A novela como reflexo da realidade e influência no comportamento social

 

Valtenir Müller Pernambuco

Claudia Herte de Moraes  

 Proponho-me a apresentar neste trabalho uma investigação analítica sobre a influência da comunicação audiovisual, em especial o gênero novela, na formação da identidade cultural brasileira. No exposto acima possa parecer amplo o campo de pesquisa, mas o objetivo se restringe especialmente na relação: criação da novela baseado nos reflexos da realidade e comportamento social como influências de sua recepção.

Conforme Antônio Fausto Neto, não temos o domínio dos equipamentos teóricos e metodológicos para explicar o que se passa entre os agentes de emissão e de recepção das novelas. Por isso, vale ressaltar que esta apresentação não se constitui de pesquisas amplamente elaboradas, mas é o resultado de uma argumentação analítica sobre o tema proposto com embasamento teórico de pesquisadores em Comunicação.

   Segundo James Lull (1995:p.  101) “Os meios de comunicação massiva refletem a realidade social ou a criam?. Não cabem dúvidas de que a resposta é: Fazem ambas as coisas”.  

Com esta perspectiva os meios de comunicação de massa contemplam grande audiência quando refletem o comportamento social no cinema e na novela. Sem nenhum compromisso de produzir honestamente a realidade, a novela apresenta a violação e o absurdo relacionado à fantasia do público. Certos temas, estilos e personagens produzem as emoções e gostos dos receptores. Tais imagens transmitidas podem significar uma representação cultural das situações da vida cotidiana.

Há poucas décadas, o uso da televisão e especialmente a recepção do gênero novela era visto como uma prática ilícita para muitos grupos religiosos, para alguns até hoje. Porém se considerarmos em certos âmbitos de análise, continua sendo. Nesta situação muitos fiéis eram exonerados da comunhão. Não cabe aqui tratarmos deste assunto em especificações, mas é interessante que tais situações sejam observadas em contextualizações com épocas, tecnologias, espaços geográficos e especialmente com as ideologias das diferentes denominações religiosas. Um dos fatores que levou a adoção daquelas medidas foi o julgamento dado a natureza e intencionalidades do gênero novela.

Com uma idéia muito forte sobre os efeitos negativos que o gênero causaria na comunidade de audiência, pouca ‘credibilidade’ era dada aos receptores. A concepção dada ao consumidor era o efeito ”caixa vazia”, a que o receptor aceitava o que lhe era transmitido, não cabendo a este as possibilidades para fazer faces aos efeitos contaminantes da comunicação alienante.

O gênero novela contribui para facilitar a construção da realidade cultural, já que está direcionado para a sociedade, mas não é capaz de criá-la.

 “Os programadores da mídia não têm o interesse de refletir ou criar a                                                                                                                                                      realidade. O que fazem em troca é reunir fragmentos simbólicos para produzir relatos que se assemelham em alguns sentidos e não  outro ao que nos rodeia.” (JAMES LULL,1995: p.  102).

Desse modo a novela como produto midiático, assemelha-se ao que nos rodeia. A trama e as técnicas de produção, simultaneamente, asseguram a acolhida pelo povo comum. Sendo assim, elucidamos as colocações de Fausto Neto no tocante as estratégias de produção, segundo ele, o campo da recepção é definido por “manobras” e, nessa condição exemplifica o enunciativo como uma maneira discursiva que é responsável pela captura do receptor. Além das manobras enunciativas temos outras estratégias, entre elas encontra-se o método que é responsável pela relação do real com o faccioso. Na medida em que o real passa a fazer parte do faccioso a familiarização do gênero com o receptor amplia-se.

Não teria êxito se em uma telenovela a sociedade fosse representada irrealmente pela “sociedade de personagens”. Os problemas sociais, familiares e financeiros estão bem representados no cinema. A grande audiência se confirma a partir do momento em que a esfera de produção passa a inserir a realidade social no cinema, assim como é na música. 

