(Artigo escrito em julho de 2008)

Em Pernambuco, nas últimas semanas, um movimento com várias organizações de ativismo ambiental e de causa animal obtiveram o êxito de receber a notícia da criação da primeira Delegacia do Meio Ambiente, cujo papel é atender a denúncias referentes a crimes contra animais e o meio ambiente. Sua criação visou retirar o ônus das delegacias comuns e das reservadas a "crimes de menor potencial ofensivo" quanto à investigação e punição dessas categorias de delitos. A tendência é de que nos próximos meses e anos sejam criadas outras dessas delegacias especiais pelo estado, mas vejamos que ainda não é o bastante para ser estabelecida uma robusta e eficaz política de segurança e proteção para bichos, ecossistemas e saúde ambiental. O ideal, ainda que distante desta realidade em que a polícia não consegue proteger sequer vidas humanas, seria que fosse criada uma polícia, brigada ou guarda totalmente reservada às duas causas. Considerando a realidade da segurança ambiental e faunística desde sempre até o momento, deparamo-nos com uma miríade de motivos para que, além de delegacias, fosse criado esse corpo policial específico idealizado.

Na causa animal, problemas não faltam. E olhe que nem falo aqui da pecuária, algo para o qual infelizmente teremos talvez décadas de ativismo pela frente para que seja ilegalizado:

1. A incidência de crimes contra animais é muito alta. Primeiro, todos os dias, em quase todas as cidades do estado, cães, gatos, cavalos, jumentos, etc. são vítimas de agressões (na rua ou em casa por maus tutores ou desocupados), abandono e assassinatos – por métodos que abrangem envenenamento, atropelamento proposital e espancamento. Segundo, animais silvestres, com destaque para pássaros, são constantes em casas e feiras. Terceiro, o cárcere é outro flagelo rotineiro para os bichos, aos quais são criminosamente vedados os direitos à liberdade, à dignidade e à satisfação das necessidades naturais. Quarto, há o problema dos carroceiros, em sua maioria maus tutores que superexploram cavalos, jumentos e outros bichos escravizados pelo dever de transportar uma carroça muitas vezes pesada, freqüentemente até depois da exaustão;

2. A impunidade para esses delitos também é rotineira, bem pior do que para quem atenta contra vidas humanas. As pessoas maltratam, espancam, sobrecarregam e até matam animais na perspectiva de que tudo vai ser esquecido, ninguém os reconhecerá como criminosos e o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais nunca vai castigá-los com vigor. Algo que é uma infeliz verdade na maioria desses casos, com o agravante de que a maioria dos cidadãos nem chega a reportá-los à polícia;

3. Falando em polícia, na maioria das ocorrências ela sequer presta a atenção devida para denúncias do tipo, uma vez que hoje, ou ao menos até a criação da Delegacia do Meio Ambiente, não há pessoal especializado na investigação desses crimes. Visto isso, não vem à nossa cabeça a imagem de peritos investigando, por exemplo, o assassinato a pauladas de um gato de rua. Em boa parte das vezes, não falta muito para que policiais e delegados riam de quem vai a uma delegacia comum denunciar o espancamento de um animal não-humano. Em outras palavras, sempre faltou disposição, preparo e formação para a polícia convencional ir atrás de assassinos e agressores de bichos quando não houvesse flagrante;

4. A legislação atual para animais é rala e fraca. Só temos mesmo o inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal e o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, e a penalidade para quem mata um bicho não passa de um ano e quatro meses de detenção e uma multa de valor não especificado, não importando toda a maldade e sanha cruel que o criminoso cultive em si mesmo ao fazê-lo nem os agravantes do crime. Logo, a criação de uma polícia especificamente fauno-ambiental deveria vir acompanhada da aprovação e sanção de uma lei estadual que radicalize as punições a quem atenta contra animais.

Já na área ambiental, não é menos ruim o contexto atual:

1. A agência ambiental do governo de Pernambuco (CPRH) tem sido incapaz de corresponder às tantas denúncias que pipocam pelo estado. Nossos ecossistemas vêm sendo freqüentemente "picados" pela ação humana em muitas pequenas ocorrências em todas as macrorregiões (metrópole, zona da mata, agreste e sertão) e não está havendo a justiça necessária para isso. A CPRH tem se incapacitado até mesmo de liberar certos licenciamentos ambientais, como o caso de algumas indústrias do Pólo Gesseiro do Araripe que pediram há dois anos a licença ambiental e, uma vez que não foram liberadas em todo esse tempo, estão atuando na "ilegalidade";

2. É uma realidade que, com a implantação da primeira Delegacia do Meio Ambiente, pode tender a mudar, mas neste momento a situação é não muito menos pior do que na questão da segurança animal. É escasso o número de agentes especializados em resolver a maioria dos delitos ambientais que assolam o estado;

3. Os ecossistemas pernambucanos estão implorando por socorro. A Mata Atlântica, segundo a mídia, está reduzida a entre 2,8 e 3,5% de sua cobertura original aqui. A Caatinga está sendo limada por atividades que requerem combustível para caldeiras, como a produção de gesso no Araripe, e por pessoas comuns que não podem comprar gás de cozinha devido ao alto preço. Outros sistemas naturais, como brejos de altitude, também estão sofrendo com a ocupação humana;

4. Retomando a idéia do primeiro aspecto que inspira a necessidade de melhor segurança ambiental, a situação está no ponto em que, se para desmatamentos e poluições de escala notável não se consegue se aproximar da justiça ideal, para as ocorrências menores a situação é ainda mais delicada, às vezes parecendo omissão.

Todas essas causas fazem uma grande pressão para a concretização de uma guarda fauno-ambiental. Mesmo se ela fosse de fato criada, precisaríamos de vários passos prévios. Primeiro, seria instalada uma Delegacia do Meio Ambiente próximo a cada área de interesse ambiental relevante, como unidades de conservação e pontos de limite entre áreas naturais ainda não modificadas (ou reflorestadas) e comunidades que nelas fazem pressão. Segundo, uma lei para animais seria elaborada de modo que crimes contra eles fossem punidas com vigor – notemos, entretanto, que haveria inicialmente uma oposição forte de ativistas da libertação animal que não admitem leis bem-estaristas que protejam pecuaristas, vivisseccionistas e promotores de rodeios e vaquejadas, portanto a discussão de uma lei assim vai demandar tempo para se chegar a um consenso que aponte a uma legislação na qual não esteja simbolizado o estancamento da introdução dos Direitos dos Animais às leis pernambucanas ou nacionais num bem-estarismo "fuleiro". Terceiro, as primeiras estatísticas sobre crimes contra bichos deveriam ser criadas por grupos de estudo, visto que nem elas existem.

A nova delegacia é um passo importante, obtido pela luta de defensores dos animais e do meio ambiente, mas apenas ela e mais algumas estão longe de acabar com a impunidade e a ineficiência de combate quando falamos de crimes contra a natureza ou contra os animais, caso não haja a criação de uma categoria de polícia dedicada a essas causas. Sabe-se que parece uma idéia muito à frente de hoje quando vemos que sequer as delegacias e polícias para humanos de hoje conseguem desempenhar como deveriam seu papel de proteger a sociedade e retirar os criminosos de circulação. Mas estamos cada vez mais convencidos de que, caso não haja essa mudança, parecerá omissão o não incremento da extensão dos braços da lei para nossos irmãos de vida e a Natureza. Porque, afinal, o potencial ofensivo de um criminoso que maltrata animais não é menor do que quem agride e ameaça humanos.