A NEGAÇÃO DO TEATRO DE ABDIAS

Autora: Roberta Flores Pedroso1

Este artigo apresenta algumas reflexões acerca do Teatro Experimental do Negro (TEN) e o mito da democracia racial, que estão sendo desenvolvidas no projeto de iniciação científica, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A princípio trabalharemos neste artigo, como se deu a formação do Teatro Experimental do Negro (TEN) e as repercussões do seu trabalho no momento em que o grupo começou a atuar. Junto a isto vamos procurar apontar como algumas destas críticas indicavam, ainda que de forma implícita, algumas das maneiras como o mito da democracia racial estavam sendo entendido pela sociedade brasileira nos anos de 1940.

A formação do grupo TEN ocorreu oficialmente no ano de 1944 por Abdias do Nascimento que, no inicio da década de 1940, passou a indagar o porquê de não haver negros em papéis principais nas peças teatrais no Brasil. Essas indagações que Nascimento passou a se fazer foram despertadas em Lima (Peru), onde ele assistiu ao espetáculo

O Imperador Jones

de O’ Niell, sendo esta também a primeira vez em que assistiu a um espetáculo teatral. Nesta peça um ator branco foi pintado de preto para representar o papel principal, o que o incomodou e o levou a questionar-se:

 

Fui lá ver o espetáculo, quando o ator branco (...) se pintava de preto para fazer o Imperador Jones. Ai foi um choque para mim. Um momento como antes e depois. (NASCIMENTO, 2004, p.209)

A partir de então ele passou a se empenhar na criação de

um organismo teatral aberto ao protagonismo do negro, onde ele ascendesse da condição adjetiva e folclórica para a de sujeito e herói das histórias que representasse.( NASCIMENTO, 2004, p.208)

Para Nascimento, o Brasil não vivia em uma democracia racial, como na época se dizia, pois se o negro tinha os mesmos direitos e deveres que o branco, ele também poderia ser o protagonista ou representar o papel principal de peças teatrais, mas o encontrado era justamente o contrário: o negro sempre aparecia

de forma folclórica e pejorativa ou sempre em papéis pequenos não podendo assim estampar o seu talento.

Então, com essas ideias na cabeça, Abdias do Nascimento foi buscando colaboradores para o seu projeto de fundar um teatro que desse voz e rosto aos atores, escritores e diretores negros brasileiros.

No ano de 1944 o Teatro Experimental do Negro se torna realidade. No entanto, a idéia do grupo ia mais além, como diria Abdias do Nascimento:

Fundando o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944, pretendi organizar um tipo de ação que a um tempo tivesse significado cultural, valor artístico e função social. De início havia a necessidade urgente de resgate da cultura negra e seus valores, violentados, negados, oprimidos e desfigurados. (ROSA, 2007, p.20)

Para que eles conseguissem formar o ator e o cidadão, tal como pretendiam, teria que agir em algumas áreas como alfabetização, aulas de teatro, conscientização da sua condição de negro dentro da sociedade, já que os seus alunos eram geralmente trabalhadores e ou moradores da periferia do Rio de Janeiro. O que eles pretendiam era

(...) a libertação cultural do povo negro. (...) partir do olhar do próprio negro e da herança africana à cultura produzida pelo negro no Brasil, distanciando-se da forma ocidental de entender e ver a cultura negra. (MUNANGA, 2006, P.121 e 122)

Para eles conseguirem alcançar este objetivo de libertação do negro das raízes da escravidão uma das ações pensadas e postas em funcionamento foi a oferta de aulas e oficinas para desenvolver o negro dentro do TEN e também como pessoa.

O fundador e seus colaboradores pretendiam formar o cidadão negro consciente dos seus direitos dentro da sociedade brasileira, para que ele pudesse conhecer e defender os seus direitos, a sua cultura, e que assim viesse a ocorrer com um branco a qualquer papel dentro e fora do teatro. Foi com esse intuito e ideal que eles trabalharam no Teatro Experimental do Negro.

Estes colaboradores eram de diversas áreas como: advogados, pintores, militantes negros, intelectuais de diversas correntes e empregadas domésticas.

A primeira peça encenada pelo TEN foi

O Imperador Jones

de O’Niell, e a estreia ocorreu no dia 8 de Maio de 1945 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Essa primeira peça de foi bem recebida pela crítica, embora estes não estivessem

tão otimistas antes do espetáculo, como se pode ver pelas palavras de Abdias do Nascimento reproduzidas a seguir:

 

 

Augurávamos para o Teatro Experimental do Negro um redondo fracasso. E, no mínimo, formulávamos censuras à audácia com que esse grupo de intérpretes, quase todos desconhecidos, ousava enfrentar um público que já começava a ver o teatro mais do que um divertimento, (...) foi, no entanto uma revelação. (NASCIMENTO, 2004, p.223)

Mas não faltaram criticas negativas, como uma publicada no jornal O Globo no dia 17 de outubro de 1944 com o título "Teatros de Negros" dizendo que:

Falar em defender teatro de negros entre nós é o mesmo que estimular o esporte dos negros, quando os quadros das nossas olimpíadas, mesmo no estrangeiro, misturam todos.

Como visto e, em nome da suposta democracia racial não havia quem criticasse o aparecimento do TEN. Estas críticas, porém, só demonstravam que este debate era válido e que merecia ser trabalhar dentro da sociedade, para que assim a população negra

"(...) tomasse consciência da situação objetiva em que se achava inserido. (...)" (NASCIMENTO, 2004, p.214)

.

 

Este espetáculo foi apresentado uma única vez, pois o Teatro Municipal foi concedido ao TEN para uma única noite, assim mesmo após a intervenção direta do Presidente Getúlio Vargas. Então, após essa primeira apresentação, era preciso que o TEN continuasse o seu trabalho com a população, procurando novas peças teatrais para representar, espaços para expor os espetáculos e outras atividades promovidas pelo TEM, sempre com o objetivo de integração do negro na sociedade brasileira.

É no meio desse processo de preparação de peças e promoção de aulas e debates que o TEN lança o jornal denominado O

Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, que se tornou o responsável por divulgar os trabalhos do TEN em todos os seus campos de ação, entre 1948-1951.

O Jornal trazia reportagens, entrevistas e matérias sobre o assunto de interesse à comunidade. (...)"

 

Para o sociólogo Antônio Sergio Guimarães que um dos méritos deste jornal foi

"a sua inserção e sintonia com o mundo cultural brasileiro e internacional." Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes em O Negro no Brasil de hoje, falam que:

O Quilombo congregava, num mesmo espaço político e

cultural, intelectuais negros e brancos, que possuíam uma visão critica sobre o racismo e a situação do negro brasileiro.

 

 

Dentro das discussões levantadas por este jornal encontrava-se inserido o debate do mito da democracia racial e as suas implicações para a população negra brasileira. E a importância de se levantar este debate sobre o Teatro Experimental do Negro na década de 1940 é devido a sua abrangência e o seu teor nas discussões em torno do negro, da democracia racial, da sociedade brasileira, e do teatro dentre outros campos onde essa discussão e o TEN tiveram influência, sendo isto que procuramos entender nesta pesquisa.

Quando o grupo TEN tentou trazer essa discussão para a população foi, porém, duramente criticado e acusado de agitador e de estar criando um problema racial que no Brasil não existia, tanto pelas autoridades políticas, pela imprensa e pela população, muitas vezes pela própria parcela negra desta