A influência da novela sobre a sociedade deve ser considerada nos diversos contextos. Considerando-se que em meados do século passado poucas famílias brasileiras tinham acesso às telenovelas ou televisões, podemos relacionar hábitos, modo de pensar, vestir e agir daquela geração com as mudanças que ocorreram até o momento atual. Mas e interessante destacar que a televisão, especificamente, não é o único meio a que se atribuem responsabilidades para a constituição de novos costumes; a sociedade está em constantes mudanças.

A presença da televisão e consequentemente as novelas, em quase todas as habitações brasileiras contribui para disseminação dos costumes. Nenhum lugar onde há a presença deste canal de informação deixa de receber as influências culturais que vamos experimentando; e neste universo de impulsos superpostos, contraditório e reflexivos que nos exigem tomar decisões e elaborar significativamente nossa vida.

O desenvolvimento cultural e escolar ao longo dos anos capacitou a sociedade para receber as representações simbólicas que nos são passadas a cada dia. Sobre esta questão podemos analisar que a concepção dada às telenovelas por grupos religiosos durante o aparecimento das primeiras televisões é cabível a época. Mediante a transmissão das mensagens o que se esperava dos receptores era a receptividade e consequentemente a ação subordinada à mensagem, e isto era temeroso, caso os receptores não recebessem as mensagens como simbólicas.

Na audiência da novela é possível reflexionar sobre um conjunto de questões morais e sociais. Entre estas questões encontram-se o matrimônio, a família, a luxuria que influenciam nas diferentes culturas e em diferentes regiões do país.

Ao tratarmos a expressão da influência, não a colocamos como um processo instantâneo sobre os telespectadores, mas trata-se de um processo decorrente de meses, anos e décadas. Para melhor compreensão cito um exemplo: Uma separação matrimonial ocorrida no momento atual tem maior aceitabilidade do que outra ocorrida há duas ou mais décadas. Assim sendo, a novela tem um importante papel no processo sócio- evolutivo brasileiro, porque se perfaz num registro dos anseios das massas por gerações, registrando situações e fatos que decorrem e deixam marcas profundas em nossa sociedade.

Não é surpreendente, portanto, que a novela constitua para muitos um expoente maior de degradação cultural, enquanto que para outros corresponda ao resultado das modificações de longo alcance em nossa sociedade.

Nossa investigação nos remete aos processos sociais porque passam as diferentes camadas populacionais. Este é um dos fatores que devemos considerar no processo de recepção das mensagens. Em uma cena de novela, em que um filho adolescente utiliza-se de expressões agressivas com seus pais a possibilidade de impulsos nos grupos receptores adolescentes é muito grande.

O que propomos a analisar não são apenas os reflexos que o gênero novela traz a sociedade, mas o que a produção novelística traz da sociedade para o cinema. Nesse sentido o gênero não é o único responsável pela transformação social. A sociedade constitui a novos costumes mesmo sem a presença de canais midiáticos, embora lentamente.

Com referência ao campo de recepção consideramos, conforme o objetivo desta análise, as características sociais que são especuladas pela esfera de produção. Visando o bom endereçamento do produto, o objetivo das empresas especializadas é o domínio do perfil dos seus alvos para que possa desempenhar mensagens voltadas para os interesses da grande massa. Quanto a esta questão Fausto Neto lembra-nos:

“Os esforços desenvolvidos se sofisticam para ‘desocultizar’ o campo de recepção, com vistas ao seu ingresso às “zonas de exposição” a contatos com as estratégias e discursos disseminados, virtualmente na sua direção. Porém, essa sofisticação protocolar da comunicação não supõe reconhecer que o campo da recepção tem existência e funcionamento mais complexos”. (ANTÔNIO FAUSTO NETO: ano, p. 193)

 A esfera de produção encontra-se preparada para englobar nas suas técnicas de produção, o desenvolvimento e as práticas que envolvem o cenário social. Sabemos que há um saber atribuído ao leitor, mas que deve ser assumido pelo campo da produção, seja um saber ético ou informacional.

Na relação da ficção com o real podemos compreender a influência das características sociais na novela e vice-versa.

Comparamos o seguinte exemplo: No período em que o negro não tinha acesso ao ensino superior, a representação cinematográfica, na maioria dos casos, representava-o como mordomo para o branco. A partir dos direitos conquistados a novela aos poucos foi capaz de representá-lo na situação inversa da mencionada anteriormente.

Claramente, podemos perceber a estratégia de interação sociocultural desempenhada pela produção. A utilização de fragmentos e ideologias sociais da atualidade condiz com os receptores. Assim podemos dizer que a novela e a sociedade receptora estão em um ciclo na troca de mensagens.

A esfera de produção capta fragmentos reais e transmite-os ficçiosamente; a comunidade receptora recebe as mensagens simbólicas e é capaz de transformá-las em fragmentos reais. Esta é a conclusão que queríamos chegar.

Outro exemplo que identifica este ciclo é a questão da liberdade de gênero. Nos últimos anos, a homossexualidade teve maior representação no cenário novelístico. Na medida em que os direitos foram conquistados e a sociedade passou a vivenciar publicamente tal liberdade a novela aderiu na sua produção e, desse modo, contribuiu para disseminação da liberdade de gênero, e a sociedade vai familiarizando-se a cada situação.

De acordo com Escosteguy e Jacks “as práticas de comunicação não podem ser reduzidas, portanto, ao sentido adquirido pelas tecnologias, que são mediação do processo comunicativo instaurado”. No ambiente doméstico onde há certo acúmulo de investigações, a novela passa a ser uma mediação para a disseminação, mesmo que simbólica, dos fragmentos sociais que a sociedade experimenta.

Ainda comparando a relação entre novela e sociedade, consideramos as colocações de Lull quando afirma que “os prazeres populares devem ser sempre os daqueles que estão oprimidos, devem conter elementos de oposição, de evasão, de escândalo, de ofensa, de vulgaridade, de resistência”. (James Lull, 1995). Consequentemente a novela se perfaz desses recursos para alcançar o público alvo.

A sociedade composta por indivíduos oprimidos pela realidade criminosa, especialmente no meio urbano, e oprimida pelas forças dominantes querem ver tais reflexos representados no cinema. Com certeza, se a novela fosse uma composição de apenas cenas bondosas, lares sem problemas, com representação de ambientes onde não houvesse crimes, estaria fora dos padrões “exigidos pelo público”.

No processo de distribuição dos elementos exigidos pelo púbico, a esfera de produção, ”responsabiliza-se” para representar tais desejos. Com esse objetivo são introduzidos os elementos de oposição. Em todas as novelas está presente a representação das classes, a classe dominante sobre a oprimida, assim como “o mocinho” sobre “o bandido”, e na maioria das vezes o bandido é representado pelo negro.

Outra representação é o elemento de vulgaridade e, desta vez, a igreja é representada. A escandalização da mordomia, da identidade da igreja, da imagem dos líderes e outras circunstâncias fazem refletir a realidade experimentada pela sociedade. Aí está a função da produção.

 Nesta mesma situação a escandalização toma conta. Ao representar os fragmentos familiares vividos na sociedade, a novela o faz exageradamente. O clima, a traição, a estruturação familiar e demais escândalos vividos na vida simbólica do cinema constroem e declaram uma identidade. O modo como essas expressões e condutas são representadas influem na comunidade de audiência, mas não influem radicalmente.

Ao tomarmos o gênero novela para investigação podemos verificar que os anseios da vida cotidiana estão claramente representados, assim como os problemas vivenciados na presente era. Na novela Passione observamos, brevemente, algumas destas características. A traição nos relacionamentos; o poder das grandes empresa e corrupções na liderança faz representar a realidade que vivenciamos. Estas características estão presentes nas demais novelas.

Com as colocações expostas no corpo deste trabalho esperamos ter realizado a comparação a que propusemos investigar no campo de produção e recepção da novela na sociedade brasileira. As idéias aqui expostas foram direcionadas para o gênero novela, em delimitação, conforme citado anteriormente. Que este ciclo de transmissão das mensagens simbólicas não venha a se constituir uma esfera de conflitos na sociedade que a cada dia cresce no desenvolvimento cultural.