No entanto, adiantamos que a posse direta poderá permanecer com terceiro em relação jurídica entre este e o sujeito passivo da relação processual, como nos contratos de locação ou comodato, cabendo a estes as impugnações.

O bem poderá ser mantido com o próprio executado, na condição de depositário no caso do §1º do artigo 666 do Código de Processo Civil, segundo o qual, com a expressa anuência do exequente ou nos casos de difícil remoção, os bens poderão ser depositados em poder do executado. Neste caso, afirma Fredie Didier (2013, p. 557), que

Não há, propriamente o desapossamento da coisa (posse direta), mas, sim, a alteração do título da posse, pois o devedor se transforma em depositário. O devedor que antes tinha a posse direta  em razão do domínio, agora terá posse direta por ser depositário.

Para Araken de Assis (2012, p. 701), no caso acima, “altera-se o título da posse imediata do executado, mas continua posse imediata, com a de qualquer possuidor”.

Outro efeito material, abordado pelo autor supracitado, é a perda do direito de fruição, pelo qual a penhora tem o poder de impor limites ao uso e gozo da coisa penhorada. A finalidade é a conservação do bem em depósito judicial, com o intuito de elidir eventual remoção, transporte, alteração, retirada, deslocamento, destruição e demais atos semelhantes, podendo-se até mesmo incorrer no artigo 179 do Código Penal.

A ineficácia relativa dos atos de disposição, efeito também material, será mais bem abordada em tópico seguinte.

Quanto aos efeitos processuais, um deles é o efeito conservativo, caracterizado pela doutrina como efeito anexo, pois servirá como garantia ao resultado prático da execução, tendo como responsável o depositário. Nas palavras de Marcelo Abelha (2009, p. 342),

justamente porque a penhora é ato executivo instrumental do ato satisfativo final de expropriação forçada, além de individualizar o bem que responderá pela dívida, é efeito anexo (cautelar) da penhora a conservação desse bem para que o mesmo esteja em condições úteis de expropriação quando esse momento chegar

Outro efeito processual é a individualização de bens no patrimônio do executado. Theodoro Júnior (2011, p. 276) afirma que “a penhora especifica os bens do devedor sobre que irá exercer o direito de realizar seu crédito”. No mesmo sentido Didier (2013, p. 702): “a penhora destaca e isola o bem sobre o qual incidirá a responsabilidade, que fica preso ao procedimento executivo”.

Temos como outro efeito o direito de preferencia do credor sobre o bem penhorado, prevista no artigo 612, do Código de Processo Civil, pelo qual, ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

2.1.            Da (in) alienabilidade/disponibilidade dos bens apreendidos judicialmente e efeitos

 

Para uma corrente mais antiga e tradicional, a penhora, embora não extinga o direito de propriedade, importa a perda do poder de disposição, paralisando seu poder dominial. Para esta corrente a penhora torna os bens indisponíveis pelo devedor. “Privado, portanto, do direito de dispor, os bens também seriam inalienáveis, enquanto perdurasse o gravame judicial” (THEODORO JR, 2011, p. 276).

Diferentemente da corrente tradicional, não é o que atualmente se segue. Theodoro Júnior explica que o melhor entendimento a ser seguido é o pelo qual não se admite sequer falar em nulidade dos atos de alienação praticados pelo devedor sobre os bens penhorados:

A apreensão judicial, decorrente da penhora, não retira os bens da posse (indireta) e do domínio do dono. Ditos bens ficam apenas vinculados à execução, sujeitando-se ao poder sancionatório do Estado. Não se verifica, porém, sua total indisponibilidade ou inalienabilidade. O efeito da penhora, como bem registrou Lopes da Costa, ‘é o de tornar ineficaz em relação ao exequente os atos de disposição praticados pelo executado sobre os bens penhorados’. (THEODORO JR, 2011, p. 277).

O tema da alienação do bem penhorado decorre de um dos efeitos materiais da penhora: a ineficácia relativa dos atos de disposição. Didier (2013, p. 557), ao dissertar sobre o efeito, afirma que “eventual alienação/oneração do bem penhorado para terceiro existe, é válida, mas só é eficaz inter partes (alienante e adquirente/beneficiário; não produz efeitos para a execução”. Para o autor, a penhora não tira o bem do domínio do devedor, podendo ele aliená-lo ou onerá-lo validamente. Depreende-se deste efeito que o ato “não gera nenhum efeito em face do exequente, que continuará na execução como se nada tivesse ocorrido, penhorando o bem independentemente de quem seja seu atual dono” (NEVES, 2010, p. 941).

