A NOVEMBRADA DE 1979: A REVOLTA EM FLORIANOPÓLIS QUE AJUDOU A DERRUBAR A DITADURA MILITAR

O movimento estudantil no Brasil durante a ditadura militar teve importância fundamental, reivindicando liberdade de expressão, direitos civis e por melhor qualidade de vida.

Aqui em Santa Catarina, ao contrário de que muitos pensam, não era muito diferente, a Novembrada é uma prova viva de que o movimento estudantil foi muito ativo em nosso estado, revolta a da qual mudou o destino da política nacional, sendo marco inicial para a abertura do país, derrotando um regime autoritário que já durava mais de 20 anos.

Nesse sentido, consideramos que a Novembrada tem um papel fundamental no final da ditadura militar.

Analisando e discutindo sobre esse acontecimento tão importante para a política brasileira no fim dos anos 70, apontando as causas que motivaram estudantes e o povo de Florianópolis se rebelar contra a vista do presidente João Baptista Figueiredo e quais as conseqüências que essa revolta tiveram, respondendo a seguinte pergunta:qual a influência da Novembrada teve em relação com abertura política no fim da ditadura militar? Antes de responder, vamos fazer um contexto histórico do Brasil desse período.

A política imposta pelos militares após 15 anos começava a mostrar sinais de fraqueza, devido à pressão popular e das greves operárias que eclodiram de norte a sul do Brasil. Vendo-se numa situação extremamente delicada, decidiu-se em então realizar uma abertura lenta do país, iniciando no governo de Ernesto Geisel que revogou em 1978 o famoso Ato Institucional 5, sendo continuada pelo governo de João Baptista Figueiredo a partir de 1979.

De acordo com Napolitano (1998, p. 77), "do ponto de vista do Estado de Segurança Nacional, o ano de 1979 definiu os limites da política de abertura. Ao mesmo tempo em que negociava a questão da anistia com os partidos e com instituições civis da elite, o governo deixava claro que a liberação não se aplicava à classe trabalhadora".

Nesse contexto, mesmo com o fim das perseguições, torturas e censura dos meios de comunicação, o povo brasileiro começou a se rebelar contra a ditadura, pedindo a anistia de políticos e intelectuais oposicionistas que estavam fora do Brasil ou presos. Em agosto de 1979, o governo promulga uma lei que dava liberdade aos que foram presos por crimes políticos e dava liberdade para os que estavam no exterior voltar a sua pátria, enfim a sociedade brasileira estava respirando um pouco mais aliviada.

Apesar de toda euforia desses acontecimentos, o povo brasileiro não tinha muitos motivos para comemorar, a inflação aumentava a cada dia mais, os salário dos trabalhadores ficava mais baixo, o alto preço dos alimentos nos mercados, acabou proliferando o estado de miséria e fome por todos os lados. Novamente, protestar seria a maneira ideal para buscar mudanças.

Por exemplo, na região do ABC paulista, ocorreram inúmeras greves operárias ocorreram em 1979, transformando num reduto oposicionista contra a ditadura. Nesse momento, surgi a figura de Luís Inácio da Silva, o Lula, que ganharia destaque nacional, e posteriormente acabaria sendo eleito Presidente da República no Brasil.

Não muito diferente dos outros estados brasileiros, Santa Catarina estava abandonado pelo governo federal, os arrochos salariais deixaram inúmeros catarinenses numa situação de miséria e fome. Para piorar a situação, o preço dos combustíveis aumentou, complicando a vida de quem necessitava de transporte para trabalhar. Nesse momento, era possível prever uma revolta da população, mas faltava algum motivo.

Em meados de 1979, o governo anuncia uma visita de João Baptista Figueiredo a Florianópolis para o final de novembro daquele ano. De imediato, o governador "biônico"do estado na época, Jorge Bornhausen mandou fazer os preparativos da festa, inclusive encomendaram uma canção alusiva à visita de Figueiredo ao compositor Luís Henrique, chamada Samba da Conciliação, vejamos agora um trecho dessa canção:

 

Presidente João

O povo do Brasil nesta canção

Vem lhe pedir humildemente

Um minuto de atenção.

