Tudo começou com casos isolados, onde as coincidências levaram a histeria geral. Como ocorre no caso das Bruxas de Salém, expressão conhecida ou ao menos familiar às pessoas comuns, bastou um grupo de jovens passarem, aparentemente, por convulsões e realizarem uma série de atos obscenos para dar início a uma série de mortes, guiadas por religiosos, para a purificação das mulheres do povoado, que cessou apenas com a intervenção do governador Philipps, em 1694.

A Santa Inquisição coleciona casos de mulheres acusadas de feitiçaria, alguns dos quais iremos apresentar.

 Quando se apresenta tal acusação, (heresia), qualquer pessoa pode prestar depoimento, como se tratasse de crime de lesa majestade.

Porque a bruxaria é uma grande traição contra a Majestade de Deus. E devem ser submetidos a tortura para fazê-los confessar.

Qualquer pessoa, seja qual for sua classe ou profissão, pode ser torturada ante uma acusação dessa natureza e quem for considerado culpado, ainda que confesse seu delito, será posto no potro, e sofrerá todos os outros tormentos dispostos pela lei afim de que seja castigado na forma proporcional de suas ofensas.

Considerando que estas pessoas diferem muito entre si, seria incorreto não incluí-las nas espécies que envolvem tantas outras. (KRAMER e SPRENGER; 1995, p.57).

 A pergunta que se se faz é: Por quê? Tendo homens e mulheres convivido e dividido todos os problemas sociais concernentes à sua respectiva época, qual a razão de mulheres terem sido muito mais acusadas de serem feiticeiras.

A sociedade cristã considerava mediante o Genesis, que a mulher possuía uma fraqueza maior, dado o fato de Eva ter causado o pecado de Adão, e não a serpente. Foi Eva quem levou a desgraça da humanidade, pois Adão em sua inocência seguiu sua orientação e comeu o fruto do conhecimento do bem e do mal.

No contexto histórico, poderemos observar também que a mulher, em todos os aspectos, sofre calada, necessitando então de um refúgio, como afirma Jules Michelet: "A mulher doze vezes ferida." (MICHELET, 1974, p 84.)

É sobre a mulher que recaem as árduas tarefas domésticas, a educação dos filhos, as dores do parto, a violência doméstica, os estupros eventualmente, onde ela é biblicamente responsabilizada por sua passividade, às vezes sendo entregue ao estuprador como esposa, e sendo vítimas piores em tempos de guerra.

Certa vez Dina, a filha de Jacó e de Léia, foi fazer uma visita a algumas moças daquele lugar. Hamor, o heveu, que era chefe daquela região, tinha um filho chamado Siquém. Este viu Dina, pegou-a e a forçou a ter relações com ele.

E ele a achou tão atraente, que se apaixonou por ela e procurou fazer com que ela o amasse. Depois disse ao seu pai: - Peça esta moça em casamento para mim. Jacó ficou sabendo que Siquém havia desonrado a sua filha Dina. Porém, como os seus filhos estavam no campo com o gado, não disse nada até que eles voltaram para casa. Enquanto isso, Hamor, o pai de Siquém, foi falar com Jacó.

Quando os filhos de Jacó chegaram do campo e souberam do caso, ficaram indignados e furiosos, pois Siquém havia feito uma coisa vergonhosa em Israel, desonrando a filha de Jacó. Isso era uma coisa que não se devia fazer.

Mas Hamor lhes disse: - O meu filho Siquém está apaixonado pela filha de vocês. Eu peço que vocês deixem que ela case com ele. Fiquemos parentes; nós casaremos com as filhas de vocês, e vocês casarão com as nossas. Fiquem aqui com a gente, morando na nossa região. Comprem terras onde quiserem e façam negócios por aqui. Depois Siquém disse ao pai e aos irmãos de Dina: - Façam este favor para mim, e eu lhes darei o que quiserem. Peçam os presentes que quiserem e digam quanto querem que eu pague pela moça, mas deixem que ela case comigo. (GÊNESIS, Sociedade Bíblica do Brasil; 2000, Cap. 1 ao 13).

A segunda razão é que, nos lares camponeses, a mulher é infinitamente mais infeliz que o homem. Fatigada pelos partos, desempenha todas as tarefas árduas, é frequentemente brutalizada, na tormenta das guerras, sobre elas é que se abatem implacavelmente os soldados mercenários. Como são compreensíveis suas inquietudes, suas dores, seus dramas e também sua sexualidade palpitante. Ela entrega-se ao diabo com mais facilidade do que o homem porquê e mais sensível e mais infeliz. As perturbações biológicas fazem dela uma delirante pronta a todas as extravagancias imaginação; e a tortura submete mais rapidamente seu corpo que o de seu marido. O fogo vira enfim liberá-la de todas as penas por ela sofridas. Assim, a mulher é tida como fraca em relação às tentações do Diabo, se entregando a ele com mais facilidade que o homem. (PALOU, 1957 p. 12).

Assim, a mulher é tida como fraca em relação às tentações do Diabo, se entregando a ele com mais facilidade que o homem. “E a maior confissão não seria, com a sua ingenuidade, a daquela feiticeira de Flandres, no século XVII, que, perguntada sobre o nome do diabo que a havia induzido à tentação, respondeu: ‘Faça o que quiser’” (PALOU, 1957, p. 24).

Jean Palou conclui que a razão para haver muitas feiticeiras é devido a facilidade das pessoas se abrirem com uma mulher, expor seus desejos, seus medos, do que a um homem.

Não há uma figura notável de feiticeiro na História da feitiçaria, mas que grandes feiticeiras! Talvez a razão também seja porque o consulente confesse mais facilmente seus desejos, mágoas ou vergonhas a uma mulher do que a um homem. No século XVII, A Voisin possuía um número incomparavelmente maior de clientes que seu confrade, o pastor-feiticeiro normando Lesage, ou que o Pai dos Segredos, Gabriel Girar, apesar de ser este Padre em sua localidade e habituado às confissões. (PALOU, 1957 p. 13).

Embora, dependendo do tipo de ritual necessário, a presença de um homem (padres com simpatia pelo mal) se fizesse necessária.

Era preciso inspirar amor? Um padre, vestido de hábitos sacerdotais, recitava conjuros com força, fazendo sinais da cruz com o pó preparado segundo a formula [hóstias maceradas] e jogando-o em seguida sobre as roupas da pessoa a seduzir (...). Se todos esses sacrilégios não alcançassem os infiéis ou não mudassem corações indiferentes, as amorosas desatinadas (...) não hesitavam em passar por uma última prova para assegurar, decidida e eternamente, o apoio do demônio. A adivinha e a jovem mulher fechavam-se com um padre à meia-noite, no campo ou em um castelo, em Paris no quarto solitário de uma casa afastada, algumas vezes mesmo em uma caverna ou um casebre assombrado pelos pássaros à noite, para ai cumprir uma horrível cerimônia. O padre colocava uma pedra de altar sobre uma mesa cercada de círios negros; a desafortunada vítima era ali deitada toda nua, tendo ao lado o missal e demais instrumentos do culto; o cálice era colocado sobre seu ventre e o padre celebrava a missa vestido com seu hábitos sacerdotais; ás vezes a dizia ao inverso, isto é, começando pelo Evangelho de São João; a adivinha ajudava, dizendo os responsos; ele consagrava o pão e o vinho com conjuros e palavras onde o decoro e a religião eram grosseiramente ultrajados (...). Um beijo obsceno substituía aquele que o padre dá à mesa do santo sacrifício; às vezes a vítima voluntaria era obrigada a sofrer a ofensa dos imundos ardores do padre. (RAVAISSON, 1870 T IV p. VIII-IX, Paris).

Não tentamos isentar as mulheres realmente culpadas de teus crimes, pois muitas mulheres, se utilizando de supostos poderes, eram capazes de matar, à distância, pessoas e animais. Isto não por poderes diabólicos, e sim com o conhecimento acerca de venenos, como o arsênico, que era empregado em lavagens de roupas e/ou preparo de alimentos, por esposas fartas de abusos, que as procuravam para amansar ou fazer desaparecerem seus maridos, ou ainda por pessoas com raiva ou inveja, todas as quais eram atendidas em locais afastados, em casebres em periferias urbanas.