Portanto, juridicamente falando, nada impede que o executado venda, doe, permute, onere seu direito sobre o bem penhorado, pois, nada obstante,

o efeito da penhora não se exerce sobre o direito (substancial) do credor, nem correlativamente, sobre a obrigação (substancial) do devedor a respeito dele; senão sobre a responsabilidade do devedor, correlativamente, sobre a ação (executiva) do credor, a qual pode continuar exercitando-se como se o devedor não houvesse disposto do bem penhorado; portanto, a penhora atua em prejuízo de terceiros que tenham adquirido um direito real ou pessoal, ou ainda somente um privilégio, sobre o bem penhorado, no sentido de que, não obstante tal aquisição, no bem continua submetido à expropriação em prejuízo do terceiro e em favor do credor exequente e dos credores intervenientes (CARNELUTTI apud THEODORO JR, 2011, p. 277).

  1. 3.                  DA FRAUDE À EXECUÇÃO

 

Primeiramente, é imprescindível realizar a diferenciação dos institutos da fraude contra credores e da fraude à execução. Afirma Araken de Assis (2012, p. 296) que se distinguem na medida em que atos dispositivos do devedor às vezes ocorrem na pendencia de uma relação processual. Afirma Theodoro Jr. (2011, p. 297) que, na fraude contra credores, são atingidos apenas interesses privados dos credores, protegidos pelo Direito Material. Na fraude à execução, o ato do devedor executado viola a própria atividade jurisdicional do Estado.

Marcelo Abelha (2009, p. 83), por sua vez, defende que a fraude a execução é uma forma especializada de fraude contra credores. No entanto, segundo o autor, em ambos os casos, o ordenamento pátrio visa coibir tentativas de fraudes praticadas pelo devedor no sentido de elidir a responsabilidade patrimonial, esvaziando-lhe o conteúdo para que seja infrutífero o eventual adimplemento pela garantia patrimonial.

Portanto, a lei rechaça “alienações fraudulentas que provoquem ou agravem a insolvência do devedor” (THEODORO JR. 2011, p. 192), gerando-se a responsabilidade secundária, prevista no artigo 592 do Código de Processo Civil.

Propomo-nos, aqui, a analisar apenas o instituto da fraude à execução, defendido pela doutrina pátria como o tipo mais gravoso de fraude, tendo em vista que ocorre na pendencia de um processo, ferindo não só os interesses particulares dos credores, como também a atividade jurisdicional do Estado. Veremos mais adiante que a tutela deste tipo de fraude se mostra mais rígido, recebendo reação mais severa, como afirma Araken de Assis (2012, p. 297).

O entendimento doutrinário atual majoritário se põe no sentido de que os atos de alienação ou de oneração realizados pelo obrigado se ostentam eficazes. Afirma Ernani Fidélis dos Santos (2009, p. 73), por exemplo, que os atos de alienação ou de oneração de bens em fraude de execução não são nulos nem anuláveis, mas apenas ineficazes com relação à execução instaurada ou a se instaurar.

Pelo fato de serem considerados ineficazes, ostenta parte da doutrina que não seria necessária a interposição de nenhuma ação pelo sujeito ativo, como na fraude contra credores, mas apenas simples petição para o reconhecimento da fraude pelo juiz. No entanto, parte da doutrina defende a “exigibilidade de uma sentença transitada em julgado em processo de conhecimento com ampla possibilidade de defesa do terceiro adquirente e do devedor alienante, única forma de preservação do devido processo legal” (NEVES, 2010, p. 820).

A doutrina mais tradicional defende que para a efetivação da fraude à execução é dispensável a comprovação do consilium fraudis, elemento subjetivo da fraude, “pouco importando se havia ciência ou não de que o ato levaria o devedor à insolvência” (NEVES, 2010, p. 820). Para este pensamento, não será de maior importância a boa-fé do terceiro adquirente, pois a intenção de fraudar é presumida, podendo ser declarada de ofício pelo magistrado, tendo em vista que fere a própria atividade executiva do Estado.

No entanto, a jurisprudência vem evoluindo, no sentido de dar mais valor ao cunho subjetivo da fraude à execução. O Superior Tribunal de Justiça proferiu entendimento, no sentido de que a boa-fé do terceiro adquirente deve ser protegida, rechaçando a ineficácia do ato se comprovada a sua boa-fé (STJ, 1ª Turma, REsp 638.664/PR, rel. Min. Luiz Fux). Para que seja declarado ineficaz deve haver ciência pelo adquirente da existência de ação. Tal entendimento depreende-se da súmula 375 do STJ, pela qual, “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Cabe ao credor, portanto, o ônus da prova da má-fé, pela comprovação da ciência do terceiro. Entretanto, deve-se garantir o contraditório ao terceiro adquirente.
São três as situações previstas pelo Código de Processo Civil em seu artigo 593:

Art. 593.  Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III - nos demais casos expressos em lei.

No caso do inciso I, hipótese mais específica de fraude à execução, cabe a observação de que não será necessária a comprovação da demonstração de insolvência. Neste sentido, Fredie Didier Jr.(2013, p. 316). Para Marinoni (2007, p. 262), a alienação ou a oneração de bem sobre o qual pende ação fundada em direito real constitui fraude à execução e independe da caracterização de insolvência do credor. Para ele, este fato independerá de prova da intenção de fraudar. O autor defende uma presunção de má-fé durante uma demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência, após o momento da citação válida.

O inciso II, traz a hipótese mais abrangente de fraude a execução. “O reconhecimento da fraude à execução terá caráter declaratório, com eficácia ex tunc (desde o momento em que a fraude ocorreu)” (NEVES, 2010, p. 821).

Além da ciência do terceiro adquirente, é imprescindível, para a configuração da fraude à execução, a obediência a determinados requisitos. Tendo em vista a afetação da atividade jurisdicional, é imprescindível que o devedor saiba que contra ele corre uma ação judicial. Dessa forma a fraude somente poderá se concretizar após a citação do devedor, visto que através dela ele toma ciência da atividade executiva. Afirma Didier (2013, p. 317) que “não há fraude na iminência de processo, só na sua pendência”. Portanto, a litispendência é um requisito, concretizado pela citação válida.

Outro requisito é a demonstração do eventos damni, a insolvência do devedor decorrente da alienação. Theodoro Jr (2011, p. 195) afirma que “esta decorrerá normalmente da inexistência de outros bens penhoráveis ou da insuficiência dos encontrados”. Araken de Assis (2012, p. 305), assim como Didier (2013, p. 319), disserta, de forma clara, quanto ao meio de provar a insolvência, que:

A cognição judicial, no exame do elemento insolvência para fins de fraude contra o processo executivo, se torna sumária, portanto, e é realizada no próprio processo em que a denuncia do credor se materializa. Exigir que o credor prove a inexistência de bens penhoráveis constitui exagero flagrante, provocando as dificuldades inerentes à prova negativa, a despeito de lhe tocar o ônus da prova. Cabe invocar a presunção de insolvência, decorrente da falta de bens livre para nomear à penhora (art. 750, I). Em outras palavras, basta a devolução do mandado executivo, acompanhada da certidão do oficial de que não localizou bens penhoráveis (art. 659, §3º). Ao alegar existirem bens livres, o ônus toca ao executado (art. 652, §3º), principalmente quanto à titularidade de bens móveis, ou imóveis situados fora do juízo da execução (art 656, §1º).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A evolução do ordenamento jurídico brasileiro evoluiu no sentido de garantir os direitos de ambas as partes numa relação jurídica. A responsabilidade deixou de ser pessoal e passou a atingir exclusivamente o patrimônio do devedor inadimplente. No entanto, para garantir a satisfação do credor, foram criados institutos no sentido de elidir eventuais atos ilícitos praticados pelo devedor que visam obstar o resultado frutífero da execução.

Nos casos de alienação de bens penhorados, o instituto da fraude à execução, visa garantir a ineficácia dos atos de disposição fraudulenta dos bens do devedor, garantindo ao sujeito ativo a penhora dos bens mesmo em mãos de terceiro.

REFERÊNCIAS

 

 

ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009;

ASSIS, Araken. Manual da Execução. 15. ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2012;

DIDDIER JR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil. 5. ed. v. 5. Salvador: Jus Podium, 2013;

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2011;

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. São Paulo: RT, 2007;

 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2010;

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: Execução e Processo Cautelar. 12. ed. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2009;

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento da Sentença. 46. ed. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2011;

THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de Execução e Cumprimento de Sentença. 26. ed. São Paulo: Leud, 2009.