A origem do Princípio da Não-Cumulatividade 

          Para fazer o estudo do princípio da não-cumulatividade é imprescindível voltarmos no tempo, mais precisamente em meados do século XX com a experiência francesa. A França como primeiro país industrializado percebeu o prejuízo do imposto cumulativo, pois este imposto incidente em todas as fases de circulação faria com que o produto ficasse  com alto valor para o consumidor final. O doutrinador Ives Gandra Martins[1], relata que por volta de 1917, quando da criação do Taxes Genérales sur les affaires et taxes uniques sociales (Impostos gerais sobre negócios e encargos sociais únicos), a raiz histórica da noção de não-cumulatividade. Apenas no ano de 1954, como tentativa de mudança é que foi criada a Taxe sur la Valeur Ajoutée conhecido como IVA(Imposto sobre valor acrescentado), ainda vigente como salienta Misabel Abreu Machado Derzi[2].

          Misabel Abreu Machado Derzi[3] destaca que o antigo imposto sobre vendas brutas transformou-se em um imposto sobre vendas liquidas, também conhecido como imposto sobre o valor adicionado ou agregado (IVA). Toda via, como se sabe, este imposto traz inconvenientes graves a toda cadeia mercantil como a verticalização das empresas, que se integravam por óbvio, pois se unindo evitavam a incidência do tributo em cascata. Outra questão não menos importante era a injusta repercussão nos preços, uma vez que o imposto era cumulativo tributando em todas as fases subsequentes e anteriores.

          Na França, compreenderam que era necessário buscar uma melhor coordenação e organização do trabalho, em busca de uma produtividade eficaz para um melhor desenvolvimento econômico. Por essa produção acelerada, se viu a necessidade de harmonizar a fiscalidade, ou seja, se preocupar além da produção com os impostos, na época, a chamada taxe à la production (Imposto sobre a produção), que recaía duplamente sobre todos os elementos e a fabricação que não eram incorporados fisicamente ao produto fabricado.

          Algumas transações tributárias eram feitas com o benefício de suspensão tributária, porém, a suspensão beneficiava apenas as matérias-primas ou os produtos que fossem utilizados na composição dos produtos a serem tributados, assim como as matérias ou os produtos que não pudessem ser configurados como ferramentas e que, sem entrar no produto acabado, fossem distribuídas ou perdessem suas qualidades especificas no curso de uma só operação. Neste regime de suspensão, o último produtor era penalizado pelo pagamento da totalidade do imposto exigido, e os demais participantes do circuito produtivo restavam beneficiados. Em seguida no sistema de pagamentos fracionados, todos os produtores pagavam uma parte, calculando o imposto sobre o seu preço de venda e deduzindo aquele que havia gravado suas compras.

          Mesmo com o avanço e proporcionando um processo de deduções, que não completo, pois somente era proporcionado aos créditos físicos um regime cumulativo.

          Maurice Lauré[4] defendeu a instituição da Taxe sur La Valeur Ajoutée, conhecido como TVA, cujo projeto de lei contava com o apoio dos empresários. Em 10 de abril de 1954, foi então instituída na França, por lei, a TVA. Que foi uma contribuição notável ao aperfeiçoamento da tributação sobre o consumo, uma vez que sua característica principal seria a neutralidade do imposto na economia, em um só tributo, havia neutralidade econômica, justiça fiscal e relação direta entre o contribuinte e o fisco.

          Foi dado o início da TVA, que era um imposto geral sobre o consumo, incorporado ao produto e ao preço dos produtos ou dos serviços, incidindo, igualmente, sobre todos os custos elementares de fabricação e de comercialização de um mesmo produto.

          No Brasil, foi observado o tal regime Francês, o direito brasileiro constatou que o regime do antigo imposto era inconveniente, por que passou de imposto sobre vendas brutas ao imposto de vendas líquidas, também chamado de imposto sobre adicionado ao agregado.

          O princípio constitucional da não-cumulatividade foi adotado no Brasil com a Emenda 18/65 à Constituição de 1946, após a rica experiência Francesa. Não como substituto de um imposto sobre vendas mercantis, mas no lugar de um imposto sobre a produção, equivalente ao nosso IPI, antes denominado imposto de consumo. Com a introdução na Constituição, o principio da não-cumulatividade com reforma constitucional n. 18 de 1965, embora já adotado em legislação ordinária o Imposto de Consumo. Como salienta Mirsabel Derzi[5]:a Comunidade Econômica Europeia implantou um imposto em 1967 sendo aprovado pelo conselho, a Alemanha introduz 1968, a Dinamarca em 1967, a Inglaterra em 1973 e nesta época difundiu-se também pela America Latina. No Brasil, como já dito,  18.09.1946, em razão da EC n. 18, de 1°.12.1965, alcançando já agora o IPI federal e o ICMS estadual. O principio manteve-se intacto na evolução constitucional posterior. Na CF/64, art. 22, V,§4° (IPI), e art. 24, II, §5° (ICMS). A Emenda também chamada de Constituição emendada de 17/10/1969, manteve o princípio para o IPI no art. 21, V, §3°, e para o ICMS no art. 23,II.

