A PEC 341/09 E O DIREITO AMBIENTAL

A possibilidade de proteção do meio ambiente por norma infraconstitucional

                                                                                                                        

                                                                    André Luís Oliveira [1]

Filipe Franco

Sumário: Introdução 1 O direito ambiental protegido constitucionalmente;2 A PEC 341/09 e o objetivo de condensação constitucional;3 A Constituição prolixa de 1988; Conclusão; Referências.

RESUMO

Trata-se da discussão sobre a proposta de emenda constitucional 341/09, que tem como objetivo condensar a Constituição Federal, hoje prolixa, conservando apenas as garantias individuais do homem. Questiona-se a desconstitucionalização do Direito Ambiental, sua regulação por norma infraconstitucional e as conseqüências de tal medida.

PALAVRAS-CHAVE

Proteção constitucional. Direito Ambiental. PEC 341/09.

INTRODUÇÃO

            O Direito Ambiental, como ciência autônoma do direito, é ainda muito recente. As lutas para conscientização ambiental ganharam destaque nas últimas décadas. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ganhou o status de direito fundamental de terceira geração e recebeu, assim, a proteção constitucional.

            Tratou-se, pois, de grande conquista social. Contudo, a regularização constitucional de muitas matérias consideradas essenciais, como o Direito Ambiental, acabou por ocasionar um “inchaço” do texto da Constituição, tornando-o prolixo e analítico.

            A PEC 341/09 de autoria do deputado Regis de Oliveira vem com o objetivo de “enxugar” a Constituição de 1988, eliminando diversos artigos que tratam sobre temas como: Direito Ambiental, trabalhista, sindical etc. A idéia seria construir uma constituição sintética aos moldes da norte-americana, que aborda apenas os direitos mais importantes, ou seja, aqueles ligados à liberdade individual do homem.     Todos os demais direitos seriam regidos por leis infraconstitucionais, o que para os adeptos da proposta, não prejudicaria sua proteção.

            Entretanto, buscamos estudar o contexto nacional que fez o constituinte originário de 1988 optar por uma constituição prolixa, e nos resta saber se o Brasil estaria preparado para ser regido por uma constituição que não garantisse os direitos sociais. O Direito ambiental, como tema de ideologias contrapostas, não perderia sua efetividade a partir do momento que perdesse essa proteção constitucional? É o problema central deste artigo.

1 O DIREITO AMBIENTAL PROTEGIDO CONSTITUCIONALMENTE

           

            O Direito Ambiental, como ramo ascendente da ciência jurídica, na verdade é fruto de um período histórico recente, uma vez que a consciência em prol do meio ambiente ganhou ênfase no mundo em meados da década de sessenta. Isso porque as grandes potências do mundo, principalmente, começaram por sentir o reflexo dos impactos ambientais excessivos gerados pelo desenvolvimento econômico – tais como o efeito estufa, chuvas ácidas, derretimento das calotas polares e etc.

            Entre os primeiros movimentos internacionais ecológicos realmente significantes, que buscaram uma maior proteção ao meio ambiente, podemos citar a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (CNUMAH) como destaque, também chamado de Tratado de Estocolmo realizado em 1972. Fora a mobilização que mais influenciou o desenvolvimento do Direito Ambiental no mundo e a constitucionalização do mesmo.

            Na verdade, percebeu-se que a proteção do meio ambiente era um direito que extrapolava os limites territoriais de cada país, atingindo um número incalculável de pessoas. Seria, assim, algo de tanta importância para a espécie humana que deveria ser elevado ao nível de um direito fundamental de terceira geração (caracterizado pelo seu direcionamento difuso) como afirma Antônio Herman Benjamin [2]:

Além da instituição desse inovador “dever de não degradar” e da ecologização do direito de propriedade, os mais recentes modelos constitucionais elevam a tutela ambiental ao nível não de um direito qualquer, mas de um direito fundamental, em pé de igualdade (ou mesmo, para alguns doutrinadores, em patamar superior) com outros também previstos no quadro da Constituição, entre os quais se destaca, por razões óbvias, o direito de propriedade.

            No Brasil, o Direito Ambiental virou uma ciência autônoma e regida por princípios próprios, tais como: o do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; Intervenção Estatal Compulsória; Princípio do Desenvolvimento sustentável; Princípio da Prevenção; dentre outros [3]. E como não poderia deixar de ser, foi protegido pelo constituinte de 1988, encontrando sua base constitucional no Capítulo VI do Título VIII (Da Ordem Social), art. 225.

            Que tal proteção em âmbito constitucional fora uma grande conquista não se discute. Entretanto, com uma maior solidificação do princípio democrático no estado brasileiro, seria necessário manter uma constituição tão prolixa como a de 1988? Temas como o Direito Ambiental não poderiam ser regulados por lei infraconstitucional? É essa a proposta da emenda constitucional 341/09, e problema central desta análise.

