A MOTIVAÇÃO DAS EMPRESAS PARA SUA ADESÃO AO DISCURSO AMBIENTALISTA

Raphaela de Sousa França Pereira[1]

Rubens Bonacorso Casal de Rey[2]

 

Sumário: 1. A formação do campo ambientalista; 2. Falta de repercussão prática dos valores ambientalistas; 2.1 Bens coletivos e equação de provimento dos bens coletivos; 2.2 O discurso ambientalista como bem simbólico; 3. O papel do Direito para reequilibrar a equação de provimento dos bens coletivos; Conclusão; Referências.

 RESUMO

 

Este trabalho pretende abordar a adesão do discurso ambientalista pelas empresas, visto que este se encontra enraizado dentro de todas as esferas sociais, deslegitimando o discurso desenvolvimentista. Essa transformação ideológica pode ser explicada através das categorias sociológicas de Pierre Bourdieu, especialmente numa relação simbólica entre a economia e a ecologia. A partir da criação de um campo ambientalista explica-se a relação custo/benefício que gera a falta de interesse comum em proporcionar o bem coletivo através de mecanismos de preservação ambiental, enfatizando-se a verdadeira motivação das empresas em corroborar com as causas ambientalistas.

 

 Palavras-chave:

 

Discurso ambientalista; capital simbólico; bens coletivos

 

 1 A FORMAÇÃO DO CAMPO AMBIENTALISTA

 

Segundo Bourdieu, o habitus linguístico refere-se à produção de determinado discurso ajustado a uma “situação”, ou antes, ajustado a um mercado ou a um campo. Essa “situação”, nas últimas décadas, materializou-se na disputa entre atores desenvolvimentistas e ambientalistas. O discurso, como o ambientalista, além de gramaticalmente correto, obrigatoriamente deve ser socialmente admissível, denominado pelos sofistas como “kairós”, mira do alvo, ou seja, o discurso que "acerta no alvo" por ser socialmente adequado e satisfazer as expectativas da coletividade.

Durante muito tempo viu-se a sociedade aplaudir um discurso desenvolvimentista, representado pela expansão econômica, científica e tecnológica da humanidade mediante a exploração desenfreada de recursos naturais. Neste período já existiam aqueles que, preocupados com as conseqüências destas transformações na natureza, tentavam, sem sucesso, repreender essa corrida irresponsável pelo desenvolvimento. Entretanto, eram tratados como desviantes, sofrendo as denominadas sanções simbólicas: indiferença, desprestígio, perda de status social. O discurso socialmente admissível, ou a norma social dominante fazia parte da oração desenvolvimentista, não sendo admissível algo diferente disso.

Essa admissibilidade, segundo Bourdieu, está relacionada com a conformidade das palavras com as regras intuitivamente dominadas que são imanentes a uma situação ou a certo mercado linguístico, definido como: “situação social, mais ou menos oficial e ritualizada, um certo conjunto de interlocutores, com uma situação mais ou menos elevada na hierarquia social”[3]. O papel desses mercados é representado pelas organizações mundiais, pois somente após relatórios de notificação feita por estes órgãos é que a sociedade se conscientizou sobre os problemas acarretados na natureza pelo processo desenvolvimentista. O desenvolvimento sustentável passou a ser o discurso dominante, fazendo com que a corrente desenvolvimentista perdesse legitimidade.

Bourdieu define os campos como “o lócus onde se trava uma luta concorrencial entre os atores em torno de interesses específicos que caracterizam a área em questão”[4], ou seja, o espaço onde se manifestam as relações de poder. A partir disso nota-se o surgimento do campo ambientalista, onde os ambientalistas representam os dominantes e os desenvolvimentistas, deslegitimados, os dominados, arcando com toda a repressão simbólica e social que anteriormente recaía nos que defendiam idéias ecológicas.

 

2 FALTA DE REPERCUSSÃO PRÁTICA DOS VALORES AMBIENTALISTAS

2.1 Bens coletivos e equação de provimento dos bens coletivos

Em que pese a ascensão do discurso ambientalista ao posto de dominância no recentemente construído "campo ambientalista", não se observa uma reforma efetiva na práxis dos sujeitos em relação ao meio ambiente. Apesar da "consciência verde" edificada por relatórios científicos de organizações de cúpula no cenário político mundial, que denunciaram o risco de variadas catástrofes ambientais; a práxis dos atores sociais continua mais ou menos inalterada. Em outras palavras, a prática do desenvolvimento sustentável não é proporcional ao nível de apropriação teórica do mesmo.

Em “A lógica da ação coletiva”, Mancur Olson analisa o comportamento de grandes grupos de indivíduos no sentido de prover um bem coletivo. Este entendido como todo bem que não é passível de privatização; é de fruição coletiva, razão pela qual, necessariamente, encontra-se à disposição de todos. Aqui há uma consideração importante: dizer que um bem (na qualidade de coletivo) é obrigatoriamente - em virtude de sua natureza -, um bem à disposição de todos, implica dizer que mesmo os indivíduos que não contribuem para a manutenção do bem poderão usufruí-lo na mesma medida em que o fazem os que se esforçam para seu provimento. Trataremos dessa noção adiante.

Por ser relevante a todos os indivíduos, é intuitivo concluir que um bem coletivo não encontraria dificuldades para ser mantido, visto que sua importância é generalizada e são diversos os sujeitos interessados em sua conservação. Porém, segundo Olson,

 Não é verdade que a idéia de que os grupos agirão para atingir seus objetivos seja uma seqüência lógica da premissa do comportamento racional e centrado nos próprios interesses. Não é fato que só porque todos os indivíduos de um determinado grupo ganhariam se atingissem seu objetivo grupal, eles agirão para atingir esse objetivo, mesmo que todos eles sejam pessoas racionais e centradas nos seus próprios interesses.[5]

 Olson baseia sua afirmativa no que chamaremos aqui de equação de provimento dos bens coletivos. Tal equação exprime-se do seguinte modo: usufruto/benefício - sacrifício/provimento = contribuição prática para a conservação do bem. Explicamo-nos. O indivíduo só age no intuito de prover o bem coletivo se o ônus das medidas que precisa tomar para conservá-lo for inferior ao benefício que terá durante o usufruto do bem após seu provimento. Em outras palavras, baseia-se em uma relação custo benefício.

Tomemos como exemplo a poluição atmosférica e seu agravo pelo uso exacerbado de veículos automotivos: deixando de utilizar seu automóvel para reduzir a emissão de gases tóxicos (sacrifício/provimento) o sujeito contribuirá para a melhoria da qualidade do ar (usufruto/benefício), porém, essa melhora será ínfima, visto que o provimento do bem coletivo depende de uma generalidade de indivíduos, e, portanto, não compensará o custo da ação provedora. Em suma, "quanto maior for o grupo, menor a fração do ganho total grupal que receberá cada membro que atue pelos interesses do grupo"[6].

Neste contexto insere-se o que Olson chamou de free-rider, ou caroneiro. O caroneiro é aquele que se aproveita do fato de o bem coletivo estar, como explicamos no segundo parágrafo deste tópico, obrigatoriamente a disposição de todos, dada sua própria natureza indivisível e não passível de privatização. Basicamente, ele usufrui o bem coletivo sem empreender nenhum esforço para seu provimento, conservação ou manutenção. Os free-riders,

não têm nenhum interesse comum no que toca a pagar o custo desse benefício coletivo [pois] prefeririam que os outros pagassem todo o custo sozinhos, e por via de regra desfrutariam de qualquer vantagem provida quer tivessem ou não arcado com uma parte do custo[7].

 2.2  O discurso ambientalista como bem simbólico

Observada a falta de estímulo decorrente de sua equação de provimento, o bem coletivo, ainda sim, é alvo de diversas iniciativas que visam sua conservação. No presente trabalho levaremos em conta a atuação de agentes econômicos, precisamente, das empresas, no sentido de prover o meio ambiente, como bem coletivo que é. E a pergunta que fica é: se equação de provimento dos bens coletivos apresenta uma lógica de prejuízo, por que diversas empresas, que se caracterizam pela "organização dos fatores da produção para um escopo lucrativo"[8] (grifo nosso) apresentam projetos e iniciativas notoriamente ligadas à idéia de desenvolvimento sustentável?

A resposta para essa indagação nos remete, novamente, a uma análise bourdieusiana. Repisando a noção de "campos sociais" em Bourdieu, afirmamos que este conceito se refere a diversos lócus onde se travam lutas (ou jogos) entre distintos atores sociais que almejam ocupar posições hierarquicamente avantajadas na estrutura do campo. O que está em jogo é o direito de se dizer o que é o certo e adequado, o que tem valor ou não em determinada área (política, econômica, jurídica, ambientalista, etc).

Para se subir na hierarquia interna de cada campo, o ator precisa acumular bens simbólicos, que se traduzem num conjunto de práticas conhecidas e reconhecidas pela sociedade como legítimas, aceitadas mediante um parâmetro admitido e consagrado pela sociedade. É o conjunto de bens simbólicos (ou capital simbólico) o que determina o status do indivíduo em determinado lócus. Assim é que, para galgar degraus no campo jurídico, por exemplo, o sujeito procura formar-se num curso de doutorado em Direito, pois tal diploma consiste em importante capital simbólico neste campo (angariador de prestígio e status).

Como Bourdieu deixa claro, sobretudo se lembrarmos que sua teoria é irrigada pela análise sobre o capitalismo de Marx, o capital simbólico pode ser transformado de um tipo em outro, por exemplo: de capital jurídico para capital econômico. Ou seja, o indivíduo pode fazer uso de sua posição privilegiada em determinado campo para auferir vantagens materiais em outros campos.

Trazendo estes conceitos para a problemática ambientalista, é inegável que a defesa ao discurso do desenvolvimento sustentável tornou-se valioso capital simbólico. O capital ambientalista, por assim dizer, é o crédito que as empresas ganham, seu prestígio em face do consumidor. Uma vez que o discurso do desenvolvimento sustentável está bastante consagrado na sociedade, ocupando lugar de prestígio na cadeia hierárquica do campo ambientalista, é de grande interesse das empresas defenderem-no. Aí se insere o marketing ambiental, que nada mais é do que o processo por meio do qual as empresas produzem capital ambientalista e transmutam-no em capital econômico.

