A PATERNIDADE DESBIOLOGIZADA E O DIREITO À GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO DE FAMÍLIA [1]

 

                                                                                                  Aloma Samira Martins*

                                                                                                  Thiago de Barros Aragão*

 

SUMÁRIO

 

Introdução. 2 A família desbiologizada : um enfoque sobre a paternidade sócio-afetiva 3.A relevância da guarda compartilhada no âmbito da paternidade sócio-afetivo. Considerações finais

RESUMO

 

O trabalho apresentado trará discussão acerca da família desbiologiazada com enfoque sobre a paternidade socioafetiva, destacando a relevância da guarda compartilhada no âmbito dessa paternidade posto que o paradigma da nova família, resguardado os aspectos constitucionais, baseiam-se principalmente no afeto, assegurando assim a dignidade do menor.

PALAVRAS-CHAVE:

 

Família desbiologizada. Paternidade socioafetiva.Guarda compartilhada.

                                 “As ligações de amizade são mais fortes que as do sangue da família.”

                                                                                                                      Giovani Boccaccio

 

INTRODUÇÃO

Nos hodiernos, o direito de família enfrenta o grande desafio de conceituar paternidade, especialmente, diante da pretensão das variadas famílias existentes, que merecedora de igual amparo do Estado, configuram-se alicerce da sociedade. É conhecido que, a paternidade envolve não só aspectos biológicos, como também psicológicos, filosóficos, culturais, religiosos e ainda jurídicos, vez que pelo longo cominho pelo qual já passou a humanidade traçar uma única definição de pai, seria insuficiente para satisfazer todas as necessidades do homem.

Acerca desse aspecto, o direito deve atentar para fazer devidas adequações, com o fim de alcançar as demandas da sociedade. Na nova conjuntura social, é observado que cada dia, é freqüente vermos filhos, que por motivos diversos se afasta de pais biológicos e passam a integrar uma nova família, ensejando assim nova forma de paternidade. A paternidade sócio-afetiva ou desbiologizada, fundada no aspecto essencial para a figura do ser humano, qual seja, o afeto, amor e companheirismos, é condizente com os princípios basilares como os da proteção da dignidade, afetividade e da solidariedade familiar, estes essenciais para a configuração de uma família respaldada no aspecto constitucional.

Sabedores que a paternidade sócio-afetiva tem sido recepcionado pelo debates acerca do direito de família, este estudo, visa trazer algumas discussões acerca dos direitos assegurados a  chamada “paternidade socioafetiva”, e em especial discutir a relevância do direito de guarda compartilhada , vez que a afetividade, o respeito e o amor são fatores essenciais para a formação da personalidade do menor e assegurar um convívio familiar saudável seria o principal objetivo que a constituição desejaria alcançar.

Para a realização deste estudo, tomou-se como percurso metodológico a pesquisa bibliográfica, consubstanciada nos seguintes autores: Carvalho (2010), Dias (2007), Otoni (2010), Tartuce (2011), dentre outros.

 

2 A FAMÍLIA  DESBIOLOGIZADA : um enfoque sobre a paternidade socioafetiva

É sabido que em nosso ordenamento, somente três entidades familiares são legalmente reconhecidas, adequando assim à nova realidade social, quais sejam; o casamento, a união estável e a família monoparental; outras modalidades familiares existentes no seio social, apenas recebem tratamento pela doutrina e pela jurisprudência. O Estado regulamentou o casamento e antes a única família reconhecida era aquela advinda deste instituto, dirigida pelo homem, devendo esposa e filho apenas obediência ao mesmo. O Estado não tinha interesse em reconhecer outros tipos de família formada por vínculo de convivência, fazendo com que relações afetivas se tornasse espúrias por não possuir oficialidade. (ALVES, 2008).

Segundo Dias (2007) na atualidade o que identifica a família não é nem o casamento, diferença de sexo, ou mesmo o envolvimento de caráter sexual. Assim o distintivo da família, que a coloca hoje sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns.

Contudo, conforme Albuquerque (2004 apud DIAS 2007), o novo paradigma de família está fundando nos pilares da responsabilização, da afetividade e do Eudonismo, reside agora no indivíduo e não nos patrimônios que guarnecem a relação familiar. Diz-se que a família instituição foi substituída pela família-instrumento, vez que a mesma contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade.

No aspecto da paternidade, o direito de família hoje enfrenta o grande desafio qual seja o de conceituar paternidade, especialmente diante da pretensão das variadas famílias existentes, que merecedoras de igual amparo do Estado, configuram-se no alicerce da sociedade. A paternidade perpassa hoje valores que resguardam simplesmente aspectos biologizados e sustentam-se no aspecto eudemonista, respaldado na felicidade, no afeto, respeito e amor.

A paternidade socioafetiva passou a ter maior relevância no direito de família com a carta de 1988, e delineou assim o código civil, e na atualidade já é notório que a família não é limitada a um grupo de pessoas ligas a mesma carga genética, mas pela relação de vínculo baseada no amor, afeto, carinho e respeito, estas são as características que descrevem o pai socioafetivo, sendo esta nova forma de parentesco civil, baseado na posse de estado de filho, sendo aceito pelos tribunais como valor probatório, e sendo utilizada inclusive como prova subsidiária, na hora de provar a paternidade. (RAMOS, 2011)

O nosso ordenamento prevê a paternidade socioafetiva na adoção jurídica (art. 227 §5º e 6º da CF, pela lei 12.010,2009 e pelo ECA em seu capítulo III, seção III e subseção IV), equiparando vínculo jurídico ao consangüíneo; pela adoção à brasileira, criação essa da jurisprudência e configura-se quando alguém registra como seu filho pessoa alheia; e ainda pela  inseminação artificial heteróloga, onde nesta o óvulo da mulher é fecundado por um sêmem não pertencente ao marido que registrará a criança como seu filho, e assim a paternidade será presumida conforme inciso V do art. 1597 do CC/2002.Todavia, mesmo não sendo prevista no ordenamento jurídico, a paternidade puramente afetiva tem se destacado no direito de família e bastante considerada nos tribunais em suas decisões. .(RAMOS, 2011, grifo nosso)

Para Otoni (2010), a relação advinda da paternidade socioafetiva, funda-se primordialmente na afetividade geradora da correlata responsabilidade, que se origina da convivência entre pais e filhos e não de vínculo sanguíneo, deixando a exclusividade só o liame biológico. Assim, a partir do momento em que a paternidade deixa de ter foco principal o biológico, passando a considerar o campo afetivo, ocorre o que muitos doutrinadores chamam de desbiologização da paternidade, expressão essa de grande relevância hoje no direito de família, pois retrata a relação existente entre pais e filhos independentemente da origem biológica.

Outrossim, vimos que se é a afetividade, o amor, a educação e o carinho o porto seguro de um menor, e estes aspectos não são frutos da biologia, e sim derivam da convivência e não do sangue, é que ensejamos por frisarmos com veemência que ser pai vai além dos empréstimos de materiais genéticos, e assenta significado maior nos laços de afeto, sendo assim, os verdadeiros pais aqueles que amam e dedicam a sua vida a uma criança, pois o amor depende de ser ter e querer dá-lo, e assim, são pais aqueles em quem a criança busca carinho, atenção e conforto.

3 A RELEVÂNCIA DA GUARDA COMPARTILHA NO ÂMBITO DO PAI SOCIOAFETIVO

O instituto da guarda na legislação brasileira pode ser exercida tanto unilateralmente, como de maneira compartilhada. A guarda unilateral é aquela exercida por um genitor, restando ao outro o direito de visita, vigilância da educação e criação do filho (art. 1.583,§1º). Já a guarda compartilhada é a “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (art.1.583, §1º). Seria a possibilidade de se estabelecer, ainda, entre os pais, um esquema de convivência satisfatório da criança com ambos.

Segundo Carvalho (2011), a guarda é instituto tido como sendo um dos deveres inerentes ao poder familiar (art. 1.634, II, CC) e à tutela (art. 36, §único, parte final da lei n.8.069/90) e serve, prioritariamente, aos interesses e à proteção da criança e adolescente, obrigando ao seu detentor a prestação de assistência material, moral e educacional, conferindo ao menor a condição de dependente do guardião para todos os fins, inclusive previdenciários.No código civil a criança ou adolescente fica na posse dos dois genitores, sendo, portanto, denominado de guarda compartilhada, ou em sendo de apenas um deles de guarda uniparental ou exclusiva,resumindo ao outro o direito de visitas e fiscalizações, possuindo ambos o poder familiar.

A guarda conforme art. 33, §1, do  ECA é destinada a regularizar a posse de fato da criança ou adolescente, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, ainda em §2º, será deferida a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsáveis, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de determinados atos.(TARTUCE, 2011).

Segundo Alves (2008), da paternidade biológica e da socioafetiva, decorrem os mesmos direitos, em vista da igualdade jurídica constitucional, e os principais direitos do paisociafetivo sobre a pessoa do filho são: reclamar o filho de quem ilegitimamente o detenha; consentir ou negar permissão para casamento do filho, exigir obediência e respeito do filho; exigir que o filho desempenhe os serviços próprios de sua idade e defendendo de serviços que possam ser agressivos e contrários aos interesses personalíssimos de criança e adolescente conforme o caso.Daí, que se constata é que a paternidade socioafetiva lhes acarreta os mesmo direitos do genitor, não existindo diferenças no ordenamento jurídico, vez que o pai socioafetivo desprendeu de seu tempo para a criação daquela criança, e o mais justo seria que ele de fato pudesse exercer os mesmos direitos que assistem ao pai biológico, além dos citados alhures, tem-se também o direito a guarda compartilhada, a visita de seu filho, vez que

No que diz respeito ao direito de guarda ao pai puramente afetivo, a legislação se faz omissa, vez que o direito a guarda seria dos pais, sejam biológicos ou adotivos, ou em situação de risco e houver necessidade de lhe aplicar a medida de proteção de colocação em família substituta.Contudo, como bem menciona Ramos (2011, p.5 ), “o que deve ser analisado na guarda, independentemente se foi requerida por causa do divórcio ou se foi fruto de um relacionamento não jurídico, e também se for compartilha ou unilateral, é o melhor interesse do menor.”

Todavia, entende-se que o direito deve acompanhar as demandas da sociedade, e como sabido, as famílias se configuram nas mais variadas formas. O casamento formalizado deixou de ser a regra geral, vez que as pessoas casam-se ou mesmo “juntam-se” e depois separam-se com grande frequência, e os filhos advindos deste relacionamentos, não necessariamente, são criados conjuntamente pelos que os deu origem, erigindo assim uma situação social, em que muitas vezes o novo companheiro da mãe de uma criança, é que de fato é visto pela sociedade como pai da mesma, coloca,  em xeque a discussão do próprio direito de família, e aqui ressaltamos discutir como fica o direito de guarda, do pai que teve todo o cuidado de educar , dar carinho, frente ao poder familiar, onde defende-se que o mesmo, deve receber tratamento igual, frente ao pai biológico.

            E neste aspecto, entende-se que se o melhor interesse do menor for fornecido pelo pai socioafetivo, nada impede de ficar com aguarda da criança, não devendo excluí-lo desse direito, e se é ainda o melhor interesse deste menor é que o mesmo possa ser educado tanto pelo pai biológico, como pelo sociológico ou afetivo, que seja dado o direito a este pai de compartilhar a guarda desta criança.Se por acaso, durante o relacionamento que o pai socioafetivo teve com a mãe biológica da criança, ele soube cuidar, educar, ajudou no suprimento das suas necessidades básicas, como educando, brincando, contribuindo financeiramente, não será porque rompeu com a mãe biológica, ou mesmo porque o pai biológico veio requer a guarda de seu filho, deve este pai, que deu amor, afeto, ternura e carinho paternal, seja rompido o relacionamento com aquele por algum tempo foi quem demonstrou socialmente ser o verdadeiro pai do menor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, afirmar que a criança necessita ter um lar ou residência fixa, e excluir a possibilidade de convivência dos dois tipos de pais, o biológico e o afetivo, quando requerida a guarda pelo pai que provou geneticamente a paternidade, seria retirar do menor um direito assegurado constitucionalmente, qual seja o da sua dignidade.

A paternidade socioafetiva mostra-se clamando por um amparo legal mais sólido no que diz respeito ao direito de guarda compartilhada, entre pais biológicos versus afetivos, a legislação ainda não alcançou tal evolução, porém diante do contexto de que os próprios tribunais tem reconhecido o valor da família socioafetiva, e ainda do pai socioafetivo, defende-se que o direito à guarda compartilhada seria o instituto mais que adequado para satisfazer interesses tanto dos pais, mas, sobretudo do menor. O pai socioafetivo tem o direito sob a criança que criou, educou, deu carinho e amor, e não seria justo se esse pai não tivesse o direito de visita e de guarda, vez que se encontra em jogo o princípio  do melhor interesse da criança.

REFERÊNCIAS

ALVES, Clívia Camila do Carmo. Paternidade socioafetiva: direitos e deveres do pai socioafetivo.2008Monografia.

CARVALHO, Dimas Messias de .Adoção e guarda.Belo Horizonte:Del Rey, 2010.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed.São Paulo:revista dos tribunais, 2007.

OTONI, Fernanda Aparecida Corrêa.Filiação socioafetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior. 2010. Disponível em:

RAMOS, Laís Machado. Paternidade socioafetiva:direitos de guarda e de visita concebidos ao pai socioafetivo sem vínculo jurídico.Revista da ESMESE, n.15, 2011.

TARTUCE, Flávio.Direito civil, v.5:direito de família.6.ed.Rio de Janeiro:Forence, São Paulo:Método, 2011.



[1]  Paper apresentado como requisito parcial para aprovação nas disciplinas Direito de Família do curso de Direito da UNDB ministrada pela profª Ana Valéria.

* Graduandos do 6º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB