Antes de iniciar uma análise do soneto é interessante conhecer um pouco da história dessa cidade.

Luziânia é um município brasileiro do estado de Goiás. O nome da cidade é uma homenagem à santa padroeira do munícipio, Luzia, a quem foi erguida um cruzeiro em 1746.

É a quinta maior cidade do estado com 165.492 habitantes é, no entanto, mais conhecida por ser integrante da região do entorno de Brasília, devido a sua proximidade com a Capital Federal (58 km).

O bandeirante Antônio Bueno de Azevedo partiu de Paracatu a procura de novas minas de ouro. Em 13 de Dezembro de 1746, enquanto descansava sentado às margens de um córrego, notou que ali havia pepitas de ouro. No dia seguinte ergueu festivamente um cruzeiro e dedicou as minas e o futuro povoado à Santa Luzia. A notícia se espalhou e as minas atraíram tanta gente que em menos de um ano o arraial contava com mais de 10.000 pessoas.

A primeira missa foi celebrada em 1746, pelo padre Luiz da Gama Mendonça e assistida por mais de 6.000 garimpeiros. Elevada à categoria de Comarca Eclesiástica em 6 de Dezembro de 1758, seu primeiro vigário foi o padre Domingos Ramos.

Em Abril de 1758 iniciou-se a construção de um rego, denominado Saia Velha, para facilitar a garimpagem. O rego tinha 42 quilômetros de extensão e foi feito em dois anos, por milhares de escravos negros.

O primeiro núcleo de povoamento já era chamado de Arraial de Santa Luzia em fins de século XVIII.

O arraial foi elevado à categoria de vila em 1 de Abril de 1833 e à de cidade em 5 de Outubro de 1867. Em 31 de Dezembro de 1943 passou a se chamar Luziânia.

Em Luziânia foi executado o último homem livre do Brasil antes da abolição da pena de morte. José Pereira da Silva foi enforcado na chácara São Caetano na forca da mangueira, então vila de Santa Luzia em 30 de Outubro de 1861.

 

A Palmeira de Luziânia

Gilberto Mendonça Teles, trabalhou no Instituto Brasileiro Geográfico Estatístico (IBGE) e por esse motivo esteve em Luziânia por duas noites, e nesta visita lhe foi contada a história de duas palmeiras que depois de uma tempestade uma ainda permaneceu de pé, imponente, mas solitária, pois sua companheira foi tocada por um raio. E em 20.03.1954, na cidade de Campinas, o poeta escreve um soneto, composição poética de quatorze versos, dispostos, em dois quartetos e dois tercetos, contendo versos estruturados em decassílabos. Usa emoção e sentimento para escrever esta pequena canção, pois as imaginou como amantes, mostrando que a palmeira que ficou de pé lembrava-se da que se foi. O riquíssimo vocabulário usado pelo poeta é algo que também chama a atenção.

A Palmeira de Luziânia tem suas rimas ricas, tonicidade grave com combinações alternadas (ABAB) nos quartetos e emparelhadas nos tercetos (AA) e os dois últimos versos da terceira e quarta estrofe rimam entre si: poeira/companheira, conservando o modelo italiano e algumas características do parnasianismo, sonoridade perfeita, o que dá uma musicalidade ao poema.

O eu-lírico de Gilberto Mendonça Teles se dispôs a aplicar métrica, rimas e ritmo, ou seja, utilizou a forma clássica, tradicional do soneto. O assunto do soneto percorre todas as estrofes sua chave de abertura foi a velha palmeira e o desfecho sua companheira, isto é feito com muita emoção e sentimento.

Ao escrever o soneto o eu-lírico do poeta usa como tema uma palmeira que é uma espécie abundante no cerrado. Como o cerrado é rico em água, lá está às palmeiras emoldurando as veredas, riachos e cachoeiras. E de uma forma bela o poeta utilizando-se dessa simbologia.

Para o homem, a palmeira, palavra esta que vem do latim, é muito generosa, seu fruto é fonte de alimento, fornece cálcio, ferro e proteínas. São aproveitadas as folhas, o óleo, os talos das folhas. Além dessas utilidades é fonte de inspiração para a literatura, a poesia, a música e as artes visuais.

Um poema muito conhecido que fala da palmeira é Canção do Exílio de Gonçalves Dias, escrito em julho de 1843.

                        Minha terra tem palmeiras,

                        Onde canta o Sabiá;

                        As aves que aqui gorjeiam,

                        Não gorjeiam como lá.

                        Colocar citação.............

Existem muitos outros exemplos, mas não é aqui o objetivo falar das palmeiras, mas sim do soneto de Gilberto Mendonça Teles chamado “A Palmeira de Luziânia”.

