O Estado do Amazonas é conhecido internacionalmente pela sua floresta tropical. Turistas de todos os lugares do mundo desembarcam no aeroporto de Manaus, munidos de "artilharia pesada", para captar sons e imagens da famosa "Rain Forest". O que a grande maioria não sabe e, provavelmente, vai retornar ao seu país de origem sem saber, é que essa região já foi palco de um cenário de exploração, tanto por parte dos governos brasileiros, quanto pelos portugueses, que visavam à extração de suas riquezas. Na Capitania de São José do Rio Negro (atual Manaus) as riquezas propiciavam para seus habitantes uma qualidade de vida pautada pela influência européia, enquanto o interior ia sendo povoado por indígenas escravizados, que asseguravam a posse das terras à coroa portuguesa.

Após a descoberta por Goodyer da borracha vulcanizada, o látex das seringueiras nativas passou a ser matéria-prima para a confecção desse produto de larga exportação, dando início, por volta de 1839, ao famoso "Império da Borracha". Esse período de apogeu da economia do Amazonas é denominado de Primeiro Ciclo e foi determinante para o povoamento do interior do Amazonas, cuja característica mais importante é a dificuldade de locomoção, haja vista as enormes distâncias e o transporte basicamente fluvial.

Migrantes pobres principalmente do Estado do Ceará, almejavam atingir a riqueza por meio da borracha, no entanto, estavam subordinados aos chamados "patrões dos seringais" (Dicionário Aurélio, 1998: chefe do seringal, seu dono e responsável), que detinham o poder e eram descendentes dos antigos colonizadores espanhóis, ingleses, holandeses e portugueses.

Quando o Brasil perdeu a liderança de exportação da borracha, no início do século XX, o "Império" entrou em declínio e os patrões abandonaram os seringais.
A população do centro da mata foi se aglutinando próxima aos rios da região e se transformando em pequenas comunidades. Nas regiões onde os rios barrentos propiciavam uma terra mais fértil, a agricultura caseira foi transformada em plantação de subsistência.

Em outras regiões, banhadas pelas águas negras, o extrativismo vegetal e animal continuou sendo o principal meio de sobrevivência da população. "Nesse espaço de economia exclusivamente coletora formou-se uma sociedade bastante diferente das outras em áreas ecológicas brasileiras" (TOCANTINS, L. Vida Cultura e Ação. 1969, p. 40)

A dependência direta ao poder público acentuou-se como uma subjetiva forma de escravidão, transferindo o poder do "patrão do seringal" para o Estado.

O Segundo Ciclo econômico, implantado com a abertura da chamada Zona Franca de Manaus, é novamente um instrumento único da economia do Estado que, ao contrário do "Império da Borracha", não chegou a causar repercussões diretas no desenvolvimento econômico e social do interior.

Em 1996 o governo do Estado instalou o Programa Terceiro Ciclo, ou ciclo de desenvolvimento agrícola, mais especificamente no interior, incentivando os municípios, com ajuda técnica e subsídios na comercialização, a plantarem grãos utilizados na alimentação da população amazonense, como arroz, feijão, milho, mandioca e outros. Na maioria dos municípios, o Terceiro Ciclo não atingiu os resultados esperados, mantendo a área social relegada a programas assistencialistas e aos recursos da administração municipal.

A condição social existente, reforçada pelas relações de poder, dificulta a conscientização dos direitos. Dessa forma, sua população está sempre submetida ao recebimento de benefícios e, em dívida, pelos "favores" recebidos.
Mesmo assim, utilizam os recursos disponíveis e possíveis para a obtenção do que necessitam, mas são relegados ao abandono e criticados pelos seus meios de sobrevivência, provenientes, em sua maioria, dos recursos naturais que aprenderam a conhecer e administrar, numa relação de integração com a natureza da qual dependem. O desmatamento, assim como a biopirataria, ocorridos nos últimos 20 anos, são atribuídos continuamente ao povo local que, ignorando sua própria riqueza como valor econômico, é constantemente submetido à exploração externa, nacional e internacional.

Portanto, a história do Estado do Amazonas retrata a opressão e a escravidão vivida, de uma certa forma, até os dias de hoje. O mundo inteiro está preocupado com a maior reserva florestal contínua existente, que guarda 20% da água potável do mundo, abriga 15 vezes mais espécies de peixes que os rios europeus e tem a maior linhagem de aves, primatas, roedores, jacarés, sapos, insetos e lagartos da Terra, além de carbono estocado nas suas florestas, o que transforma a região na maior possibilidade de equilíbrio atmosférico (e, para muitos, também econômico) do planeta.

