1. Introdução

A tese básica deste estudo é que, para qualquer transformação pretendida para o conjunto da sociedade, o ponto de partida é a reversão dos atuais padrões de ocupação e uso do território, sob a perspectiva de um Projeto Nacional, apresentando a imagem de nação desejada pela sociedade, no futuro. Logo abaixo desse projeto, segue a delineação da nova configuração territorial, indicando o que fazer e onde, para eliminação ou atenuação dos aspectos indesejados e criação e otimização dos aspectos desejados do desenvolvimento.

A construção de um novo paradigma de desenvolvimento deverá conjugar instrumentos sociais, econômicos, ambientais e territoriais. Entretanto, é fundamental um Projeto Nacional explicitando as aspirações sociais futuras. Na ausência desse Projeto, tal imagem de nação desejada pela sociedade, pode ser inferida pela interpretação das proposições das políticas públicas atuais. E o novo paradigma de desenvolvimento pode começar a ser construído pela formulação de um conjunto de ações estratégicas de longo prazo, com vistas à implementação dessas políticas. Estratégicas, porque, sem considerar os fatores determinantes do desenvolvimento, não será possível reverter o cenário atual. De longo prazo, porque não se reverte fatores tão preponderantes, como os que causaram o quadro atual, em curtos espaços de tempo.

2. O contexto territorial do processo de desenvolvimento

O desenvolvimento não ocorre de modo igual e simultâneo em todas as partes de um país, e nem ao mesmo tempo, mas diferenciadamente no tempo e no espaço, com amplitudes temporais e intensidades territoriais variadas.

A ocorrência do desenvolvimento pressupõe uma base física sobre a qual, e com a qual, os grupos humanos interagem, para assegurar a sua sobrevivência e a sobrevivência dos seus membros.

Da interação de grupos humanos, detendo habilidades coletivas e individuais diferenciadas, entre si e com uma base física heterogênea, resultam formas de organização social no espaço que se consolidam em padrões de ocupação e uso do território ao longo do tempo.

O desenvolvimento manifesta-se de forma desigual no território, sendo mais intenso em algumas partes, originando um processo de concentração territorial, o qual deve ser entendido como a aglomeração mais intensa das atividades produtivas e da população em certas porções do território, condicionando o desenvolvimento nessas mais do que em outras áreas e provocando um desequilíbrio entre elas.

3. A dinâmica territorial do processo de desenvolvimento

Estabelecendo-se uma analogia entre os conceitos de centro urbano e de "foco" e entre os conceitos de área de influência e de "campo de forças", as implicações da concentração territorial no processo de desenvolvimento ficam claras.

O processo de concentração territorial obedece às imposições de um "campo de forças", formado por "focos", de onde emanam forças centrífugas e para onde são atraídas forças centrípetas. Cada "foco" pode ser entendido como um centro de atração e repulsão, que tem o seu próprio "campo", muitas vezes, localizado no "campo" de outros "focos".

Os pontos de concentração de população e de atividades produtivas (centros urbanos) se organizam e se estruturam em função do seu dinamismo e de sua capacidade de difusão em relação ao entorno formado pela porção territorial que os envolve (área de influência), formando um sistema territorial.

Esta porção territorial (área de influência) depende da capacidade, do alcance e da forma como os seus centros urbanos desempenham o seu papel, isto é, as das funções que eles desempenham, até onde estas chegam e como são desempenhadas no território, devendo ser vistas em estreita ligação com suas respectivas localizações.

As funções que os centros desempenham não devem ser vistas em termos absolutos, mas em termos relativos. A mesma função pode ser desenvolvida em vários níveis, sendo, portanto, hierarquizáveis, isto é, um tipo de serviço pode ser ministrado por centros urbanos de distintos tamanhos. O que os diferencia é o alcance dos respectivos serviços, pois o alcance do serviço prestado por um centro pode ser maior ou menor do que o alcance de outro, dependendo das suas respectivas áreas de influência ("campo de forças").

