No mundo primitivo, a família sempre foi tida como o mais importante agrupamento de pessoas, pois através dela entrelaçavam-se todas as outras relações humanas, como política, comércio, educação e religião, daí dizer-se que o parentesco foi “a primeira estrutura social duradoura na evolução humana” (TURNERH, 2000, p.137). Juridicamente, a família também deu sua contribuição, através dela instituiu-se o casamento, a proibição do incesto e a descendência. A família até hoje ocupa nos documentos de direito a posição de célula básica da sociedade, apesar dos valores diferirem entre as culturas, ela será uma instituição que sempre terá destaque no ordenamento jurídico.

Durante muito tempo, a família esteve ligada a características baseadas principalmente no patriarcalismo, esse fato ocorreu na maioria das sociedades e é devido às tradições e crenças herdadas do mundo arcaico, em que a mulher não tinha vez, era apenas um instrumento para a perpetuação da família, e para que assim permanecesse a harmonia na sociedade. As religiões, derivadas dos credos antigos, em muito contribuíram para a manutenção da paz familiar[1] e de muitos tabus que demorariam séculos para serem quebrados ou questionados.

Durante a elaboração do primeiro código brasileiro, seus organizadores foram muito influenciados pelo momento histórico em que viviam, pois a República era recente, assim como a proibição da escravatura, por tanto estava impregnada de preconceitos raciais, num momento em que a mulher era submissa ao marido, que o casamento era para sempre até que a morte separasse os cônjuges, crianças não tinham tantos direitos garantidos e exclusivos para essa condição, como hoje existe o Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, o século XX ficou marcado pela mudança e novidades em todos os âmbitos possíveis e no âmbito familiar não foi diferente, foi um século que trouxe bastantes alterações no comportamento familiar, em que mudanças políticas e econômicas, guerras e movimentos artísticos em todo o mundo preparam as nações para novas ideologias e o sensibilizaram diante de difíceis questões, dessa forma o ordenamento jurídico acabou se adequando.

No Brasil, uma nova Constituição vigorada quase 72 anos após o início da vigência do Código Civil de 1916 trouxe novos valores à sociedade brasileira, pois na elaboração do primeiro Código Civil brasileiro os artigos foram recheados de discriminação e conservadorismo, na década de 80, novas idéias se formavam, nascia uma sociedade mais aberta às transformações e por isso necessitava da elaboração de um novo Código Civil que atendesse às novas necessidades da população, dessa forma, em 2002 foi publicado o segundo Código Civil Brasileiro.

Sob muita influência do século XIX, caracterizado pelo patriarcalismo, escravismo e agricultura foi elaborado o Código Civil de 1916, que tratou dos assuntos que interessavam aos elaboradores do direito, ou seja, a classe dominante patriarcalista, conservadora e hieraquizada. Por causa da sua posição que privilegiava os ricos fazendeiros, industriais e comerciantes, este código valorizava acima de tudo os bens, e a família era vista como extensão do patrimônio.

Neste código, o pai era o indivíduo mais importante da família, pois como as mulheres ainda não tinham ganhado espaço efetivo no mercado de trabalho, era o homem quem sustentava, portanto, o dono do patrimônio. O cônjuge que praticava adultério perderia a guarda dos filhos e somente a mulher culpada poderia pedir alimentos para a vítima, esse direito era negado ao marido que fosse considerado culpado. No caso de separação judicial a mãe tinha prioridades para a guarda dos filhos. O divórcio até a publicação da lei específica de 1977 não existia no Brasil. O homem poderia pedir a anulação do casamento caso descobrisse que a mulher não era mais virgem. Não fazia referência aos efeitos civis do casamento religioso, não reconhecia a união estável. A adoção só era permitida para homens e mulheres casados e com mais de trinta anos. Existia uma diferença entre os filhos “legítimos” e “ilegítimos” que era notada na reclamação da herança. A maioridade civil estava estabelecida em vinte e um anos. Apenas a mãe só poderia emancipar o filho se o pai houvesse morrido.

Com características essencialmente patriarcais, como as vistas no parágrafo anterior, o Código Civil de 1916 vigorou por 85 anos, sendo substituído pelo atual que demorou 26 anos para ser aprovado e sofreu grandes críticas dos doutrinadores por ter muitas questões defasadas e que não estão em total acordo com o momento vivido pela sociedade brasileira.

 A Constituição Federal de 1988 surgiu em um momento em que a sociedade clamava por justiça, igualdade e uma vida mais digna, o período que precedera a Carta Magna, foi um dos períodos mais caóticos e sem certezas para qualquer questão, seja política, econômica ou judicial da história do Brasil, para isso os constituintes elaboraram uma constituição analítica e que falaria sobre todos os novos valores da nação a partir deste momento. Ora, o Código Civil de 1916, com as características já citadas, não reproduzia o caput do artigo 5° da Constituição Federal que diz: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (...)”, dessa forma ficou mais evidente ainda a necessidade um novo código que não diferenciasse pais e mães, filhos “legítimos” e “ilegítimos”.

O código publicado em 2002 em grande parte abandonou a visão patriarcalista, tornou-se mais humano e tolerante, pois em muitos aspectos o anterior entrelaçava-se com sistema penal, como quando tratava do adultério, e muitas vezes tornava-se até humilhante, como na anulação do casamento caso fosse comprovado que a esposa não era mais virgem. As relações essencialmente patriarcais são desfeitas juridicamente, pois a sociedade passar por momentos grandes transformações, como o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a adoção de crianças por solteiros, concessão de direito iguais aos pais e às mães, divórcios. “Temos uma família mais igualitária, libertária, solidária e fraterna, no dizer de Sérgio Gischkow Pereira (97); menos hipócrita, primando pela sinceridade e pelo companheirismo, sem a opressão e a prepotência passadas.”(RIBEIRO, 2007, p. 2)

É um código que ainda apresenta algumas deficiências, mas “nessa matéria é atribuído grande poder ao juiz” (REALE, 2007, p. 1), resolvendo os casos de acordo com sua interpretação e fazendo o que for melhor para as partes, especialmente quando se tratar de crianças e adolescentes.

Apesar de deixar algumas questões pendentes, o novo Código Civil, representou um grande avanço para o ordenamento jurídico brasileiro, pois eliminou artigos preconceituosos e simplórios nos dias atuais. Após a constitucionalização que sofreu, o Direito Civil tem um caráter mais adequado a nossa sociedade, e ao direito, pois como norma infraconstitucional não poderia ferir a Carta Magna.

 
 
 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

 CAMILO, Felipe. Os três pilares do Código Civil de 1916: a família, a propriedade e o contrato. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/02de2004/ostrespilares_felipecamilo.htm>. Acesso em: 03 nov 2007.

 REALE, Miguel. Função  social  da  família no  código  civil. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoc.htm>. Acesso em: 04 nov 2007.

RIBEIRO, Simone Clos César. As inovações constitucionais no Direito de Família. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3192&p=5>. Acesso em: 04 nov 2007.

 TURNERH, Jonathan. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron Books, 2000.



[1] Paz vista de fora para dentro, ou seja, uma harmonia em que o homem tudo podia e a mulher e filhos estariam subordinados ao pai, sem que houvesse chance de divórcio ou que o patrimônio dos filhos do casamento pudesse ser disputado por filhos concebidos fora do casamento.