A música e a estética brega em Pernambuco

 

Há alguns anos o fenômeno brega chegou à Pernambuco, causando discussões nas mais diferentes áreas da sociedade. Ao contrário do que estudiosos profetizavam, o brega [1]impôs o seu lugar dentro da cultura pernambucana, e hoje está fortalecido como uma indústria que move vários setores e levanta milhões, melhorando a vida de muita gente que antes fazia parte de uma minoria esquecida e, ao mesmo tempo, degradando ainda mais a situação de muitos que já eram excluídos dentro de suas próprias casas e, consequentemente, dentro da sociedade. Tal fenômeno gera controvérsias e discussões no âmbito musical, econômico e, principalmente, social, visto que é uma estética surgida nas periferias das grandes cidades e difundida através de algumas parcelas da população midiática.

 

O brega é visto ainda como parte de uma cultura inferior, uma vez que ainda não conseguiu ser visto como parte integrante da nossa cultura por muitos estudiosos. E realmente não é fácil classificá-lo. Há um preconceito sobre tudo o que vem de sociedade que vivem às margens, e com o brega não é diferente.

 

Antes de mais nada, há um equívoco que geralmente se incorre: o fato de a cultura fornecida pelos meios de comunicação de massa (os meios de comunicação de massa: rádio, TV, cinema) vir comparada com a cultura produzida pela literatura ou pelo grande teatro, quando deveria ser relacionada com a cultura proveniente desses outros grandes meios de comunicação de massa que são a moda, os costumes alimentares, a gestualidade, etc. (Coelho, 1988, p.15).

 

Seguindo a afirmação de Teixeira Coelho, percebemos que tenta-se sempre comparar determinados tipos de cultura, e por isso alguma parte é sempre inferiorizada. Quando na verdade, é a diversidade que torna a nossa cultura tão vasta. Há lugar para todos. Não precisamos nos incomodar com a existência do brega ou de qualquer outro fenômeno musical que não reflita na nossa condição social. Apenas não devemos deixar que uma determinada parte da nossa tão vasta e diversa cultura seja apresentada como única e na qual toda a sociedade se identifique.

 

A Vulgarização das temáticas

 

A popularização do sexo dentro das músicas de “Brega” ainda influenciam os jovens desta geração, tornando freqüentes os índices de prostituição, gravidez na adolescência e outros problema relacionados. Os adolescentes com idade de 12 a 17 anos, estão numa fase de formação de conceitos relacionados ao gênero. Ao escutarem constantemente músicas que incentivam o sexo como algo banal, os adolescentes cada vez mais absorvem a idéia de que não há pudor em certos tipos de relação, fazendo com que intimidades tornem-se motivos de gozação e piada É claramente perceptível o quanto as músicas e os programas televisivos influenciam sua geração, tornando os adolescentes adeptos de idéias inocentemente vulgares.

 

É indispensável mencionar a influência que a vulgarização de temáticas polêmicas traz para a construção do conceito de cultura e, principalmente, o impacto sobre o comportamento sexual de adolescentes. Muitas pessoas, ao escutarem músicas pertencentes ao “Brega”, por exemplo, sentem-se ofendidas. Vários outros ritmos populares, bem como imagens chocantes, personagens caricaturadas retratando a omissão feminina, o sexo, ou mesmo insinuações, são considerados verdadeiros atentados contra a ética, a moral, e, principalmente, contra os direitos humanos. Isso tem se tornado um tema de bastante relevância e muito discutido na sociedade. Hoje, o nível intelectual dos programas de televisão vem decaindo consideravelmente. Existem muitos problemas e divergências quanto ao conceito de qualidade em televisão e essa discussão ainda está longe de se chegar a um consenso.