Esse sistema territorial ? conjunto de centros urbanos dependentes das porções territoriais que os envolve, denominadas áreas de influência ? não se caracteriza apenas pelas funções exercidas pelos seus elementos (centros). As atividades e serviços de cada um são múltiplos, e a eficiência do sistema como um todo não depende da melhor ou pior dotação física de cada centro, face às funções que lhe cabe desempenhar, mas sim da sua localização, pois o sistema territorial deve ser visto de forma integrada, e não isoladamente.

Assim, as questões de desenvolvimento se prendem às questões de localização, que, por sua vez, dependem da distribuição dos centros urbanos pelo território nacional, conforme as suas dimensões, medidas pelos serviços que presta ao seu entorno imediato e pelo alcance de sua área de influência.

4. A organização territorial como causa do processo desequilibrado do desenvolvimento

As formas de ocupação e distribuição da população e das atividades produtivas no território ocorrem como uma sucessão de "focos" dinâmicos através do tempo, com um "foco" dominando os demais em determinado período, mas ensejando o surgimento de outros "focos" como complementares àquele que é dominante, um dos quais assumirá a hegemonia sobre os demais, impondo seu "campo de forças" sobre outra parcela do território. Ou seja, o processo de desenvolvimento, a partir de uma perspectiva territorial é desequilibrado e desequilibrante.

A importância do "foco" decorre da existência de atividades com capacidade de dominar e exercer, de modo irreversível, influência sobre o seu espaço circundante. Essas atividades se caracterizam por gerarem impulsos importantes no seu entorno. Esses impulsos se devem às inovações ensejadas pelas atividades existentes no "foco", pelas complementaridades engendrando outras atividades e pelo predomínio do "campo de forças" exercido por ele.

Deste modo, o predomínio de uma área de influência ("campo de forças") liderada por um centro, ou conjunto importante de centros ("focos"), dentro de uma parcela do conjunto do território nacional, pode ser entendido como o processo de diferenciação da organização do território, que conduz a um processo desequilibrado de desenvolvimento.

5. A configuração territorial como condicionante do processo de desenvolvimento

A distribuição de uma atividade é consideravelmente afetada pela localização das outras. Não é provável que atividades produtivas tão diferentes entre si ? indústrias, mineração, agricultura comercial, agricultura familiar, pecuária extensiva, etc. ? se distribuam no espaço geográfico da mesma maneira, nem de acordo com os mesmos princípios. Atividades caracterizadas pela independência locacional, buscam uma localização mais próxima dos mercados consumidores (indústrias, comércio, serviços, etc.). Outras, por sua natureza imóvel, se concentram em áreas restritas e, muitas vezes, remotas do território (mineração, agricultura, pecuária, etc.). Em conseqüência, impõem padrões de interação espacial e de ocupação e uso específicos, que determinam uma forma de organização territorial.

O problema da organização territorial adequada para o processo de desenvolvimento se converte na identificação da distribuição espacial resultante das atividades produtivas e da população, que concorram para a universalidade e para a eqüidade.

Existem atividades que devem ser localizadas o mais racionalmente possível, para que o aproveitamento dos recursos e os seus benefícios sejam os mais elevados possíveis, assegurando o equilíbrio na distribuição dos mesmos. Se os benefícios do desenvolvimento devem ser para todos os indivíduos, a localização deles é um fator que deve ser considerado na análise e na adoção de políticas, assim como não pode ser dispensado o conhecimento da localização das atividades destinadas a atender suas necessidades.

6. Enfrentamento da problemática de uma configuração territorial promotora de um processo de desenvolvimento desigual

a. Explicitar a influência do desenvolvimento dos "focos" (centros) para o conjunto das atividades e sua distribuição.

b. Explicitar a localização dos "focos" (centros) geradores de determinados "campo de forças" (área de influência) e o que determinou suas origens e condicionou seu desenvolvimento ulterior.

c. Identificar elementos que permitam antever a localização dos futuros "focos" (centros) e o alcance dos seus respectivos "campo de forças" (área de influência).

d. Explicitar as formas de ocupação territorial atual como resultados do processo de divisão espacial do trabalho.

