PALAVRAS-CHAVE: Cantigas de amigo, Natureza, Mar, Flores dos pinheiros.


O Trovadorismo foi o início da literatura portuguesa. Seu surgimento ocorreu no século XII, mesmo período em que Portugal começou a tornar-se uma nação independente. No Trovadorismo, as cantigas, como lembra Douglas Tufano, são divididas em: "cantigas de amor, cantigas de amigo, cantigas de maldizer e cantigas de escárnio" (TUFANO, 1981, p. 8). A partir destas divisões serão analisadas, exclusivamente, as cantigas de amigo.
As cantigas de amigo são representadas pelo sofrimento amoroso da mulher, tendo como tema principal a lamentação da moça humilde e ingênua pela falta do amado. Nesse tipo de cantiga, "o trovador se faz porta-voz da mulher" (TUFANO, 1981, p.9), diferente do que encontramos nas cantigas de amor, em que o eu lírico é o próprio autor (homem). Em alguns cantares de amigo, há uma intimidade muito grande da moça que fala com a natureza, a ponto de confessar as suas mais íntimas inquietações amorosas para o mar, as árvores, o céu, as flores, ou até mesmo, os animais.
Essa afinidade com a natureza é mostrada como se a força do desejo confessado fosse fazer o "amigo" regressar. Conforme as circunstâncias e os cenários dessas confissões, as cantigas de amigo recebem classificações especiais, como lembra TUFANO (1981, p.9):

Os assuntos das cantigas de amigo variam bastante, e em função deles podemos distribuí-las em: pastorelas, quando as personagens são do campo; romarias, quando é a procissão ou a festa religiosa que motiva a cantiga; barcarolas, quando o assunto é sugerido pelo mar ou pela paisagem marítima; bailias, quando o motivo é dado pelas danças e bailados.

Baseado nisto, este artigo tem por finalidade analisar as cantigas "Ondas do mar de Vigo", de Martin Codax, e "Ai flores, ai flores do verde pino", de D. Dinis, em relação as suas temáticas sobre a natureza, mostrando suas diferenças e semelhanças.

Portugal, como recorda Massaud Moises, é um país que "como empurrado contra o mar, toda a sua história, literária e não, atesta o sentimento de busca dum caminho que só ele represente e pode representar" MOISES (1960, p.13).
Diante desses fatos, o escritor português optava pela fuga ou apego à terra, ao mar, ou seja, à natureza, para falar de suas inquietações e confidências de todas as suas dores.
A natureza, em alguns cantares de amigo, não é mostrado como simples cenário, mas uma espécie que tem vida própria. É sempre uma testemunha viva das alegrias e tristezas das donzelas, como podem ser vistas nas cantigas "Ondas do mar de Vigo", de Martin Codax e "Ai flores, ai flores do verde pino", de D. Dinis.
Na cantiga "Ondas do mar de Vigo", a natureza é mostrada como força poderosa, através do mar e das ondas, quer como cenário, quer como interlocutor, no qual é solicitada a dar notícias do "amigo" ausente, como pode ser visto em: "Ondas do mar de Vigo/ se vistes meu amigo!" (v.1-2), neste trecho a natureza é cenário e confidente, pois a moça está próxima ao mar e fala a ele o que lhe afligi. Em "Ai flores, ai flores, do verde pino", a natureza é representada pelas flores dos pinheiros, na qual, também, é solicitado a dar notícias do amado, como no trecho a seguir: "-Ai flores, ai flores do verde pino,/ se sabedes novas do meu amigo?" (v.1-2), neste trecho o cenário é as flores (o campo) e, ao mesmo tempo, é visto como alguém capaz de dar respostas. A mulher, em ambas as cantigas apresenta-se ansiosa por respostas, pois nestas cantigas, a figura femina aparece como pessoa frágil, dependente emocionalmente e financeiramente do homem, incapaz de viver sozinha e que encontra na natureza a maneira de expor seus problemas.
A moça que espera por seu amado, em "Ondas do mar de Vigo", pergunta constantemente ao mar de Vigo se viu o seu amado, pois o rapaz é do serviço militar e está viajando no mar, e como ninguém tem notícias dele, somente o mar para lhe responder tal questão, ou Deus que também é clamado, devido também ser natureza ou estar ligado a ela, como no seguinte trecho: "Ondas do mar de Vigo/ se vistes meu amigo!/ e ay Deus, se verrá cedo!" (v.1-3). Na cantiga "Ai flores, ai flores do verde pino", a pergunta constante não é ao mar, mas, sim, às flores do verde pinheiro, pois o rapaz que também está viajando, prometeu voltar na primavera para ficar junto da amada. A escolha da confissão às flores dá-se pelo fato de que as flores surgem na primavera, e o possível encontro amoroso se dará próximo aos pinheirais. Deus, também, é clamado nesta cantiga, como por exemplo, no trecho seguinte: "Ai flores, ai flores do verde pino,/ se sabedes novas do meu amigo?/ Ai Deus, e u é?" (v.1-3).
Desta forma, é possível pensar que Deus e a natureza estão no mesmo nível, pois nas duas cantigas estes elementos são vistos como os únicos que podem trazer o amado de volta, mas para infelicidade da moça em "Ondas do mar de Vigo", nenhum dos dois lhe dá respostas, talvez como uma maneira de fazê-la perder as esperanças, porque sabem que seu amor não vai voltar, ou por vontade própria, ou até mesmo por ter morrido no mar. Já em "Ai flores, ai flores do verde pino", os pinheiros respondem à mulher, dizendo que a primavera não chegou ao fim, e que antes do prazo combinado o seu amado voltará vivo e bem de saúde, pronto para cumprir o prometido. Nada impede, de se pensar que esta segunda voz é o coração, falando com a razão, pois o grande desejo desta moça é reencontrar o amado, por isto, prefere acreditar que ele ainda vai voltar.
Ao olhar pelo lado simbólico dos elementos naturais, CHEVALIER (1991) diz que "Águas em movimento, o mar simbolizam uma situação de ambivalência, que é a de incerteza, de dúvida, de indecisão, e que pode se concluir bem ou mal. Vem daí que o mar é ao mesmo tempo a imagem de vida e a imagem da morte" (p.592) e em relação às ondas, ele fala que "simbolizam perigos mortais e particularmente insidiosos, de ordem física ou moral" (p.658). Já das flores, CHEVALIER diz que "são idênticas ao Elixir da vida; a floração é o retorno ao centro, à unidade, ao estado primordial" (p.437) e para ele, "o pinheiro aparece, na literatura, em decorrência de um trocadilho, ele evoca espera" (p.718). Por isto, a natureza, nestas cantigas, é recuperada como força poderosa viva, capaz de interfirir na vida dos homens, e isto podem ser visto como um dos motivos pelo qual os seus homens demoram a voltar.
Tudo que foi analisado comprova a presença da natureza nas cantigas "Ondas do mar de Vigo", de Martin Codax e "Ai flores, ai flores do verde pino", de D. Dinis, embora apresentem elementos naturais diferentes. Na primeira cantiga, o elemento fundamental é o mar e as ondas, de forma que fica claro que esta cantiga de amigo pode ser classificada como barcarola, e na segunda cantiga o elemento fundamental são as flores dos pinheiros, o que prova que esta cantiga de amigo pode ser classificada como pastorela.
Por fim, pode-se concluir que essas diferenças de elementos naturais nas cantigas "Ondas do mar de Vigo" e "Ai flores, ai flores do verde pino", trazem também, diferenças simbólicas, em que, na cantiga "Ondas do mar de Vigo" os elementos "mar" e "ondas", mostram a incerteza, a angústia vivida por uma moça ao saber dos perigos que corre seu amado, sem saber se ele está vivo ou morto. E em "Ai flores, ai flores do verde pino", os elementos "flor (florescer)" e "pinheiros", mostram o contrário dos elementos da cantiga anterior, pois passam à idéia de uma espera que não será em vão, devido à certeza do retorno do amado.

REFERÊNCIAS
CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). 4ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.
NUNES, José Joaquim. Cantigas de amigo dos trovadores galego-portugueses. 3 v. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1973.
MOISES, Massaud (org.). A literatura portuguesa através dos textos. 29ª ed. São Paulo: Cultrix, 1999.
SARAIVA, Antônio José; LOPES, Oscar. História da literatura portuguesa. Porto: Porto, 1976.
TUFANO, Douglas. Estudos de literatura portuguesa. São Paulo: Moderna, 1981.
WIKIPÉDIA. Trovadorismo. Disponível em www.wikipedia.org/wiki/Trovadorismo. Acesso em 15 de março de 2009.