O Estado enquanto unidade soberana tem como finalidade assegurar o bem comum de um povo visando à diminuição da desigualdade econômica através de garantias fundamentais, para que, assim, a coletividade viva decentemente.

A legislação brasileira expressa de forma simples e direta as atribuições do Estado, baseada na busca pela dignidade da pessoa humana, através da manutenção da ordem social aliada à ordem econômica, conforme os ditames da justiça social.

 O texto constitucional expressa, já no seu preâmbulo, os ideais acerca dessa busca. Dentre os objetivos fundamentais destaca-se a prerrogativa de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Na garantia dos direitos sociais encontram-se o direito à educação e à assistência aos desamparados.

Ocorre que, na medida em que o capitalismo se desenvolveu, a edilidade não pôde mais custear as garantias para todos os cidadãos, pois o seu objetivo passou a ser o de atender aos interesses da economia capitalista, em que o mais pertinente consiste em acumular lucros e competir no mercado. 

Devido a isso, tornou-se notório, não só o crescimento da pobreza e da exclusão social, mas também o aumento dos números de pessoas afligidas pela persecução penal do Estado, quando do cometimento de crimes.

É evidente que, nos países onde os índices de desigualdade social são elevados, também registram índices igualmente acentuados de outros fatores funestos, como por exemplo: violência, criminalidade, desemprego, desigualdade racial, conflitos variados, educação precária, falta de acesso a serviços públicos de qualidade, tratamento distinto entre pessoas de diferentes classes econômicas, entre outros.

A falta de acesso de grande parcela da população à educação de qualidade, à cultura, ao mercado de trabalho, são aspectos que denotam claramente as desigualdades existentes que colaboram na falta de perspectiva de melhoria de vida. Além dessas privações, existe ainda a pobreza material que repercute na ausência de bens e serviços variados e, em alguns casos, na aquisição de mantimentos imprescindíveis a sobrevivência.

Todavia, ressalta Abramovay (ABRAMOVAY, 2002, p. 177), que “a violência embora associada à pobreza, não é sua conseqüência direta”. Isso porque, ao se observar os aspectos característicos da sociedade capitalista, reportando sua análise à realidade brasileira, revela-se que ela está indiretamente ligada a omissão do Estado em garantir os direitos fundamentais de todos os indivíduos, que engloba, obviamente, a parte menos privilegiada economicamente.

O fenômeno social da violência não é exclusivo das sociedades capitalistas, como já relatado anteriormente, mas são nestas que ela se revela de forma mais perversa e fervorosa. No Brasil, observa-se um agravamento da formas de expressão da violência a partir da década de 1980, período no qual o país passou por uma de suas maiores crises social, política e econômica, conhecida como a crise dos anos 80.

Posteriormente, com a nova ordem econômica iniciada na década de 1990 aceleraram-se as desigualdades sociais com contrastes econômicos e sociais mais evidentes nas cidades, resultando em novas formas de produção e mudanças sociais que constituíram no aumento da exclusão de grande parte da população. Em virtude disso constata-se um agravamento e aceleramento da violência urbana. A esse respeito Sá e Barbosa asseveram:

[...] o fenômeno da urbanização capitalista, acirra as relações de contrastes entre o esteticamente belo e o disforme, os prazeres e as dores, a riqueza e a miséria. Emergem planos e propostas de gestão das cidades, com mecanismos de controles participativo ou autoritário para dar conta de processos segregativos. Tanto as classes de trabalhadores nas periferias, áreas faveladas ou as chamadas baixadas, como as classes abastadas nos condomínios de luxo, que contornam as cidades, são atingidas pela lógica perversa e agressiva da busca pela lucratividade. Embora de modo diferenciado a segregação social das classes abastadas é promovida pela necessidade de distanciamento dos problemas sociais que causam os setores populares. Estes, ao serem premidos socialmente pela barbárie, apelam para a violência, que tanto medo causam aos ‘felizes’ moradores dos condomínios de luxo (SÁ; BARBOSA, 2002, p.15). 

Para Siqueira:

Se situarmos a exclusão de forma concreta, certamente ela estará associada ao dia-a-dia do analfabetismo, da fome, da falta de moradia, da falta do emprego, do subemprego e de todas as mazelas sociais que tanto tem atingido e lesado a dignidade dos seres humanos, portadores de direitos elementares, como o de ser reconhecido como pessoa (SIQUEIRA, 2001, p 58).

O Estado, enquanto provedor dos direitos básicos dos sujeitos sociais, deve, necessariamente, prevenir a violência e combatê-la através de políticas públicas que promovam a igualdade social e possibilite a efetivação de trabalho e serviços de qualidade a todos os cidadãos. Então, quando o poder público se omite, a violência nasce.