[Outro meio consistia em dar] à cliente uma água aparentemente inofensiva, clara e inodora, para pôr nos alimentos, nas tisanas ou nas lavagens: era uma solução de arsênico, dosada de forma a levar à morte em um prazo de tempo mais ou menos longo, segundo a fortuna daquela que pagava o envenenamento. Se a mulher era muito pobre, uma solução de água forte, conseguida no primeiro boticário que aparecesse, despachava prontamente a vítima. Empregavam também grãos castanhos ou acinzentados, encapsulando o arsênico, que derretiam sem deixar traços apreciáveis. (RAVAISSON, 1870 T IV p. III-IV, Paris).

A perseguição à mulher, por suspeita de feitiçaria, se dava também pela aparência, fosse pelos cabelos ruivos, por serem canhotas (chamadas sinistras), por deformidades físicas, descendência ou religião. Em geral, estas características já serviam como causa provável para o início de investigação ou acusação.

Em 1688, após uma fútil discussão de interesses, uma lavadeira, a Glower, insultou uma de suas clientes, a Goodwin. Um filho desta última, tendo assistido à cena, muito violenta, foi tomado de convulsões. A Glower, acusada prontamente de malefícios, foi presa (ela era irlandesa e católica, o que lhe valeu naturalmente o ódio da religião puritana dominante no lugar). A infeliz foi consequentemente executada” (PALOU, 1957 p. 85).

Todo o processo de interrogatório era uma sessão de sadismo, guiado por padres inquisidores dispostos a qualquer ato para conseguir a confissão de seus pecados, como o caso de Anna Eve, coberta com enxofre quente para auxiliar na confissão.

[...] [a suposta feiticeira] foi estendida sobre uma escada (...) e queimada com enxofre sob o queixo, sob as axilas, sob os artelhos, nas partes secretas (...) ela nada disse além destas palavras: ‘Ó filho de Davi, tenha piedade de mim.’ Em seguida ela se acalmou bastante tempo, e por mais que fosse chamada não respondia coisa alguma (...) o rosto sempre colorido, entretanto sem qualquer lagrima, mas gotas de suor lhe tombavam da fonte (...) coberta e esfregada com enxofre inflamado (...) a todas as questões ela respondia que nada, nada tinha feito e que não passávamos de ‘uma canalha’ (...)” (PALOU, Interrogatório de Anna Eve, Leipzig, início do século XVII, p.44).

 Muitas vezes o castigo físico era consumado em aparelhos específicos, como o potro, instrumento para a distensão da musculatura, que chegava a quebrar os membros dos supliciados, a outros aparatos, como a roda ou a donzela de ferro, que garantiriam que a pobre vítima confessasse sua participação em rituais, em sabás, em pactos com demônios e qualquer outro assunto que lhe fosse questionado, pois padres inquisidores, assim como os juízes conseguiam ser bastante persuasivos.

Alguns se utilizam de formas sutis para extrair confissões, como palavras e frases ambíguas, com intuito de induzir a vítima a confessar acreditando que seria liberada depois, quando na realidade a intenção já era mandá-las para fogueira.

 Eles [os juízes] souberam pleitear o falso para conhecer o verdadeiro [...] Foram os casuístas da época; ao mesmo tempo em que condenavam sem reservas a mentira, sabiam manejar a possibilidade de enganar os outros: bastava para isso, conforme pensavam, manter uma linguagem que, em sua acepção normal fosse verídica, mas formulada com tal ambiguidade que o interlocutor não pudesse interpretá-la exceto no sentido oposto: é o que os moralistas católicos denominam até hoje a ‘restrição mental’. Um reputado demonólogo, o padre Delrio, como bom jesuitado século XVII e fiel discípulo de Maldonat, considerava licito aos juízes o recurso a tal artificio, visando arrancar as confissões dos suspeitos de feitiçaria. Na Alsácia, os oficiais de justiça acalentavam, mediante palavras de duplo sentido, os supostos feiticeiros com uma falaciosa esperança de soltura, e acreditavam por meio desse subterfugio, ter suas consciências asseguradas[...]. (DELCAMBRE, 1949, p. 52).

