1. 1.    INTRODUÇÃO

 

 

 

O objetivo desse trabalho é apresentar uma breve análise da obra do filosofo e professor da Universidade de Bruxelas, Chaim Perelman, que, baseado na retórica de Aristóteles, elaborou uma nova teoria de argumentação aplicada às questões de justiça, que influenciou e modificou o raciocínio jurídico após a Segunda Guerra Mundial, tendo sido adotado em vários países, inclusive em nosso ordenamento jurídico.

 

Numa leitura histórica do mundo jurídico das nações, ocidentais no período anterior à Revolução Francesa, vemos que não existia uma separação real entre os poderes. Havia completa identificação entre soberania e Direito. O rei não necessitava fundamentar suas decisões, a Igreja não estava separada do Estado.

 

Com a Revolução Francesa ocorre uma desvinculação do Direito do poder político. Os juízes passaram a proferir decisões sempre motivadas e referindo-as às leis vigentes.

 

Prevalecia um verdadeiro dogmatismo, baseado no positivismo jurídico, que buscava transformar o Direito numa ciência objetiva , atemporal e impessoal. Nesse contexto, deveriam ser eliminados todos os conceitos subjetivos ou juízos de valor, tais como justiça, ética e moral, da função judicante. Todo o Direito estaria contemplado na Lei, que deveria se sobrepor igualitariamente a qualquer conflito, independentemente das circunstancias de cada situação. Esse conceito fez do Direito um sistema formal, hierarquizado e engessado, que terminou por tornar-se ineficiente para se compatibilizar com os avanços das relações sociais e atender aos reais ideais de justiça na solução de conflitos.

 

Sendo dinâmica a sociedade era necessário que o Direito também se tornasse dinâmico, permitindo ao juiz proferir decisões legais, mas também justas e harmoniosas com os valores morais da sociedade em que se inseriam. Essa necessidade passou a gerar conflitos, que não eram aceitos pacificamente pela lógica jurídica dominante até o advento da Segunda Grande Guerra.

 

O advento do Estado Nacional Socialista na Alemanha tornou totalmente discutível a concepção de ser a Lei a única expressão possível do Direito. Os atos de barbárie consumados pelos nazistas foram cobertos pela legislação por eles promulgada, o que comprovou ser impossível limitar o Direito à Lei. Ficou clara a necessidade do reconhecimento de princípios que, mesmo não expressos nos textos legais, devem estar presentes na atuação de todos para quem o Direito não tem como única missão aplicar a vontade do legislador, mas principalmente garantir a efetivação da Justiça.

 

A grande contribuição de Perelman foi a de sistematizar dialeticamente o raciocínio jurídico com uma metodologia ampla e democrática, que possibilitou utilizar técnicas jurídicas de interpretação, mesmo contrapostas. Ele contestou o pensamento de Descartes segundo o qual quando duas pessoas manifestam concepções diferentes sobre o mesmo fato, uma delas necessariamente estaria certa e a outra errada. Inovadoramente, ele demonstrou que em tal situação é possível que concepções diferentes podem ser conciliadas ou complementadas.

 

Sua filosofia mostra que em matéria de Justiça, não existe verdade absoluta que se sobreponha igualmente em todas as circunstancias e que determine a aplicação do Direito de forma igual e simétrica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2.  A NOVA RETÓRICA

 

 

Ao verificar a necessidade da revisão do raciocínio jurídico vigente nos países ocidentais até a Segunda Guerra, Pereleman passou a estudar a efetivação do Direito, como ideal de justiça, utilizando-se alem do texto da lei, juízos de valores, equilibrados, razoáveis e racionais, constituindo-se numa verdadeira Logica Juridica.

 

Surge então a Teoria da Argumentação, ou Nova Retórica, num contraponto ao Positivismo até então presente. A lógica da argumentação é uma lógica do razoável ou preferível, permitindo a inserção de juízo de valores no contexto do racional.

 

Buscando na filosofia clássica, Perelman encontra em Sócrates suporte para suas ideias. Sócrates, embora afirmando que a lei quando elaborada em beneficio do povo era um instrumento de justiça, não hesitou em utilizar a dialética e propor submeter a lei ao crivo da razão. Assim cumpria indagar as consequências da aplicação da lei numa determinada circunstancia, e descartar essa aplicação total ou parcialmente se considerado o efeito injusto ou contrario ao bem maior da coletividade.

 

Aceitando o pensamento de Sócrates, e que a dialética seria o instrumento adequado para estabelecer um juízo de valores consensual, Perelman conclui ser necessário redescobrir a retórica de Aristóteles, agora como uma arte de argumentar.

 

Perelman entende como fundamental desenvolver o raciocínio jurídico adotando valores universalmente aceitos pela sociedade para, através da argumentação, transforma-los em instrumentos da aplicação do Direito.

 

Para os retóricos não há verdade ou certeza absolutas. A teoria da argumentação não se preocupa em perseguir a verdade, mas sim com a adesão dos interlocutores e modificar suas convicções.

Ao preocupar-se principalmente com a adesão, a argumentação age sobre indivíduos e suas opiniões, e não sobre conceitos. Alem de buscar a semelhança ou identidades de concepções entre o argumentador e sua audiência, não pode deixar de apreciar as diferenças de pontos de vista inevitáveis entre pessoas.

 

Como a argumentação não procura demonstrar ser uma tese falsa ou verdadeira, nunca se chegará a uma aceitação equivalente a demonstração matemática, ou seja, obrigatória e incontestável. O sucesso ocorre quando o destinatário esteja convencido.

 

A argumentação busca e necessita da adesão. O objetivo da retórica é, segundo Perelman, “o estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento” (Perelman, Logica Juridica, 2004, pg 141).

 

O conjunto de pessoas que o orador pretende influenciar com sua  argumentação, denomina-se auditório. Existem vários tipos de auditório, diferenciados por idade, constituição, universal ou de um único ouvinte e diferente da Retórica Classica, a Nova Retórica tem clara a possibilidade de argumentar a auditórios distintos e a eles ser contextulizada . Para Perelman, “ a noção de auditório é central na retórica” (Perelman, Logica Juridica, 2004, pg 143).

 

Como é fundamental argumentar, fundamentais também são os argumentos a apresentar para influenciar determinado auditório. Se o orador desconhecer os valores aceitos pelos interlocutores ou não refletir adequadamente sobre os argumentos provavelmente não terá sucesso.

 

Para Perelman existem três tipos de argumentos. Argumentos quase lógicos, formulados a partir de princípios lógicos, calcados no raciocínio matemático, que buscam conclusões de identidade, reciprocidade, comparação ou contradição.

Argumentos baseados na estrutura do real, ou seja, naquilo que o auditório aceita como real. São raciocínios que buscam uma relação entre os juízos previamente aceitos e outros a que se pretende aceitação.

 

Finalmente, argumentos que fundam a estrutura do real, ou seja, capazes de estabelecer exemplos e generalizações a partir de casos específicos.

 

Como a nova Retórica não se atem ao discurso, mas sim à força dos argumentos capazes de garantir a adesão do seu auditório é importante também analisar o vínculo entre o orador e seu discurso, e mais ainda, o vinculo entre o orador e seu auditório.

 

Para garantir o sucesso o orador deve conhecer previamente seu auditório, sua especificidades, escolher seus argumentos e proferir seu discurso eficientemente, obtendo sua atenção. A elaboração dos argumentos deve passar por duas etapas, ou seja, a produção de acordos prévios e uso das técnicas argumentativas.

 

Segundo Perelman, as verdades universais somente existirão se for possível um acordo universal. Verdade é um assentimento do que é comum, ou seja, um acordo do auditório universal. No entanto como cada orador e cada tradição possuem o conceito do que é universal, o auditório universal não deixa de ser meramente uma aspiração subjetiva do autor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. 2.    CONCLUSÃO

 

 

O objetivo da Nova Retórica de Perelman foi o de reformular o raciocínio jurídico contemporâneo, tornando a aplicação do Direito uma consequencia da efetivação de Justiça. “O juiz não pode considerar-se satisfeito se pôde motivar sua decisão de modo aceitável; deve também apreciar o valor desta decisão e julgar se lhe parece justa ou, ao menos, sensata.” (Perelman, Logica Juridica, 2004, pg 96).

 

O Direito exige fundamentação, e não demonstração. Fundamentar é dar razões, explicar.

 

A Nova Retórica coloca a argumentação como caminho para o convencimento, (adesão com característica racional, de um auditório universal), e persuasão, (adesão de um auditório particular).

 

A Argumentação é uma técnica que exclui a violência. Ela requer uma comunidade de espíritos, abdicando de qualquer coerção para aceitação de uma tese. O orador profere um discurso, sendo livre a adesão do auditório que ele busca convencer ou presuadir.

 

Essa teoria resgatou a dialética e permitiu inserir a democracia na efetivação da justiça. Seu legado é que a liberdade deve ser respeitada e pode ser conquistada, sem coerção ou violência, somente com o dialogo e a razão. “Apenas a existência de uma argumentação que não seja nem coerciva nem arbitrária, confere um sentido à liberdade humana, condição de exercício de uma escolha racional” (Perelman , 2004, pg 581).

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

PERELMAN, Chaim. Lógica Jurídica. Tradução Vergínia K. Pupi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.