Tendo como base essa linha de raciocínio e atendo-se somente ao fenômeno da criminalidade, sua definição pura e simples consiste no conjunto ou o grau de crimes num determinado meio. Em outras palavras, nada mais é que uma conduta atípica, passível de culpa, a qual viola um código de leis, praticada por seres humanos, e vulgarmente tida como um ato que transgredi o princípio da moralidade.

De acordo com Lira Júnior:

Toda sociedade possui seus padrões, regras e limites por ela estabelecidos, e quando um indivíduo ou grupo se desvia destas determinações ele provoca mudanças e é considerado desviante da norma social. Neste caso, a criminalidade, apesar de não ter sido aceita em nossa sociedade como forma de mudança social tem modificado o modo como lidamos com ela (LIRA, 2003, p. 104/105).

Por certo, a condição de miséria social, a situação de abandono cultural e a carência de recursos econômicos indispensáveis ao atendimento das necessidades básicas do ser humano, põe em evidência a inequívoca procedência dos que povoam, em percentual quase absoluto, os estabelecimentos prisionais.

Observando profundamente os percentuais de segregação carcerária, conclui-se que a grande maioria dos acautelados são pessoas pobres, negras e desprovidas de educação escolar.

Nesse diapasão, são os dados fornecidos por Alena Pachioni:

No Brasil, quase 496 mil detentos compõem a crescente população carcerária, terceira maior do mundo depois da China e dos Estados Unidos. De acordo com as estatísticas, 95% são pobres ou muito pobres; 65% são negros e pardos; e 65% cometeram crimes que não envolveram violência. O índice de reincidência após o cumprimento da pena, de acordo com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Cezar Peluso, chega a até 70%, sendo um dos mais elevados do mundo. Portanto, a ideia de reabilitação se tornou o principal objetivo na gestão carcerária brasileira – ao menos é o que se diz no discurso oficial (http://www.br.boell.org/web/51-1389.html).

 Infelizmente, hoje, esse é quadro dramático da realidade carcerária brasileira. Os dados acima expostos indicam que temos uma população carcerária formada, em sua maioria, por pobres com baixíssima escolaridade. E o que agrava mais ainda a situação, é que se fossem respeitados os direitos básicos e fundamentais desses indivíduos, provavelmente eles não estariam segregados.

Frisa-se também que, em pesquisa realizada pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais foi prática costumeira do extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo a aplicação ao condenado à pena mínima pela prática do crime de roubo, o regime inicial fechado para o cumprimento de pena, sob o argumento de que o agente do sobredito crime é perigoso e que o crime de roubo é delito grave que assola a sociedade. Tal postura, que não Ra exclusiva do Tribunal de São Paulo, contraria, inclusive, o teor da Súmula 718 do Supremo Tribunal Federal de que “a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”.

Nesse contexto, fica clarividenciado que a pena privativa de liberdade, numa sociedade de capitalista de classes, tem foco preciso e determinado, isto é, os desprivilegiados.

Importante ressaltar também que a maior parte das prisões no Brasil se relaciona ao cometimento de crimes que atingem os bens materiais e a situação financeira da vítima, seja com ou sem o emprego de violência ou de grave ameaça.

Nessa esteira, está o último levantamento realizado pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional):

[...] em junho de 2011, foi constatada a existência de 513.802 presos em todo o país: Desse total, 69%, ou seja, 326.347 presos respondem por crimes previstos no Código Penal Brasileiro, enquanto apenas 31% ou 147.647 presos teriam cometido delitos que se enquadram em legislação específica. Dos crimes previstos no Código Penal verifica-se que 72% dos crimes cometidos pelos homens (227.854 delitos) se tratam de crimes contra o patrimônio, assim como 69% dos perpetrados pelas mulheres (6.072 delitos). Média: 70,5%. Ou seja, os crimes contra o patrimônio - tais como roubo, furto e estelionato - constituem a maioria dos crimes cometidos pelos presidiários de ambos os sexos. Em seguida, vêm os crimes contra a pessoa, que representam 18% dos crimes cometidos pelos homens (56.294 delitos) e 20% dos perpetrados pelas mulheres (1.720 delitos). Note-se que há uma diferença percentual significativa dos tipos de crimes mais cometidos, dos primeiros (72% e 69%) para os segundos (18% e 20%). Assim, a maior parte das prisões no Brasil se relaciona ao cometimento de crimes que atingem os bens materiais, a situação financeira da vítima; seja com ou sem o emprego de violência ou grave ameaça. E esse fator deve ser considerado quando da estruturação de políticas criminais preventivas e, principalmente, quando da criação/execução de políticas que envolvam o direcionamento de verbas para os segmentos sociais e econômicos da população. Um dado importante que não pode ser esquecido: os crimes patrimoniais que geram encarceramento são os cometidos pelas classes baixas. Muito raramente alguém está na prisão por crimes econômicos ou financeiros ou tributários etc. Isso comprova que o direito penal é desigual, classista, racista etc. E que o encarceramento tem as mesmas características: classista, racista, sexista etc. (http://jus.com.br/artigos/21037/crimes-contra-o-patrimonio-sao-os-principais-responsaveis-por-prisoes-no-brasil).

