Para se analisar melhor os efeitos negativos trazidos com a nova ordem de vocação hereditária, devemos começar analisando o conceito de casamento.

2.1 CONCEITO DE CASAMENTO

 

Qual seria, a princípio, o conceito de casamento? Qual seria afinal o melhor conceito para o casamento? Abaixo estão relacionados vários conceitos sob a ótica dos mais renomados doutrinadores, as quais poderão ser comparadas para uma análise do conceito mais adequado a este instituto que é o casamento.

Segundo Sílvio Rodrigues:

Casamento é contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”. Casamento, sendo um contrato, obedece à vontade dos contratantes, desde que essa vontade não seja contrária à lei.

Portalis define o casamento:

 “a sociedade do homem e da mulher, que se unem para perpetuar a espécie, para ajudar-se mediante socorros mútuos a carregar o peso da vida, e para compartilhar seu comum destino”.

Já Washington de Barros Monteiro definiu o casamento como:

 “a união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos”.

Silvio de Salvo Venosa prefere citar em seu livro os ensinamentos de Guillermo Borda (1993:45):

”é a união do homem e da mulher para o estabelecimento de uma plena comunidade de vida”.

 

Como se percebe, não há um único conceito para o casamento, mas há sempre um ponto em comum entre os mais diversos conceitos aqui explanados: a vontade dos cônjuges. Daí a sua natureza jurídica de contrato, uma vez que sempre, para que tal ato se concretize, irá depender da vontade mútua dos interessados. Olhando desta forma, fica claro que o casamento tem a sua natureza de contrato e, que o casal também tem objetivos que não sejam necessariamente ter filhos, por exemplo. Entre tais objetivos, pode-se citar a assistência mútua, fidelidade e o companheirismo. Portanto, ao longo de uma união, nada nem ninguém poderá ter certeza do cumprimento de tais objetivos do que os próprios cônjuges.

 

2.2  QUAL O OBJETIVO DO LEGISLADOR AO ALTERAR A NOVA ORDEM DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA?

 

Diferentemente do que ocorre com o conceito, quando se trata do real objetivo do casamento, não se encontram tantas opiniões diversas para tal. É sempre certo que o casamento tem como objetivo a união de duas pessoas de modo a construir uma relação de companheirismo e assistência mútua e, consequentemente constituir uma família.  O Novo Código Civil dispõe, em seu artigo 1566 sobre os deveres do cônjuge no casamento, a saber:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I - fidelidade recíproca;

II - vida em comum, no domicílio conjugal;

III - mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V - respeito e consideração mútuos.

 

Segundo Flávio Augusto Maretti Siqueira, Advogado, Pós Graduado pela FDDJ e Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal na UEL, em seu artigo “O cônjuge e o direito sucessório face ao novo Código Civil”, publicado em 20 de dezembro de 2002, ele diz: “Pelo ordenamento demonstrar sucessivamente sua feição pela família constituída em casamento, bem como pela pessoa do cônjuge no direito civil, no quer versa a família, mais do que justo e plausível é a inovação da lei civil ao fazer com que ele seja reconhecidamente um herdeiro necessário. Mas, a lei civil, como verifica o decréscimo dos casamentos, e a fragilidade das relações, buscou incentivar o casamento, e, para tal, estabeleceu normas mais benevolentes ao cônjuge na sucessão.” Ou seja, o que motivou o legislador para alterar a ordem de vocação hereditária foi dar um maior protecionismo ao cônjuge de modo a possibilitar uma preservação da família.

Certamente, o legislador teve como motivação a proteção da família, mas qual seria a família que ele queria proteger? Há muito tempo o conceito de família evoluiu para se adequar aos vários tipos de famílias existentes na sociedade atual, como se explana abaixo:

1) Nuclear simples: família em que o pai e a mãe estão presentes no domicílio; todas as crianças e adolescentes são filhos desse mesmo pai e dessa mesma mãe. Não há mais qualquer adulto ou criança (que não sejam filhos) morando no domicílio.

2) Monoparental feminina simples: família em que apenas a mãe está presente no domicílio, vivendo com seus filhos, mas também, eventualmente, com outros filhos menores de idade sob sua responsabilidade. Não há mais nenhuma pessoa maior de 18 anos, que não seja filho, morando no domicílio.

3) Monoparental masculina (simples ou extensa): família em que apenas o pai está presente no domicílio, vivendo com seus filhos e, possivelmente com outros filhos menores de idade sob sua responsabilidade e/ou outros adultos sem filhos menores de 18 anos.

4) Nuclear extensa: família em que o pai e a mãe estão presentes no domicílio, vivendo com seus filhos e outros menores sob sua responsabilidade e também com outros adultos, parentes ou não do pai e/ou da mãe.

5) Monoparental feminina extensa: família em que apenas a mãe está presente no domicílio, vivendo com seus filhos e outros menores de 18 anos sob sua responsabilidade e também com outros adultos, parentes ou não.

6) Família convivente: famílias que moram juntas no mesmo domicílio, sendo ou não parentes entre si. Cada família pode ser constituída por “pai-mãe-filhos”, por “pai-filhos” ou por “mãe-filhos”. Outros adultos sem filhos, parentes ou não, podem também viver no domicílio. Nesta categoria foram também agrupadas as famílias compostas por duas ou mais gerações, desde que em cada geração houvesse pelo menos uma mãe ou um pai com filhos até 18 anos de idade.

7) Família nuclear reconstituída: família em que o pai e/ou a mãe estão vivendo em nova união, legal ou consensualmente, podendo também a companheira ou companheiro ter filhos com idade até 18 anos, vivendo ou não no domicílio. Outros adultos podem viver no domicílio

8) Família de genitores ausentes: família em que nem o pai nem a mãe estão presentes, mas que existem outros adultos (tais como avós, tios) que são responsáveis pelos menores de 18 anos.

9) Família nuclear com crianças/adolescentes agregados: família em que o pai e a mãe estão presentes no domicílio com seus filhos e também com outros menores de 18 anos sob sua responsabilidade. Não há outro adulto morando no domicílio.

 

2.3. A SITUAÇÃO DO COMPANHEIRO NA SUCESSÃO

Se analisarmos que, atualmente há esses vários tipos de família, sem que haja a necessidade de um casamento, fica fácil concluir que a família não é o único objetivo do casamento. Já o casamento não existe sem esse acordo de vontade de duas pessoas que tenham objetivos semelhantes. Ou seja, casamento não é pressuposto para a existência da família.

Flávio Augusto Maretti Siqueira, Advogado, Pós Graduado pela FDDJ e Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal na UEL, em seu artigo “O cônjuge e o direito sucessório face ao novo Código Civil”, publicado em 20 de dezembro de 2002, diz: Maria Helena Diniz ao citar Portalis, no que versa o papel dos cônjuges no casamento: "ajudar-se, socorrer-se mutuamente, suportar o peso da vida, compartilhar o mesmo destino e perpetuar sua espécie" [2]. Dessa sorte, o cônjuge tem uma comunhão de vida com o outro, pleno conhecimento de suas atividades, de seus negócios, partilhando idéias e sentimentos comuns, bem como enfrentando momentos de alegria e dificuldade. Diante do exposto, pergunta-se: a convivência entre companheiros não teria o mesmo objetivo? A família só é instituída por meio do casamento? Se o que motivou o legislador para alterar a ordem de vocação hereditária foi dar um maior protecionismo ao cônjuge de modo a possibilitar uma preservação da família, é razoável que se questione a respeito da situação do companheiro que não foi igualada à do cônjuge. Tanto o cônjuge quanto o companheiro ocupam a mesma situação na formação da família e tem os mesmos deveres citados no artigo 1566 do código civil de 2002, acima exposto. Tanto é verdade, que o mesmo código estipulou em seu artigo 1.725, que na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Porém, em contrapartida, o companheiro não ocupa o mesmo lugar do cônjuge na hora da sucessão, conforme explicitado abaixo:

O COMPANHEIRO(A) NA SUSSESSÃO

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Ana Paula Nogueira Bittencourt, Graduada em Direito pelo UniCEUB e aluna da Pós-Graduação do instituto Processus, em seu artigo “CONSIDERAÇÕES CERCA DACONDIÇÃO DO CÔNJUGE À LUZ DO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO” cita o seguinte:  No entanto, sendo a sucessão legítima baseada nos vínculos familiares, é preciso que seja revisado o real conceito de família, visando ao alcance e ao sentido de suas normas. Tanto é assim que o novo Código Civil diferencia os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro. Em razão do princípio da igualdade de tratamento dos partícipes que formam a entidade familiar, os direitos sucessórios dos companheiros poderiam ter sido equiparados aos dos cônjuges, uma vez que a união estável é reconhecida pelo Estado como entidade familiar equiparada à família matrimonializada.

É certo afirmar que o ordenamento civil não atendeu aos princípios constitucionais, ao estabelecer regras diferenciadas em relação aos direitos

sucessórios dos cônjuges e dos companheiros.

Necessária faz-se a conscientização de que o novo Código é ultrapassado e apresenta retrocesso, ao tratar do direito sucessório do companheiro. Assim, nesse sentido, é mister a atualização da vigente lei.

 

2.4. NATUREZA JURÍDICA DO CASAMENTO

 

Após essa breve análise do conceito e objetivos do casamento, passaremos a analisar a situação do contrato de casamento, no aspecto do regime de bens, antes e após o novo código civil e seus efeitos jurídicos na vida em comum do casal. O código Civil de 1916 dispunha sobre os seguintes regimes de bens: da comunhão universal de bens, comunhão parcial de bens, separação de bens e o do regime dotal.  O Novo Código Civil dispõe sobre os seguintes regimes de bens: da comunhão universal de bens, da comunhão parcial de bens, separação de bens e da participação final nos aqüestos.

Silvio Rodrigues:

Continua dizendo que absorvendo a natureza jurídica de contrato, o casamento pode ser dissolvido pelos contratantes por mero distrato, o que afasta a intenção do legislador em manter o matrimônio como uma instituição que gera efeitos independentemente da vontade dos cônjuges. Diz ainda que o casamento trata-se de instituição em que os cônjuges ingressam pela manifestação de sua vontade, feita de acordo com a lei.

Assim, ainda segundo o autor, historicamente houve um conflito com o caráter que se desejou dar ao matrimônio, de instituição, ou seja, de um “conjunto de regras impostas pelo Estado, que forma um todo e ao qual as partes têm apenas a faculdade de aderir, pois, uma vez dada referida adesão, a vontade dos cônjuges se torna impotente e os efeitos da instituição se produzem automaticamente”.

 

No Código de 1916, os cônjuges podiam livremente adotar o regime que achavam conveniente, embora não pudessem alterá-lo (art. 230). Fica claro, portanto, que em relação aos regimes de bens, poucas mudanças foram feitas se compararmos com o código civil atual.

Faremos agora uma análise comparativa entre a situação do cônjuge na ordem de vocação hereditária do código de 1916 e a ordem de vocação hereditária do código de 2002, e, posteriormente passarei a expor as conseqüências negativas para os herdeiros descendentes em razão dos privilégios concedidos ao cônjuge sobrevivente.

Código de 1916

Código de 2002

Da Ordem da Vocação Hereditária

Art. 1.603.  A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes;

II - aos ascendentes;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais;

V - aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União. (Redação dada pela Lei nº 8.049, de 20.6.1990)

 

Da Ordem da Vocação Hereditária

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

 

 

Em relação às diferenças, podemos notar que uma das mudanças diz respeito à situação do cônjuge na sucessão, pois Novo Código Civil de 2002 prevê em seu artigo 1829 a nova ordem de vocação hereditária na qual o cônjuge sobrevivente foi incluído nas três primeiras classes, tendo que preencher alguns requisitos nas duas primeiras para concorrer com os demais herdeiros. A outra mudança foi a retirada do inciso V,o qual dispunha sobre os Municípios, Distrito Federal e União como possíveis sucessores. No caso do cônjuge sobrevivente, caso não concorra com os herdeiros descendentes ou ascendentes, será meeiro no patrimônio do espólio. Assim sendo, a participação do cônjuge na sucessão fica garantida, seja como herdeiro, ou como meeiro, assumindo, desta forma, o papel de mais “um filho” do falecido.

 

2.5.           PRA ONDE FOI A LIBERDADE DE CONTRATAR?

 

No Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivente seria beneficiado apenas na terceira classe da vocação hereditária, portanto, não havia a possibilidade de ser herdeiro e meeiro ao mesmo tempo, nem tão pouco lhe era garantido o direito de ser um (meeiro) ou outro (herdeiro). Isso porque se o cônjuge casava no regime da separação convencional, por exemplo, este não seria meeiro nem tão pouco herdeiro. Se casava no regime da Comunhão Parcial, seria apenas meeiro, não podendo concorrer como herdeiro no patrimônio particular do falecido. Diante desta análise podemos verificar que, no código antigo, o cônjuge só seria beneficiado se o outro cônjuge assim o quisesse, escolha esta que poderia fazer ao escolher o regime de bens para o casamento, e, embora não pudesse alterá-lo, dispunha de outras formas para beneficiar seu cônjuge. Num caso em que duas pessoas, pelo código de 1916, casassem no regime da separação de bens, por exemplo, e posteriormente um cônjuge quisesse beneficiar o outro, a ele havia como alternativa fazer uma doação ou mesmo dispor em testamento o benefício para o cônjuge sobrevivente. Ou seja, sendo o casamento uma espécie de contrato, os cônjuges ficavam livre para se beneficiarem ou não, baseados, é claro, na convivência entre eles e no merecimento de cada um. Desta forma, somente os descendentes e ascendentes seriam beneficiados sozinhos em suas respectivas classes, sem concorrência alguma. Pode-se ainda verificar um conflito de leis se levarmos em consideração que a escolha do regime de bens feita antes do novo código não prevalece se o cônjuge veio a falecer após o ano de 2002, pois o que se leva em consideração é a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão, que se dá com a morte do cônjuge. Ou seja, o direito adquirido pelo falecido ao escolher o regime de bens com seus respectivos efeitos patrimoniais não fica garantido se este vier a falecer após o ano de 2002.

 

 

 

2.6.           COMO FICA O PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM?

 

Entra em cena, então, a aplicação do princípio do Tempus regit actum, consagrado no art. 2° do Código de Processo penal, que diz: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.”  Se no processo penal os atos realizados antes da vigência da nova lei não ficam prejudicados, é razoável que o mesmo valha para o processo civil. Tal raciocínio se torna coerente se analisarmos da seguinte forma: o cônjuge antes de 2002 tinha a livre escolha de optar pelo regime de bens, sabendo de suas conseqüências em relação a seu patrimônio e caso escolhesse um regime que não beneficiava o seu cônjuge, como o regime da separação convencional ou o regime da comunhão parcial, por exemplo, e havendo a necessidade de beneficiá-lo posteriormente, poderia o mesmo fazer uma doação ou dispor de metade de seus bens em testamento para beneficiar o cônjuge sobrevivente. Desta forma, o cônjuge sobrevivente não sairia de “mãos abanando” se o outro decidisse beneficiá-lo. Ninguém melhor do que o próprio cônjuge ou companheiro sabe do merecimento do outro em relação a ser beneficiado com seu patrimônio particular. Vamos analisar a seguinte situação: “A” casa-se com “B” no regime da comunhão parcial de bens, pelo código de 1916. “A” acha justo que “B” seja seu meeiro nos bens que irão adquirir durante o casamento, mas considera injusto ou não tem certeza que ele seja beneficiado com seu patrimônio particular. Isso porque estão iniciando a relação no matrimônio e “A” não pode prever que “B” será o companheiro merecedor de tal benefício. “A” e “B” permanecem casados mesmo após a vigência do código de 2002 e “A” ainda tem o mesmo pensamento do início da relação deles, ou seja, acredita que seja justa a meação, mas não o benefício de “B” com o patrimônio particular dele, de forma que este patrimônio fique como herança apenas para seus filhos. “B” morre. Qual a situação de “A”, agora, na sucessão de “B”? Meeiro ou meeiro e herdeiro? Se levarmos em consideração que em se tratando de sucessão prevalece a lei do tempo da morte de “B”, “A” será meeiro e herdeiro. E o direito adquirido de “B” ao escolher o regime que lhe era conveniente antes da nova lei? Se analisarmos que deve prevalecer a vontade de “B” que foi respaldada pela lei anterior, “A” será apenas meeiro, não sendo beneficiado com o patrimônio particular de “B”. Diante deste conflito, o que parece mais justo e coerente? Segundo a vontade do legislador, o justo e coerente seria a proteção da família com a instituição da nova ordem de vocação hereditária. Se o justo é a proteção da família, porque o companheiro não foi igualado ao cônjuge? Porque ficaria ele “desprotegido”? Torna-se claro que não prevalece aí a proteção da família, mas somente a proteção ao cônjuge. E tal proteção prevaleceria ainda sobre o direito adquirido do falecido.

 

2.7. O CÔNJUGE TIRA DOS HERDEIROS PARA ACRESCER SEU PRÓPRIO PATRIMÔNIO

 

Quando se fala em família, nos vem à mente a imagem de um casal e seus filhos convivendo no mesmo lar. Mesmo a família nos passando uma idéia de homogeneidade, muitas pessoas, senão a maioria, gozam do direito de escolher o seu companheiro, conforme lhe seja conveniente. O mesmo pode ser dito em relação aos filhos? Podemos escolher nossos filhos conforme nos seja conveniente? Podemos decidir nos separamos deles e priva-los dos benefícios como proteção, educação e saúde, abandonando-os quando a convivência com eles nos for inconveniente? Claro que não! Podemos escolher que tipo de filhos queremos ter? Menos ainda! Em relação a filhos, somos livres para fazermos apenas uma escolha: tê-los ou não. Se escolhermos tê-los, teremos que assumir as conseqüências. Se analisarmos a nova ordem de sucessão, o mesmo pensamento vale para o cônjuge em relação ao nosso patrimônio particular. Atualmente, quem decidir contrair matrimônio deve aceitar a seguinte conseqüência: seu cônjuge será beneficiado, querendo você ou não. Sendo ele um bom ou mal companheiro, fiel ou infiel, ele será beneficiado patrimonialmente de qualquer forma. Não cabe a nós escolhermos isso, como cabia na lei anterior. E caso achemos injusto que ele seja beneficiado com o nosso patrimônio particular, teremos que provar e reclamar judicialmente sobre o NOSSO patrimônio particular, quando na verdade, deveria ser o contrário, uma vez que aquele que se achasse injustiçado por não receber o patrimônio particular do outro é quem deveria reclamar e ter o ônus da prova. Fica claro, então, que ao decidirmos contrair matrimônio, decidimos também por ter mais um filho, o próprio cônjuge. Partindo deste raciocínio, não seria mais viável viver em união estável? Sim, porque a situação do companheiro será diferente na sucessão e este não assumirá o lugar de “mais um filho”. Como ficaria então o objetivo do legislador de incentivar o surgimento de casamentos? Em pouco tempo não haveria mais convivências formalizadas entre casais.