e. Identificar os elementos que influenciam o desenvolvimento de uma área sobre o curso do desenvolvimento de outras.

f. Explicitar as causas da existência de determinadas estruturas espaciais (sistema de cidades) e não de outras, visando identificar os elementos que influíram nisso, para que sejam previstos com antecedência.

g. Identificar os instrumentos de planejamento relevantes, para a adequação dos serviços e transformação das funções que os centros exercem, para capacitá-los a acomodar a população vinculada aos setores produtivos emergentes, ou dinamizados.

h. Identificar as relações intertemporais da evolução da organização espacial atual, para formular ações com o objetivo de manter ou potencializar aspectos positivos e eliminar ou reduzir aspectos negativos das atuais configurações territoriais, no futuro.

7. Dois problemas que se colocam para o processo de desenvolvimento a partir da configuração territorial

Como iniciar um processo de organização territorial para reverter o processo de desenvolvimento existente.

a) Projetar os efeitos do processo de desenvolvimento dos centros ("focos") em suas respectivas áreas de influência ("campo de forças") e sobre o território nacional.

b) Determinar a estrutura características de enlaces que ocorrerão nos espaços funcionais e geográficos, compatíveis com o padrão de desenvolvimento dos centros ("focos").

c) Estabelecer centros e estruturas de enlaces que assegurem novos enlaces funcionais (para frente e para trás, em termos de complementaridade produtiva) e mudanças nos padrões de desenvolvimento dentro na própria área de influência dos centros (ou pólos) considerados.

d) Incentivar iniciativas que facilitem a introdução de inovações externas e sua difusão interna.

Como conduzir um processo de organização territorial para lograr um processo promotor ou "potencializador" de maior desenvolvimento.

e) Selecionar localizações adequadas para o estabelecimento de atividades produtivas que possam integrar as áreas de influência dos "focos".

f) Propor medidas para assegurar que os efeitos decorrentes dos enlaces produtivos e complementaridades funcionais se distribuam no interior do "campo de forças" dos seus respectivos centros, de modo que contribuam à reorganização territorial.

g) Estabelecer "observatórios territoriais" de monitoramento dos efeitos de reação sobre o espaço funcional decorrentes de alterações no espaço geográfico. A sua missão será o acompanhamento da direção dos processos dinâmicos de difusão das ações de desenvolvimento e as mudanças das relações existentes entre os diversos centros urbanos ("focos"), entre si e entre as suas respectivas áreas de influência ("campos de forças").

8. Conclusão: necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento

O processo de desenvolvimento nacional é desequilibrado e desequilibrante, em função de padrões de ocupação e uso territorial cristalizados, resultado da evolução histórica da sociedade, cuja reversão exige reflexão, delineamento estratégico e execução de ações de longo prazo.

É desequilibrado devido à desigual distribuição das potencialidades naturais, face às quais, pela etapa de conhecimento em que se encontravam, gerações anteriores optaram por explorar determinados recursos e não outros, imprimindo uma forma de organização social em determinados pontos, que culminaram em concentrações territoriais circunscritas, onde, na atualidade, se localizam os recursos humanos mais valiosos e as atividades produtivas mais sofisticadas. Seguindo essa tendência, a sustentação do processo de desenvolvimento nacional implicará em ações que mantenham ou incrementem as atividades onde já existem, reforçando padrões de ocupação e uso extremamente concentrados, cuja conseqüência é uma expansão territorial descontrolada sobre as áreas urbanas e metropolitanas e a base de recursos naturais. Sobre as primeiras, pela incorporação de novas áreas para expansão urbana, planejadas ou de crescimento desordenado e "favelização", para acomodar novos contingentes demográficos. Sobre a segunda, pela exploração de novos recursos.

É desequilibrante, pois a implantação de novos empreendimentos ou a reprodução de atividades tradicionais em novas áreas conduz à ruptura de antigos equilíbrios mantidos sob tensão, em função dos padrões de ocupação e uso territorial preexistentes. Não há garantias que a expansão produtiva em direção a áreas, até então, mantidas à margem do processo de desenvolvimento, promova a sua integração de forma que passem a participar dos resultados desse processo. Pois a implantação de novos empreendimentos nelas pode configurar-se em enclaves, que geram benefícios que são "exportados", deixando os custos para serem "internalizados" e arcados no local.