           

2 A PEC 341/09 E O OBJETIVO DE CONDENSAÇÃO CONSTITUCIONAL

            O protejo de emenda constitucional 341/09 do deputado Regis de Oliveira tem por objetivo condensar o texto constitucional reduzindo consideravelmente o número de artigos, entre os quais aqueles que garantem direitos trabalhistas, sindicais e ambientais – tema de análise deste artigo – dando competência infraconstitucional para dispor sobre tais direitos.

            A justificação de tal projeto encontra-se embasada na concepção de que as leis são frutos de uma dominação momentânea social, e a constitucionalização de alguns termos põe a estes um caráter estático, que não acompanha os anseios sociais. Tal concepção nada mais é do que a teoria de Ferdinand Lassale sobre a constituição como “folha de papel” e como fruto dos “fatores reais de poder”. Surge, então, a seguinte indagação [4]:

Diante de tal posição, pode-se dizer que os direitos fundamentais possam ser alterados? Expressam um sistema de valores que é imposto a todo o mundo jurídico. Claro que por ser produto de grande evolução e retratarem a dignidade da pessoa humana, não podem ser alterados. No entanto, será que todo seu rol revela a essencialidade do ser humano?

           

            Eles afirmam que os direitos fundamentais possuem caráter muito relativo e abstrato. O verdadeiro papel da constituição seria garantir a esfera individual do indivíduo, a não intervenção estatal no campo privado. O que acontece, entretanto, é a elevação de âmbitos desnecessários ao nível constitucional – se fosse assim, a constituição seria pobre por não abarcar temas como a proteção de afro-descendentes, relações homoafetivas e etc.

            Os defensores da PEC 341/09 comparam a constituição brasileira com a norte-americana. Afirmam que a característica de um texto reduzido desta está intimamente ligada com a cultura do cumprimento da lei. É a garantia da punição para aqueles que transgridem qualquer norma infraconstitucional.

            Sendo assim, apóiam a tese de que a Constituição Federal deveria reger apenas os direitos realmente essenciais, e que os demais deveriam ser dispostos por lei infraconstitucional, o que não iria ser empecilho para seu cumprimento. Transcrevendo as palavras dos patronos da idéia, “para nós, a constituição deve conter a estrutura política do poder, as formas de seu exercício, o controle e os direitos e garantias constitucionais. Nada mais” [5].

            Pois bem, que a constituição reduzida funciona para os Estados Unidos isso é certo. Mas será que a constituição prolixa brasileira não é fruto do contexto nacional e responde aos anseios da nossa sociedade?  O Direito Ambiental, perdendo a proteção constitucional ainda teria sua efetividade? Iremos em busca dessas respostas.

3 A CONSTITUIÇÃO PROLIXA DE 1988

            Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 foi promulgada após décadas de luta contra um regime ditatorial militar. Sendo assim, o anseio popular era que a Nova Carta, em nome da segurança normativa, abrigasse em seu texto todos os direitos e garantias fundamentais para a vida humana. E não apenas isso! O constituinte originário protege-os de tal forma que tornou impossível sua supressão – eram as chamadas cláusulas pétreas. Assim, seguindo os moldes de outras constituições contemporâneas, optou-se por um texto prolixo e rígido [6]:

Nisso reside, de certa maneira, a razão principal do inchaço temático das Constituições modernas, com a inclusão de vasto campo de matérias, sob o sentimento de que a rigidez constitucional é anteparo ao exercício discricionária da autoridade e o anseio de conferir estabilidade ao direito legislativo sobre determinadas matérias.

            Dentro desses direitos protegidos constitucionalmente está o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Percebemos, então, que a dimensão prolixa de nossa Constituição, ao contrário da dos Estados Unidas, foi fruto de um contexto histórico e serve de garantia jurídica para um país como o Brasil, que acabara de superar um golpe e tentava instalar o espírito democrático no país.

            A questão é: o amadurecimento democrático do país já está suficientemente preparado para retirar esses direitos fundamentais da proteção constitucional, e ainda sim promover sua efetivação? Acreditamos que não. É inegável que existiram progressos, entretanto, a democracia brasileira ainda é confundida pelo povo como o simples ato de votar. A população não participa politicamente, não entende de fato o “poder” dado ao representante encolhido, não exige, se acomoda. Fazendo jus às palavras da doutora Lucília Romão, “anotamos que os efeitos de democracia, tão falados e usados para nomear o período das Diretas-Já, postam-se diante de nós mais como desafio do que como realidade” [7].

            Sendo assim, a constitucionalização traz diversos benefícios para a implementação do Direito Ambiental, como por exemplo: o estabelecimento de um dever constitucional genérico de não degradar; a ecologização da propriedade e da sua função social; a proteção ambiental como direito fundamental; legitimação constitucional da função estatal reguladora; redução da discricionariedade administrativa; ampliação da participação pública; segurança normativa; controle de constitucionalidade da lei; entre outros [8].