          No Brasil o primeiro tributo a adotar a não-cumulatividade foi o imposto de consumo, o antecessor do atual IPI (Leis 297/56 e 4.502/64 art.25), como já registrado. Era principio infraconstitucional. O principio da não-cumulatividade, o qual só faz sentido se a atribuição recair sobre o valor agregado, torna-se principio constitucional.

          No Brasil pela forma federal e pela unidade política-econômica a instituição do IVA Imposto sobre valor acrescentado, pois, por tradição em nosso país, o que poderia ser sustentado na incidência do IVA foi compartilhado em três para satisfazer as necessidades político-econômicas. O IPI sucedeu o antigo imposto sobre o consumo é federal, o ICMS sucedeu o imposto de vendas e consignações é estadual e o ISS, imposto sobre serviços de qualquer natureza que é de relevância municipal. Como observa-se nenhum ente político estatal aceita perder receita no Brasil, pois estão pressionados por uma necessidade histórica e atual de verbas financeiras para sustentar a política econômica e social.

          Como afirma o autor Melo, para os Estados o cerne da não-cumulatividade está no direito à compensação (como um direito pleno, sem restrições), que o contribuinte tem de deduzir num determinado período, do ICMS devido pelas saídas, o valor de ICMS pago pelas entradas[6].

          O IPI, Imposto sobre Produtos Industrializados recebeu essa nomenclatura conforme DL 34, de 18 de novembro de 1966, anteriormente era denominado Imposto de Consumo, foi o primeiro tributo a adotar a não-cumulatividade, teve surgimento com a lei nº. 25, de 03 de dezembro de 1958, seu fato gerador era à saída de produtos do estabelecimento fabril.

          Já o ICMS tem como fato gerador a saída da mercadoria de estabelecimento comercial, industrial ou produtor previsto no artigo1° do DL 406 de 31/12/68.

          Na Emenda Constitucional nº 01/69, ficou definido que a não-cumulatividade seria estabelecida por lei complementar, previsto no art. 23, II, conforme transcrita abaixo:

Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sôbre:

II - operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes.

          O PIS e COFINS foram contemplados com o regime da não-cumulatividade somente em 16 de 12 de 2003 conforme EC nº 42, §12° do artigo 195.

          Ainda acerca da não-cumulatividade do ICMS Ives Gandra da Silva Martins[7] cita em sua doutrina que corresponde à teoria do valor agregado com adaptação ao direito pátrio. Como já se viu, no concernente ao IPI, a eliminação do efeito ‘cascata’ dá-se por força da adoção de uma das três formas de compensação das incidências anteriores, a saber: a do sistema do imposto sobre imposto, a de base e aquele de apuração periódica. O Brasil optou peça apuração periódica, pela qual o imposto é compensado, com crédito na entrada, daquele imposto devido no momento da saída da mercadoria conforme as hipóteses legais, independentemente de ter sido a matéria-prima utilizada ou a mercadoria revendida. Periodicamente apura-se o imposto devido na entrada das mercadorias e aquele correspondente à saída e determina-se, a partir dessa operação, a obrigação de pagar ou aquela de se manter um crédito para o futuro, por haver mais créditos pelas entradas que pelas mercadorias saídas.

          A não-cumulatividade, na prática, através da compensação do imposto pago pelo contribuinte que antecede a cadeia de produção (IPI) e de circulação (ICMS). Assim podemos entender que a compensação e a não-cumulatividade muitas vezes andam juntas.

          Um dos grandes problemas que se tem enfrentado na realização do princípio da não-cumulatividade diz respeito ao tratamento das situações em que os fatos tributáveis estão relacionados a não incidência pura e simples do imposto, as imunidades e as isenções, interpostas nas operações das quais decorre circulação econômica dos bens, e nas prestações de serviços os estes relacionados.

          Para Marcelo Alexandrino[8] a não-cumulatividade é princípio de efeitos extremamente salutares para os consumidores e para as empresas industriais e comerciais, enfim, para a economia como um todo, porque não grava, injustamente, como maior peso, cadeias de produção ou de circulação de muitas etapas, evitando o desestímulo à industrialização de bens complexos ou a circulação de riquezas em geral.

          A integração do mercado leva a uma harmonização de tributos, pois há uma cadeia produtiva no processo entre matéria prima e produto final. Portanto a não-cumulatividade se torna um principio constitucional de suma importância para a comercialização e circulaçõa de mercadorias e serviços porque estimula a economia e integra o processo de produção.



[1] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Questões atuais de direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,

[2] DERZI, Misabel Abreu Machado. Distorções do princípio da não-cumulatividade no ICMS: comparação com o IVA Europeu. In: COÊLHO, Sacha Calmon N., et al. Temas de direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 1988a, p.112.

[3] DERZI, Misabel Abreu Machado. A necessidade da instituição do IVA no sistema constitucional tributário brasileiro. P. 62.

[4] LAURE, Maurice. Science fiscal. Paris: PUF, 1993 p. 285-293

[5] DERZI, Misabel Abreu Machado e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. ICMS não-cumulatividade e temas afins. P.107

[6] MELO, Ari Kardec de. Curso de Direito Tributário, vol. 2, 3ª ed. Cejup, 1994, p. 161/162.

[7] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Questões atuais de direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey.

[8] ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Tributário na Constituição e no STF. 5ªed. Rio de Janeiro:Impetus, 2002, p.135.