O primeiro quarteto fez o poeta lembrar-se do trecho inicial do conto de Afonso Arinos Buriti Perdido, texto que se encontra no livro Pelo Sertão; e que Gilberto Mendonça Teles chamou de prikeiro.

Nos primeiros versos do soneto é abordado um sentimento: solidão.

                        “Venha palmeira, solitária, erguida

                        como uma exclamação vazando arcanos

                        no alto de tua copa embevecida

                         guardas a história de remotos anos.”

                         Aprendizagem (p. 62)

A palmeira está de pé apesar de solitária. Aqui o eu-lírico não descreve o motivo dessa solidão, no entanto, usa uma metáfora para mostrar que está ali extasiada com os segredos que guarda do início da história da cidade.

É a imagem de uma pessoa talvez uma mulher, pois palmeira é um substantivo feminino, solitária, mas que está arrebatada de êxtase e envolvida em seus mistérios.       

No conto de Afonso Arinos em suas primeiras linhas: “Velha palmeira solitária, testemunha sobrevivente do drama da conquista, que de majestade e de tristura não exprimes, venerável epônimo dos campos!” (ARINOS, Afonso. Pelo Sertão)

O soneto inicia-se com um verbo no imperativo afirmativo “Venha” o eu-lírico do poeta dá uma ordem à palmeira, enquanto o trecho de Afonso Arinos traz um adjetivo explicativo “Velha”, pois está exprimindo a situação da palmeira, em ambos aparece a palavra “solitária” um adjetivo que traduz sentimento.

Outra semelhança entre os textos “vazando arcanos” e “que de majestade e de tristura não exprimes”, os autores cada um a sua maneira mostra que a palmeira erguida e no alto de sua idade guardas segredos de uma longa data cada qual em seu local, o poeta na cidade de Luziânia, e o contista no campo.

No segundo quarteto deste soneto italiano, escreveu:

                        Na ânsia de continuar a tua vida

                        arrebataste ao tempo os véus ufanos

                        assistindo, impassível, à corrida

                        das tradições, do amor, dos desenganos.

                        Aprendizagem (p. 62)

Ânsia aqui sugere a representação da angústia ou o desejo de continuar a vida conquistando os véus da vaidade demonstrando indiferença não demonstrando sua dor, desgosto ou alegria, em relação à tradição, ao amor e ao desengano que a vida pode proporcionar.

O primeiro terceto dessa canção inicia – se com um ato de carinho do vento com as folhas verdes da velha palmeira, um beijo.

                        Quando o vento te beija as folhas verdes,

                        velha palmeira, penso que te perdes

                        entre saudade, e escombros, e poeira.

                        Aprendizagem. P. 62

O beijo segundo o Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier (1906, p.127) é um símbolo de união e de adesão mútuas que assumiu, desde a Antiguidade, uma significação espiritual.

A esse respeito, Georges Vadja cita um texto do Zohar relativo ao beijo divino: - Que ele me beije com beijos de sua boca – Por que empregará o texto essa expressão? Na verdade, ela significa adesão de espírito a espírito. É por isso que o órgão corporal do beijo é a boca, ponto de saída e fonte de sopro. Do mesmo modo, é pela boca que são dados os beijos de amor, unindo (assim) inseparavelmente espírito a espírito. É por esta razão que aquele cuja alma sai no beijar, adere a um outro espírito, a um espírito do qual ele não se separa mais; esta união chama-se beijo.

Chevalier, Jean, 1906 - Dicionário de Símbolos. P . 128.

O beijo tanto pode ser um ato de amor, mostrado em tantas histórias, em situações de carinho entre amigos, de luxúria, mas também pode ser um ato de traição como está escrito na Bíblia Sagrada, ao contar a maneira em que Judas um dos doze discípulos apontou Jesus aqueles que o foram prender.

E, estando ele ainda a falar, eis que chegou Judas, um dos doze, e com ele, grande multidão com espadas e porretes, vinda da parte dos príncipes dos sacerdotes e dos anciãos do povo. E o traidor tinha-lhes dado um sinal, dizendo: O que eu beijar é esse; prendei-o. E logo, aproximando-se de Jesus, disse: Eu te saúdo, Rabi. E beijou-o.

Bíblia de Estudo Plenitude. 2001. P. 988 (Livro Mateus – Capítulo 26 versículos 47, 48 e 49).

A Bíblia de Estudo explica que a palavra grega para “beijou-o” indica mais do que um cumprimento casual. Judas cumprimentou Jesus com o carinho e fervor de amigos íntimos para que assim os soldados que ali estavam o reconhecessem e o prendessem.

No soneto o sentindo do beijo sugere um carinho que tenta apaziguar a saudade que a velha palmeira sente da outra que foi tocada pelo raio e se desfez em escombros e poeira.

