A necessária concretização dos direitos sociais e seus desafios.

Tratam-se, os direitos sociais, de direitos de segunda geração, pois exigem do Poder Público uma atuação positiva, com o objetivo de implementar a igualdade, com vistas aos menos favorecidos.

Noutras palavras, aludidas prestações são proporcionadas direta ou indiretamente pelo Estado, enunciadas em normas constitucionais.

O intuito dos direitos sociais é “possibilitar melhores condições de vida aos mais fracos”[1], ou a proteção social dos economicamente vulneráveis como forma de proteção da própria liberdade.

São três os elementos que constituem a gênese dos direitos sociais: a) direito subjetivo, como direitos a prestações públicas, pressupondo-se a existência de setores da sociedade que demandem tais prestações  para satisfazer as necessidades materiais básicas correspondentes (e.g. matéria de saúde e educação); b) atividade normativo-reguladora do Estado, que, por meio de leis, definir padrões de comportamento que coíbam o abuso do poder econômico, diante de desigualdades (e.g. relações de consumo e trabalho); c) instrumentos assecuratórios, que permitam aos próprios indivíduos a proteção dos interesses em jogo (e.g. greve e dissídio coletivo)[2].

É possível conceitua-los como “o subsistema dos direitos fundamentais que, reconhecendo a existência de um segmento social economicamente vulnerável, busca, quer por meio da atribuição de direitos prestacionais, quer pela normatização e regulação das relações econômicas, ou ainda pela criação de instrumentos assecuratórios de tais direitos, atribuir a todos os benefícios da vida em sociedade”[3].

Conclui-se, pois, que são direitos vinculados ao direito de igualdade, ao tentarem implementá-la diante de panoramas sociais desiguais.

Os direito sociais classificam-se de cinco formas distintas, compreendidas pelos arts. 6o ao 11 da Carta Maior[4]: “a) direitos sociais relativos ao trabalhador; b) direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo o direitos à saúde, à previdência e à assistência social; c) direitos sociais relativos à educação e à cultura; d) direitos sociais relativos à família, à criança, ao adolescente e ao idoso; e) direitos sociais relativos ao meio ambiente”[5].

Impele consignar que a Constituição de 1988 compreendeu uma ampla gama de direitos sociais, além dos acima apresentado, positivados não somente por meio de normas programáticas, mas também por meio de outras quatro estratégias de positivação, quais sejam: normas constitucionais atributivas de direitos públicos subjetivos; garantias institucionais; cláusulas limitativas do poder econômico; e normas projectivas, estas sendo “normas de conformação social dos institutos jurídicos fundantes da ordem econômica capitalista”[6]. 

Pois bem, hodiernamente verificamos o crescimento da eficácia e da aplicabilidade das normas constitucionais que reconhecem os direitos sociais.

De fato, os direitos sociais “valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade”[7].

Seus beneficiários, cumpre lembrar, são aqueles que necessitam de maior amparo do Estado.

Constata-se que a positivação de direitos sociais mediante normas programáticas, estabelecem ao Estado um dever de agir, uma atuação positiva, sem determinar, todavia, como, quando e o que deve ser feito para esses beneficiários.

Ou seja, as normas de eficácia limitada, em geral, não receberam do constituinte suficiente normatividade para sua aplicação, o qual entregou ao legislador ordinário a responsabilidade de completar a regulamentação da matéria nelas consubstanciada em princípio ou esquema.

Ao tratarmos das normas de eficácia limitada de princípio programático verificamos que compõem os elementos ideológicos que delineiam as cartas constitucionais contemporâneas, sendo certo que elas possuem eficácia ab-rogativa da legislação precedente incompatível e dão azo a situações subjetivas simples e de interesse legítimo, bem como direito subjetivo negativo[8].

Não obstante, é patente que as normas programáticas condicionam a atividade dos órgãos do Poder Público, executivos, legislativos e judiciários, conferindo ao intérprete e aplicador do Direito os fins sociais e o bem comum que devem nortear suas atividades.

Para uma tanto, Vidal Serrano Nunes Júnior complementa que “as normas programáticas devem ser interpretadas à luz dos princípios gerais do direito, dentre eles os que informam o Estado Democrático Social de Direito, em especial, o princípio da dignidade humana e o princípio da justiça social”[9].

Contudo observa-se uma discussão crescente acerca do mínimo vital, que, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana, compreende como dever estatal, a garantia a todos de um piso social mínimo incondicional.

Dignidade da pessoa humana pode ser conceituada como o postulado ético que estabelece o ser humano como a razão de ser do Estado, um fim em si mesmo, exsurgindo um valor absoluto que o qualifica como tal (“a circunstância do humano em nós é que nos confere uma dignidade primaz. Dignidade que o Direito reconhece como fator legitimante dele próprio e fundamento do Estado e sociedade”[10]), e do qual se depreendem duas exigências em face do Estado: respeito à sua incolumidade física, psíquica e social; e a exigência de prestações que garantam minimamente a preservação da vida e a inclusão na sociedade.

Nesse sentido relembra Carlos Ayres Britto a máxima proclamada por Protágoras de que “o homem é a medida de todas as coisas”, aduzindo que a pessoa humana passou a ser vista como portadora de uma dignidade inata; e os ensinamentos de Santo Agostinho, que prelecionava “sem um mínimo de bem-estar material não se pode sequer servir a Deus”[11].

E continua, de modo brilhante, o autor supracitado: “(...) ao reconhecer por modo jurídico a inata dignidade da pessoa humana (...) a sociedade termina por se autoconferir a credencial de civilizada. O qualificativo de evoluída. Sendo esse, precisamente, o terceiro significado do humanismo: traduzir uma vida em comum que merece o galardão de culturalmente avançada. Entendendo-se por sociedade culturalmente avançada, ao menos no plano normativo, a que institui: a) mecanismos de oportunidades aproximativamente iguais nos campos da política, da economia e da educação formal; b) acesso facilitado aos órgãos do Poder Judiciário, aos serviços públicos e à seguridade social (saúde, previdência e assistência social; c) vivência de um pluralismo político e também cultural (ou social genérico), tendo este por limite a não incidência jamais em preconceito”.

Mas mesmo diante do exposto, precisamos romper com a retórica em favor do real, a fim de garantir autenticidade ao discurso humanista, como bem pontua Carlos Ayres Britto em sua obra citada alhures.

Continuamente os direitos sociais tem a sua efetividade arguida, em razão de: limites impostos por questões orçamentárias, fundados na teoria da reserva do possível; a tripartição de funções e a esfera de discricionariedade administrativa do Poder Executivo; e a colisão de direitos.

Representam esses, portanto, alguns dos enfrentamentos empreendidos pelos direitos sociais rumo à efetividade. Interessante notar que a teoria da reserva do possível é alegada constantemente quando algum direito social é judicializado frente ao Estado, tratando, em muitos casos, da Constituição de 1988 como um simples pedaço de papel, tal como proferiu Ferdinand Lassalle, em 1862.

Um excelente exemplo de normas programáticas inexoravelmente atreladas ao mínimo existencial consta no artigo 3o de nossa Constituição de 1988, são os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a saber: “I – construir uma sociedade justa, livre e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Não há que se falar, portanto, em reserva do possível em situações albergadas pelo mínimo existencial, enquanto representação de direitos intrínsecos à dignidade da pessoa humana, e valor absoluto, que não podem ser mitigados por razões de interesse público secundário da administração pública.

Nessa toada, a Constituição se fez “recamada de dispositivos para detalhar as coisas e assim revestir-se da força de governar o próprio governo e a sociedade. Chegando ao requinte de incluir no título devotado aos ‘Direitos e Garantias Fundamentais’ situações jurídicas ativas que já correspondem àquela noção do ‘mínimo existencial’, de modo a sobrepujar a própria cláusula financeira da reserva do possível.” E continua “resultando óbvio que as ‘necessidades vitais básicas’ não comportam desatendimento, Têm que ser supridas como o epicentro mesmo da democracia social, por se tratar de lídima questão de honra humanista”.

Outrossim, deve ser encarada a programaticidade como descrição dos programas mínimos dos governos, fazendo com que a Constituição (em especial apreço, suas normas programáticas) ocupe espaço central nas programações orçamentárias.

Os problemas de ordem social a serem enfrentados pelo Brasil são expressivos em qualquer escala e quantidade. Mas ao observarmos os números e os vultosos orçamentos, percebemos que há muito tais questões sociais poderiam ter sido solucionadas. Falta prioridade nos órgãos legislativos de nosso país, que deixaram de atender aos direitos sociais estabelecidos em nossa Constituição de 1988.

Isso posto, faz-se mister concluir que os intérpretes da Constituição devem sempre dar prevalência à sua vontade, sendo certo que “a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder, mas também a vontade da Constituição” e que “o Direito Constitucional deve explicitar as condições sob as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível“[12].



[1] José Afonso da Silva, Comentário Contextual à Constituição, p.183.

[2] Vidal Serrano Nunes Júnior, A Cidadania Social na Constituição de 1988 – estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais, 68-9.

[3] Idem, p. 70.

[4] Vale frisar que não estamos tratando aqui de uma disposição de direitos sociais numerus apertus, e não numerus clausus.

[5] José Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição, p. 184.

[6] Vidal Serrano Nunes Júnior, A Cidadania Social na Constituição de 1988, p. 218.

[7] José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 16 ed., p. 289-90. Sobre esta ilação Celso Antônio Bandeira de Mello pondera que “não basta assegurar os chamados direitos individuais para alcançar-se a proteção do indivíduo. Impende considerá-lo para além de sua dimensão unitária, defendendo-o também em sua dimensão comunitária, social, sem o que lhe faltará o necessário resguardo. Isto é, cumpre ampará-lo contras as distorções geradas pelo desequilíbrio econômico da própria sociedade, pois estas igualmente geram sujeições, opressões e esmagamento do indivíduo. Não são apenas os eventuais descomedimentos do Estado que abatem, aniquilam ou oprimem os homens. Tais ofensas resultam, outrossim, da ação dos próprios membros do corpo social, pois podem prevalecer-se e prevalecem de suas condições socioeconômicas poderosas em detrimento dos economicamente frágeis”. Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social. Malheiros.

[8] José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 262.

[9] Vidal Serrano Nunes Júnior, A Cidadania Social na Constituição de 1988, 218.

[10] Carlos Ayres Britto, O Humanismo como categorial constitucional. 26.

[11] O Humanismo como categoria constitucional, 1a ed., p. 20-22.

[12] Konrad Hesse, A força normativa da Constituição, safE, p. 27.