A sociedade corporativista da civilização tecnocrática cria inúmeros rótulos ? todos unilateralizados sob o véu de uma crença que se diz a verdadeira e a santa ? e manda para o inferno os seus críticos. Esta constatação pode ser verificada de diversas formas, desde uma pessoa dita "ateísta" excluída e mal falada por (mal) ditos "religiosos", a um intelectual que é crítico de rotulações rasteiras.
O que acontece, no entanto, é que uma lógica cínica e hipócrita permeia este cenário e vários são os insanos que, para manter determinado status quo, repetem fórmulas mágicas e estereótipos banais para, simplesmente, permanecerem como estão. Este tipo de pessoa, para o indivíduo crítico, representa um asco terrível, pois é um indivíduo que não supera suas limitações, mas se crê no centro do mundo certo e santo, amaldiçoando, tal qual um fanático, o espírito crítico.
O problema adquire proporções astronômicas, porque o indivíduo crítico, sempre mal falado, diante do menor "deslize" ou crítica a algo banal de uma pessoa também banal, é novamente mal falado e se distancia cada vez mais da massa. Entendendo massa em seu sentido mais literal: algo que é simplesmente moldado, que não tem personalidade além desta, a saber, ser moldada.
Novamente se vê o grave problema educacional: muitas destas pessoas-massa se encontram em ambientes que, em tese, deveriam propiciar uma autêntica criticidade, como é o caso do espaço da universidade, e sob esta disposição contagiar o indivíduo, mas, todavia, parece que esta pode se tornar um antro de fanatismos, e os indivíduos nela presentes, na verdade, podem não se alterar, mas permanecer as mesmas moscas mortas de antes, mas agora sob o véu de acadêmicas, ou seja, de "inteligentes" .
A peça que não se encaixa só pode ser mal falada nesse mosaico trágico, pois enquanto suas características são coloridas ? pluralidade crítica -, as das pessoas-massa são pintadas em preto e branco: doutrinação unilateral .
Por que estas pessoas assim permanecem? Por mera manutenção do status quo? Por que do jeito que se encontram está muito bom? Por que odeiam a ciência , uma vez que são fanáticas?
Vários questionamentos se juntam a esse teatro corporativista que, devido às suas características complexas, permanecem difíceis de serem respondidas ou mesmo sem respostas, mesmo para o espírito crítico. Na verdade, a efetiva resposta crítica apenas o indivíduo crítico busca, uma vez que os fanáticos corporativistas elaboram as suas rotulações levianas e ficam apenas esperando por uma dita confirmação que, caso não aconteça, ainda assim não a abandonam, mas ficam aguardando e, na menor oportunidade, jogarão na face da peça: "Viu só?! Eis a prova!".
Ressentimento e ódio tornam-se sentimentos sempre presentes neste teatro desastroso que consagra as moscas e inúmeros aterros sanitários (corporativismos) e exclui os catadores de lixo (aqueles que, de alguma forma, tentam encontrar algo de bom ou de aproveitável em meio ao lixo). Justamente pela dita "arrogância" dos catadores de lixo, de separar o bom do ruim, as moscas o detestarão e estarão, volta e meia, rondando para jogar seus ovos degenerados e, assim, derrubar os catadores. Mas, o catador é a peça que não se encaixa, e a mosca, uma carta fora do baralho-crítico.
Um exemplo óbvio de crítica da peça à hipocrisia corporativista é esta: ditos "cowboys", que não sabem montar em um cavalo, representam uma vulgarização do espírito do homem do campo, entendido aqui enquanto um sujeito que sabe montar em cavalo, tirar leite de vaca, etc. Tal simulacro histriônico seria semelhante a uma pessoa que se considera intelectual, mas que não escreve nem lê. Certamente o mais terrível é que algumas hipocrisias são permitidas e nem questionadas e ainda recebem o título fajuto de "legais" e até de "sensuais". Se o espírito crítico, vendo tamanha falsidade, não se posicionar, ele pode, ao fim e ao cabo, se submeter aos ditames da massa, pois a aceitação é um dos requisitos fundamentais para se tornar massa.
Contudo, se o indivíduo possui profunda identificação com uma pessoa-massa, pode até se submeter à aceitação , ou caso precise de tal pessoa, mas, do contrário, torna-se indispensável uma crítica radical, pois a experiência educacional, ou seja, de constituição do ser humano, exige radicalidade, e meros conformismos geram repulsa à criticidade.
O dito "cowboy" (cowboy de posto de gasolina, e não o do campo) que, na verdade, é um estereotipado, é simplesmente ridículo e representa a própria esterilidade materializada, pois o movimento da singularidade é suprimido em prol de um estilo rotulado. Pessoas que valorizam este tipo de "indivíduo" estão espalhadas aos montes e são, muitas vezes, iguais a tiriricas, não servindo para quase nada, exceto para piadas .
E aqui não se trata de fazer uma apologia inconseqüente da razão e nem um anti-semitismo, no qual a peça e o "cowboy" se tornam tipos existenciais inconciliáveis, mas de perceber limitação em um que, pelo menos no outro, se encontra de forma reduzida ou, em quem sabe, este consegue perceber suas lacunas. A crítica é, portanto, a um tipo de mentalidade que se crê no centro da terra, excluindo o outro por não se encaixar meramente num estilo aceito pela maioria-massa.
Esta seria, certamente, uma atitude fascista: de ódio ao outro e de ódio ao outro-crítico. A peça não seria fascista justamente por não operar tal tipo de exclusão, mas de questionar certas faces da acriticidade.
Um possível projeto de transvaloração dos valores deve passar por esta esfera, a saber, de compreender a pluralidade crítica como o fenômeno mais nobre do ser humano e perceber, ainda, que em certos momentos tal projeto torna-se um "para quê serve?", sobretudo quando no sujeito há uma profunda filiação e necessidade de determinada pessoa. Neste caso, a transvaloração torna-se um "mero" compreender quem submete e quem é submetido, e não uma destruição de uma ordem. A peça encontra-se neste enredo e não se resigna, ou seja, não faz um mero "aceitar por aceitar", um "tanto faz, tanto fez", quando não há outra saída, mas constrói pontes para que, mesmo diante do teatro desastroso, não seja mais uma, mas uma.
O hipócrita ainda pode taxar a peça desta forma: "que mentalidade de adolescente! Pensei que estava lidando com um intelectual que sabia que o que é bom é o que a maioria e eu gostamos, porque a voz do povo é a voz de Deus.". Dois erros, porém, procedem desta afirmação: 1º quem está com retardo mental é o próprio hipócrita, que está com uma "idade mental" muito inferior, e não se abre ao novo; 2º rotulou o intelectual enquanto aquele que aceita o que a maioria gosta, não percebendo que esta, muitas vezes, é mera massa não mãos de padarias-absurdas, sejam elas produtoras musicais, grifes de moda, editoras, etc.
Seguir modinhas representa, sem dúvida, uma atitude de "adolescente", entendido enquanto aquele que vai, não raro, pela maioria, simplesmente para impressionar uma menina ou para não ser tachado de "nerd" (como se isso fosse uma ofensa!) ou de "quadrado" (algo que o "nerd" também pode ser chamado) ? ou, ainda, por mera imaturidade.
Não é de se espantar, portanto, que exista um estilo de "música" que se considera "sertanejo universitário", mesmo sendo uma vulgarização da idéia de universidade, entendida enquanto lugar por excelência para o cultivo do espírito em suas esferas mais elevadas de criticidade, e isto se dá porque há muitos "universitários" vulgares que usam do "título" para cultivar a barbárie, ou seja, tornam-se verdadeiros preconizadores em "alto" nível da vulgaridade.
Algo essencial para o ser humano, e que a peça consegue perceber e viver, é uma espécie de manutenção das "ilusões cotidianas", a saber, algo que move o indivíduo a agir impulsionado por algo que muitos podem considerar loucura, ou mera ilusão. O que acontece, no entanto, é que pelo fato de cada um ser um, mesmo estando inserido em uma instituição, cada pessoa manterá certas singularidades que se tornam insignificantes aos olhos de um terceiro. Mas uma "ilusão cotidiana" não significa viver no erro ou na mera acriticidade, visualizando-a enquanto signo de mera submissão a parâmetros externos, algo muito comum aos ditos "cowboys de posto".
"Ilusão cotidiana" é um conceito que diz muito sobre a vida: o que é significante para um pode ser insignificante para outro. Uma atitude crítica, por sua vez, viveria a radicalidade do não-experimentado como um fato inerente ao ser humano. O que isso significa? Que cada um é um e que é impossível vivenciar tudo sobre tudo e, devido a isso, saber-se limitado (eis a "radicalidade"!) pela falta de experiências, não suprimindo o "outro", estereotipando-o, torna-se verdadeira postura crítica: o próprio agir da peça que não se encaixa . E por que ainda há esse "não se encaixa"? Justamente pela latente acriticidade social que se crê no centro do mundo quando, na verdade, não sabe nem o que é "centro" e nem o que é "mundo".