O coração brasileiro não se cansa

De ter sempre uma esperança

Para a vida melhorar.

Pode contar com a gente

Presidente

A decisão está na sua mão.

Santa Catarina saúda João

O presidente da conciliação. (MIGUEL, 1995, P.16)

De ínicio parecia que essa visita seria um sucesso, todos os preparativos foram minuciosamente pensados, afinal não queriam fazer feio na frente da autoridade máxima do país, tinha que ser uma festa monumental, mostrando o calor da hospitalidade da gente catarinense. Mas algo estava tirando o sono de alguns membros da ARENA (partido que apoiava os militares), o Diretório Central dos Estudantes.

Irritados com a vinda do presidente-general a Florianópolis, os estudantes da UFSC decidiram em realizar uma manifestação de protesto contra o regime, devido ao alto custo de vida dos moradores, ao arrocho salarial, exatamente no dia da visita de Figueiredo, no dia 30 de novembro.

Dias antes de vir antes a Santa Catarina, o presidente Figueiredo mandou de presente uma placa de bronze em homenagem aos 90 anos da Proclamação da República, fazendo alusão a Floriano Peixoto, patrono da cidade. Para muitos moradores, isso foi um insulto horrendo, pois em 1894, durante a Revolução Federalista, o "Marechal de Ferro" mandou fuzilar centenas pessoas na fortaleza de Anahatomirim, por fazerem oposição ao regime republicano, mudando nome da cidade de Desterro para Florianópolis.

De acordo com Miguel (1995, p. 43), "personalidades importantes da vida cultural catarinense, como o pesquisador Franklin Cascaes, vinham protestando contra a homenagem e pregando a volta ao antigo nome da cidade, Desterro". Estava acesso o estopim para a revolta, agora o povo tinha motivos de sobra para se rebelar contra o governo.

Enquanto o povo estava enfurecido com os desmandos dos governantes, os estudantes da USFSC, liderados por AdolfoLuis Dias, planejavam como seria essa manifestação, escrevendo panfletos de protesto. O panfleto a seguir mostra bem a revolta dos estudantes com a ditadura:

Hoje, após 15 anos de repressão, o governo nos presenteia com a visita de seu Chefe, o general João Baptista Figueiredo. Nesses anos todos, o povo pagou com seu suor as mordomias dos caciques governamentais. Pagou com seu suor quando viu a inflação cada vez mais alta e seu salário cada vez mais baixo. Paga com seu suor quando o preço dos gêneros alimentícios aumenta a níveis exorbitantes, fazendo com que as famílias possam apenas sonhar com a comida que os 'homens do governo' esbanjam. Por isso, devemos deixar claro que, por mais que seja a campanha publicitária que o governo faça para mudar a sua fachada, não vai conseguir enganar o povo. Quando o general 'João' afaga com sua mão a cabeça de uma criança, esconde a outra mão que sustenta o fato de hoje existirem milhares e milhares de crianças brasileiras abandonadas e famintas. Apesar do general 'João' achar que 'seu problema não é o povo e sim a nação' ele se esqueceu que cada aumento de gasolina afeta diretamente os trabalhadores que dependem do transporte como meio de vida. Com isso, torna-se claro que os problemas do povo são diferentes dos problemas do general. Quem viaja de avião a jato e passeia de Galaxie (às custas do povo) nunca vai se preocupar com o preço da gasolina. Igualmente, quem está habituado a receber banquetes de 6 mil talheres, 3000 quilos de carne, 6000 litros de chopp (também às custas do povo) pouco ta se importando com o preço de um prato de comida. O povo não se engana mais. Exige melhores condições de vida.(MIGUEL, 1995, pgs. 19 e 20)

Eis que chega o dia 30 de novembro, os membros da ARENA estão extremamente preocupados, devido ao medo dos protestos. Conforme Miguel (1995, pg.9), "alguns arenistas acalmaram seus colegas mais nervosos. Não iria acontecer nenhum problema, toda a visita fora programada nos seus mínimos detalhes. O protesto era um sapo a ser engolido, agora que o país ia virar- lenta e gradualmente- uma democracia, mas não teria maior repercussão".

Nas primeiras horas da manhã, milhares de pessoas já se reuniam na frente do palácio Cruz e Souza, sede do governo catarinense, esperando a chegada de João Baptista Figueiredo. No meio dessa multidão, estavam os estudantes responsáveis pelo protesto, mas o clima era bem tranqüilo até antes da chegada do presidente da República, que chegou ao palácio precisamente às 10 da manhã.

Nesse instante, a manifestação programada pelo DCE eclodiu e as primeiras palavras de ordem começam a ser ouvidas, como por exemplo, "abaixo a ditadura", "chega de sofrer, o povo quer comer", "abaixo a exploração, mais arroz e mais feijão". Para abafar o protesto, foram ligados no volume máximos os alto-falantes instalados nas janelas do palácio Cruz e Souza, executando o Samba da Conciliação. Tentativa em vão, cada vez mais o coro do protesto ficava mais forte.

Pouco tempo depois, taxistas, Office - boys, colegiais e outros populares aderiram a manifestação. Nesse momento, tudo começa a fugir do controle, começando pelas palavras e ordem que mudaram de tom, de "abaixo a ditadura" para "filho da puta" ou "um, dois, três, quatro, cinco, mil, queremos que o Figueiredo vá pra puta que pariu" ou "cavalo" e também a polícia começa a agir, reprimindo a manifestação e rasgando os cartazes anti-Figueiredo.

Nem estudantes e nem as autoridades presentes esperavam a adesão popular, a tensão toma conta da bancada arenista. Para acalmar os nervos, Figueiredo vai à sacada e faz um sinal de OK para a população, mas é vaiado violentamente pelos manifestantes, que entenderam o gesto do presidente como obsceno. Por motivos óbvios, ele acaba cancelando o seu discurso.

Pouco depois, a comitiva presidencial decidiu fazer uma caminhada pelo calçadão até o famoso bar Ponto Chic, localizado poucos metros do Palácio Cruz e Souza, aonde seriam recebidos com uma festinha. Cercados por um forte esquema de segurança, conseguiram chegar sem muitos problemas. Mas essa aparente tranqüilidade durou por pouco tempo.

Em questão de minutos, o Ponto Chic estava cercado de manifestantes revoltados e novamente xingamentos, palavras de ordem e muita confusão voltaram a acontecer. A PM veio reprimir, mas a violência acabou explodindo, espalhando-se por toda capital, ficando praticamente incontrolável, havendo depredações, pessoas feridas e muita gritaria. Segundo Miguel (1995, pg. 41), "o próprio Figueiredo não escapou e recebeu um empurrão".

Na praça, os manifestantes ainda arrancaram a placa em homenagem ao marechal Floriano Peixoto, quebrando e ateando fogo nela acabando sendo arremessada na frente do palácio Cruz e Souza. Depois desse ocorrido, nunca mais se comentou em fazer homenagens ao "marechal de ferro".

Até a metade tarde do mesmo dia, alguns focos isolados de revolta eclodiram, mas foram logo controlados pela polícia. O clima de velório ou feriado prevaleceu no restante do dia, as lojas e repartições foram fechadas, com medo de mais depredações, e não havia quase mais ninguém nas ruas.

Após conseguirem fugir da confusão, a comitiva presidencial foi direto para a cidade de Palhoça, aonde seria realizado um churrasco, patrocinado pela bancada catarinense da ARENA. Muitos arenistas se orgulhavam das "porradas" que deram nos manifestantes, fazendo piadas. Após o churrascada, João Baptista Figueiredo e sua comitiva foram direto ao aeroporto Hercílio Luz, despedindo-se assim de Santa Catarina.