Assim, apontar a vasta gama de iniciativas do empresariado que reproduzem o discurso do desenvolvimento sustentável não é prova de que a equação de provimento dos bens coletivos é falsa. Apenas deve-se atentar que - na variante "benefício/provimento", em relação às empresas, consta um grande montante de capital simbólico, que se traduz na confiança, crédito e prestígio que elas acumulam frente ao público consumidor.

3. O papel do Direito para reequilibrar a equação de provimento dos bens coletivos

 

Segundo Antonio Herman V. Benjamin deve ser imposto ao poluidor “o dever de arcar com as despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição”[9], fazendo com que o individuo que causou a poluição se responsabilize pelas conseqüências da sua ação. O Direito vem como instrumento coercitivo para garantir a aplicabilidade das normas e sanções, garantindo a preservação do meio-ambiente e a responsabilidade na reparação do dano ambiental.

A aplicabilidade eficaz destes recursos coercitivos faria com que os indivíduos agissem pelo bem coletivo, pois como explanado anteriormente, a equação de provimento dos bens coletivos representa a relação custo/beneficio, onde o custo é muito grande e o beneficio ínfimo para o indivíduo. Voltando à Olson,

Na verdade, a menos que o número de indivíduos do grupo seja realmente pequeno, ou a menos que haja coerção ou algum outro dispositivo especial que faça os indivíduos agirem em interesse coletivo, os indivíduos racionais e centrados nos próprios interesses não agirão para promover seus interesses comuns ou grupais[10]

Quanto à responsabilidade das empresas sobre a possível lesão à esfera ambiental, o autor Ivan Lira de Carvalho afirma,

Assim, se não existe limitação ao engenho humano, no que diz respeito à atividade empresarial, sérios e inúmeros são os riscos aos quais esse segmento se expõe, vulnerando também a sociedade. A reparação é inevitável.[11]

Além do papel normativo, seria indispensável a criação de incentivos para o cumprimento das mesmas, fazendo com que na relação custo/beneficio, a primeira se torne ínfima em relação à segunda, servindo como base para garantir o cumprimento voluntário das normas ambientais.

Em suma, o Direito pode atuar como contrapeso, elemento balanceador da equação de provimento dos bens coletivos. E isso pode se dar tanto na variável do usufruto/benefício (por meio de sanções positivas ou premiais, que agregam maior valor ao lucro simbólico das empresas) quanto na variável do sacrifício/provimento (por meio das sanções negativas, que utilizam a coercitividade para garantir a prática sustentável por parte das empresas).

CONCLUSÃO

A adesão prática ao discurso do desenvolvimento sustentável no ramo empresarial acontece, sobretudo, como estratégia de ganho de lucro simbólico. Por isso assemelha-se a uma ferramenta de marketing.

Vimos que, além desse pretexto de cunho econômico, a motivação pode advir do Direito, que pode influenciar diretamente na equação de provimento dos bens simbólicos. Portanto, concluímos pela dúplice motivação das empresas na atuação de práticas sustentáveis: uma econômica, enxergada através de uma análise bourdieusiana, e outra jurídica, baseada no papel das sanções normativas na atuação das empresas.

Infelizmente não enxergamos motivação ética, sem a qual o discurso da sustentabilidade não passará de mera ferramenta econômica de maximização do lucro empresarial.

REFERENCIAS

BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. São Paulo: Fim de Século, 2003.

_________________. Sociologia. ORTIZ, Renato (ORG). São Paulo, Ática, 1983.

BURSZTYN, Marcel; FONSECA. Igor Ferraz da. Mercadores de moralidade: a retórica ambientalista e a prática do desenvolvimento sustentável. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2007000200013&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 15 maio 2010.

CARVALHO, Ivan Lira. A empresa e o meio ambiente. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/20000>. Acesso em: 28 maio 2010.

OLSON, M. A Lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: EDUSP, 1999.

 
 


[1] Acadêmico do 4° período do Curso de Direito da UNDB

[2] Acadêmico do 4° período do Curso de Direito da UNDB

[3] BOURDIEU, Pierre. Sociologia. ORTIZ, Renato (ORG). São Paulo, Ática, 1983. Pg. 163

[4] ________. Questões de Sociologia. São Paulo: Fim de Século, 2003. Pg. 128

[5] OLSON apud BURSZTYN, Marcel; FONSECA. Igor Ferraz da. Mercadores de moralidade: a retórica ambientalista e a prática do desenvolvimento sustentável. 2007.

[6] Ibid

[7] Ibid

[8] CARVALHO, Ivan Lira. A empresa e o meio ambiente.

[9] CARVALHO, Ivan Lira. A empresa e o meio ambiente.

[10] OLSON

[11] CARVALHO, Ivan Lira. A empresa e o meio ambiente.