A NOVA LEI DE DROGAS E AS POLÍTICAS CRIMINAIS ATUAIS

Rayana Pereira Sótão Arraes**
Tiago José Mendes Fernandes


SUMÁRIO: Introdução; 1. Breve análise sobre as Políticas Criminais; 2. A nova Lei de Drogas: do "ontem" ao "hoje"; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.


RESUMO

O presente artigo trata das políticas criminais como um aspecto determinante na produção legislativa do Direito Penal, tendo em vista, enfocar as peculiaridades da nova Lei n. 11.343/2006. analisa-se, então as principais alterações da Nova Lei de drogas, principalmente no que se refere ao usuário e ao traficante, enquanto sujeitos diferentes da relação.

Palavras-chave: Políticas criminais; Lei e Ordem; Minimalismo Penal; Lei 11.343.

INTRODUÇÃO

O problema do uso de drogas de forma massificada na sociedade não é um problema que começa a se apresentar nos dias recentes, mas sim, é um germe que se encontra fortemente enraizado na sociedade atual.
Conforme preceitua Nereu José Giacomolli [1], a massificação do consumo de drogas a que nos referimos movimenta um mercado financeiro muito rico e com isso torna-se ainda mais difícil romper com a força deste "movimento-problema".
Esta cadeia produtiva, movimenta riquezas desde a produção de insumos para o refino até a produção da própria droga, tornando-se uma verdadeira atividade econômica mundial, principalmente em países como a Colômbia, responsáveis por 80% da droga consumida mundialmente.
Desta maneira, pelo fato de o problema das drogas ser uma problema da sociedade, este também o é um problema do Direito.
O Direito Penal cria legislações que, embasada em políticas criminais distintas, objetivam frear o uso e tráfico de substâncias entorpecentes.
Neste contexto, recentemente foi criada a Lei n. 11.343/2006 que redireciona alguns aspectos referentes às drogas, tais como uma releitura da figura do usuário e também do traficante.
Nos próximos momentos deste breve estudo, analisa-se as políticas criminais como influenciadoras da produção legislativa referente à questão e também, enfoca-se um viés crítico acerca das mudanças trazidas pela nova legislação.

1. BREVES ANÁLISE SOBRE AS POLÍTICAS CRIMINAIS
Em linhas gerais as políticas criminais possuem em seu escopo a função de criar diretrizes e estratégias que orientem o Direito Penal quanto às medidas que este deve adotar para reduzir a criminalidade.
As políticas criminais são frequentemente utilizadas quando da ocorrência de episódios na sociedade que necessitem emitir uma resposta à esta de maneira a acalmar os ânimos sociais, haja vista serem facilmente compreendidas e ensejarem legitimidade à legislação que delas decorre.
Desta forma, enuncia Zaffaroni [2] que política criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens jurídicos que devem ser tutelados penalmente e os caminhos para tal tutela, o que implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos.
A origem histórica das políticas criminais remonta ao século XVIII, quando Beccaria, preocupado com as formas eficazes de prevenção do delito e uma legislação efetivamente eficaz para alcançar esta finalidade.
Neste diapasão, conforme expõe Nilo Batista [3] , Beccaria projetou a teoria do Direito Penal em uma esfera que buscasse as soluções para o problema da criminalidade, indo além da mera descrição e submissão penal.
Desta forma, vê-se que, na atualidade, os principais movimentos da Política criminal são:
a) Nova Defesa Social: traz como objetivo a analise das instituições vigentes, a conexão com todos os ramos do conhecimento humano e um sistema político criminal de proteção dos direitos humanos. Traz um enfoque multidisciplinar, universal e dotado de flexibilidade para adequar-se aos novos movimentos sociais que emergem. Este movimento que ora analisa-se faz apologia à proteção da vítima e dos grupos marginalizados, repudiando uma política criminal intolerante e viciada sob uma ótica apenas. O principal aspecto a ser considerado sobre este movimento é a defesa da criminalização dos crimes de "colarinho-branco" em detrimento da criminalização dos pequenos delitos [4].
b) Lei e Ordem: movimento com origem nos Estados Unidos, com enorme aceitação mundial e, principalmente, pelo senso comum. Consiste na prática da intolerância e forte repressão, fortemente disseminada pela mídia sensacionalista . em geral, este movimento responde aos clamores sociais que exigem uma solução imediata ao problema da segurança pública.
c) Nova Criminologia: este movimento abriga muitas tendências, dentre as quais se encontra a Criminologia Critica e outras linhas de analise que repudiam a Criminologia Tradicional. Este movimento traz como proposta a descriminalização e políticas criminais alternativas, em detrimento das penas privativas de liberdade, por considerá-la contraditória e incapaz de contemplar os princípios da prevenção do delito e ressocialização do delinqüente. Este movimento traz ainda a proposta de identificação de classes na dosimetria das políticas criminais. Em tese, defende a ampla redução da atividade punitiva do Estado [5].

2. A NOVA LEI DE DROGAS: DO "ONTEM" AO "HOJE"
As drogas durante muito tempo foram criminalizadas no Brasil, entretanto, a regulamentação das mesmas teve inicio com o Decreto-Lei n. 891/1938, o qual associou o Brasil ao modelo internacional de combate às drogas.
Posteriormente o decreto supramencionado foi incorporado ao art. 281 do Código Penal, em 1940 e, em 1971, este artigo teve o seu texto modificado pela Lei 5726, prevendo pena mais severa aos traficantes e usuários.
Com a Lei 6368/76 o traficante é expressamente distinguido do usuário, embora ainda reste criminalizada a conduta de porte de drogas, possibilitando o igualamento de usuário e traficante em algumas circunstâncias, ainda que equívocas.
Com o incontrolável crescimento do uso e tráfico de droga na sociedade brasileira, principalmente após a II Guerra Mundial, em que muitos soldados que utilizavam drogas nos campos de batalha retornaram ao país com o hábito, o Decreto n. 85.110/1980 criou o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão de Entorpecentes.
Após muitos anos de tramitação e inúmeros vetos, entrou em vigor, em 2002, a Lei n. 10.409, a qual repartiu a função de prevenir e reprimir a conduta do uso e do tráfico de drogas.
O contexto de então encontrava-se extremamente confuso, pois estava em vigor concorrente e simultaneamente dois textos conflitantes o que demandou a criação da Atual Lei de Drogas em 2006.
A atual legislação que disciplina o uso e tráfico de drogas trouxe em seu bojo o SISNAD ? Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, além de algumas consideráveis alterações nos art. 28 e 33 e também um novo conceito de drogas.
Parte-se, então, para a análise destes aspectos.
a) quanto ao usuário
Usuário de drogas, conforme definido no art. 28 caput, é todo aquele que adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, qualquer tipo de droga proibida.
No que tange o usuário de drogas, a atual legislação abandona, por completo, a pena privativa de liberdade, tendo em vista uma compreensão macrosociológica do problema, a qual culmina com a equiparação do usuário de drogas a um doente.
Esta visão, e também esta alteração legislativa, sofre influencia de políticas criminais minimalistas que seguem os movimentos alternativos do direito penal na conduta quanto ao crime.
A doutrina majoritária entende que esta alteração quanto ao tratamento dedicado ao usuário de drogas não consiste em uma descriminalização do uso de drogas, mas sim uma despenalização, tendo em vista que descriminalizar significa retirar de algumas condutas o caráter de criminosas, deixando o fato descrito na lei penal de ser crime.[6]
Tal despenalização consiste no resultado de um estudo sociológico-penal acerca da questão do uso de drogas, o qual concluiu ser ineficiente para o combate ao uso e também à prevenção, a pena privativa de liberdade, considerando ser mais eficiente no trato da questão, tratamentos psicológicos e médicos específicos.
A referida alteração tem sido alvo de muitas criticas na sociedade por considerarem que este é, em verdade, um estímulo ao uso de drogas e com o aumento do uso, não há como não aumentar o tráfico, tendo em vista que o tráfico é uma atividade comercial e que, como todas as outras, responde a uma demanda, demanda esta, neste contexto, representada pelos usuários de drogas, agora despenalizados pelo Direito Penal.
Aos que consideram esta despenalização um avanço do ponto de vista civilizacional encontra-se Luís Flávio Gomes [7], o qual entende que a posse de drogas para consumo pessoal deixou de ser "crime" do ponto de vista formal, utilizando para isso os seguintes argumentos: o art. 28 da referida lei aboliu o caráter "criminoso" da posse de drogas para consumo pessoal. Esse fato, embora continue sendo um ilícito, um ato contrário ao Direito, deixou de ser legalmente considerado "crime".
Como sanções impostas no art. 28 (nova lei) para essa conduta tem-se advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos, nenhuma delas conduzindo a nenhum tipo de prisão.
Em decorrência desta alteração, o posicionamento da corrente contrária à mudança é que a posse de drogas para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis. Não se trata de "crime" nem de "contravenção penal" porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão, sendo esse ato considerado um ilícito sui generis. [8]
b) quanto ao traficante
Quanto ao traficante na nova lei de Drogas, ocorreu a substituição do art. 12 da anterior lei de Drogas ? Lei n.6368/1976 ? pelo art. 33 da atual Lei de Drogas.
Aquele previa pena de reclusão de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa ao que "importasse ou exportasse, remetesse, preparasse, produzisse, fabricasse, adquirisse, vendesse, colocasse à venda ou oferecesse, fornecesse ainda que gratuitamente, mantivesse em depósito, transportasse, trouxesse consigo, guardasse, prescrevesse, ministrasse ou entregasse, de qualquer forma, a consumo, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar", enquanto que a atual redação do art. 33 prevê pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa ao que cometa igual conduta delituosa.
Neste aspecto houve um endurecimento da legislação, contrário a tendência direcionada ao usuário de drogas.
No que tange os movimentos e políticas criminais que influenciaram esta alteração, tem-se o movimento Lei e Ordem. Tal movimento tem sido responsável por influenciar o cenário político-social na edição de leis mais severas, cujas características principais repousam na idéia de que o direito penal deve representar um instrumento de combate à criminalidade e que deve ser o mais repressivo possível com imposição de penas privativas de liberdade mais longas como forma de castigo e retribuição.[9]

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta maneira, vê-se que o entendimento sobre o usuário de drogas mudou consideravelmente com a nova Lei n. 11.343/2006, e este mérito ? ou demérito ? é, em muito, das políticas criminais.
Em contraponto, o entendimento do traficante não foi em muito alterado e a isto, também, deve-se relacionar às influencias das políticas criminais.
Resta, pois, verificar a alteração do quadro social em que se insere o problema das drogas, verificando se as mudanças da legislação trouxera também mudanças à situação do tráfico e do uso de drogas.
Entretanto, apenas a legislação não pode ser responsabilizada por esta alteração do quadro social, haja vista que o problema das drogas envolve inúmeros interesses econômicos que dificultam a sua extinção, ou mesmo, diminuição.


NOTAS

1 GIACOMOLLI , Nereu Jose. Análise crítica da problemática das drogas e a Lei 11.343/2006. RBCCRIM 71. Rio de Janeiro:Editora Revista dos Tribunais, 2008.

2 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique apud SOSSAI, Leônidas. Política Criminal: eficientismo x garantismo. Disponível em: http://www.direitosfundamentais.com.br/downloads/prod_pc_efe_gara.doc. Acesso em 04 nov 2008.

3 BATISTA,Nilo apud BRITO, Iuri Teixeira. A política criminal nos dias de hoje. Disponível em: http://www.artigonal.com/legislacao-artigos/a-politica-criminal-nos-dias-de-hoje-437028.html. Acesso em 05 nov 2008.

4 JAIME, Silena. Breves reflexões sobre a política criminal. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8860. Acesso em 04 nov 2008.

5 IBIDEM.

6 GOMES, Flávio Luiz. Nova lei de drogas: descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9180. Acesso em 06 nov 2008.

7 IBIDEM

8 IBIDEM

9 BRITO, Iuri Teixeira. A política criminal nos dias de hoje. Disponível em: http://www.artigonal.com/legislacao-artigos/a-politica-criminal-nos-dias-de-hoje-437028.html. Acesso em 05 nov 2008.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATISTA,Nilo apud BRITO, Iuri Teixeira. A política criminal nos dias de hoje. Disponível em: http://www.artigonal.com/legislacao-artigos/a-politica-criminal-nos-dias-de-hoje-437028.html. Acesso em 05 nov 2008

BRITO, Iuri Teixeira. A política criminal nos dias de hoje. Disponível em: http://www.artigonal.com/legislacao-artigos/a-politica-criminal-nos-dias-de-hoje-437028.html. Acesso em 05 nov 2008.

GIACOMOLLI , Nereu Jose. Análise crítica da problemática das drogas e a Lei 11.343/2006. RBCCRIM 71. Rio de Janeiro:Editora Revista dos Tribunais, 2008.

GOMES, Flávio Luiz. Nova lei de drogas: descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9180. Acesso em 06 nov 2008

JAIME, Silena. Breves reflexões sobre a política criminal. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8860. Acesso em 04 nov 2008.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique apud SOSSAI, Leônidas. Política Criminal: eficientismo x garantismo. Disponível em: http://www.direitosfundamentais.com.br/downloads/prod_pc_efe_gara.doc. Acesso em 04 nov 2008.