            Entendemos que a justificação da PEC 341/09, apesar de utilizar-se de um discurso social, tem muito mais ligação com a ideologia liberal. Protege demasiadamente a intervenção estatal na liberdade individual, mas se a proteção de tal direito fosse suficiente, não teria existido no Brasil e no mundo as lutas de conquista dos direitos fundamentais de segunda geração – são aqueles que “impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos melhor qualidade de vida e um nível razoável como pressuposto do próprio exercício da liberdade” [9].

            E o Direito Ambiental, de forma peculiar, gera discussões quanto à importância de sua aplicabilidade. Uma constituição que protege apenas a ideologia liberal pode permitir o tratamento de tal ramo do direito como empecilho ao desenvolvimento econômico. Não podemos permitir uma constituição que defenda qualquer dos extremos [10]:

Construir o Estado do ambiente na concepção da tradição liberal de Estado de direito é um “minimalismo ambiental”, pois tende a perspectivá-lo como um problema de direito que adiciona limites aos direito, liberdade e garantias. Por outro lado, moldar esse Estado do ambiente sob uma perspectiva intervencionista e planificatória, ancorada no direito econômico, como uma questão de utilização do bem ambiental, pode conduzir, como diz Canotilho, a “uma economia coletivista e dirigista, a pretexto da defesa dos sistemas ecológicos”.

           

            A desconstitucionalização do Direito Ambiental, como uma das medidas da aprovação da PEC 341/09, seria demasiadamente prejudicial para a proteção de tal direito. Isto porque apesar da ascensão do ramo, a consciência ecológica ainda é precária. O regimento de tal matéria por lei infraconstitucional poderia dificultar a implementação das políticas ambientais em um país ainda em desenvolvimento democrático, e que se pautaria por uma constituição de caráter estritamente liberal.

CONCLUSÃO

 

 

            Após bastante análise, concluímos que a PEC 341/09 é uma afronta contra todos os direitos sociais dos brasileiros. No caso específico do Direito Ambiental o prejuízo seria ainda maior. Isso porque se trata de uma matéria que por muitas vezes é confundida como um obstáculo ao desenvolvimento econômico do país – trata-se, obviamente, de uma visão muito reducionista, porém verdadeira.

            Submeter o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a padrões de alteração legislativa comum seria demasiadamente perigoso, possibilitando o total afrouxamento da fiscalização ambiental e em prol de interesses meramente liberais. Vivemos sim em um país em pleno desenvolvimento econômico, contudo, muita pobreza e péssimas condições de vida fazem parte do cenário brasileiro. Aprovar a PEC 341/09 é permitir que o Brasil seja regido por uma constituição de ideologia meramente liberal, o que por si só mostra o desmazelo com os interesses sociais.

            Para nós, aqueles que defendem tal projeto, apesar de se utilizarem de discursos emancipatórios e socialistas, na verdade mascara o interesse de uma classe dominante – e aqui sim podemos falar dos fatores reais de poder que Lassale afirma existir na construção das constituições.

            A constitucionalização do direito ambiental foi uma conquista de anos de lutas sociais. É um direito fundamental, e sua supressão do texto constitucional é inadmissível.  A PEC 341/09 é um atentado a segurança jurídica que tanto almejamos, e mais! É inconstitucional, pois suprimi do ordenamento direito básico e fundamental como é o do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

REFERÊNCIAS

 

 

BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e a ecologização da constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes, LEITE, José Rubens Morato (org). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.

OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades, LEITE, José Rubens Morato (orgs). Cidadania Coletiva. Florianópolis: Paralelo 27, 1996.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Justificativa da PEC 341/09. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/640892.pdf>. Acesso em: 07.nov.09.

ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O Discurso sobre a democracia brasileira ao longo dos últimos vinte anos. Disponível em: <http://www.achegas.net/numero/vinteedois/lucilia_e_arquilau_22.htm >. Acesso em: 06.11.09.

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo. Atlas, 2008.

LEITE, José Rubens Morato, AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2º Ed. Ver. Atual ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 204.



[1] Graduandos de direito do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB. 4º período. E-mails: [email protected]; [email protected].

[2] BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e a ecologização da constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes, LEITE, José Rubens Morato (org). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p.73.

[3] OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades, LEITE, José Rubens Morato (orgs). Cidadania Coletiva. Florianópolis: Paralelo 27, 1996. p.99 – 125.

[4] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Justificativa da PEC 341/09. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/640892.pdf>. Acesso em: 07.nov.09.

[5] IDEM.

[6] BENJAMIN. Op. cit. p.78.

[7] ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O Discurso sobre a democracia brasileira ao longo dos últimos vinte anos. Disponível em: <http://www.achegas.net/numero/vinteedois/lucilia_e_arquilau_22.htm >. Acesso em: 06.11.09.

[8] BENJAMIN, op. cit. 69 – 80.

[9] MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo. Atlas, 2008. p. 51.

[10] LEITE, José Rubens Morato, AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2º Ed. Ver. Atual ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 204. p.33.