A ORDEM DIACRÔNICA NUMA VISÃO PÓS-ESTRUTURALISTA

Natanael Vieira de Souza

A algum tempo atrás o Prof. Ms. Rubens Lacerda fez a seguinte exposição no quadro negro do de uma sala de aula no curso de HISTÓRIA:

PRÉ-HISTÓRIA HISTÓRIA (Idade antiga) IDADE MÉDIA IDADE MODERNA IDADE CONTEMPORÂNEA
6 Bilhões de anos a.c. surge o planeta TERRA. 4500 anos a.C. surge a escrita.
-Nascimento de Cristo. 476 d.C. Queda do império romano ocidental. 1453 d.C. Queda do império romano do oriente ou fim da guerra dos cem anos ocorrida entre Inglaterra e França. 1789 d.C.
-Revolução Francesa
-Tempo atual 2011


Ao término da exposição, pediu para que escrevêssemos um texto analisando esta ordem diacrônica. Lembrei-me que esta ordem, com raras exceções faz parte do nosso dia a dia e nos chega como se fora uma ordem "natural" estabelecida, cristalizada, basta observarmos, entre outras coisas, a grade das instituições de ensino, os livros didáticos e as práticas docentes, seja no ensino fundamental, médio, ou seja, nas práticas docentes (alguns professores) das universidades, impregnando o pensamento da "clientela" destas instituições, desta lógica homogênea de ver a história de forma contínua e arborescente, que resulta deste diacronismo "histórico" das várias correntes ideológicas advindas do pensamento iluminista que permeia e "norteia", também as práticas de ensino.
A forma como somos levados a pensar a vida, os acontecimentos, os fatos, desde que nascemos, faz com que esta lógica da continuidade fique impregnada de forma tal, que quando somos levados a pensar de forma crítica, heterogênea e descontínua, padecemos as dores de não saber desconstruir; desconhecemos o uso do prefixo "des". Os efeitos de uma educação a-crítica faz com que tenhamos dificuldade em pensar no não óbvio, descobrir as sutilezas e nuances de uma educação que nos impede de fazer uma re-leitura que nos leva a fugir da mesmice, do decalque (Deleuze e Guattari).
Quero alertar-vos que escreverei este texto a partir da minha pouca experiência como acadêmico do 5º semestre no curso de história, postulante a educador, a saber, refletindo sobre o conteúdo dos textos apresentados nos semestres anteriores e nas reações diversas, minhas, dos meus colegas e alguns professores. Assim nos semestres anteriores foram nos apresentados textos dos mais diversos autores, porém entre estes autores estava um chamado, Keith Jenkins (A História Repensada) que nos leva a fazer uma reflexão sobre esta disciplina e quiçá sobre a vida. Nesta ocasião podíamos notar que havia um grande abismo que separava as "ideologias" contidas nos textos de outros autores e o que contém no texto de Jenkins, assim como podíamos notar a similaridade das "ideologias e práticas" de um grupo de professores que diferia das "ideologias e práticas" de um segundo grupo.
Não cabe por minha parte analisar o quão certo ou errado, o bom ou mal, o bem ou mau, das correntes ideológicas contidas nas práticas do ensino de história ou prender-me a quaisquer destas dicotomias que possam suscitar nesta análise dos textos e seus autores. A análise que faço esta situada no campo da subjetividade, deixo as dicotomias já existentes para outra ocasião.
Keith Jenkins sugere como o próprio título diz (A História Repensada), repensarmos as nossas práticas enquanto historiadores; se devemos repensar a história e as nossas práticas, é porque a história e a prática enquanto "sugestão" estatal se tornou insustentável, impraticável ou no mínimo desaconselhável. Talvez os problemas não estejam apenas nos professores ou educadores, problemas estes atribuídos por alguns dos meus colegas de curso e, tampouco nos textos de seus respectivos autores, como queiram outros colegas, é claro que muitos textos têm em si uma estrutura arborescente que seguem uma ordem diacrônica que não suscita em nós a criticidade necessária para podermos a partir do princípio da desconstrução desenvolver o nosso próprio senso crítico. Quanto às "intenções" dos historiadores/professores/educadores, Keith Jenkins escreve que sofrem a influência do meio que o cerca, pressões familiares, pressões da academia, etc., ainda devemos lembrar que os mesmos são agentes do estado e, para serem "bons agentes" devem seguir as indicações e recomendações do estado, devemos nos lembrar que a grade de ensino não é feita por nós e nem por eles historiadores/professores/educadores, mas sim, pelo estado.
Deveriam os historiadores/professores/educadores "traírem" o estado, lendo e discutindo outros autores ou sob uma perspectiva diferente? A meu ver a resposta é sim, porém já que nem todos estão dispostos a viver esta experiência, nós acadêmicos deveríamos "trair", não só os nossos professores, como os autores os quais não concordamos; e como fazê-lo? Seguindo as recomendações do próprio Jenkins, olhando de uma perspectiva diferente, dando um novo sentido e significado a cada "coisa", ou como diz Manoel de Barros: "Dar ao pente funções de não pentear até que ele fique à disposição de ser uma begônia ou uma gravanha".
A ordem diacrônica imposta pelo estado e aceita por nós, vem de certa forma "norteando" o pensamento e o comportamento do homem moderno/contemporâneo. A lógica diacrônica esta em todos os espaços, no próprio esquadrinhamento do prédio onde estudamos, segundo o prof. Msc. Clementino Nogueira Souza este esquadrinhamento esta presente até na distribuição das disciplinas, vejamos: "a distribuição das disciplinas no curso começa de uma forma continua e linear, a idéia central nessa distribuição é demonstrar a forma evolutiva e cronológica do currículo que aponta para uma concepção de história historicista, contínua, objetiva e fundante. Nessa mesma linha os conteúdos são distribuídos de uma forma linear. Alguns pontos já são determinantes: não se pode dar história antiga e até Brasil V, se o professor de história de nível superior não passar aos alunos algumas teses fundantes: ele precisa saber aspectos políticos, econômicos e sociais nessas disciplinas; mais ainda, torna-se fundamental a cronologia e as interpretações, deixando de lado discutir o mesmo conteúdo de outra forma. Por que eu dou este conteúdo e não outro? Por que eu escolho esses autores e não outros?" o que nos leva a refletir o esquadrinhamento físico/espacial, a saber, começamos lá no fundo da "caverna", ainda nas trevas, seguindo a lógica "crescente e positiva" (1º semestre) e se fizermos tudo conforme exigência da academia a serviço do estado caminharemos a cada semestre em direção à luz (8º semestre).
Este ordenamento diacrônico, esta linearidade do pensamento, esta impregnada em todos os aspectos da vida humana, não adianta criticar apenas os textos, pois afinal os textos foram feitos para nós e não o inverso, não adianta criticar apenas os historiadores/professores/educadores, se não desenvolvemos o nosso senso crítico, se não buscamos a nossa autonomia e apenas aceitamos o que o estado nos impõe como saber, a nossa inércia contribui inversamente impedindo-nos de nos tornar rizomáticos e tolhendo a nossa criatividade impedindo-nos de exercer a arte de ser humano (extra-ordinário).
Neste parágrafo eu gostaria de demonstrar o que eu desejo de um curso de história, pois a cada dia que passa a cada texto que leio a cada novo conceito que aprendo ou que invento, a cada alegria de um educador na sala de aula ou a cada má vontade de educadores, a cada invenção ou mesmo a inversão de um texto ou um sonho, ou a cada loucura que escapa da minha boca sem eu ter medo das conseqüências, creio eu (pode ser o contrário) estar me aproximando de pessoas que dão visibilidade ao que esta sob seus pés, fugindo desta lógica cronológica, deste ordenamento diacrônico, desta história arborescente, fugindo das ciladas sutis da história dominante e me aproximando de uma concepção de história onde há vida e toda vida tem importância, uma concepção de história magistralmente "cantada em versos" por Durval Muniz "? a História precisa de novas linguagens, de inventar novas palavras, de produzir novos conceitos, que sejam capazes de conceder a glória à gosma da lesma nos vitrais das catedrais; que sejam capazes de majestificar a planta brotada nas frinchas dos fortes; de dar grandeza aos homens que chafurdam nos lixos como porcos e urubus; dormem nas sarjetas como baratas; habitam os buracos dos viadutos como os ratos; ?que se tornam bichos nas jaulas das prisões; que se tornam loucos nas salas dos hospícios; que se enchem de silicone, batom e fantasia para agüentar a barra de amar diferente; ? de dar grandeza às crianças que enegrecem a vida nas carvoarias; que perdem as mãos nas maquinas de agave; que perdem a infância e a inocência nos quartos de pensão e nas boléias de caminhão; que se prostituem nas praças e nas ruas; que comem bala e cheiram pó para terem um pouco de ilusão, para viajarem pelo menos uma vez ao dia; que brincam com a vida por falta de brinquedo; que emburrecem diariamente nas carteiras das escolas públicas; de dar grandeza às mulheres violentadas por seus machos; estupradas por seus patrões;?" . A história na minha visão só terá sentido e significado se estes sujeitos (caudilhos, pequenos, ínfimos, pobres, trastes, abandonados etc.) forem dignos de estar presentes no discurso historiográfico, não como discurso dominante, pois não quero desconstruir uma verdade para impor a minha verdade e, de mais o discurso dominante hoje não é digno destes sujeitos.