As torturas e os interrogatórios levavam as mulheres a confessar seus crimes de forma curiosa, sendo que o conteúdo das confissões não diferenciavam muito, o que significa que de uma forma ou de outra, os inquisidores guiavam o processo através de imposição ou manipulação, criando todo o roteiro de confissão dos supliciados, o que gera um repertório uniforme de relatos: a feiticeira viaja ao sabá, vê coisas absurdas, identifica outras pessoas presentes (o que leva os inquisidores a novos suspeitos), come comidas estranhas, pratica sexo de forma abominável, vê o Diabo e retorna antes do amanhecer. Poucos casos se diferem, mas a maioria possui as mesmas partes, ainda que em ordens diferentes.

 A tortura extraía muitas informações, mesmo que falsas. Por vezes a mulher acabava levando consigo seu companheiro, por ódio, vingança ou mesmo, amor, o que aumentava os casos de homens acusados de praticarem sortilégio.

 É preciso notar que o feiticeiro é frequentemente apenas o companheiro da feiticeira, denunciado por ela a seus próprios juízes e verdugos, sem dúvida por rancor, despeito ou mesmo amor, no desejo louco de morrer junto com ele na mesma fogueira. Não há uma figura notável de feiticeiro na História da feitiçaria, mas que grandes feiticeiras! Talvez a razão também seja porque o consulente confesse mais facilmente seus desejos, mágoas ou vergonhas a uma mulher do que a um homem No século XVII, a Voisin possuía um número incomparavelmente maior de clientes que seu confrade, o pastor-feiticeiro normando Lesage, ou que o Pai dos Segredos, Gabriel Girar, apesar de ser este padre em sua localidade e habituado às confissões. (PALOU, 1985, p. 13).

Os casos de possessão demoníaca também se tornaram comum, e onde antes a mulher fazia pactos e obtinha poderes, agora ela se tornava escrava oprimida do demônio, o qual saia e entrava em seu corpo, ou a visitava durante a noite, ou mantinha relações sexuais com ela através de castas especiais de demônios.

Assim, a mulher agora é uma vítima impotente nas mãos do Diabo, e alguns casos nos chamam a atenção, pois observamos uma inversão de papel, onde as feiticeiras outrora acusadas passam a ser acusadoras, mantendo o vínculo diabólico, porém usando-o em seu favor.

É possível observar casos onde as mulheres, visitadas por demônios ou possuídas por eles, somente indicavam nomes a serem investigados pela inquisição. Em meio a um show de gritos, convulsões, faces estranhas e mistério, algumas mulheres foram responsáveis por diversas mortes, pois dizia-se que os demônios davam nomes ou as faziam ver pessoas que possuíam algum tipo de ligação com Satanás.

“O Diabo seria um lascivo para procurar com tanto ardor a cópula com as mulheres? Não, mas lhe adivinho a causa: uma mulher tem o espírito mais leviano do que um homem, e mais ousado, consequentemente, para resolver comédias dessa natureza [...]” (BERGERAC, 1652).

Mas o que extraímos dos casos é nada mais que a competitividade feminina tentando conter suas rivais ou mesmo castigar desafetos do passado. Um caso interessante é o de Elizabeth de Rainfaing, que levou um médico a ser queimado, pois não teve interesses por ela.

 Por ocasião de uma peregrinação a Remiremont, um médico chamado Poirot lhe dirigiu – ou pelo menos ela assim pensou – alguma atenção. Na verdade não parece que Poirot lhe tenha prestado atenção, embora fosse uma mulher muito bela. Isso foi a perdição de Poirot. Elisabeth tornou-se religiosa, fundadora da Ordem do Refúgio, em Nancy, e se sentiu possuída pelo demônio. Poirot, por ela acusado de feitiçaria, foi queimado em 1621. (PALOU, 1985, p. 76).

 Outros casos como este, o já citado caso das feiticeiras de Salém, quando a filha do pastor local e suas amigas passaram a acusar diversas pessoas, entre outros, nos leva a observar aí uma forma de se utilizar a perseguição em favor de interesses escusos.

Por fim, a chegada do século XIX, reduziram-se essas práticas, e quanto mais se aproximava das pessoas a razão, menos o Diabo e seus seguidores eram importunados, e o séquito diabólico deixou as mulheres de lado para assombrar casas e castelos abandonados, pois com o fim da Inquisição, os casos de possessão e bruxaria diminuíram consideravelmente.