COLUNA JURÍDICA - EDIÇÃO Nº11

A NATUREZA IMPENHORÁVEL DO SALÁRIO EM FACE DO DIREITO DO CREDOR

Com o advento da lei 11.382 de 6 de dezembro de 2006, que veio alterar alguns dispositivos do nosso Código de Processo Civil, relativos ao processo de execução ficou clara a absoluta impenhorabilidade em relação a salários e pensões. Uma vez que, a conta corrente do assalariado pode sofrer um bloquei......o judicial, que deveria atingir somente os ativos que ultrapassassem o salário constitucionalmente protegido. Mas não é o que ocorre, e neste caso “ caberá embargos que serão prontamente deferidos”. Para tanto, a demonstração de ordem de bloqueio judicial em decisões de Tribunais Estaduais que atinjam o ganho do trabalhador é mínima neste sentido. Com tudo, ainda que sendo pequena fere a efetividade da lei e o nosso ordenamento jurídico virgente.

Além do mais, a lei que alterou alguns preceitos do CPC (11.382/2006), não ampliou a penhorabilidade dos vencimentos e salários dos devedores. Pois se assim ocorresse, haveria um impedimento jurídico, uma afronta a Constituição Federal que em seu o art. 1º, III, prevê que não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. Já a citada lei apenas, conforme o dispositivo 655-A, insere no CPC que a constrição se dará preferencialmente por meio eletrônico para possibilitar a penhora em dinheiro ou em aplicação financeira, consignando que o julgador pode, ao fazer uso de tal dispositivo, proceder ao imediato bloqueio de valores ativos em conta corrente. E com essa medida, talvez até, bloquear parte dos proventos salariais a procura de ativos. Mas que, mediante impugnação serão certamente restituídos ao devedor, para que o mesmo possa prover suas despesas e necessidades vitais básicas. O que demonstra uma pequena falha no sistema BACEN JUDI em não saber diferenciar, na hora da ordem de bloqueio, “salário” de ativos que ultrapassem os ganhos do trabalhador. Recentemente, poucas decisões judiciais que dizem prestigiar a eficácia da execução, e com isso terminam colocando em xeque a sobrevivência do devedor viola o artigo 649, inciso IV, do CPC, que dispõe da impenhorabilidade da verba de natureza salarial:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal.

Neste caso não podemos fugir da interpretação literal, uma vez que a regra contida no art. 649, inciso I, do CPC, busca estabilizar, no plano da legislação infraconstitucional o princípio da proteção do salário resguardado no artigo 7º, inciso X da Constituição Federal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

X – “proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa”.

Por outro ângulo, a regra estabelecida no Artigo 649 somente pode sofrer mitigação na hipótese prevista no seu 2º, que admite a penhora de verba remuneratória para pagamento de prestação de alimentos. Esse também é o entendimento do saudoso professor André Villa Verde, onde segundo o mesmo: o deferimento de um pedido de penhora on line, com bloqueio judicial em salário é possível, mas, em tese ilegal por se tratar de bem impenhorável. É preciso verificar se a penhora decorre de uma das exceções da impenhorabilidade, por exemplo, execução de alimentos. Se for ilegal cabe agravo de instrumento. Não longe da mesma corrente se posiciona o Dr. Rogério Monteles da Costa, Juiz de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Timon-MA, afirmando que: em regra não é acatado tal pedido, até porque o salário tem proteção constitucional. Todavia incumbe ao devedor à prova de que o bloqueio incorreu sobre os seus vencimentos.

Na tutela jurisdicional prestada pelo Estado, devem ser criados métodos que garantam a satisfação do credor, mas sem sacrificar excessivamente o devedor, tudo conforme descreve o artigo 620 do CPC, que reza: “Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. Onde com isso, se estará fazendo justiça garantindo o direito do exeqüente de receber o seu crédito sem extrapolar a dignidade humana do devedor. Em se referindo aos Tribunais Superiores, percebemos os posicionamentos do STJ e TST de interpretarem o art. 649 em sua literalidade, ou melhor, para essas cortes o salário goza do privilégio de ser absolutamente impenhorável. E ainda, esses mesmos tribunais não admitem a penhora do salário nem mesmo nos casos em que esta seja efetuada em percentuais que não retirem do devedor a possibilidade de subsistência. É o que mostra a jurisprudência nesse sentido. E o STJ tem interpretado a expressão “salário” de forma ampla. Nessa interpretação, todos os créditos decorrentes da atividade profissional estão incluídos na categoria protegida. Sendo assim, veja as jurisprudências Estadual e do STJ:

PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE VALORES EM CONTACORRENTE. PROVENTOS DE FUNCIONÁRIA PÚBLICA. NATUREZA ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. ART. 649, IV, DO CPC. 1. É possível a penhora "on line" em conta corrente do devedor, contanto que ressalvados valores oriundos de depósitos com manifesto caráter alimentar. 2. É vedada a penhora das verbas de natureza alimentar apontadas no art. 649, IV, do CPC, tais como os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria e pensões, entre outras. 3. Recurso especial provido. (STJ , Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 18/10/2011, T4 - QUARTA TURMA)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - PENHORA ATRAVÉS DO SISTEMA BACEN-JUD - FACULDADE DO MAGISTRADO - BLOQUEIO DE CONTA CORRENTE - PROVENTOS DO SALÁRIO - ARTIGO 649, IV, DO CPC - IMPOSSIBILIDADE - VALORES EXCEDENTES - AUTORIZAÇÃO. - Conforme o disposto no art. 655-A, inserido no Código de Processo Civil pela Lei Federal nº 11.382, a constrição se dará preferencialmente por meio eletrônico para possibilitar a penhora em dinheiro ou em aplicação financeira, consignando que o Julgador pode, ao se utilizar de tal medida, proceder ao imediato bloqueio de tais valores. - Os proventos de salário, aposentadoria e a complementação de previdência privada são impenhoráveis, segundo art. 649, IV, do CPC, o que impede qualquer constrição sobre esses valores, quando lançados em conta corrente, mas podem, contudo, incidir sobre os depósitos que extrapolem essa verba.
(TJ-MG 100240266975400011 MG 1.0024.02.669754-0/001(1), Relator: LUCAS PEREIRA, Data de Julgamento: 16/07/2009, Data de Publicação: 04/08/2009).

Por fim, essas previsões legais, que se alastram tanto no campo constitucional como processual, buscam garantir uma vida digna ao devedor, que pode ser ameaçada pelo processo de execução, evitando assim que o endividado caia numa situação de indignidade e desespero de ver seu salário retido dolosamente. Isso sem falar que; muitos credores não querem entender se o devedor está devendo outros credores; ou se está passando por dificuldades financeiras. Diante disso tudo se chega a um patamar, em que a doutrina advocatícia vem tentando burlar a interpretação gramatical da lei, e esquece que a norma jurídica que protege o salário do executado também se estende ao seu. O que fica demonstrado perfeitamente no final do dispositivo constitucional a seguir citado: São absolutamente impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. Que neste ultimo se enquadra também o advogado.

Timon, 31 de julho de 2013.

Augusto da Silva Carvalho
Bacharelando em Direito e Servidor do TJMA