Trata-se de um ciclo vicioso. Isto é, o indivíduo desprivilegiado comete um crime de furto comum, sem violência ou grave ameaça, é, consequentemente aprisionado, durante a execução a pena não é ressocializado e, finalmente, quando a cumpre, sai do estabelecimento prisional pior do que quando entrou.

Nesta esteira, para entender a extensão deste problema, o texto infra expõe:

A macro comunidade nos presídios é de conhecimento do poder público, no entanto, cada vez mais a população carcerária cresce e poucos presídios são construídos para atender à demanda das condenações. A superpopulação nos presídios representa uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais. Nesse aspecto, basta citar o art. 5º, XLIX, da Carta Magna (a qual assegura aos presos o respeito à integridade física e moral), bem como lembrar que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios basilares da Constituição. Impende salientar que a própria Lei de Execução Penal (LEP), no seu art. 88, estabelece que o cumprimento da pena se dê em cela individual, com área mínima de seis metros quadrados. Ademais, o art. 85 da LEP prevê que deve haver compatibilidade entre a estrutura física do presídio e a sua capacidade de lotação. Nesse contexto, a superlotação tem como efeito imediato a violação a normas e princípios constitucionais, trazendo como consequencia para aquele que foi submetido a uma pena privativa de liberdade uma "sobrepena", uma vez que a convivência no presídio trará uma aflição maior do que a própria sanção imposta. A superlotação no sistema penitenciário impede que possa existir qualquer tipo de ressocialização e atendimento à população carcerária, o que faz surgir forte tensão, violência e constantes rebeliões (http://revistavisaojuridica.uol.com.br).

Considerando as condições atuais do sistema prisional brasileiro, onde os detentos são aglomerados em celas aos montes, sem atividades que contribuam para a sua reintrodução na sociedade, sem políticas sociais para controle da criminalidade, é de se esperar, obviamente, que eles saiam dos estabelecimentos penitenciários mais aptos a violência, cometendo crimes mais cruéis, se importando cada vez menos com as regras e normas estabelecidas para o convívio social, ditados pela nossa legislação.

Para Foucault:

Desde o seu início a prisão serve para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade, pois está longe de transformá-los em pessoas honestas, sua lógica é fabricar delinquentes, pois eles têm utilidade política e econômica (FOUCAULT, 1979, P. 106).

A violência estrutural sobre o proletariado resulta direta e exclusivamente das relações de produção capitalista.

Segundo Juarez Cirino:

[...] enquanto o trabalhador se desgasta física e mentalmente, sem a correspondente contraprestação em dinheiro, o capitalista reproduz e amplia o seu capital, com sangue, suor, nervos, cérebro, em suma, energia de trabalho transmutada sob a forma de produto em que se incorpora a mais-valia, a qual, uma vez convertida em dinheiro, compreende os custos da produção (matéria prima, salários, impostos, energia etc.) (JUAREZ, 1984, p. 85).

Somando-se a isto às condições de insegurança, desconforto e privação de remuneração significativa, dos excluídos, e, sobretudo, a omissão do Estado em promover a dignidade humana tem-se o agravamento da criminalidade, que, nada mais é que a repercussão desses fatores.

Ora, a parcela social desprivilegiada, infeliz e carente de meios dignos de subsistência não vê outra saída a não ser delinquir contra o patrimônio alheio, já que cometer crimes diversos não os acrescentaria em nada do ponto de vista econômico! 

De fato, exara Scapini:

[...] em países onde a distância entre ricos e pobres é quilométrica e, cada vez mais se acentua, os índices de violência e criminalidade são elevadíssimos, chegando ao descontrole. O Brasil é “campeão do mundo” em injustiças sociais, tem a pior distribuição de renda do planeta. Pequena parcela da população vive na opulência, enquanto à imensa maioria sobrevive sem acesso sequer à saúde, à educação, à alimentação e ao emprego. É óbvio que a situação tende a se agravar, enquanto inutilmente, atacam as consequências do problema, não suas causas.

Dessa forma, percebe-se que a omissão do Estado em garantir a dignidade humana através da promoção de saúde, emprego, moradia e educação está ligada direta e passivamente ao fenômeno da criminalidade patrimonial no Brasil.