O soneto também nos sugere refletir sobre a morte, pois quando a palmeira é tocada pelo raio e se desfaz em escombros e poeiras, isto sugere a representação da morte, e como não é fácil lhe dar com esse sentimento, que traz saudade, angustia e o guardar de uma história, José Fernandes em “A morte na poesia” traduz esse sentimento:

  Mas, para mostrar à amada, o quão duro é viver amando sem ser correspondido, o poeta utiliza-se de imagens cronosóticas a fim de materializar o imaginário através das transformações por que passa o corpo. Entre as imagens típicas da decadência somática, situa-se o olhar, de que deseja que não perca o lume, porquanto ter sua luminosidade perdida, implica enxergar a amada de forma reversa: aquela próxima da morte, quando a vivacidade do olhar desaparece. Além disso, as transformações impostas aos cabelos e, sobretudo, ao rosto, convertem à passagem do tempo dedicado ao amor na verdadeira dimensão do sofrimento. O resultado é o rogo a uma compaixão tardia, tardi sospiri, que, na verdade, é inútil, tal como suplicar piedade à morte.   

Olhar ao redor e apenas vê a imagem da companheira que não, mas está ali, é amar e não ser correspondido, pois quando a morte chega ninguém tem sua piedade, ela vem e faz seu papel.

O poeta deixa a sensação de saber lhe dar com esse sentimento de perda, valorizando tudo que viveu enquanto “a outra palmeira” estava ao seu lado, aqui essa outra palmeira pode ser alguém ou algo de que ele tenha saudades.

O Dicionário de Símbolos também nos ajuda a entender o significado de vento.

Devido à agitação que o caracteriza, é um símbolo de vaidade, de instabilidade, de inconstância. È uma força elementar que pertence aos Titãs, o que indica suficientemente a sua violência e sua cegueira. Por outro, lado, o vento é sinônimo do sopro e, por conseguinte, do Espírito, do influxo espiritual de origem celeste.

 Chevalier, Jean, 1906 - Dicionário de Símbolos. P. 935

O próprio saudosismo por algo ou alguém que o eu-lírico traz ao relatar a palmeira solitária e sua companheira não se encontra mais ao seu lado, nos provoca e faz pensar que o poeta talvez estivesse sentindo saudade de alguém ou de alguma coisa e este alguém ou alguma coisa não estava ou não está mais ao seu lado. A história que lhe foi contada provavelmente provocou essa inquietude no autor, percebemos isso quando o vento age sobre a palmeira usando-o como um simbolismo de ternura.

O vento também é um instrumento de força que deseja comunicar as suas emoções desde a ternura até a fúria. O poeta usa o vento num simbolismo de ternura para trazer o beijo para acalmar a palmeira solitária de Luziânia.

O último terceto deste soneto diz:

                        No teu sussurro angustiado e brando

                        eu sinto que a teu lado, farfalhando,

                        vês a imagem da antiga companheira.

                        Aprendizagem P. 62

Neste trecho o eu-lírico do poeta mostra a amante que ficou lembrando-se daquela que se foi sentindo o sussurrar das folhas agitada pelo vento e assim percebendo mesmo que não estando mais ali à presença de sua companheira.

Conclusão

O poeta Gilberto Mendonça Teles utilizou um tema que para muitos era algo sem importância alguma e transformou em um soneto que perpetuou o nome de Luziânia e perpetuará seu próprio nome na sua história e da cidade.

O seu eu-lírico neste soneto nos leva a imaginar como alguém que convive com outra pessoa e fica sem ela de repente e mesmo assim consegue ficar de pé como uma exclamação, guardando todas as recordações que ficou e se envaidecendo de tudo que viveu mesmo diante da saudade e tendo a imagem de sua companheira como única recordação.

A vida nestes versos foi contada e cantada em toda sua glória, onde sobressaiu o segredo, a tradição, o amor, o desengano, a saudade e a angustia. A imaginação do poeta foi além, relatou uma realidade vivida por muitos dentro do soneto “A Palmeira de Luziânia”.

Bibliografia

Bíblia de Estudo Plenitude. Barueri(2001)  – SP : Sociedade Bíblica do Brasil. P. 988.

Chevalier & Gheerbrant (2009) – J. CHEVALIER & A. CHEERBRANT,                              dicionario de Símbolos, Trad. Vera Costa e Silva et al., Rio de Janeiro, José Olympio.

Teles, Gilberto Mendonça. (2011) Aprendizagem de um romântico invertebrado/ Gilberto Mendonça Teles. Goiânia : Kelps. P. 62

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www.infoescola.com/literatura/versos-rimas-estrofes em 16/10/12.

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Edesete.blogs.sapo.pt/28161.html em 16/10/12.