Para transformar socialmente e preservar o meio ambiente é preciso inicialmente conhecer. O Brasil desconhece a população brasileira e sua cultura.

O mesmo isolamento geográfico, característica principal da preservação ambiental, serve como justificativa para a falta de políticas públicas de atendimento e desenvolvimento dessa população em suas comunidades de origem. "Do passado ao presente o que se escreveu sobre a evolução das relações homem/natureza na Amazônia (...) não foi suficiente para se chegar à formulação de uma política adequada para a região." (PROCÓPIO, A. Amazônia: ecologia e degradação social. 1992, p. 103)

Políticas públicas devem estar baseadas no contexto em que serão inseridas, pois sua pouca eficácia se deve, muitas vezes, ao fato de serem generalizadas, sem fiscalização e avaliação de resultados.

É impossível pensar em uma mesma ação para a Mata Atlântica e para a Floresta Amazônica, mas infelizmente as leis de preservação ambiental não fazem distinção de cultura humana.

A diversidade dos espaços deve ser "compreendida com tantas particularidades, com suas categorias, temporalidades e espacialidades" (pois) "outro fator que contribui para a ineficiência das ocasionais atuações governamentais, é o desconhecimento de informações sobre a realidade ribeirinha (...). Os dados que possuem são estimativas do Censo do IBGE." (SILVA, M.G.S.N. O Espaço Ribeirinho. 2000, p. 103/104)

Atribuir altos custos à implementação de políticas públicas, avaliadas e fiscalizadas, no interior do Estado, é procurar encobrir desvios financeiros promovidos justamente pela falta de fiscalização, e pela manutenção de programas e projetos em mãos do poder público local, ou de entidades não-governamentais oportunistas. Ou seja, o que deveria promover o desenvolvimento das comunidades ribeirinhas termina por manter o poder, a exclusão e a biopirataria, responsável por tantos prejuízos conhecidos e incalculáveis ao Brasil.

A cultura dos homens na selva amazônica é menos conhecida do que a floresta na qual se constitui e da qual sobrevive dentro de circunstâncias muito específicas. A organização social apresenta-se como imprescindível para a obtenção de melhorias, assim como para o apoio de iniciativas individuais visando à coletividade.

Estudo na área ribeirinha do rio Madeira e afluentes mostra que as comunidades "que não têm nenhuma forma de trabalho coletivo ou organização em associações apresentam um nível de miséria muito maior em relação às localidades que possuem algum tipo de organização" Isto é, "ações coletivas melhoram o padrão de vida do grupo." (SILVA, 2000, p. 104)

O fortalecimento de lideranças e de comunidades rurais deve ocorrer por ações mais regionais, voltadas para a necessidade de conhecer e ouvir o que essas comunidades têm para transmitir e, com isso, contribuir para a própria sobrevivência e qualidade de vida. Este é o primeiro passo para a elaboração de propostas de desenvolvimento viáveis.

A descoberta de lideranças, o levantamento de potencialidades e necessidades, a atribuição de responsabilidades e a construção de projetos com a participação dos próprios beneficiados se constituem em um poderoso instrumento de mudança. É "fundamental captar se a cidadania se constrói através de intervenções externas, de programas e agentes que outorgam e preparam para o exercício da cidadania, ou, ao contrário, a cidadania se constrói como um processo que se dá no interior da prática social e política das classes." (ARROYO M. Educação e exclusão da cidadania. In: Educação e cidadania: quem educa o cidadão. 1993, p.74-75)

Acreditar é necessário, fazer acontecer é possível, só depende de novos paradigmas que, de uma certa forma, já estão sendo constituídos, no entanto, não existem caminhos únicos para problemas sociais tão enraizados pela história e, às vezes, pequenas iniciativas de "beira de rio" podem promover grandes transformações em comunidades à beira da extinção.

"Na Amazônia, é preciso ter em mente que o objetivo básico é de sinalizar uma esperança e assinalar, por antecipação, o que podemos fazer para bem decidir, face aos desafios e potencialidades da região amazônica." (BENCHIMOL, S. Amazônia – formação social e cultural. Manaus.1999, p. 450) ão).

Na contramão das grandes apologias ambientais, em que culturas humanas em extinção não possuem representatividade, reforça-se a urgente necessidade de preservar a população que detém a sabedoria da selva, adquirida em uma verdadeira integração do homem com o ambiente.

"Nós podemos aprender na escola o que vocês sabem, mas vocês nunca aprenderão na escola o que a natureza nos ensinou". Dona Maria (agricultora em Novo Airão – AM)