A ordem VS com os verbos ergativos no livro do Apocalipse

Introdução
No seminário da disciplina Sintaxe do Português Clássico, a professora Heloísa Salles introduziu o estudo dos verbos ergativos relacionado à ordem dos termos da oração. Dessa forma, o meu grupo encarregou-se de explanar a sintaxe da ordem e eu expus à turma a teoria da ergatividade, abstendo-me, ao máximo, da teoria gerativa.
Depois de descoberto meu gosto pela sintaxe, uni-o ao gosto pelas escrituras sagradas. Algumas estruturas lingüísticas que não mais usamos no nosso cotidiano estão presentes nos contextos religiosos, tal como a mesóclise e os verbos conjugados na 2ª pessoa do plural. Assim, a epístola do Apocalipse tornou-se uma fonte de pesquisa filológica, e a Bíblia, por consequência, mostrou-se como um documento histórico-linguístico. Muitas estruturas lingüísticas foram abandonadas na atualidade, mas a maioria permanece. Utilizo-me da Bíblia na linguagem de hoje para aproximar-me o do uso atual que se faz desta configuração estudada.
É pertinente realizar este trabalho porque o português, sendo uma língua de sujeito nulo, apresenta frequentemente a ordem de sintagmas VS, ou seja, o sujeito configura-se posposto ao verbo, e isso dificulta a análise sintática de um predicado verbal cujo núcleo é um verbo intransitivo. É prática comum que o ensino de análise sintática na educação básica seja feito com base em orações isoladas de seu contexto. A disposição da Bíblia em versículos contribui para que haja sua interpretação isolada também. Sendo assim, coletar dados isolados corrobora com o tradicional ensino de língua.
A palavra apocalipse, do grego αποκάλυψις significa, em grego, "revelação". Um "apocalipse", na terminologia do judaísmo e do cristianismo, é a revelação divina de coisas que até então permaneciam secretas a um profeta escolhido por Deus. Para os cristãos, o livro possui a pré-visão dos últimos acontecimentos antes, durante e após o retorno do Messias de Deus. Os tempos verbais dos versículos selecionados para a análise, apesar de nem sempre estarem no futuro, fazem menção ao que está por vir.

Delimitação do tema e marco teórico
O tópico central na minha questão de pesquisa é o uso dos verbos intransitivos configurados na ordem VS, dividindo-os, segundo Perlmutter (1978) em dois grupos: os ergativos/inacusativos (chegar, partir, ir, vir, entrar, sair, morrer, fechar e nascer), e os inergativos/não-ergativos (trabalhar, sorrir, morar, dormir e chorar).
A base teórica se estabeleceu nos pressupostos, análises e reflexões de Eloísa Pilati (2002) sobre a ordem Verbo-Sujeito no português do Brasil.
É uma pesquisa de natureza sincrônica, apesar de partir da diacronia.
O desenvolvimento se deu, primeiramente, mediante a leitura de notas de aula repletas de arcabouço teórico da disciplina Sintaxe do Português Clássico ministrada pela professora Heloísa Salles no 1º semestre de 2009.
A partir das reflexões destas duas pesquisadoras, as análises sintáticas no livro do Apocalipse foram consequência de um reconhecimento da estrutura intransitiva tão frequente naquele documento. Buscou-se, a todo tempo, validar as reflexões sintáticas instigadas pela professora Denize Helena para traçar uma linha descritivo-filológica desta configuração ergativa tão recorrente na linguagem brasileira.
A ordem Verbo-Sujeito está muito associada à língua de sujeito nulo, como o português e se apresenta com mais freqüência com verbos monoargumentais e com sujeitos nulos não-referenciais. No presente trabalho me ative aos sujeitos expressos.


Procedimentos metodológicos para a coleta e sistematização dos dados
Havia decidido que meu texto de análise da ordem VS nos verbos ergativos seria a Bíblia, porém, como é um texto muito extenso, optei por me ater aos livros menores do Novo Testamento. Primeiramente optei pela carta do apóstolo Paulo aos Filipenses, porém sem ter consultado o texto para coletar as ocorrências dos verbos intransitivos. Em um segundo momento, através de uma análise sensível, notei que o livro do Apocalipse é o que mais possui casos de ordem VS com verbos ergativos.
Minha pesquisa é documental, pois me fundamento na busca de textos escritos.
Ao iniciar a busca de verbos intransitivos no texto, organizei todas as ocorrências dos verbos intransitivos que apareciam sob a estrutura de ordem VS. Todas as demais ocorrências que não estivessem nesta configuração foram descartadas. Apropriando-me da maneira organizacional do texto sagrado, mantive a ordem segundo a aparição em versículos. O corpus foi composto por dez versículos.

Resultados alcançados mediante a análise dos dados
O sujeito dos verbos inacusativos/ergativos apresenta papel semântico típico de objeto direto: paciente e experienciador do conteúdo verbal, podendo virtualmente permanecer na posição pós-verbal de objeto, embora controle a posição verbal. Estes verbos selecionam argumento interno e aceitam várias possibilidades de ordenação. O português do Brasil apresenta enfraquecimento do sistema de concordância verbal e aparecimento de estruturas de tópico devido à posposição do sujeito.
Nos verbos não-ergativos/inergativos o sujeito é o agente da ação verbal e existe opcionalidade de movimento do sujeito, podendo ser pré-verbais ou pós-verbais, mas essa opcionalidade não é possível com verbos transitivos. Os verbos inergativos selecionam argumento externo.
Entre o sujeito e o verbo podem ser realizados constituintes adverbiais, e essa construção favorece a análise de sujeito como constituinte realizado em posição de objeto, admitindo-se que os advérbios estão dentro do sintagma verbal.
Os verbos "partir", "dormir", "fechar", "morar", "sorrir", "nascer" e "trabalhar" não foram encontrados. Das dez ocorrências de verbos intransitivos na configuração VS, nove são ergativos e somente um inergativo. Nota-se também que o tempo verbal mais frequente no livro do Apocalipse é o pretérito perfeito do indicativo, ainda que a epístola narre fatos futuros.

Considerações finais
No livro do Apocalipse, há ocorrências da ordem VS com verbos ergativos, ainda que não muitas se comparado com as ocorrências no evangelho segundo Mateus. Da minha análise implica-se que a ergatividade recai sobre a circunstância de meio. O sistema linguístico do português do Brasil é estruturado, pois há elos entre os sintagmas. A ergatividade é um sistema paralelo que faz o encadeamento dos elementos essenciais da oração, focando-se do processo de meio, apagando a agentividade e a cravando no meio.
É pertinente perceber que a ordem VS é recorrente na língua portuguesa desde sua origem, conforme atestam documentos como a Carta de Caminha. Perceber a confusão sintático-semântica que decorre dessa estrutura é aprofundar o conhecimento que se tem de língua e facilitar a compreensão dos usuários, mesmo que não percebam que dela se apropriam a todo o momento. O desconhecimento da teoria da ergatividade limita o livre uso desta estrutura complexa e rica do nosso sistema linguístico.

Referência Bibliográfica
PILATI, Eloisa Nascimento Silva (2002). Sobre a ordem verbo-sujeito no português do Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília (UnB)




Anexo

Dados Coletados
(10 versículos)
8:3
Veio outro anjo, e pôs-se junto ao altar, tendo um incensário de ouro; e foi-lhe dado muito incenso, para que o oferecesse com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro que está diante do trono.

8:9
E morreu a terça parte das criaturas viventes que havia no mar, e foi destruída a terça parte dos navios.

11: 5
E, se alguém lhes quiser fazer mal, das suas bocas sairá fogo e devorará os seus inimigos; pois se alguém lhes quiser fazer mal, importa que assim seja morto.

11: 18
Iraram-se, na verdade, as nações; então veio a tua ira, e o tempo de serem julgados os mortos, e o tempo de dares recompensa aos teus servos, os profetas, e aos santos, e aos que temem o teu nome, a pequenos e a grandes, e o tempo de destruíres os que destroem a terra.

16: 3
O segundo anjo derramou a sua taça no mar, que se tornou em sangue como de um morto, e morreu todo ser vivente que estava no mar.

18: 10
E, estando de longe por medo do tormento dela, dirão: Ai! ai da grande cidade, Babilônia, a cidade forte! pois numa só hora veio o teu julgamento.

18: 11
E sobre ela choram e lamentam os mercadores da terra; porque ninguém compra mais as suas mercadorias:

21: 1 E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já se foram o primeiro céu e a primeira terra, e o mar já não existe.

21: 9
E veio um dos sete anjos que tinham as sete taças cheias das sete últimas pragas, e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro.

21: 27
E não entrará nela coisa alguma impura, nem o que pratica abominação ou mentira; mas somente os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro.