Pensar o Direito e o sistema normativo que o integra tem se mostrado tarefa complexa ante a constatação de inúmeras teorias que já foram ou vem sendo construídas. A nova ordem social, notadamente plural porquanto protagonizada por novos sujeitos coletivos, traz, por conseqüência, a eclosão de necessidades que exigem a reformulação de conceitos, políticas, teorias e práticas, tudo colimando evitar a predominância de um discurso engessado, contraditório, ultrapassado e fadado ao insucesso.

 

Examinando este contexto de maneira retrospectiva, nota-se que várias foram as teorias elaboradas buscando justificar a aplicação de um sistema jurídico puro, autônomo, axiologicamente neutro, imune de intervenções sociais e esforçadas em conservar a positividade do Direito e seu mister principal de manutenção da ordem. Assim contribuiu a teoria positivista de August Comte, mais tarde estendida e sistematizada por Kelsen, que se preocupou em descrever uma ciência jurídica preocupada em ver, nos diferentes conceitos, o seu aspecto normativo, reduzindo-os às normas ou às relações entre normas.

 

Também nesta linha, pode-se sublinhar a tese defendida por Niklas Luhmann, associada à teoria da autopoiese do sistema jurídico colocada por Teubner. Extraindo conceitos de subsistemas, fechamento normativo, auto-constituição, validade, formalismo e unidade, procura sustentar que o direito regula sua própria criação e aplicação, indicando, ainda, que não existe interação possível na teoria dos sistemas autopoiéticos, bem como não há interação com outros sistemas e com o ambiente.

 

Contudo este paradigma se mostrou controverso quando confrontado à análise da hierarquia do Direito. É certo que tal teoria é bastante coerente na descrição de um direito sem hierarquias. Entretanto, quando confrontada com instituições sólidas do direito, tal teoria apresenta alguns problemas.

 

A quebra da hierarquia normativa acaba por despir de significado a idéia de Constituição, jogando fora toda a teoria constitucional que fora produzida. Como admitir uma Constituição se não existe norma superior no modelo de sistema jurídico proposto pela teoria da autopoiese? Há de se relevar inclusive que é impossível, no campo do Direito, pensar em autonomia sem interação. Deste modo, a teoria dos sistemas autopoiéticos está na contramão dos debates sociológicos contemporâneos.

 

É irretocável a verificação das gritantes alterações que a sociedade moderna vem sofrendo. Tomando em conta os desvios das antigas concepções, reflete-se sobre um novo modelo não mais ligado à concepção individualista e fechada do mundo, mas resultante da síntese social de todos os intentos individuais e coletivos.

Certamente, nas atuais configurações do capitalismo, o espaço democrático há de ser articulado em torno de aparelhos de hegemonia plurais e não apenas individuais. Trata-se da criação de um pluralismo de sujeitos coletivos fundado no desafio de construir uma nova hegemonia que contemple o equilíbrio entre o predomínio da vontade geral sem negar o pluralismo dos interesses particulares.

 

É neste universo que o pluralismo jurídico se apresenta como uma importante ferramenta para superar modelos que não mais conseguem se inserir nesta nova estrutura societária, interligada por pluralidades e diferenças.

 

Não se pode contestar que o padrão de cientificidade que sustenta o ultrapassado discurso da legalidade e validade das normas entre normas está quase que inteiramente desajustado, diante da conjuntura oferecida pelas novas facetas de produção do capital, pelas emergentes necessidades das formas alternativas de vida e pelas profundas contradições sociais. Esse pluralismo legal ampliado impõe a rediscussão de questões substanciais como as fontes, os fundamentos e o objeto do Direito.

 

O novo pluralismo jurídico é concebido a partir de uma nova racionalidade e uma nova ética, pelo refluxo político e jurídico de novos sujeitos – os coletivos; de novas necessidades desejadas – os direitos construídos pelo processo histórico; e pela reordenação da sociedade civil – a descentralização normativa do centro para a periferia; do Estado para a sociedade; da lei para os acordos, os arranjos e a negociação. É, portanto, a dinâmica interativa de um espaço público aberto e democrático.

 

Em linha de desfecho, por tudo o quanto exposto, é correto afirmar que um novo conceito de Direito implica o abandono de todo e qualquer tipo de modelo ligado às formas estigmatizantes, fechadas e retrogradas dos modelos dantes encetados na sociedade. Somente em cima da idéia de um sistema aberto, democrático, participativo e proveniente da vida concreta é que se há de evoluir para a percepção de uma razão real e liberta.

 

Referências:

 

VOLKMER, ANTÔNIO CARLOS. Pluralismo Jurídico. Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 2001.

 

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Trad. de Gustavo Bayer. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.