A NORMALISTA DE ADOLFO CAMINHA: UMA CRÍTICA ÀSOCIEDADE FORTALEZENSE DO SÉCULO XIX.[1] 

Kamila M. de A. Fontenele[2] 

O Presente texto expõe informações sobre o autor Adolfo Caminha e sua obra “A Normalista” considerado um dos mais importantes romances cearenses naturalistas do Brasil. Será feito uma análise diante das principais temáticas abordadas na obra em foco, na qual a principal crítica é voltada à sociedade fortalezense no século XIX. Teve-se uma base teórica do estudioso, Sabóia Ribeiro, a fim de desenvolver uma discussão proveitosa a partir desse estudo.

Adolfo Ferreira Caminha era filho de Raimundo Ferreira dos Santos e Maria Firmina Caminha. Nasceu em Aracati-CE, aos 29 de maio de 1867 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro no dia 1° de janeiro de 1897 vítima de Tuberculose. O referido autor adotou o pseudônimo de Félix Guanabarino. Ainda muito jovem ingressou na Escola Naval do Rio, sendo guarda-marinha em 1885. Quando foi promovido a segundo tenente, volta para fortaleza. Aos vinte e um anos apaixonou-se por uma mulher casada (Isabel de Paula Barros), no qual seu amor foi correspondido. Isabel deixa seu marido e passa a viver ao lado de Caminha e tem duas filhas. Isso gerou um enorme escândalo na pequena Fortaleza daquela época. Pressionado pelos membros de sua corporação, demite-se da Armada, porém segui para o Rio de Janeiro passando a viver como funcionário público. Seus principais romances são: “ANormalista” escrito em 1893, visto como um tipo de “livro vingador”, e O Bom Crioulo (1895), considerado sua obra prima.

Lançando uma resposta à sociedade de Fortaleza publica o livro “A Normalista”(1893), no qual é visto como um livro de vingança, ou seja, um livro onde o autor desabafa todas as suas mágoas, ironias e revoltas contra aquela sociedade que o recriminou. É a única narrativa cearense do autor, retrata a Fortaleza dos anos 80, mostrando a Cidade com todas as suas baixezas e podridões morais. A normalista classificada como romance naturalista, também regionalista marca a estréia de Adolfo Caminha nessa corrente literária. Mas também apresenta perfis realistas, bem como: crítica à sociedade, comportamento da mulher entre outras. O enredo se desenrola na Rua do Trilho, na qual hoje é chamada de Avenida Tristão Gonçalves.

Diante da leitura da obra encontram-se trechos com nítida influência naturalista.  Pode-se perceber pela descrição feita por Caminha ao apresentar a figura de João da Mata.

 

João da Mata era um sujeito esgrouvinhado, esguio e alto, carão magro de tísico, com uma cor hepática denunciando vícios de sangue, pouco cabelo, óculos escuros através dos quais buliam dois olhos miúdos e vesgos. Usava pêra e bigode ralo caindo sobre os beiços tesos como fios de arame; a testa ampla confundia-se com a meia calva reluzente. Falava depressa, com um sotaque abemolado, gesticulando bruscamente, e, quando ria, punha em evidência a medonha dentuça postiça. (A Normalista, p.11)

 

 

Nesse trecho, percebem-se muitos traços naturalistas. Pois o narrador faz uso de uma linguagem simples e exagerada, descrição minuciosa para atribuir características aos personagens. Além de mostrar uma crítica em relação a João da Mata, um sujeito que tem um caráter torpe e crapuloso.

No entanto, através da leitura da obra “A Normalista” o leitor vê muitas criticas em torno da sociedade cearense. Isso pode ser comprovado pela fala do personagem João da Mata ao depreciar as escolas cearenses.  

 

O diabo é que no Ceará não havia colégios sérios. A instrução publica estava reduzida a meia dúzia de conventilhos: uma calamidade pior que a seca. O menino ou menina saia da escola sabendo menos que dantes e mais instruído em hábitos vergonhosos. As melhores famílias sacudiam as filhas na Imaculada Conceição como único recurso para não vê-las completamente ignorantes e pervertidas. (A Normalista, p.17).

 

 

Nessa citação a uma desvalorização diante das escolas cearenses, pois João da Mata utiliza adjetivos para desqualificar essas instituições. Mas, o personagem referiu-se a Escola Normal, a qual serve para desvirtuar as estudantes. Queria que sua afilhada Maria do Carmo estudasse no colégio Imaculada Conceição e assim teria bons costumes.