No dia seguinte inúmero jornais do país noticiaram a manifestação de protesto em Florianópolis, inclusive aqueles de grande circulação como Zero Hora, Diário Catarinense, Folha de São Paulo, tendo uma repercussão forte naquela época, causando um certo desconforto aos militares.

Mesmo antes da chegada de Figueiredo em Brasília, a polícia federal começou os trabalhos de investigação, para descobrir e reprimir os responsáveis pelo protesto. Dias depois, sete pessoas foram presas, entre elas Marize Lippel, Amilton Alexandre- o "Mosquito" -, Ligia Giovanella e Adolfo Dias, todos ligados ao DCE catarinense.

De imediato, inúmeras manifestações, incluindo atos ecumênicos foram realizadas nas semanas seguintes, pedindo a liberdade dos presos. Algumas dessas manifestações acabaram em confusão, masdevido à maciça pressão popular, os estudantes foram libertos no dia 12 de dezembro de 1979.

Como conseqüências principais, o regime militar começou a mostrar sinais evidentes de fraqueza, o autoritarismo não assustava mais ninguém, nada mais podiam fazer para esconder, isso abriu caminho para um dos movimentos mais importantes da História política brasileira, o das Diretas Já.

A Novembrada, como ficouconhecido o protesto do dia 30 de novembro de 1979 em Florianópolis, foi um raro momento histórico em que a população revoltou-se contra o regime autoritário dos militares, sendo um relâmpago de liberdade no meio de tanta opressão.

Enquanto nos grandes centros, Figueiredo foi aplaudido, em Florianópolis foi vaiado, agredido e xingado, por que? Talvez nunca poderíamos encontrar uma resposta cabível para explicar o que realmente aconteceu.

Passado quase 30 anos, a Novembrada destaca-se como um momento ímpar da História do estado e também do país, sendo um dos dias mais inusitados e espetaculares já vividos em Florianópolis, um misto de comédia pastelão com o celebre clássico de Sergei Eisenstein "Encouraçado Potemkim", devido à situação ridícula em que ficou a bancada da ARENA catarinense e também pela violenta repressão policial.

A memória desse acontecimento é um fator fundamental para compreendemos como era a sociedade brasileira e catarinense no fim dos anos 70 e suas aspirações por liberdade, nos inspirando a lutar por um país melhor. Conforme Le Goff (1996, p.447), "a memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens".

Em 1998, o episódio ganhou um curta-metragem chamado de "Novembrada", dirigido por Eduardo Paredes, sendo vencedor do Festival de Cinema de Gramado. Jorge Bornhausen, tentou impedir o lançamento do filme,devido à forma irônica que ele foi retratado na película.

Resumindo, a importância da Novembrada segue até nos dias de hoje, inspirando muitos estudantes catarinenses. Podemos perceber isso em 2004, quando os estudantes da USFC, revoltados com o preço alto das passagens, realizaram uma grande manifestação em Florianópolis, que ficou conhecido como a Revolta da Catraca.

Aprendemos durante nessa pesquisa a valorizar nossa História local, fazendo comentários do tipo"aqui não houve manifestações contra a ditadura". A Novembrada foi uma prova bem clara de que existiu movimento oposicionista contra o regime militar, pequeno sim, mas muito forte.

Gostaríamos de sugerir aos estudantes catarinenses a ter mais preocupação com esse acontecimento, realizando pesquisas e estudos mais aprofundados sobre o tema. Também, aos professores que aprendam a valorizar nossa História atual, pois só assim poderemos realmente entender como funciona nossa sociedade atual, relembrando daquele memorável dia 30 de Novembro de 1979.

REFERÊNCIAS:

-NAPOLITANO, Marcos. O regime militar brasileiro: 1964-1985. 4.ed. São Paulo: Editora Atual, 1998.

-MIGUEL, Luís Felipe. Revolta em Florianópolis: a Novembrada de 1979. 1.ed. Florianópolis: Editora Insular, 1995.

-LE GOFF, Jacques. História e memória. 4. ed. São Paulo: Editora da Unicamp, 1996.