 

Há alguns anos, poucas crianças e adolescentes escutavam músicas que representassem ou estimulassem o sexo. Primeiro porque existia censura, segundo, porque existiam mais opções. Hoje, músicas com alto teor apelativo tornaram-se comuns, e é praticamente impossível impedir que um adolescente ou mesmo uma criança tenha acesso a esse tipo de música. Programas considerados “da família”, por serem veiculados em horário de almoço, quando se supõe que pais e filhos estejam em casa assistindo TV, são grandes responsáveis pelo impacto causado aos adolescentes ao terem acesso livre a músicas como o “Brega”, bastando apenas ligar a televisão. Tais programas, atualmente, viraram febre em quase todas as emissoras locais, pois popularizam ainda mais a televisão fazendo com que o público sinta-se à vontade e sempre lembrado, com a programação inteiramente voltada às classes menos favorecidas financeiramente e intelectualmente. Os telespectadores se identificam com aquilo que vêem. Mas é essa realmente a cara do nosso público? Por que “programas populares” atualmente são sinônimos de “programas vulgares”? E, em que sentido está aplicada a palavra vulgar?

 

O primeiro problema é avaliar a inteligência do nosso público, e daí é decorrente mais uma vez aquela velha discussão: “o público brasileiro, ignorante por natureza, não gosta de coisas boas”. Tomando tal afirnação como verdadeira, o que não é, uma que o público é uma entidade heterogênea, vemos que não há motivos para produzir programas com elevado nível intelectual, ou mesmo o mínimo de qualidade que seja, pois os telespectadores não se identificariam. Acontece que a questão não é o público não gostar, é, simplesmente, não conhecer algo melhor, pois, ao serem apresentados, gostam. Em segundo, temos que conceituar a palavra vulgar. Com a ajuda do dicionário, vemos que o mesmo significado é atribuído para as palavras banal, barato, ordinário, ou mesmo prosaico. Mas o que na verdade caracteriza algo vulgar? Será uma questão de conceito? Ou, puramente, de consenso? Por que as músicas “bregas” são consideradas vulgares? Tentemos agora responder essas questões. Algo vulgar é algo que expõe pessoas de modo grosseiro, podendo a pessoa se importar ou não com isso.  Uma dança com alto teor de sexualidade é considerada vulgar dependendo do modo como for apresentada. Os programas de auditório que hoje proliferam na televisão pernambucana são vulgares em sua essência, pois não respeitam os telespectadores ao chamarem seus convidados (embora os espectadores assíduos realmente não se importem com isso).

 

Assim como a dança sensual, não é que a fórmula do programa de auditório seja ruim, o problema é o modo como nos é apresentado. Hoje, podemos considerá-lo um ramo difusor de baixarias, devido às matérias abordadas e aos “artistas” que freqüentam. Muitas vezes esses artistas nem têm noção do que estão fazendo, parecem não saber o que estão cantando e não reparam no modo como dançam. As mulheres são tratadas apenas como fonte de prazer (e as próprias contemplam essa visão, ao cantarem suas músicas, com letras que os movimentos feministas, sem dúvida, devem abominar). É uma agressão. É incompreensível como uma mulher consegue ouvir e ainda repetir músicas como “rapariga é você, mal amada”. São insultos atrás de insultos. Essas músicas contribuem para a naturalização da violência física, moral e verbal, incentivando tratamentos grosseiros e atenuando problema como gravidez na adolescência, morte juvenil por aborto, e outras várias questões.

 

Paremos agora para observar as palavras contidas nas letras dessas músicas. Não há pudor: traições, sexo inseguro são temas frequentemente abordados, porém, sem nenhum bom motivo para isso. A maneira como são tratadas essas questões é o problema, não existe noção de respeito pelo ouvinte. Palavrões e vulgaridades. Parece que apenas disso são compostas as letras. Às vezes, quando estamos com raiva de alguém, sentimos a necessidade de xingar aquela pessoa de alguma forma. É engraçado como existem palavras que refletem tão verdadeiramente os princípios de nossa sociedade. Por exemplo: na hora de falarmos mal de alguém do sexo feminino que nos fez algo de ruim, na hora sentimos vontade de chamar-lhe de vagabunda, prostituta... enfim, palavras de mesmo valor semântico. Já quando se trata de um indivíduo do sexo masculino os xingamentos já são contrários: chamamos-lhe de gay, ou algo semelhante que impacte diretamente na sua sexualidade. Ou seja, o maior defeito de uma mulher, perante sociedade, é ser uma prostituta, ou, em outras palavras, namorar homens demais. Já para os homens, é uma desonra ser colocada em dúvida sua masculinidade, ou seja, gay é um homem que não namora mulher alguma, e isso é uma vergonha para nossa sociedade. Músicas machistas, difundidas por programas ainda piores, contribuem para esses valores que a nossa sociedade carrega.

 

 

 

 

 

 

 

 

O Mercado do Brega

 

É preciso, também, discutirmos a questão do mercado movimentado pela estética brega.  Os programas de TV, de rádio, o circuito de bandas, os shows e o comércio de CDs lançou uma moda singular. É um fenômeno que se tornou constante no cotidiano das metrópoles do norte e nordeste brasileiro e mobiliza grandes parcelas da população. Apesar disso, ainda é ignorado pela academia e por grande parte da mídia. Ao falarmos de brega, não podemos nos ater apenas às letras que remetem ao péssimo tratamento dado principalmente às mulheres da periferia, até porque, a partir da explosão do brega, já surgiram outros estilos adaptados a outras condições.

 

Pelo fato de ser algo nascido da periferia, e proliferado nos bairros populares, percebemos a visão elitista com que é tratado o assunto. Em sua maioria , as pesquisas de várias áreas que tratam de fenômenos culturais massivos nas periferias das grandes cidades apresentam visões até paternalistas, que se alternam entre uma comiseração por uma população degenerada que perdeu contato “com suas raízes” em seu processo de assimilação pelo  sistema dos meios de comunicação massivos, e uma apologia a fenômenos de resistência cultural considerados “autenticamente populares”.

 

A democratização do artista

 

Outro fator importante ao analisarmos a popularização do brega, é o fato dos artista estarem muito próximos ao público. Próximos não apenas em relação ao lugar onde vivem, mas à cultura, aos hábitos, ao cotidianos em geral. Há uma democratização do artista, e ele passa a ser visto como uma pessoa normal. Ser cantor ou dançarino torna-se algo atingível a todos. Vemos que o fenômeno brega promove uma democratização da condição de artista. Não há a exigência de um domínio de informações ou de técnicas específicas para a produção artística. Praticamente qualquer pessoa pode ser um astro do brega. Tanto músicos como dançarinos não seguem o mesmo padrão rígido de beleza corporal que orienta o universo das modelos e atrizes da televisão, mesmo quando assumem papéis “sensuais” nas encenações dos palcos. Dezenas de novas bandas surgem a todo momento nas comunidades da periferia, apenas para obterem um sucesso efêmero, concretizando a promessa de Warhol de 15 minutos de fama também para as camadas subalternas.

Considerações Finais

 

Apesar das controvérsias, é necessário admitir que o brega é um fenômeno de público e de vendas. Grande parcela da população se identifica com os artistas e com as músicas por eles cantadas. Esse estilo tornou-se o retrato de uma camada social que vive à margem, mas que também tem o direito de fazer sua própria arte. São eles que sofreram dos males cantados nas sofridas e muitas vezes divertidas letras, românticas ou não, que conseguem ultrapassar o limite da pobreza e chegar às classes médias e até às classes mais altas. Seja a título de conhecimento, seja por pura diversão, não há como ser ignorado. O brega já chegou e ficou. E já é parte importante da música do nordeste e de Pernambuco.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia:

ADORNO, Theodor. Indústria Cultural. In: CONH, Gabriel (org). Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo, Nacional, 1977.

COELHO, Teixeira. O que é Indústria Cultural? 11ª Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.

 

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 4. ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005.

 

ROCCO, Maria Thereza Fraga. Linguagem Autoritária. 1. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.

 

 



[1] O termo brega discutido no presente trabalho refere-se às músicas vindas do estado do Pará que se popularizaram em todo os nordeste brasileiro. Abrangendo também, neste trabalho, o brega pop e o tecnobrega.