A atenuação (inicial) e eliminação (final) dessas tendências do processo de desenvolvimento terão que partir de uma reconfiguração do território nacional, que imprima uma nova dinâmica territorial, para promover a ruptura da inércia locacional e reverter os padrões de ocupação e uso territorial herdados.

A ação deliberada de construção de um novo paradigma de desenvolvimento, necessariamente, conjugará instrumentos sociais, econômicos, ambientais e territoriais. Esse paradigma pressupõe, como principal instrumento, uma política macroeconômica global, onde esteja definida a taxa de crescimento anual do PIB, os níveis de investimentos e identificados os setores capazes de promover encadeamentos para frente e para trás e efeitos diretos e indiretos em todos os setores.

Do ponto de vista ambiental, o zoneamento ecológico-econômico é um instrumento fundamental para a proposição de um novo paradigma de desenvolvimento nacional, ao dividir o território em diversas categorias de uso, indicando áreas aptas para as diversas atividades, apontando as suscetibilidades a cada uma delas, e estabelecendo quais deverão permanecer intocadas para assegurar a sobrevivência da sociedade como um todo.

Para a reconfiguração do território nacional o instrumento é uma política de ordenamento territorial, uma vez que ela deverá agir na base que sustenta a sociedade e suas ações.

Entretanto, para o estabelecimento de um novo paradigma de desenvolvimento é fundamental um Projeto Nacional, que explicite a imagem futura desejada por todos, indique os rumos a serem seguidos pela sociedade para que a imagem se transforme em realidade e o tempo para tanto. Ainda que repute-se de primordial importância uma nova reconfiguração territorial para que o crescimento ocorra de forma equilibrada e com a preservação das riquezas naturais, sem uma imagem-objetivo da sociedade desejada não será possível determinar os padrões de ocupação e uso territorial necessários para tanto.

Na ausência de uma imagem-objetivo ideal decorrente de um Projeto Nacional, recusando-se a aceitar sua ausência e a continuidade das tendências vigentes, restaria, como alternativa, uma atitude ousada e audaciosa, de inferência daquilo que seria esse projeto e sua imagem, através da leitura das proposições das políticas públicas, ora em pauta, e da formulação de um conjunto de ações estratégicas de longo prazo para isso.

Estratégica, porque, sem a consideração conjunta e simultânea dos fatores determinantes do desenvolvimento, não será possível reverter o cenário atual. Novos patamares de desenvolvimento não serão atingidos com ações inócuas, como as por ora preconizadas, como arranjos produtivos locais, apoio às pequenas empresas, ao artesanato e às atividades informais. Esses expedientes servem, somente, para atenuar as conseqüências de um quadro de baixo nível de desenvolvimento, de crescimento estagnado e desemprego. Estão em uso há anos, sem que retomem o desenvolvimento, promovam o crescimento ou gerem empregos.

De longo prazo, porque não se reverte fatores tão preponderantes, como os que causaram o quadro atual, em curtos espaços de tempo. Não se reverterá o congestionamento exacerbado das áreas metropolitanas de uma década para outra. Não se criará pólos de desenvolvimento, com forte poder de enlaces inter-setoriais e com transbordamentos inter-regionais, capazes de alterar relações funcionais, estabelecendo novos padrões de encadeamento e de interações espaciais em uma ou duas décadas. Os prazos de maturação de investimentos transformadores são relativamente longos.

A tese básica é que, qualquer que sejam as transformações pretendidas para o conjunto da sociedade, o ponto de partida é a reversão dos atuais padrões de ocupação e uso do território. Logo abaixo do projeto nacional segue a delineação da nova configuração territorial. Ela indicará o que fazer e onde, para que aspectos indesejados do desenvolvimento sejam eliminados ou, pelo menos, atenuados, e os desejados, sejam criados e otimizados.