Os chamados serviços sociais autônomos começaram a ser criados na década de 40, durante o Estado Novo, com a finalidade de promoverem a qualificação da mão de obra, em todas as regiões do país, para setores vitais da economia, como a indústria e o comércio. Deveriam, também, prestarem serviços assistenciais aos empregados. Para custeio do sistema, foi necessária a instituição de tributos que recaiu sobre as empresas.

Ao longo de décadas, criou-se um acervo de pessoas jurídicas privadas (SEST, SENAT, SENAC, SESC, SENAI, etc.), não pertencentes ao Estado, mas custeadas com recursos públicos. Este quadro híbrido sempre levantou questionamentos sobre a contratação de empregados pelos serviços sociais autônomos. Para uma corrente, seria necessário concurso público, até por uma questão de moralidade. No entanto, o sistema S não adotou a obrigatoriedade de promover um certame, nos moldes realizados pelos órgãos estatais, abrindo o caminho para contestações junto ao Poder Judiciário.  

Em 17 de setembro de 2014, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, decidiram, no Recurso Extraordinário nº 789.874, sobre a questão da obrigatoriedade do concurso público nos serviços sociais autônomos. O tema foi levado à Corte pelo Ministério Público do Trabalho, MPT, ao recorrer de acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que afastara a obrigatoriedade do Serviço Social do Transporte, SEST promover a seleção de seus empregados, seguindo o modelo fixado pelo artigo 37, II, da Constituição Federal (realização de concurso público). 

Alegava o MPT que, sendo o sistema S subvencionado por recursos públicos, tornava-se obrigatória a observância dos princípios que regem a administração pública, dentre eles o do concurso público. O SEST, por seu lado, alegava que era uma pessoa jurídica de direito privado e que, inquestionavelmente, não integrava a Administração Pública, não lhe sendo, portanto, imputado a obrigação fixada no artigo 37, II, CF/88. No STF, o tema foi considerado de repercussão geral (DJe 11.09.2010, Tema 569: “concurso público para contratação de empregados por pessoa jurídica que integra o Sistema S.”) e, em consequência, foi submetido a julgamento pelo plenário da Corte.  

Como o caso era de interesse direto de todo o sistema S, ingressaram com amicus curae o SESI, SENAI, SENAC, SESC, SENAR e SESCOOP. O Relator, Ministro Teori Zavascki, analisou, inicialmente, se os serviços sociais autônomos integravam ou não a  administração pública. Do estudo da jurisprudência do STF, restou evidenciado que o Tribunal não enquadrou o Sistema S como órgãos públicos.

Neste sentido, havia a decisão da Primeira Turma, no RE 366168, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJe 14-05-2004, com a seguinte ementa:

Competência: Justiça Comum: ação popular contra o SEBRAE. Lei 4.717/65 (LAP), art. 20; CF, art. 109, IV; Súmula 516. 1. O SEBRAE não corresponde à noção constitucional de autarquia, que, para começar, há de ser criada por lei específica (CF, art. 37, XIX) e não na forma de sociedade civil, com personalidade de direito privado, como é o caso do recorrido. Por isto, o disposto no art. 20, f, da L. 4717/65 (LAP), para não se chocar com a Constituição, há de ter o seu alcance reduzido: não transforma em autarquia as entidades de direito privado que recebem e apliquem contribuições parafiscais, mas, simplesmente as inclui no rol daquelas – como todas as enumeradas no art. 1º da LAP – à proteção de cujo patrimônio se predispõe a ação popular. 2. Dada a patente similitude da natureza jurídica do SESI e congêneres à do SEBRAE, seja no tocante à arrecadação e aplicação das contribuições parafiscais, seja, em conseqüência, quanto à sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas, aplica-se ao caso a fundamentação subjacente à Súmula 516/STF: “O Serviço Social da Indústria – SESI – está sujeito à jurisdição da justiça estadual”.             

O voto do Relator conclui, primeiro, que o sistema S não integra a Administração Pública; e, segundo, que nesta situação não se aplica, consequentemente, a este a regra da obrigatoriedade do concurso público, como evidenciado na seguinte manifestação:

Estabelecido que o SEST, assim como as demais entidades do sistema S, tem natureza privada e não integram a Administração Pública, direta ou indireta, a ele não se aplica o inciso II, artigo 37, da Constituição.

A reforçar sua conclusão, havia a jurisprudência no mesmo sentido de outros Tribunais, como a decisão da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no RR 565/2006-404-14-40, DJ 4.4.2009, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi:

  1. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A CONTRATAÇÃO PELO SEBRAE: a) Conhecimento no Recurso de Revista, o recorrente alega a obrigatoriedade do concurso público para a contratação pelo SEBRAE, sob pena de violação ao art. 37, II, da Constituição da República. Transcreve parecer do Tribunal de Contas da União, que se manifesta em relação aos Serviços Sociais Autônomos, sobre a necessidade de se adotar um processo seletivo público para admissão de pessoal.

Não sendo o recorrente um ente público, não se submete às exigências do art. 37, II da Carta Magna.

A exigência do Tribunal de Contas da União é que haja um processo seletivo público, tendo em vista que este órgão recebe recursos públicos, o que, de forma alguma, confunde-se com o concurso público a que faz referência o artigo constitucional supracitado.   

Os demais Ministros seguiram, por unanimidade, o voto do Relator, em decisão ementada nos seguintes termos:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS VINCULADOS A ENTIDADES SINDICAIS. SISTEMA S. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA. RECRUTAMENTO DE PESSOAL. REGIME JURÍDICO DEFINIDO NA LEGISLAÇÃO INSTITUIDORA. SERVIÇO SOCIAL DO TRANSPORTE. NÃO SUBMISSÃO AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CF)

  1. Os Serviços Sociais Autônomos integrantes do denominado Sistema S, vinculados a entidades patronais de grau superior e patrocinados basicamente por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiado, ostentam natureza de pessoa jurídica de direito privado e não integram a Administração Pública, embora colaborem com ela na execução de atividades de relevante significado social. Tanto a Constituição Federal de 1988, quanto a correspondente legislação de regência (como a Lei 8.706/93, que criou o Serviço Social do Trabalho, SEST) asseguram autonomia administrativa a essas entidades, sujeitas, formalmente, apenas ao controle finalístico pelo Tribunal de Contas, da aplicação dos recursos recebidos. Presentes essas características, não estão submetidas à exigência de concurso público para a contratação de pessoal, nos moldes do art. 37, II, da Constituição Federal. Precedente: ADI 1864, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 2/5/2008.    

Ao final, o sistema S ficou livre da obrigação de promover concurso público, afastando-se a necessidade de adotar o mesmo procedimento adotado pelos órgãos da administração pública, quando da contratação de seus empregados. No entanto, continuaram sob fiscalização do Tribunal de Contas da União, ou seja, persistiu o dever de prestarem contas dos recursos aplicados, evidenciando que seus gastos estão em conformidade com os princípios da administração pública.