Maria do Carmo, a protagonista da obra tem um namorico com Zuza que é estudante de Direito. A jovem normalista foi seduzida pelo padrinho que a engravida, mas o filho morre logo depois que Maria da à luz. A mudança do comportamento de Maria do Carmo foi mudando desde quando deixou de ser educada em casa de caridade e passou a ser normalista. Isso é visto através de alguns trechos da obra.

 

Já não era, que esperança! Aquela Maria do Carmo da Imaculada Conceição, toda santidade, magrinha, com uma cor esbranquiçada e mórbida de cera velha, o olhar macilento, a falar sempre do Padre Reitor e na Superiora irmã Filomena e noutras pieguices. Uma tontinha a Maria naquele tempo.

Havia meses que Maria do Carmo cursava a Escola Normal. Sua vida agora traduzia em ler romances que pedia emprestados a Lídia, toda preocupa com bailes, passeios, modas e tutti quanti. (A Normalista, p.16-18)

A Escola Normal passa exercer influência no comportamento de Maria, pois já não era a mesma que antes de quando estudava em colégios de Freiras. Daí tinha novos hábitos, costumes, desde que passou a ser normalista. O autor utiliza isso como forma de denunciar as instituições escolares da época, afinal é uma critica voltada ao que pertence a capital cearense.

Caminha ao escrever “A Normalista” criou personagens que criticassem a Cidade de Fortaleza. Foi um subsídio que o autor encontrou para expressar seu ressentimento e ironizar o povo do Ceará. Isso pode ser constatado na fala de Zuza. 

Às seis horas da tarde já lá estava ele no Trilho, em casa do amanuense, queixando-se da monotonia da vida cearense e gabando, com ares de fidalgo, a capital de Pernambuco. Ali, sim, a gente pode viver, pode gozar. Muito progresso, muito divertimento: corridas de cavalos, uma sociedade papa - fina muitíssimo bem educada, magníficos arrabaldes, certo bom-gosto nas toilettes, nos costumes, certas comodidades que ainda não havia no Ceará. (A Normalista, p.19)

A postura rebelde da personagem Zuza quando deprecia a tudo que pertence ao ceará, mostra muito bem a crítica de Adolfo Caminha diante de Fortaleza no final do século XIX, sociedade que o criticou diante do seu adultério, pois fugiu com uma mulher casada. Então, isso foi um ponto de partida para o autor escrever seu romance “A Normalista” livro que serviu como uma vingança ao povo cearense daquela época.

No final do romance Maria do Carmo volta a Fortaleza e vive uma vida tranqüila, porém começa a estudar na Escola Normal, casa-se com Alferes Coutinho. O autor usou isso para o leitor perceber a ironia final do romance que é deixar transparecer como se nada estivesse acontecido antes. Dentro da obra há personagens que só ajudam no desenvolvimento da trama, bem como: Lídiaamiga de Maria, o Dr. Castro presidente da província que é o típico político despótico, o Loureiro que casa-se com Lídia e entre outras personagens que apenas ajudam na construção do enredo.

Então, o romance que Caminha escreveu em suas páginas são as falas de personagens que expressam uma certa revolta em relação a Fortaleza. Conforme Ribeiro (1967, p.56)” O romance de estréia de Adolfo Caminha é bem o romance de uma Cidade inteira essa Fortaleza de 1888 que ele pôs em suas páginas.” Nessa citação o autor quer dizer que ao ler o romance “A Normalista” o leitor passa a conhecera sociedade no final do século XIX, as criticas em relação as escolas, o comportamento da mulher e as imperfeições do homem.

Esse artigo faz uma discussão em prol do autor naturalista Adolfo Caminha e sua crítica ironizante diante da sociedade de Fortaleza. Ao escrever o romance “A Normalista” o autor destilou sua ironia e ressentimento contra a capital cearense que o condenou. Espero que este trabalho possa servir como fonte de informação aos apreciadores de Literatura Cearense, principalmente aqueles que se interessam pela produção literária do autor cearense em estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

1. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 36 ed. São Paulo: Coultrix, 2004.

2. CAMINHA, Adolfo. A Normalista. Apresentação: Sanzio de Azevedo. Editora ABC Fortaleza- 1997. Fundação Cultural, 1997.

3. RIBEIRO, Sabóia. O Romancista Adolfo Caminha. Rio de Janeiro, Pongetti, 1967, p. 56.


[1]           Artigo elaborado como requisito necessário para aprovação da disciplina Tópicos de Literatura Cearense.

[2]           Aluna do Curso de Letras, Língua Portuguesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú.